O Jornalismo gonzo no programa de televisão A Liga
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Jornalismo Gonzo no Programa de Televisão A Liga1
Janaína ALMEIDA2
Talita SCORALICK3
Universidade de Federal de Juiz de Fora
RESUMOEsse artigo tem por objetivo identificar características de jornalismo Gonzo na produção televisiva A Liga, exibida pela Rede Bandeirantes. O programa semanal faz reportagens sobre diversos assuntos, utilizando-se de uma linguagem particular: a inserção dos apresentadores no ambiente em que os personagens entrevistados estão envolvidos. Ao adotar uma abordagem diferente das reportagens televisivas “convencionais”, o programa apresenta qualidades comuns ao jornalismo Gonzo. Visando analisar como essa modalidade de jornalismo se manifesta em A Liga, foram selecionados três episódios do programa, exibidos, respectivamente, nos dias 04 de maio, 15 de junho e 14 de setembro de 2010.
PALAVRAS-CHAVE: new journalism; jornalismo Gonzo; televisão; A Liga.
1. Considerações iniciais
O presente artigo tem por objetivo demonstrar as características peculiares ao
jornalismo Gonzo no programa A Liga. Para isso, serão analisados três episódios,
exibidos em períodos aleatórios, buscando compreender sua estrutura técnica e
ideológica.
Com base em tal estudo pretende-se reconhecer como a produção do programa
utiliza-se de recursos presentes nessa modalidade de jornalismo, porém adequado a
sociedade atual. Além disso, será realizada uma contextualização histórica para mostrar
1 Trabalho apresentado no DT TV, Cinema e Mídias Digitais do VIII Encontro Regional de Comunicação, Juiz de Fora, outubro de 2010.
2 Acadêmica do 6º semestre do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF. email: [email protected]
3 Acadêmica do 6º semestre do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF. email: [email protected]
como o jornalismo literário se desenvolveu até transformar-se no gênero New
Journalism, que serviu de base para o surgimento do jornalismo Gonzo.
2. New Journalism
O New Journalism surgiu na década de 60, nos Estados Unidos, em meio ao fim
da Segunda Guerra Mundial, sob o contexto histórico de uma tensão constante,
ocasionada pela disputa nuclear, e o surgimento de grupos que contestavam a situação
social do período. O movimento hippie destacava-se como uma autêntica forma de
manifestação e contestação dos valores da sociedade da época. Esse movimento pregava
a libertação das regras impostas e o autoconhecimento humano, buscando maneiras de
entender a existência da vida e o mundo que os cercavam. Influenciados por tais
pensamentos, um grupo de jornalistas como Gay Talese (A mulher do próximo), Truman
Capote (A sangue frio), Normam Mailer (O Super-Homem vai ao Super Mercado) e
Tom Wolfe (Da Bauhaus ao nosso Caos), principais autores do gênero, criam essa nova
corrente, o New Journalism, propondo mudanças drásticas no modo como se apura,
redige e edita um fato noticioso.
A proposta era de aprofundamento das questões humanas através da
investigação e do trabalho de campo, buscando revelar características e modos de vida
pouco ou superficialmente explorados até então. Para tanto, esses jornalistas se
aproximam de técnicas da literatura de ficção e procuram configurar uma visão mais
humanista e detalhada de suas abordagens, contrariando a distância e a frieza do
jornalismo tradicional.
Devido à essas características, escritores como Wolfe, afirmam que o New
Journalism nasceu, de certa forma, para satisfazer uma necessidade que muitos
jornalistas possuíam: o sonho de escrever um grande romance. Segundo ele, os
jornalistas viviam em uma hierarquia, em que o cargo mais alto era o de escritor de
romances. "Estou ansioso por apostar que, não há muito tempo, a metade das pessoas
que iam trabalhar na imprensa o faziam na crença de que o seu destino real era o de ser
romancistas."(WOLFE, 1976, p.16). Assim, esses profissionais enveredavam pelo ramo
das reportagens, como forma de se aproximarem de seus sonhos literários.
