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    Uma Perspectiva Conceituai, Histrica, Bblica e Prtica

    D LIDER CRISTOeode Leitura

    ALTAIR GERMANO

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    Uma Perspectiva Conceituai, Histrica, Bblica e Prtica

    O LIDER CRISTO

    eo Hbitode LeituraALTAIR GERMANO

    Ia Edio

    CB

    Rio de Janeiro

    2011

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    Todos os direitos reservados. Copyright C 2011 para a lngua portuguesa da Casa Publicadora das

    Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.

    Preparao dos originais: Daniele Pereira

    Capa: Josias Finamore

    Projeto grfico e Editorao: Alexandre Soares

    CDD: 253 - Liderana

    ISBN: 978-85-263-0770-3

    As citaes bblicas foram extradas da verso Almeida Revista e Corrigida, edio de 1995 da

    Sociedade Bblica do Brasil, salvo indicao em contrrio.

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    A g r a d e c i m e n t o s

    Expresso os meus mais sinceros agradecimentos a todos que direta e indi

    retamente contriburam para a concretizao do m eu curso de mestrado.

    A Deus, po r suas muitas misericrdias e fidelidade para comigo.A m eus pais, Benedito (in mem oriam) e Juracy, pelo amor e esforos dedi

    cado s minha criao e educao.

    minha espo sa Elizabeth e aos meus filhos lvaro e Paulo, pela coopera

    o em termos de incentivo e pacincia.

    As minhas irms Cristiane e Ednalva, po r existirem.

    Ao pastor Roberto Jos, pelo companheirismo e apoio.Ao pastor Claudion or de Andrade, pela gentileza de fazer o prefcio.

    A todos os meus professores, pela dedicao na arte de ensinar.

    A tod os os meus amigos, por serem quem so.

    Ao meu orientador do Mestrado, Professor Rildo Almeida, pelas su

    gestes e m otivao durante todo o pro cesso de elaborao da D isser

    tao que resultou nesta obra.

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    Quando vieres, traze a capa que deixei em Trade,

    casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos.

    Apstolo Paulo (2 Tm 4.13)

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    P r e f c i o

    PEGA E L

    Em sua mais profunda crise espiritual, Agostinho (sculo IV) ouviu

    um as palavras que o acaso jam ais identificar: Tolle, lege. O santo de Hi-

    pona pega, ento, as Sagradas Escrituras e abre-as fortuitamente nas epstolas de Paulo. E pe-se a l-las com a fom e e a sede daqueles romeiros que,

    suspirando, andejam continentes e palmilham desertos em busca de Sio.

    Ele m ergulha na Palavra; sua vida no mais a mesma. o que revela em

    suas Confisses. O filho de Mnica prontifica-se, ento, a servir ao Cristo

    to bem retratado nas cartas do apstolo aos gentios.

    O que se consagrara a ler, unge-se agora a escrever. Sua pena, seme

    lhana do cajado de Aro, enflora-se, frutifica-se.

    Pega e l, recomenda Altair Germano nesta obra. Embora talhada

    com os rigores da academia, dirigida a tod os os que cultivam o hbito da

    boa e proveitosa leitura. Mas como ler com proveito? E como encontrar a

    bo a leitura?

    semelhana de Plnio, o Moo (62-114), recomenda-nos Altair:

    Muito, e no muitas coisas. O bom leitor seletivo. Sabe que no dispedo tempo necessrio para repassar as pginas de todas as obras que se fi

    zeram primas.

    Com o seria bo m se os no ssos dias fossem to longevos quanto os de

    Matusalm. Os primeiros cem anos eu os dedicaria beleza e aos do

    naires da lngua portuguesa. Quanto ao segundo centenrio, que fosse

    tributado aos filsofos. E a terceira centria eu a devotaria aos historiadores. Mas o milnio todo dessa vida larga de semanas e comprida de

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    dias, eu o santificaria ao estudo dos santos profetas e dos apstolos de

    Nosso Senhor.

    N ossa vida, porm, no possu i tantos sculos, nem tantas dcadas. DizM oiss que os mais robustos logram alcanar setenta e, quando muito, oi

    tenta anos. Por isso, a sabedoria do conselho de Plnio: Muito, e no mui

    tas coisa s. N esse muito, porm, coloque esta obra que lhe chegou s mos

    num daqueles ab enoados acasos: Pega e l.

    Meu amigo Altair escreveu este livro naqueles remansos de Abreu e

    Lima, onde o silncio ainda pode ser ouvido. N esse pedao de Pernambu

    co, tudo convida leitura e reflexo. Quando l estive e quando po r l an

    dei, pude entender por que, daquelas paragens, saem escritores peregrinos

    como Altair Germano. Ali, o livro to esperado como o po cotidiano:

    diariamente e com todo o calor.

    Pega e l.

