O Japao Na Era Meij - Quando o Distante Se Torna Proximo

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O Japão na Era Meiji : quando o distante se torna próximo. Kamila Gouveia Camargo Cré Luiza Rafaela Bezerra Sarraff Natália de Fátima de Carvalho Lacerda. I. Introdução Poucos lugares parecem tão longínquos para os brasileiros quanto o Japão. Não é de se estranhar,portanto,que tão pouco seja dito sobre esse lugar durante a vida escolar. Na verdade,qualquer referência a esse país só é levantada quando se torna inevitável – como quando se trata da trágica participação japonesa na segunda Grande Guerra. No entanto,é equivocado pensar que a terra do sol nascente somente Imagem 1 : Pintura da Era Meiji: Contraste entre elementos tradicionais da cultura e elementos ocidentais.

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Japão e Era Meiji

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O Japão na Era Meiji : quando o distante se torna próximo.

Kamila Gouveia Camargo Cré

Luiza Rafaela Bezerra Sarraff

Natália de Fátima de Carvalho Lacerda.

I. Introdução

Poucos lugares parecem tão longínquos para os brasileiros quanto o Japão.

Não é de se estranhar,portanto,que tão pouco seja dito sobre esse lugar durante a

vida escolar. Na verdade,qualquer referência a esse país só é levantada quando se

torna inevitável – como quando se trata da trágica participação japonesa na segunda

Grande Guerra. No entanto,é equivocado pensar que a terra do sol nascente somente

Imagem 1 : Pintura da Era Meiji:

Contraste entre elementos tradicionais

da cultura e elementos ocidentais.

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pode ser estudada dentro de assuntos convencionais do Ensino Médio. A partir da

realidade japonesa,é possível tratar também de temas muito discutidos – como a

globalização e a modernidade – de forma a emprestar-lhes novas perspectivas.

Analisar os efeitos da modernidade e da globalização no Japão pode ser muito

rico,conforme Renato Ortiz,que dedica a sua obra “O Próximo e o Distante: Japão e

Modernidade Mundo” exatamente a esses esforços. A partir dessa mesma obra,o

presente trabalho pretende apresentar brevemente algumas considerações que

podem e devem ser aprofundadas de acordo com o interesse que suscitarem.

II. Japão Moderno

Antes de se pensar o Japão moderno, é necessário deter-se em algumas

considerações que facilitarão o entendimento do mesmo.

Primeiramente,compreender o que significa a modernidade. Segundo Marshall

Berman,a época moderna se caracteriza por uma experiência de vida compartilhada

em todos os países que a alcançaram. Experiência essa que diz respeito à percepção

espacial,de si mesmos e também das possibilidades e dos perigos que o mundo

oferece. As mudanças vertiginosas que compõem essas novas percepções,tão

características do século XX,é o que se denomina 'modernização'. Esse processo

abarca inúmeras evoluções científicas que tem em comum a capacidade de

transformar de forma direta e indireta a vida em sociedade. A industrialização da

produção,a evolução dos meios de transporte e de comunicação,a derrubada de

antigos paradigmas científicos – tudo isso influencia não só em questões

materiais,mas funda novas espacialidades,aproxima lugares distantes,entre outras

implicações das mais diversas,criando novas noções de mundo.

III. A Era Meiji

A história do Japão é milenar,mas o que nos interessa inicia-se em 1192

com o xogunato. Nesse período, o Japão era dividido em unidades político-

administrativas,os Hans, que assemelhavam-se estruturalmente aos feudos da

Europa Medieval e eram controlados por clãs. As condições históricas de intensas

disputas por terras entre esses clãs são aquelas encontradas no momento de

nascimento do regime dos xoguns e é partindo delas que entendemos algumas

características dessa doutrina política.

Depois de um longo período de guerras entre os clãs,em 1192,um samurai

toma o poder e recebe do imperador o título de xogum. O xogunato é um sistema

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monárquico próprio do Japão em que o governo de fato era exercido por um líder

militar,enquanto o imperador passava a ser uma figura meramente ilustrativa. Esse

sistema durou quase sete séculos e só foi abolido em 1868,quando o poder do

soberano foi restaurado.