Diferente das matérias jornalísticas factuais, as reportagens abrangiam tudo
relacionado a histórias de interesse humano, ou seja, textos que versavam sobre
acontecimentos cômicos ou trágicos na vida de pessoas comuns. Também por isso, os
temas das reportagens sempre proporcionavam uma maior liberdade na hora de escrevê-
las, possibilitando uma aproximação das narrativas realistas de ficção.
Assim, o New Journalism surge, como reportagens mais apuradas, aos moldes
dos romances de ficção, com assuntos diversos e contendo informações normalmente
dispensadas na redação de uma matéria de caráter informativo, assemelhando-se muito
mais a um relato do que a um texto jornalístico propriamente dito:
O novo jornalismo, embora possa ser lido como ficção, não é ficção. É, ou deveria ser, tão verídico como a mais exata das reportagens, buscando embora uma verdade mais ampla que a possível através da mera compilação de fatos comprováveis, o uso de citações diretas, a alusão ao rígido estilo mais antigo. O novo jornalismo permite, na verdade exige, uma abordagem mais imaginativa da reportagem e consente que o escritor se intrometa na narrativa se o desejar, conforme acontece com frequência, ou que assuma o papel de observador imparcial, como fazem outros, eu inclusive (TALESE, 1973).
Usando de recursos como a narrativa, o diálogo e a descrição de cenas e ações, o
New Journalism é uma espécie de história, porém real, contada pelo próprio jornalista.
Para isso, o repórter emergia no ambiente retratado, para buscar detalhes que
enriquecessem seu texto.
3. Jornalismo Gonzo
O Jornalismo Gonzo surgiu como uma vertente do New Journalism, uma
interpretação extremada de seus princípios sob a perspectiva do jornalista Hunter S.
Thompson. Ele diferenciou-se como uma nova forma estilística, propondo novos
caminhos para a apresentação do texto, a escolha dos temas, a abordagem dos assuntos e
as técnicas de apuração, de forma a transpôr a barreira que separava o jornalismo da
ficção, revolucionando os padrões e as normas conhecidas.
Segundo Christine Othitis, Thompson é o "único gonzo jornalista do mundo",
sendo seu trabalho incomparável. Considerado um estilo fundado por um homem só, o
jornalismo gonzo teve sua origem e postulados intimamente ligados ao seu criador.
Thompson nasceu durante a depressão norte-americana, em 18 de julho de 1939,
em Louisville, no Kentucky. As relações com a escrita e os desvios de conduta
acompanham Hunter desde muito cedo. Aos oito anos de idade, Thompson é convidado
por um amigo, a escrever sobre suas aventuras infantis para um jornal de bairro
chamado Southern Star, mesma época em que ocorreu seu primeiro atrito com a lei.
Seus pais eram alcoólatras e frequentemente tinham surtos violentos. Com 15
anos, após alguns problemas familiares e a morte de seu pai, Thompson começou a
beber. Aos 18, quando condenado a sessenta dias de prisão por um assalto, cumpriu
parte da sentença na força aérea onde passou a escrever para o jornal Command
Courrier. Quando já dispensado e depois de enfrentar os mais variados problemas em
pequenos diários das cidades por onde passou, Thompson aceitou o convite de cobrir a
América Latina para o National Observer e, mais tarde, de residir em Porto Rico
escrevendo sobre boliche para a revista El Sportivo.
A sua insistência em acrescentar conteúdo político às matérias contribuiu para
que ele fosse designado para resenhar livros, mas antes disso agravou-se os atritos com
a National Observer, de onde demitiu-se logo depois.
Assim como muitos de seus contemporâneos, Thompson enfrentava o dilema do
especialista em reportagem: queria escrever ficção mas via-se obrigado a buscar refúgio
na sobriedade do jornalismo, enquanto não alcançasse algum êxito literário. O
surgimento do New Journalism veio renovar suas esperanças, ele decidiu viver durante
dezoito meses entre os membros da gangue de motociclistas Hell's Angels para escrever
um artigo publicado em 1965, na revista Nation. Acabou ficando por um ano e meio,
participando de todas as atividades ilegais às quais eles estavam ligados.