    Pr. C laudiono r de AndradeAbril de 2011

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    S u m r i o

    Prefcio...........................................................................................................7

    Introduo................................................................................................... 11

    1. O Conceito de Leitura...........................................................................15

    2. Aspectos Histricos da Leitura ............................................................21

    1. A Leitura na M eso pot m ia ...............................................................................212. A Leitura no E g ito .............................................................................................24

    3. A Leitura entre os Ju d e u s ................................................................................ 26

    4. A Leitu ra na Grcia Arcaica e C l ssica .........................................................28

    5. A Leitura e a Escrita no M undo R om an o ................................................... 33

    6. A Leitura no Brasil Colonial...........................................................................38

    7. A Leitura na Idade Mo derna Sculo XVI ao Sculo XV III...............39

    8. A Leitura no Mundo Contem porneo Sculo XIXaos D ias A tuais...................................................................................................46

    3. A Importncia do Hbito de Leitura .................................................. 51

    1. A Leitura na tica de Escritores N o -C risto s.........................................51

    1. 1. A leitura com o agente de emancipao e

    desenvolvedora de criticidade................................................................51

    1.2. A leitura com o agente de apropriao dos bens culturais...............54

    1.3. A leitura, o enriquecimento do vocabulrio e da linguagem ..........55

    1.4. A leitura como agente de desenvolvimento do intelecto.................57

    1.5. A Bib lioterapia ............................................................................................58

    2. A Leitura na tica de Escritores Cristos...................................................59

    2.1. Para obter avivamento espiritual e proveitoso....................................59

    2.2. Tendo em vista o estmulo m en tal........................................................ 59

    2.3. Afim de obter cultivo de estilo...............................................................59

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    2.4. Co m vistas a adquirir info rm ae s........................................................ 59

    2.5. A fim de ter comunho com as grandes m en tes ................................. 60

    4. A Importncia da Leitura para a Liderana noContexto Bblico e Cristo ............................................................................ 63

    1. A Im portncia da Leitura no Antigo T estam ento ..................................... 63

    2. A Importncia da Leitura no No vo T estamento ........................................ 66

    3. A Impo rtncia da Leitura entre os Pais da Igreja....................................... 67

    4. A Importncia da Leitura no Perodo M on stic o ..................................... 69

    5. A Importncia da Leitura para os R eform ado res ...................................... 70

    6. A Im portncia da Leitura no Perodo dos Reavivamentos

    e das M iss es M odern as...................................................................................73

    5. O Desenvolvimento do Hbito de Leitura paraos Lderes Cristos na Atualidade.............................................................. 75

    1. Aes Necessrias para o Desenvolvimento do Hbito de Leitura.......75

    2. Os Tipos de Leitura ........................................................................................... 783. Com o A perfeioar a Prtica da Leitura ........................................................78

    Concluso ................................................................................................................ 85

    Referncias Bibliogrficas................................................................................89

    IO

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    In t r o d u o

    tualizao e contnua bu sca po r conhecim ento um fator de fun-

    amental importncia no mundo contemporneo. A constante

    atualizao indispensvel para o sucesso em qualquer atividade, in

    clusive a pastoral. Vrias podem ser as fontes e ferramentas que pro

    porcionam a atualizao de nossos conhecimentos, entre elas citamos

    palestras, sem inrios, co ng ressos e pesq uisas na internet.

    Conhecimento agrega tanto o que fazemos, como o que sabemos; o

    conjunto total de informaes, habilidades cognitivas e operacionais que os

    indivduos utilizam para resolver problemas. Envolve assim, tanto questes

    tericas quanto prticas, as regras do dia a dia e as instrues sobre como

    agir, baseando-se em dados e informaes, mas, ao contrrio deles, est sem

    pre ligado ao sujeito; construdo por indivduos e representa suas cren

    as sobre relacionamentos casuais.1Conhecimento agregao, interao e

    acumulao de informao. A busca constante por novos saberes exige dos

    pastores leitura especializada e geral. A resistncia leitura uma realidade,

    e muitos ignoram os males resultantes da falta dessa prtica salutar.

    1COSTA, Patrcia. Hbito de leitura e compreenso de textos: uma anlise da realidade de ps-

    graduados em Administrao. Dissertao (mestrado em Administrao). Universidade Federalde Sta. Maria: Santa Maria, RS, 2006, p. 16.

    os materiais bibliogrficos (livros e peridicos), o estudo acadmico,

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Nunca tantas informaes foram disponibilizadas e to poucas foram

    absorvidas. Es sa constatao revela a grande importncia dos estudos que

    envolvam a compreenso da leitura, que se relaciona produo do conhecimento no nvel individual, promovendo, dessa forma, o desenvolvi

    mento ministerial do pastor.

    A leitura de livros perm ite ao ser humano refletir, socializar e dissem i

    nar o seu conhecimento com o propsito de construir novos con hecimen

    tos. Apesar de todo o desenvolvimento das tecnologias de informao, da

    ampliao dos projetos de incluso digital, nada substitui a importncia

    da leitura. Na leitura est implcito o sujeito que escreve, que deixa suas

    marcas, e os sujeitos que leem, que, ao lerem, atualizam, do vida ao que

    foi escrito.2Desta forma, a leitura no mera soletrao, decodificao ou

    repetio do que est escrito; a leitura d outra vida ao texto pensado e

    escrito pelo autor, penetra nos sentimentos e ideias, no estilo de quem l.