Três dinastias lideraram o xogunato: Minamoto(1192-1333),Ashikaga(1338-

1573) e Tokugawa(1603-1868). O último período foi a era áurea do governo samurai.

A era Tokugawa é sempre lembrada pelo fechamento dos portos japoneses em 1639

como uma forma de impedir o avanço da influência ocidental católica que ameaçava

desestabilizar o sistema sóciopolítico vigente.

Desde então muitos países ocidentais tentam quebrar o isolacionismo

Tokugawa,mas apenas em 1853 a missão estadunidense comandada pelo Comodoro

Perry obteve sucesso. O comodoro chegou ao Japão e proferiu um ultimato:ou o

Japão aceitava estabelecer comércio ou seria atacado. O interesse dos EUA,que vivia

seu momento de expansão justificada pela Doutrina do Destino Manifesto,com a

abertura do Japão era poder contar com os portos japoneses para reparar seus

navios e obter suprimentos durante suas viagens

comerciais,mas,principalmente,desfrutar do carvão (combustível das novas máquinas

à vapor) que era abundante no arquipélago.

O

Japão já vinha passando por transformações envolvendo problemas de arrecadação

de impostos e revoltas camponesas. O regime do xogunato já estava desgastado e

passava por uma crise de sucessão,o que só se agravou com a chegada da esquadra

estadunidense e as medidas tomadas pelo governo militar a partir desse contato que

geraram muitas críticas. Assim,os feudos de Satsuma e Choshu (mais fortes

Imagem 2 :

Desembarque da

esquadra liderada

pelo Comodo

Perry em

1854,Yokohama.

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economicamente) lideraram os descontentes com o regime numa rebelião contra o

xogum e restabeleceram o poder imperial em 1868.

Com a restauração do poder imperial,o jovem imperador Mutsuhito (e seus

conselheiros) tinha a intenção de modernizar o país

para que pudesse concorrer com as potências

mundiais da época. Para isso,foram tomadas

medidas que podem ser resumidas pelo primeiro

documento publicado da restauração:a Declaração

dos Cincos Artigos (1868). Nela,o império se

compromete a instituir assembléias para resolver

assuntos do Estado;promete abolir “maus hábitos”

feudais; permitir que todos possam buscar sua

satisfação;unir todas as classes para a

administração das coisas do Estado e buscar

conhecimento em todas as partes do mundo.

Para alcançar o objetivo de modernização,foram

contratados mais de 3 mil conselheiros

estrangeiros e foram enviados estudantes japoneses para estudar nesses países para

aprenderem as novas técnicas e para a aplicação de uma estrutura para a produção

semelhante à ocidental.

Os grupos mais descontentes com esse processo foram obviamente os

samurais que resistiram até 1877,mas muitos deles já vinham sendo incorporados à

nova ordem, principalmente os de alta patente militar e prestígio que obtiveram

cargos,e,de certa forma,permaneceram dando rumos para a sociedade japonesa.

O Estado vai acabar gradualmente com as distinções formais entre as

classes. Ele institui o serviço militar obrigatório em 1873,retirando o monopólio

militar dos samurais. Tentava-se cada vez mais dar uma ideia de um povo

japonês,que unido faria oposição às potências ocidentais. Elevou-se, assim a língua

japonesa comum,os elementos religiosos,principalmente o xintoísmo.

A meta de modernização se faz através de investimentos estatais em infra-

estrutura;apoio a empresas, criando,assim,oportunidades para a formação de

grandes conglomerados comerciais,as zaibatsus;consolidação de um sistema

bancário; e consegue uma gradual centralização administrativa. Além disso,o Estado

coloca como obrigatória a educação,utilizando modelos escolares ocidentais.

Imagem 3 : Imperador Mutsuhito Tenno, muitas vezes chamado Imperador Meiji (Meiji quer dizer governo iluminado). Percebe-se que ele usa roupas no estilo ocidental.

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Todas essas ações governamentais só foram possíveis através dos impostos

que recaiam pesadamente sobre os camponeses. Os antigos domínios feudais (han)

se transformaram em prefeituras (ken) administradas por funcionários do governo. A

terra agora pode ser arrendada e vendida e os impostos passam a ser pagos

integralmente em dinheiro (1873),que tradicionalmente eram pagos em produtos;os

camponeses deixam de pagar para os senhores feudais para pagar diretamente ao

império.