Em 1967, foi publicado o livro “Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of
the California Motorcycle Gang”, pela editora Random House, seu primeiro e único
livro que poderia ser chamado de New Journalism, onde Thompson manteve um estilo
controlado de se expressar, buscava mostrar os dois lados da mesma questão e deixava
para o leitor a formação dos seus próprios conceitos.
Seu primeiro artigo a ser batizado de Gonzo só foi publicado em 1970, na edição
de junho da Scanlan's Monthly, uma revista de esportes. “The Kentucky Derby is
Decadent and Depraved” deveria ser um artigo sobre o mais famoso evento esportivo
de Louisville, mas acabou transformando-se numa ácida crítica ao modo de vida da
população local, de forma que a corrida em si apareceu em cerca de 1% do artigo.
Thompson mudava de um assunto pro outro como uma tentativa de escrever sobre
aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler.
Após esse episódio, Thompson escreve seu mais famoso texto Gonzo "Fear and
Loathing in Las Vegas" (literalmente "Medo e asco em Las Vegas", quando foi para Las
Vegas escrever um artigo sobre uma corrida de motos do deserto de Nevada, para a
Sports Illustrated. Ao chegar, logo deixou de lado a corrida para concentrar-se em uma
profunda análise sociológica dos viciados em jogo e drogas e todo o tipo de degenerado
que se reúne em volta dos cassinos. O artigo é recusado pela Sports Illustrated, mas
ganha destaque em duas edições da Rolling Stone, sendo posteriormente editado como
livro.
Nesse momento, Thompson tornou-se um dos fortes ícones da contracultura
norte-americana do século XX e o jornalismo Gonzo, o fenômeno do qual todos
queriam fazer parte.
Várias matérias de Thompson viraram livros que se tornaram best-sellers e até
filmes, como "Where the Buffalo Roam", dirigido por Art Linson em 1980 e “Fear and
Loathing in Las Vegas” (lançado no Brasil como "Medo e Delírio"), dirigido por Terry
Gilliam em 1998, com Johnny Depp no papel de Thompson e Benicio del Toro como
seu advogado, além de um documentário feito para a TV em 1978, "Fear and Loathing
in Gonzovision".
Thompson define o Gonzo Journalism como um estilo de reportagem baseada na
ideia do escritor William Faulkner, segundo a qual a melhor ficção é infinitamente mais
verdadeira do que qualquer tipo de jornalismo. Dessa forma, o autor ressalta que tanto a
ficção como o jornalismo são categorias superficiais (GIANNETTI, 2002), sendo
caminhos diferentes para o mesmo fim: informar, baseando-se na verossimilhança dos
fatos e, consequentemente, no compromisso com a verdade.
Segundo o autor, o bom Gonzo jornalista deveria ter o talento de um grande
jornalista, o olho de um fotógrafo e os culhões de um ator, ou seja, viver a ação e
reportá-la enquanto e como estivesse se desenrolando.
Tanto um romance quanto um artigo jornalístico escrito a partir do mesmo
material coletado podem oferecer retratos bastante acurados de uma realidade, ainda que
o primeiro possa utilizar-se de recursos como a inserção de personagens e situações que
não necessariamente existiram. Assim, todo o processo de levantamento de dados, desde
um estudo prévio sobre o tema, o trabalho de campo e uma reflexão sobre todo o
material coletado permite que o autor conte com um nível de informações tal que se
veja capaz de construir situações ou personagens absolutamente ficcionais e ao mesmo
tempo verossimilhantes a realidade.
As principais características dessa modalidade de jornalismo são: abordagem de
assuntos relacionados ao sexo, violência, drogas, esportes e política; citações e
referências à pessoas públicas; uso de sarcasmo e/ou vulgaridade como forma de humor;
linguagem coloquial e sem roteiros, e descrição extrema das situações.
Para oferecer uma maior dimensão de informações, o Gonzo jornalista precisa
viver a experiência, tornando-se parte do objeto de sua reportagem e interferindo no
destino da história. Dessa forma, como a captação de dados ocorre de forma
participativa a narração em primeira pessoa confere ao jornalismo Gonzo a qualidade de
jornalismo confessional.