    As pesquisas demonstram que o hbito de ler est longe do ideal em

    nossa nao. No Brasil, o grau de analfabetismo um grande obstculo gerao de saberes provenientes da leitura. O baixo ndice de leitura por

    hab itante/ano (1,8 livro) comprova isso. Uma pesquisa realizada pelo Ins

    tituto Paulo Montenegro e a ao Educativa, em 2005, aponta que 74% da

    populao brasileira, entre 16 e 64 anos, no sabem ler ou possuem muita

    dificuldade em entender o que leem. O Instituto Pr-Livro, em 2008, infor

    ma que a Bblia, apesar de ser o livro preferido dos brasileiros, ainda lidapor uma minoria, 4,5 milhes de pessoas, menos de 2,5% da populao.

    Apesar do s diversos programas em atividade, o lder cristo ainda no

    reconhece no ato de ler o seu valor para o desenvolvimento intelectual,

    adequao de comportamentos nova realidade cultural e social, sem fa

    lar da possibilidade de conduzir a igreja, o ministrio ou grupo que lidera

    a um processo de desenvolvimento e entendimento da realidade, fato este

    que produzir um a igreja mais atuante, conhecedora dos grandes desafios

    deste sculo e capaz de adequar suas prticas ao novo contexto. C om isso

    produziria maior resultado para o Reino de Deus, sem, abrir mo dos prin

    cpios inegociveis da Bblia Sagrada. Negligenciar a competncia em lei

    tura e escrita gera uma restrio ao acesso s informaes relativas vida

    em sociedade, cultura, poltica e, por conseguinte, prejudica-se o de

    senvolvimento integral do indivduo.2 MA RQUES, M. O. Escrever preciso: o princpio da pesquisa. 4. ed. Iju: U NIJU, 2001, p. 20.

    1Q

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    Introduo

    Essas questes esto presentes na maior parte das igrejas evanglicas

    do Brasil. At ento, no houve iniciativa de estud-las objetivando a ela

    borao futura de um programa que possa intervir para a transformao

    dessa realidade. Diante desse quadro, temos as alternativas de nos pena

    lizarmos ante a situao ou nos mobilizarmos para mud-la. Existe uma

    conscincia formada quanto importncia do hbito de leitura entre os

    lderes evanglicos brasileiros? Q uais os obstcu los que enfrentam? Quais

    aes po dem ser implementadas para o crescimento do hbito de leitura?

    Tais questes necessitam no apenas de respostas, mas, antes de tudo, de

    investigao, anlise e ao.O objetivo geral desta obra identificar a importncia e as fundamen

    taes para a prtica de leitura entre os lderes cristos evanglicos. Para

    este fim, o primeiro captulo tratar sobre o conceito de leitura num a pers

    pectiva bastante ampla. O captulo 2 resgatar a histria da leitura desde

    a antiguidade at os dias atuais. Nos captulos 3 e 4, respectivamente, ser

    abordada a importncia da leitura numa perspectiva de escritores no-cristos, cristos e numa perspectiva bblica, considerando o Antigo e o

    Novo Testamento, alm de sua importncia no perodo dos Pais da Igre

    ja, no monasticismo, na Reforma Protestante, nos avivamentos e misses

    modernas. O captulo 5 trata da importncia do hbito de leitura para os

    lderes da igreja na atualidade.

    Esta obra se revela como relevante por vrias razes. Primeiro, me

    diante os resultados obtidos, se buscar esclarecer alguns mitos, dentre os

    quais o de que a intelectualidade incompatvel com a espiritualidade.

    Em segundo lugar, mostrar que do ponto de vista da liderana crist,

    o hbito de leitura po de prom over uma influncia positiva sobre os lidera

    dos, o desenvolvimento da liderana crist, do senso crtico do lder e de

    uma melhor percepo deste da realidade.

    Em terceiro lugar, sendo a Bblia nosso referencial de f e conduta,

    acreditamos ser de mxima importncia uma abordagem hermenutica

    sobre o referido tema.

    E por ltimo, porque o resultado das pesquisas que resultaram neste

    material po de apontar meios de esclarecer e orientar os lderes a superar as

    dificuldades encontradas no desenvolvimento do hbito de leitura, viabili

    zando, desta forma, uma liderana crist contextualizada e eficaz.

    13

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    O C o n c e i t o d e L e i t u r a

    Oconceito de leitura bem mais abrangente do que um simples d ecodificar da escrita. um ato que implica a formao integral do indivduo e sua relao com o mundo que o cerca.1A leitura ultrapassa os limi

    tes do texto escrito, permitindo uma melhor compreenso de cada etapa

    do aprendizado das coisas, cada experincia. Ampliar a noo de leitura

    em geral pressupe transformao na viso de mundo em geral e na decultura em particular.2 Ler mais do que uma simples decifrao do que

    est escrito, mas um ato que resulta na form ao geral do indivduo, e que

    faz com que ele se adapte ao mu ndo em que vive, no se limitando apenas

    s vivncias escolares, mas enxergando alm daquilo que est escrito.

    Silva refora tal conceito po r meio de sua viso de leitura:

    A leitura deve ser vista como uma das conquistas da espcie humana em seu processo

    evolutivo de hominizao, mesmo porque o nascimento e a plenitude da razo esto *

    condicionados pelo acmulo de observaes de outras mentes que nos precederam e

    que transmitida pela palavra oral ou escrita.3

    1MA RTIN S, Maria Helena. O que leitura. 19. ed. So Paulo: Brasiliense, 2007, p. 22.2 Idem. DINIZ, Ftima Albuquerque; SANTOS, Ftima. Como despertar o interesse pela leitura no

    ensino fundamental, especialmente nas 8a sries, nas escolas pblicas.Monografia (especializao

    em Lingua Portuguesa). Fundao de Ensino superior de Olinda FU NESO: Olinda-PE, 2001, p. 17.3 SILVA 1983, p. 22 apud D INIZ e SANT OS, Idem.