Devido à proliferação de ideias de liberdade e democracia,o estado decide

ele mesmo implementar uma Constituição para que pudesse controlá-la melhor.

Assim em 1889,o império japonês passa a ter uma Constituição que só em partes

adota esses princípios,criando na verdade um “disfarce” democrático para um

governo autoritário.

A Era Meiji termina,formalmente,em 1912 com a morte do imperador.

IV. Reflexões acerca da modernidade japonesa.

Renato Ortiz propõe-se a contrastar o Japão feudal e o Japão pós-Era Meiji

enfocando,para além dos âmbitos político e econômico - intensamente abordados em

estudos sobre modernidade e globalização – o âmbito cultural. Para o autor,as trocas

A Era Meiji por ela mesma

Nada melhor para compreender uma época do que relat os advindos diretamente e que denotem sua vivência e características. Abaixo, veja u m documento contemporâneo à Era Meiji, extraído do livro do historiador Jean Chesneaux, “A Asia Oriental nos séculos XIX e XX”.

Texto imperial de 1868 sobre a Restauração Meiji.

“Vimos de assumir a sucessão ao Trono Imperial, no momento em que o Império é submetido uma reforma total. Reservamo-nos o direito de decidir, de modo supremo e exclusivo, os assuntos civis e militares. A dignidade e felicidade da nação reclamam a interferência de Nossa elevada função. De modo constante e sem repouso, consagraremos a is so os Nossos pensamentos. Por indignos que sejamos para a tarefa, pretendemos continuar o trabal ho começado pelos nossos sábios antepassados e aplicar a política que nos legou o fa lecido imperador, dando paz aos clãs e ao nosso povo, e promovendo, além dos mares, no exterior, a g lória da nação. Devido às intrigas imoderadas que o shogun Tokugawa Keiki alimentou, o Império se reduziu a pedaços e, em conseqüência, veio a guerra civil que padecimentos sem conta impôs ao povo . Assim, fomos forçados a fazer, pessoalmente, campanha contra ele.

Como já se declarou, a existência de relações com pa íses estrangeiros implica em problemas muito importantes. Assim, também Nós, por amor ao povo , estamos dispostos a enfrentar os perigos do abismo, a sofrer as maiores dificuldades, jurando estender ao estrangeiro a glória da nação, e a satisfazer aos manes dos nossos ancestrais e do defu nto imperador.

Portanto, que vossos clãs reunidos Nos assistam em no ssas imperfeições; que unindo vossos corações e vossas forças desempenheis os papé is que vos estão atribuídos, desdobrando todo vosso zelo para o bem do Estado.’’

(Selo Imperial)

21 de março de 1868.

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comerciais e políticas,a aproximação virtual dos mais distantes locais do mundo por

meio de novas tecnologias da comunicação e de transporte,entre outras coisas;teria

criado uma espécie de “cultura global”,na qual elementos se repetiriam,em todos os

territórios,independentemente,ou adaptativamente à cultura local.

Em relação ao país nipônico,o que Ortiz destaca é a maleabilidade do Estado

,o qual,malgrado uma abertura dos portos e do comércio militarmente imposta,

conseguiu alguma vantagem do contato com um mundo Ocidental - que em expansão

comercial,havia muitas vezes levado prejuízos incalculáveis ao orientais,inclusive aos

chineses,vizinhos do Japão.

Criou o Japão uma espécie de nacionalismo singular,em que a imagem do

estrangeiro perigoso serviu como figura contra a qual o fragmentado país deveria se

unir. Mas,ao mesmo tempo,essa figura estranha do estrangeiro inspirou os

japoneses na construção do seu recém-unificado Estado nacional. Importou-se

modelos de exército,burocracia,democracia,sempre alterando os elementos de

forma a torná-los os mais úteis e possíveis para a fortificação do Estado. Para além

disso,importou-se o modelo e as técnicas de produção,a fim de adequar o país ao

mercado mundial em formação e também torná-lo capaz de competir com as

potências européias.