Mais do que qualquer coisa, o foco é a experiência, a transmissão da verdade
através dos olhos do autor, que escreve a história como um personagem. Esse é um dos
principais pressupostos utilizados pelos repórteres do programa A Liga, fato que
determinou a escolha de tal produção para a realização desse estudo.
4. A liga: uma adaptação moderna do jornalismo Gonzo
Criado no Brasil em maio de 2010 pela rede Bandeirantes de televisão, A liga
surge de uma adaptação do programa da Eyeworks, Cuabro Cabezas, sucesso na
Espanha, Chile e Argentina. O programa tem como proposta “mostrar a realidade de
uma forma nunca vista na televisão brasileira”.
Quatro repórteres: Rafinha Bastos (humorista e apresentador do programa CQC,
também da rede Bandeirantes), Thaíde (músico e rapper), Débora Vilalba (jornalista) e
Rosanne Mulholland (atriz); investigam a cada semana um assunto diferente,
procurando revelar as particularidades e contradições de um mesmo tema. Cada
membro da equipe tem uma missão individual de “mergulhar no fato intensamente,
sofrendo, sorrindo, se emocionando e superando a si mesmo para sentir na pele a
realidade vivida pelos verdadeiros protagonistas de cada história”. Dessa forma, realiza-
se um relato sincero dos acontecimentos, utilizando-se de ironia, acidez, bom humor e
dramatização.
Para contar uma história sob o ponto de vista de quem vive deve-se ir ao
encontro dela, fato que normalmente os profissionais da área ignoram pelo ideal da
objetividade jornalistica, que visa a imparcialidade da representação dos fatos. Porém,
esse não é o objetivo dos apresentadores do programa, estes desejam tocar na realidade,
olhar de perto. A experiência de participar de um mundo do qual nunca fizeram parte,
faz com que a indiferença vá embora. A medida que o programa se desenvolve, tanto
repórter quanto telespectador ficam cada vez mais envolvidos com as histórias de seus
personagens, refletindo, opinando e surpreendendo-se com suas vivências.
O programa exibe os registros por meio de várias câmeras, que trabalham
paralelamente, gerando uma colagem de imagens que mostram os contrastes e
contrapontos de cada tema. Além disso, a própria angulação das imagens se dá de forma
diferenciada, com o uso constante do recurso de zoom para mostrar detalhes das
entrevistas, e consequentemente, transmitir os sentimentos dos entrevistados.
Durante as entrevistas, os cinegrafistas se posicionam distanciados dos
personagens, ou em angulações pouco convencionais, como se procurassem um lugar
em que a cena pudesse ser gravada, ao mesmo tempo em que tentassem fazer com que
ninguém notasse suas presenças, para não interferirem na situação filmada. É
importante notar também que os diálogos são gravados com microfones de lapela ou
boom, e não com microfones direcionais, como normalmente são gravadas as
entrevistas em reportagens televisivas. Todos esses artifícios procuram deixar os
entrevistados mais à vontade e levar a conversa em tom mais natural.
Os apresentadores, também com mesma intenção, recorrem a uma linguagem
mais solta, descontraída e, às vezes, até com um toque de humor (o programa é
considerado de entretenimento, e não de jornalismo). São usadas gírias, onomatopéias,
vícios de linguagem e até palavrões.
As imagens tremidas, escuras ou com angulações diferentes, o áudio muitas
vezes prejudicado (que é recuperado pelo recurso de legendas), os apresentadores
usando uma linguagem descontraída e vivendo como os seus entrevistados. Todas essas
características realçam, portanto, o abandono de alguns padrões jornalísticos adotados
pelos grandes veículos de comunicação e, ao mesmo tempo, ressaltam a semelhança do
programa com o jornalismo Gonzo.
5. Análise das características do jornalismo Gonzo no programa A Liga
Para analisar as semelhanças e diferenças entre os dois objetos de estudo foram
escolhidos três episódios. O primeiro a ser analisado foi o primeiro programa, que teve
como tema os moradores de rua, exibido no dia 4 de maio de 2010. O segundo,
veiculado em 16 de junho, contou a história de garotas de programa, com o tema
prostituição. Já o terceiro, abordou o mundo das drogas e foi exibido no dia 14 de
setembro.