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Arajo declara que ler tudo isso um processo complexo, devido

    aos diferentes aspectos que apresenta.4 D essa forma, a leitura compreen

    dida como uma experincia lingustica, um processo de comunicao de

    ideias, po r meio de smbolos escritos que por sua vez substituem os orais:

    as palavras.

    A totalidade de percepo de leitura mais que a som a de suas partes.

    No se pode, pois, reduzir uma leitura a palavras, da mesma forma que

    no se reduz a msica de um com positor a simples notas.^ Neste sentido,

    Foucambert declara que:

    Existe uma grande diferena entre ver e examinar, ouvir e escutar [...] Ler no ver o

    que est escrito, nem tampouco lhe atribuir uma verso oral. Quem ousaria dizer que

    sabe ler em latim s porque sabe pronunciar as frases que lhe so apresentadas? Ler

    ser questionado pelo mundo e por si mesmo, saber que certas respostas podem ser

    encontradas na produo escrita, poder ter acesso ao escrito, construir uma respos

    ta que entrelace informaes novas quelas que j se possua.6

    Arajo cita Russel que define a leitura como um ato sutil e complexo

    que abrange, simultaneamente, a sensao, a percepo, a compreenso e

    a integrao.7 Com isso ele quer dizer que ler no se limita apenas a perce

    ber as palavras, mas ao mesmo tempo entender o todo reagindo s ideias

    apresentadas e procurando integr-las as suas vivncias.

    Por ser uma ferramenta de aquisio de conhecimentos, a leitura, se

    levada a efeito crtica e reflexivamente, emerge como um trabalho de c om bate alienao, capaz de facilitar ao gnero humano a realizao de sua

    plenitude. preciso saber se a organizao social onde a leitura aparece e

    se localiza dificulta ou facilita o surgimento de hom ens leitores crticos

    e transformadores.8

    Freire, ao se referir leitura, diz que esta no se detendo na decodifi-

    cao pura da palavra escrita, mas se antecipando e se alongando na inteligncia do mundo, promove o ser-crtico, o ser-mais, o sujeito-ator e trans-

    4ARAJO, M aria Yvonne Atalcio de. Iniciao leitura. Belo Horizonte: Virglia, 1972, p. 25.Apud Ibdem, p. 18.

    5Ibidem.6 FOU CA MB ERT apud MARIA, Luzia de. Leitura & colheita: livros, leitura e formao de leito

    res. 2. ed. Petrpolis, RJ : Vozes, 2008, p. 21.7ARAJO, Maria Yvonne Atalcio de. Iniciao leitura. Belo Horizonte: Virglia, 1972, p. 11.

    Apud DIN IZ e SAN TOS , p. 18.8Ibidem.

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    0 Conceito de Leitura

    form ador da realidade.9 A leitura do mundo precede a leitura da palavra,

    da que a posterior leitura desta no possa prescindir da continuidade da

    leitura daquele. A leitura da palavra no apenas precedida pela leitura

    do mundo, mas por certa forma de escrev-lo ou de reescrev-lo, quer

    dizer, de transform-lo por meio de nossa prtica consciente. O ato de ler

    implica sempre percepo crtica, interpretao e reescrita do lido .10

    Os Parmetros Curriculares Nacionais11 definem leitura como o pro

    cesso pelo qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreenso e inter

    pretao do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre

    o assunto, sobre o autor, de tudo o que se sabe sobre a linguagem, etc.Trata-se de uma atividade que implica estratgias de seleo, antecipao,

    inferncia e verificao sem as quais no possvel proficincia.

    Essas argumentaes so ratificadas por Lajolo:

    L-se para entender o mundo, para viver melhor. Em nossa cultura, quanto mais

    abrangente a concepo do mundo e de vida, mais intensamente se l, numa espiral

    quase sem fim, que pode e deve comear na escola, mas no pode (nem costuma)encerrar-se nela.12

    Jolibert afirma que ler atribuir diretamente um sentido a algo

    escrito.13 Diretamente, isto , sem passar pe lo interm dio nem da decifra

    o (nem letra por letra, slaba por slaba, ou palavra por palavra); n em da

    oralizao (nem sequer grupo respiratrio por grupo respiratrio). Ler

    questionar algo escrito como tal a partir de uma expectativa real (neces-

    sidade-prazer) numa verdadeira situao de vida. Ler ler escritos reais,

    que vo desde um nome de rua numa placa at um livro, passando po r um

    cartaz, uma embalagem, um jornal, um panfleto, etc., no m om ento em que

    se precisa realmente deles numa determinada situao de vida para valer

    com o dizem as crianas. lendo de verdade, desde o incio, que algum se

    torna leitor, e no aprenden do primeiro a ler.

    9 FREIRE, Paulo. A importncia do ato de ler: em trs artigos que se completam. 46. ed. St>Paulo: Cortez, 2005, p. 11.

    10DIN IZ e SAN TO S, Ibidem.