Em meio a tantas transformações e a adoção de tantos elementos

estrangeiros, a identidade nacional dos japoneses se torna um enigma para eles

mesmos. “A modernidade traz um dilema. Em que medida ela não seria sinônimo de

ocidentalização?” - questiona-se Ortiz. Era impossível retroceder nos avanços

técnicos que invadiram o Japão desde a abertura dos portos,em 1868,mesmo se

assim desejassem os nacionalistas mais extremos que tinham as tradições

japonesas feudais no mais alto grau de apreço. A solução, conforme Ortiz,foi criar

uma tradição que polarizava corpo e alma. O primeiro,ligado ao profano,poderia e

deveria entrar em contato com as técnicas vindas do exterior;a segunda,por sua

vez,com seu caráter sagrado,deveria estar voltada para as tradições japonesas.

É interessante a comparação de Ortiz entre essa reação japonesa à

importação de elementos modernos originalmente europeus à reação de países

latino-americanos - inclusive o Brasil - que em situação relativamente

semelhante,tanto se esforçaram para criar uma identidade nacional.

A criação de novas espacialidades,identidade nacional em contrapartida à

globalização e a formação de uma identidade global,padronização de formas de

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Filmes

Para ilustrar os acontecimentos da Era Meiji podemos destacar duas produções: o filme “O último

samurai” e o anime (animação japonesa) “Samurai X”. A primeira é um filme de 2003, dirigido por

Edward Zwick e estrelado por Tom Cruise, que se pass a durante a última grande rebelião samurai

contra a restauração imperial, que foi derrotada em 18 77. Já o anime é uma série de 95 episódios

de criação de Nobuhiro Watsuki, que conta a história de um samurai que se vê num ambiente

permeado de mudanças que é o da Era Meiji. Outros fil mes importantes a serem destacados são

os de Akira Kurosawa,pois mesmo não tratando diretame nte da Era meiji, realizou obras-primas

cultuadas por todo o mundo que tratam muitas vezes do japão "feudal" ou do japão do pós-

guerra.Esses são uma excelente forma de se conhecer u m pouco mais da cultura e da história

japonesa.

produção e de mercados,entre muitas outras questões que podem ser levantadas a

partir dos processos de modernização e globalização,encontram no Japão feliz fonte

para debates. Muito pode se colaborar para a questão sempre em voga da formação

do Estado e da identidade nacionais. Além disso,as singularidades dos processos

japoneses permitem entender,entre outras coisas,as diferenças,às vezes

enormes,entre países que receberam para si,os mesmos elementos da Modernidade

(diferenças entre Japão e o Brasil, por exemplo) – rememorado,nesse sentido,que

cada processo histórico é único,mesmo quando o mundo ganha uma perspectiva

englobante e padronizadora.

V. Bibliografia.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo : Editora

Schwarcz, 1986.

CHESNEAUX, Jean. A Ásia Oriental nos séculos XIX e XX. São Paulo: Pioneira,

1976.

COGGIOLA, Osvaldo. Uma via original para a modernidade. Revista História Viva:

Japão 500 anos de história – 100 anos de imigração. Ed. 2, p.14-23. 2008.

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ORTIZ, Renato. O próximo e o distante: Japão e modernidade-mundo. São Paulo : Brasiliense, 2000.

SAKURAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2007.

SOUYRI, Pierre-François. Os senhores do Japão feudal. História Viva. ano VII, nº 84. p. 28-33, 2010. UEHARA, Alexandre Ratsuo. A elite instala uma democracia de fachada. Revista História Viva: Japão 500 anos de história – 100 anos de imigração. Ed. 2, p.24-25. 2008.

ZACARIAS, Gabriel Ferreira. Abertura sob a mira de canhões. Revista História Viva: Japão 500 anos de história – 100 anos de imigração. Ed. 2, p.10-13. 2008.

VI. Referências Iconográficas.

Imagem 1: Disponível em : http://www.artelino.com/articles/meiji_era.asp. Último acesso : 05/06/2011, às 17 :06.

Imagem 2: Disponível em :

http://www.artehistoria.jcyl.es/civilizaciones/obras/12768.htm Último acesso : 05/06/2011, às 17:27

Imagem 3: Disponível em :

http://coltecnagrandeguerra.wordpress.com/2009/09/20/ascencao-do-japao/ Último acesso : 05/06/2011, às 18:34.