O programa de estreia chama atenção pelo fato dos apresentadores participarem
diretamente do tema tratado. Débora Vilalba aborda diferentes pessoas na rua, afim de
descobrir se a maioria dá ou não esmolas aos pedintes e qual seria o motivo para tal
atitude. Thaíde conhece comunidades de moradores de rua, que se agrupam para evitar a
solidão e os perigos da vida nas ruas do centro da cidade, ele passa a noite
acompanhando um grupo.
Já o apresentador Rafinha Bastos se veste como “mendigo” e passa dois dias
vivendo na rua, sem dinheiro, alimentação e lugar para dormir. Seu objetivo é vivenciar
o que milhares de pessoas passam todos os dias nas ruas do país, pedindo esmolas para
sobreviverem. “Ah, to cansado já, meu olho tá ardendo. Ficar o dia inteiro nessa
cidade... Nossa Senhora! Eu passei três horas pedindo esmola, falei com mais de 50
pessoas e só ganhei R$2,80. Por que tão poucas pessoas ajudam?”, questiona ele ao
final do primeiro dia.
Esse programa conta ainda com a participação da jornalista, Tainá Muller, que
acompanha um casal de moradores de rua, com filhos recém nascidos. Seguindo a rotina
do casal e das crianças, a repórter relata a dificuldade encontrada por eles para receber
alimentação, ir ao banheiro e procurar um local para dormir. Tainá dorme na rua ao lado
do casal, e relata: “Pra mim, tive o suficiente de rua. Vi criança vomitando, vi gente
brigando, vi ameaças, vi gente louca, vi de tudo”.
Todos os depoimentos dos apresentadores são em primeira pessoa, ressaltando
as situações vividas. Os relatos são repletos de sensações e experiências, compartilhadas
com o telespectador. Característica recorrente em textos do jornalismo Gonzo, como
nesse trecho escrito por Thompson: “sim, eu o levei para fora; eu o pisoteei e depois
arranquei todos os seus dentes..." (1971, p.129).
O segundo programa analisado, refere-se ao tema prostituição. Considerada a
"profissão mais antiga do mundo", o programa começa por relatar o que e qual é a
situação atual da prostituição no Brasil. Estima-se que o país possui 1,5 milhões de
pessoas que vivem da prática do sexo, fazendo girar mais de R$ 500 milhões no país e
cerca de R$ 70 bilhões no mundo inteiro anualmente.
Partindo de tais informações, o trabalho da equipe de A Liga, visa mostrar os
contrastes do país, com homens e mulheres que se entregam muitas vezes para pagar
seus sustentos, outras para conseguir estudar e ainda há quem o faça por escolha
própria.
Esse programa parte das perguntas "O que leva alguém a ter o sexo como meio
de sobrevivência?" e "Como é sua rotina de dia e de noite?" para acompanhar o
diferentes profissionais pelo período de um dia.
São conhecidos alguns lugares estratégicos do mercado, como a Vila Mimosa,
conhecida como a maior "vitrine do sexo no Brasil", onde Débora Villalba acompanha
Emily, que trabalha como garota de programa desde os 20 anos para sustentar seus dois
filhos pequenos, e a Rua Augusta, na qual Rafinha Bastos conhece Morgana, que
diferentemente da anterior trabalha na área por prazer. Tendo o mesmo objetivo, André,
garoto de programa desde os 15 anos, conta para Thaíde sobre suas experiências.
No episódio desse dia quem conhecerá a realidade dos profissionais do sexo na
pele, será Tainá Muller. A repórter acompanhou a realidade de Sabrina, uma modelo e
acompanhante de luxo que entrou nessa vida por acaso, e não quis mais sair. Ela lhe dá
a dica antes de sua transformação: "É aquela velha história, para uma rapidinha, não
precisa se apegar os detalhes".
Tainá vivencia a personagem e relata o quanto difícil pode ser a vida dessas
profissionais, sobre a experiência, afirma: "é um lugar de extrema fragilidade e ao
mesmo tempo, de extremo poder (…), isso não só da minha parte mas também das
pessoas que procuraram". Apesar de não ter realizado efetivamente nenhum programa, a
repórter ressaltou a adrenalina que lhe envolveu no momento em que atuava como a
personagem.