    11BRA SIL. Ministrio da Educao. Secretaria da Educao Fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais: 5a a 8a srie do Ensino Fundamental Introduo dos Parmetros Curriculares. Braslia: MEC/SEF, 1998, p. 9.

    12 LA JO LO , 1994, p. 7 apud Ibidem.

    13 JO L IB E R T , J. (org ). Formando crianas leitoras. Traduo Bruno C. Magne. PortoAlegre: Artes Md icas, 1 994, p. 15 apudIbidem.

    17

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Sandroni & Machado percebem a leitura como um processo amplo

    de compreenso e descoberta de sentido, fruto do dilogo com o que

    lido, tornando relevante e consequente a postura do leitor diante do que

    l; que o prazer da leitura no inconsequente.14 N esse sentido, incentivar

    ou motivar o prazer pela leitura tambm implica criar condies para ler a

    prpria realidade. O ato de ler, ento, vai alm dos limites do texto.

    A m bos entendem que ler, no sentido profundo do termo, o resultado

    da interao entre leitor e texto, isto , um esforo de comunicao entre

    o escritor, que elaborou, escreveu e teve impresso seu pensamento, e o lei

    tor, que se interessou, comprou ou ganhou, folheou e leu o texto atuandovia capacidade inferencial, com o coautor do texto lido. Tambm p or isso,

    a leitura um a atividade individual e s a leitura direta, sem intermedirio,

    leitura verdadeira a leitura silenciosa que m obiliza toda a capacidade

    de uma pessoa uma atividade quase to criadora como a de escrever.

    Soares refora de forma bastante eloquente essas afirmaes:

    Ler um texto instaurar uma situao discursiva. A leitura do ponto de vista da di

    menso individual de letramento (a leitura como uma tecnologia) um conjunto

    de habilidades lingusticas e psicolgicas, que se estendem desde a habilidade de

    decodificar palavras escritas at a capacidade de com preender smbolos escritos. Es

    sas categorias no se opem, completam-se; a leitura um processo de relacionar

    smbolos escritos a unidades de som e tambm o processo de construir uma inter

    pretao de textos escritos.10

    Definir leitura no algo simples em virtude de suas muitas variveis.

    Fischer de forma mais ampla, diz que a leitura a capacidade de extrair

    sentido de sm bolos escritos ou im pressos.16 D essa forma, ele se utiliza

    dos sm bolos para a sua orientao na recuperao de informaes de sua

    memria, para em seguida criar, com essas informaes, uma interpreta

    o plausvel da mensagem do escritor.17

    Rangel entende que Ler, assim como escrever, so atos de comuni

    cao verbal caracterizados pela relao cooperativa entre o emissor e o

    14SA ND RON I, Laura C. & MACH ADO , Luiz Raul (org). A criana e o livro. 2. ed. So Paulo:tica, 1987, p. 72 apud Ibidem, p. 23.

    15SOARES, Magda. Letramento: Um tema em trs gneros. Belo Horizonte: Autntica,

    1998 , p. 68.

    10FISC HER , Steven Roger. Histria da leitura. Traduo de Claudia Freire. So Paulo: Editora

    UNESPE, 2006, p. 11.17MIT CH EE L, 1982 apud Idem.

    18

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    0 Conceito de Leitura

    receptor, pela transmisso de intenes e contedos e por apresentarem

    uma form a adequada sua funo.18

    Em seus primrdios, a leitura consistia na mera capacidade de

    obteno de informaes visuais fundamentada em algum sistemade cdigos, bem como na compreenso de seu significado. Ao passar

    dos anos, passou a significar a compreenso de um texto contnuo

    com sinais escritos sobre uma superfcie gravada. Atualmente, est

    inserida no conceito de leitura a extrao de informaes codificadas

    de uma tela eletrnica. A definio de leitura tende a continuar se

    expandindo no futuro porque, assim como qualquer outra aptido,

    ela tambm um indicador do avano da prpria humanidade .19Para Fischer duas teorias conflitam sobre a leitura.

    A primeira defendida pelos que acreditam que ela um processo exclusivamente

    lingustico analisa-a como um processo linear fonolgico (relacionado ao sistema

    sonoro de um idioma) que se d letra a letra, conectando o elemento da linguagem em

    unidades compreensveis crescentes, at que a elocuo e, em seguida, a compreenso

    sejam obtidas. A segunda teoria, apoiada pelos que sustentam que a leitura um processo semntico-visual, afirma que o grafema ou a forma grfica seja um logograma

    (sinal representante da palavra), seja um silabograma (sinal representante da slaba),

    ou ainda uma combinao de letras (sinais de um sistema alfabtico) produzem

    significado sem necessariamente recorrerem linguagem. Palavras e frases inteiras, at

    mesmo sentenas curtas, podem ser lidas de uma s vez, afirmam os autores dessa

    teoria; no necessrio desmembr-las em letras pronunciadas individualmente.20

    Considerando as suas perspectivas, cada uma dessas teorias est cor

    reta, ou seja, no nvel elementar a leitura um processo linear fonolgico,

    enquanto que fluente a leitura um processo semntico-visual.

    Um levantamento da histria da leitura poder promover uma melhor

    compreenso de suas mudanas em termos ideolgicos, conceituais, me

    todo lgico s e prticos.

    18 RANG EL, Jurem a Nogueira Mendes. Leitura na escola: espao para gostar de ler. 2. ed. PortoAlegre: 2007, p. 18.

    19 Idem.20 Idem, p. 12.

    19

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    QA s p e c t o s H i s t r i c o s d a L e i t u r a

    istria da leitura pode ser reconstruda com base em suas diferenas e

    ;ingularidades, nas diferentes formas de escrever e ler que marcaram as

    sociedades desde os tem pos antigos. Para Cavallo e Chartier, "uma histria

    slida das leituras e dos leitores deve, portanto, ser a da historicidade dos

    m odos de utilizao, de compreenso e de apropriao dos textos.1Quais as

    mudanas fundamentais que ao longo do tempo transformaram as prticas

    de leitura, e de que maneira o conhecimento dessa prtica contribui com

    leitor do sculo XXI, o que se pretende observar neste captulo.

    Quanto mais remoto for o passado observado, mais difcil se percebe a

    leitura.2 Quanto mais se investiga a antiguidade, mas se revela o fato de que

    apenas grupos seletos tinham acesso aos mtodos de registros primitivos.

    1 . A L e i t u r a n a M e s o p o t m i a .

    Na M esopotmia nos deparamos com um a das formas m ais primitivas

    de leitura. Conforme Fischer,3 os leitores dessa poca apenas visualizavam

    1CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger (org.). Histria da leitura no mundo ocidental.So Paulo: tica, 2002, p. 7.

    2CHAUNU, 1994 apud FISCHER, Steven Roger. Histria da leitura. Traduo de Claudia Freire. So Paulo: Editora UN ESPE, 2006, p. 13.

    3Idem, p. 16.

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    um esqueleto textual com nome, mercadoria e valor, cujo objetivo era o de

    dar poderes oligarquia. A escrita sumria se desenvolve baseada no na

    ideia de reproduo de um discurso oral, mas para reteno de informaes concretas na memria. Era uma leitura utilitarista que envolvia certa

    unio lgica de fragmentos de informao, sem nenhuma preocupao

    com o discurso articulado.

    A Sum ria perpetuou por sculos um acervo considerado vago e am

    bguo com cerca de 18 mil pictogram as e smbolos.

    Houve simplificao e padronizao e, por volta de 2700-2350 a.C., com as tbuas deShurupak, o acervo foi reduzido a mais ou menos oitocentos, com mais utilizao da li

    nearidade (escrita em linha de texto). Por volta de 2S00 a.C., quase todos os elementos

    grficos no mtodo de escrita dos sumrios haviam se tornado unidades sonoras. E em

    torno de 2000 a.C. cerca de apenas 570 logogramas faziam parte do dia a dia.4

    Os sinais em forma de cunha substituram os primeiros pictogramas,

    que eram impressos com estiletes feitos de cana (instrumento pontiagudopara escrita) sobre argila.

    Ler ( ita) significava tambm para os sum rios contar, ponderar, m e

    morizar, declamar, ler em voz alta.5 Tal aptido era muito restrita. Para se

    ter uma ideia, por volta de 200 a.C., em Ur, a maior metrpole da regio,

    com um a populao de aproximadamente 12 mil habitantes, uma em cada

    120 pessoas era capaz de ler e escrever. Semelhantemente, por volta de

    1850 a 1550 a.C., na cidade-estado de Babilnia de Sippar, que contava

    com cerca de dez mil habitantes, havia apenas 185 escribas (escritores ofi

    ciais em tabuletas).

    A leitura se relacionava especificamente ao trabalho. No era uma ati

    vidade solitria, silenciosa e prazerosa. Tratava-se de um meio para um

    fim, a apresentao pblica.

    Por volta de 2550 a.C., com a preeminncia dos sumrios-acdios,convencionou-se um silabrio, que se tratava de um acervo de sinais sis

    temticos usados puramente para seus valores sonoros silbicos. Toda a

    tradio babilnica foi transmitida nos idiomas sumrio e acd io/

    Os escribas eram os grandes detentores da arte de ler. Um escriba

    sumrio possua um grande senso de responsabilidade por deter essa

    4POWELL, 1981 apud Idem, p. 16.5Ibidem, p. 17.

    6FISCH ER , 2006, p. 18

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    Aspectos Histricos da Leitura

    capacidade de grande valor, entendendo que sua interpretao de um

    texto escrito encerraria uma discusso sobre contas ou um artigo de

    um a lei.7 O s escribas, alm das atividades de tabelies, estengrafos,

    contadores, arquivistas, secretrios e burocratas, desem penh avam tam

    bm a tarefa de leitores para os seus senhores iletrados, sob a cobrana

    de pequenas taxas.

    Nas escolas de escribas a leitura era aprendida pelo ato de escrever. O

    mtodo utilizado era o de cobrir um lado de uma pequena tabuleta com

    um sinal, depois o aluno escrevia o mesmo sinal repetidas vezes no verso.