Ao vivenciar tais experiências, cada uma ao seu modo, os repórteres perceberam
que motivos não faltam para que homens, mulheres e travestis vendam o seu próprio
corpo, como a miséria vivida em família, pobreza, abandono do companheiro ou
marido, ou até quando são expulsas de casa por gravidez indesejada.
A intenção é dar voz a pessoas marginalizadas pela sociedade. O principal
questionamento levantado pelos apresentadores é: como a sociedade pode ter tanto
preconceito por esses profissionais, se não o tem pelos que contratam seus serviços.
O terceiro programa a ser analisado trata de um tema muito abordado pelos
Gonzo jornalistas, o “mundo das drogas”. Rafinha Bastos busca informações com
especialistas no assunto, como químicos e psicólogos. Os demais apresentadores
buscam relatos de pessoas que consomem drogas, desde aqueles que usam
esporadicamente até os viciados. Todos eles buscam mostrar os diferentes ângulos do
mesmo assunto.
Débora Vilalba conversa com jovens na porta de festas. Thaíde vai à uma “rave”
e à “cracolândia”, conversar com jovens que usam drogas por diversão, alto afirmação
ou vício. A apresentadora Rosanne Mulholland visita um sítio em que a proprietária
abre o espaço para a adoração de “Jáh”, com o consumo liberado de maconha.
Durante todo o programa, os apresentadores usam a linguagem coloquial e
tentam transmitir o máximo de naturalidade possível, deixando, dessa forma, o
entrevistado à vontade para falar sobre um assunto em que o consumo é proibido. “Eu
fico doidão, véi! A maconha não trás uma paz, trás apenas uma liberdade para você
mesmo ficar em uma paz interior”, afirma o entrevistado.
O uso de gírias e expressões também é frequente: “Já teve uma bad trip?”
pergunta Rafinha. É importante ressaltar que, ao contrário de relatos que afirmam o uso
de drogas pelos Gonzo jornalistas para emergir no assunto abordado, no caso de A liga,
esse uso não acontece; os apresentadores apenas acompanham os usuários e buscam os
depoimentos deles sobre o assunto.
6. Conclusão
Durante todos os programas analisados, os apresentadores participam ativamente
da ação e do assunto abordado, tanto vivenciando quanto acompanhando os personagens
apresentados. Assim, há o predomínio de diálogos onde os entrevistados conversam
entre si e com os apresentadores relatando suas experiências e sentimentos de forma
natural e espontânea.
Os padrões jornalísticos são abandonados na grande maioria das vezes, o
assunto torna-se mais importante que a qualidade técnica da produção. Dessa forma, a
utilização das imagens e dos diálogos primam por mostrar os detalhes da cena e
registrar a personificação dos entrevistados, recursos utilizados como alternativa a
descrição realizada por Thompson em seus textos por meio do detalhamento minucioso
dos acontecimentos retratados.
A partir de tais características sugere-se que o programa A liga realiza uma
releitura do jornalismo Gonzo, de forma a moldá-lo ao contexto atual. É realizado um
jornalismo presencial sem a exacerbação dos limites da liberdade concedida na
produção e execução das reportagens. Assim, da mesma forma que o jornalismo Gonzo
surgiu como uma representação da sociedade hippie da época, A Liga surge como uma
alternativa para o modo de fazer jornalístico atual.
REFERÊNCIAS
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FERNANDES, Eduardo. Para que serve o gonzo? Fraude, 2001, Disponível emgAcesso em 22 out. 2009.
LAGE, N. Estrutura da notícia. 6.ed. São Paulo: Ática, 2006.
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PIRES, P; BORGES, L. F. R. Características do Gonzo no Brasil e suas peculiaridades na mídia impressa: revista piauí. Trabalho apresentado no IJ 1 – Jornalismo do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul - 17 a 19 de maio de 2010.
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WOLFE, T. El nuevo periodismo. Barcelona: Editorial Anagrama, 1976.