    Lo go aps, dois sinais eram colocados juntos, formando um a palavra inteira, reproduzida de maneira similar pelo aluno. A ps frequentar dos seis

    aos 18 anos a escola de formao de escribas, desde o perodo da manh

    at ao final da tarde, durante 24 dias de cada 30, ao se tornar um prof issio

    nal, o escriba esperava ansiosamente para ingressar em uma vida voltada

    documentao de transaes.8

    Os alunos mesopotm ios escribas eram em sua maioria meninos, comrarssimas excees. Curiosa e excepcionalmente, segundo Hallo,

    [...] a primeira pessoa na histria a assinar a autoria de um trabalho foi uma mulher:

    a princesa Enheduanna, filha de Sargo I de Acad. N ascida po r volta de 2300 a.C., ela

    comps, como sacerdotisa de Nanna, deus da Lua, uma srie de canes em louvor

    deusa do am or e da guerra, Inanna, registrando devidamente seu prprio nome como

    escriba-autora no final das tabuletas.9

    Foi por meio das descobertas arqueolgicas que se tornou possvel

    comprovar a leitura entre os mesopotmios. Escavaes como as realiza

    das entre 1973 e 1976 na acrpole de TellMardikh, a sessenta quilmetros

    de Alepo, na Sria setentoria, descobriram o palcio real de Ebla (2400

    2250 a.C.), com cerca de 17 mil tabuletas, apresentando uma variedade de

    temas: histria, literatura, agricultura, idiomas, mas especialmente, finanas e economia. A maioria aborda impostos, tributos, correspondncia^

    internas, relatos de caravanas, misses comerciais e relatrios. Segundo

    Fischer, dada a importncia de Ebla, tal material identifica o tipo de leitura

    das maiores cidades daquele perod o.10

    Ibidem, p. 19.

    8 Ibidem, p. 21.

    9 HALLO, 1968 apud Ibidem, p. 23.10 Ibidem, p. 22.

    Q3

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Todos os grandes centros antigos da M esopo tmia possuam bibliote

    cas, em forma de arquivos, que em nada se assemelham s bibliotecas atu

    ais. Tais espaos eram essenciais administrao adequada das cidades-

    estado que floresciam.

    No final do segundo milnio a.C., esses acervos de tabuletas de argila, papiro, placas

    de madeira, varetas de bambu, seda ou couro concediam poderes s sociedades da

    Mesop otmia, Egito, Plat iraniano, mar Egeu, vale do rio Indo, Usbequ isto/Taja-

    quisto e China central.11

    Como toda leitura na poca era feita em voz alta, esses locais eram

    bastante barulhentos.

    A censura literria esteve presente tambm na Mesopotmia, mani

    festa no ato de apagar o que havia sido escrito em monumentos pblicos

    e nas paredes de templos e palcios a fim de fazer desaparecer a memria

    erudita. Os textos tambm eram alterados por meio de riscos e reescries,

    ou ainda sendo reeditados, elaborando assim uma reescrio da histria.A leitura na mesopotm ia englobou um universo de experincias hu

    manas. L, onde nasceu a escrita, voz e sinal eram uma coisa s. A im

    portncia cultural e administrativa, a deteno do poder, a formao de

    um a classe letrada elitizada, a educao privilegiada de pouc os e a censura

    literria, so algumas questes que estiveram presentes no n ascedouro da

    leitura e que se perpetuam at os nosso s dias.

    2 . A L e i t u r a n o E g i t o

    A leitura no Egito foi predom inantemente oral. O termo dj denotava

    tam bm declamar. Toda a leitura era realizada em voz alta por um escri-

    ba-testemunh a.12 Alm de colaborar para a expanso econmica, a leitura

    era percebida como importante meio de controle de informaes.

    Por volta de 4000 a.C., os egpcios j liam hierglifos na superfcie

    de pedras, paletas de ardsia, esteias funerrias, selos cilndricos, objetos

    decorativos, cermicas, tabuletas de marfim, arma de pedras, e outros su

    portes de escrita. Existe a possibilidade do uso de tinta em papiro j deste

    perodo. A escrita cursiva era a mais u sada no Egito antigo por sua pratici-

    dade no registro de documentos do cotidiano, como por exemplo cartas,

    11Ibidem, p. 24.12Ibidem, p. 26.

    Q4

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    Aspectos Histricos da Leitura

    contas, listas de decises de julgamento e, mais tarde, a partir do segundo

    milnio a.C., obras literrias.13

    Os egpcios liam da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita. H tambm texto com a sequn cia de cima para baixo. Posteriormente,

    a leitura da direita para a esquerda tornou-se direo padro. A p s form a

    lizados entre aproximadamente 3300 e 2500 a.C., os hierglifos, a escrita

    hiertica e suas leituras permaneceram sem sofrer alteraes por mais de

    dois mil anos.14

    Havia escolas prprias para escribas, com vrios anos de ensino inten

    sivo. Com as facilidades que o papiro proporcionava, por ser fino e leve, a

    capacidade de escrever e ler se potencializava, sem falar que o transporte

    do livro se facilitou bastante. Os escribas eram responsveis nos povo ados

    por oferecer acesso cotidiano leitura e a escrita dos cerca de 99% de ile

    trados. Dessa forma, os escribas ocupavam uma posio social bem mais

    elevada que a de seus correspondentes mesopotmios.

    A leitura no esteve acessvel a todos os egpcios. Estima-se que nomximo um em cada cem tenha sido alfabetizado em qualquer poca .15

    Entre os letrados estavam as pessoas de destaque na sociedade. Alguns

    usavam escravos escribas. Essa elite ocupava, em sua maioria, cargos ad

    ministrativos. irnico o fato de que uma sociedade to identificada com

    a escrita tenha contado com to pouco s leitores.

    Desde o seu incio, a escrita e a leitura no Egito se prestaram administrao e exibio de monum entos.16 Por volta de 2150 a.C., no final do

    Antigo Imprio, j circulavam diversas categorias de textos, como: contratos

    particulares, decretos e procedim entos jurdicos, cartas, textos sobre religio

    e magia, alm de inscries biogrficas. Havia escritos em sarcfagos, no Li

    vro dos Mortos (um rolo de papiro oferecido ao morto para que o levasse

    consigo para a vida aps m orte), paredes de templos, colunas e esttuas. Du

    rante o mdio imprio, textos literrio surgiram, dentre os quais literatura

    de sabedoria, narrativas, hinos, medicina, matemtica e astronomia. J no*

    novo imprio, foram introduzidos gneros literrios para um pblico maior,

    contendo poem as de am or e histrias simples de estilo folclrico.17

    13Ibidem, p. 28.

    1+Ibidem.

    Ibidem.16 BAINES apud Ibidem, p. 32.

    1 LICHTHEIM, 1973 apud Ibidem, p. 32.

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Os textos religiosos descreviam rituais de devoo diria e eventos sobrenaturais. Ha

    via rolos de papiros de hinos, mitos e frmulas mgicas. Estudos de medicina (incluin

    do ginecologia e cincia veterinria), matemtica, histria e lexicografia (extensas listas

    de animais, plantas, partes do corpo e nomes geogrficos como auxiliares de memria)

    sobreviveram ao milnio.18

    Muito mais do que simples transmisso de informaes, havia a cren

    a na transmisso do esprito de um texto. Acreditava-se que havia pode

    res sobrenaturais nos hierglifos egpcios. Tratando-se de b ibliotecas, elas

    podiam ser encontradas em palcios, templos, centros administrativos e

    at residncias particulares letrados abastados.

    Con forme Baines, os egpcios permaneceram em um a posio inter

    mediria comum , com sua sociedade sen do auxiliada pela capacidade de

    ler e escrever, mas no transform ada por ela.19

    3 . A L e i t u r a e n t r e o s J u d e u s

    Os judeu s foram os primeiros a perceber na leitura o seu valor cultural,isso po r volta do sculo VII a.C.20

    Com os judeus veio a santificao da escrita, um a perspectiva total

    mente nova, elevando-a a Palavra de Deus. Ler e interpretar o texto sa

    grado era um dever de todos, excetuando-se as mulheres.

    A s primeiras inscries em mon umentos em hebraico datam do scu

    lo IX a.C., escritas em letras fencias. O u so da escrita evoluiu para os regis

    tros contbeis, administrao e inscries funerrias. As leis, a princpio,

    eram transmitidas oralmente.

    O verbo ler (qara) podia significar chamar, evocar, declamar, pro

    clam ar. A nfase estava em falar em voz alta com base num texto escrito.

    Com base na Tor, a venerao da escrita data do final de 20 00 a.C., com

    as Tbuas da Le i escritas por Iav.

    Em razo dos pero dos de instabilidade espiritual e moral, o Livro Sagrado foi negligenciado e at perdido. Foi no reinado de Josias (c. de 622

    a.C.), durante a reforma do Templo, que o sacerdote Hilquias encontrou o

    livro da Le i (2 Rs 22.8 ) e o entregou ao escrivo Saf, que posteriormente

    o leu para o rei, desencadeando uma srie de aes que promoveram uma

    reforma religiosa.

    18Ibidem.19 BAINES apud Ibidem, p. 35.

    20 Ibidem, p. 56.

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    Aspectos Histricos da Leitura

    Durante o cativeiro babilnico, o livro esteve presente nas vises de

    Ezequiel (Ez 2.8-10):

    Mas tu, filho do homem, ouve o que eu te digo, no sejas rebelde como a casa rebelde

    como a casa rebelde; abre a boca e come o que te dou. Ento, vi, e eis que uma mo se

    estendia para mim, e eis que nela estava um rolo de livro. E estendeu-o diante de mim,

    e ele estava escrito por dentro e por fora; e nele se achavam escritas lamentaes, e

    suspiros, e ais.

    Daniel tambm esteve envolvido com leituras e livros durante esse pe

    rodo, conforme Daniel 9.2: no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel,entendi pelo s livros que o nmero de anos, de que falou o Senhor ao pro

    feta Jerem ias, em que haviam de acabar as assolaes de Jerusalm , era de

    setenta anos.

    Aps o cativeiro, com a influncia de uma Babilnia cosmopolita, a

    escrita aramaica passou a ocupar um lugar de destaque entre os judeus.

    Os escribas passaram a redigir antigas tradies e escritos hebraicos em

    aramaico, que tinha se tornado a lngua mais falada durante o Imprio

    Persa (550-330 a.C.). Os escribas judeus eram os principais intrpretes

    da lei, os editores e compiladores das escrituras, dos comentrios e das

    tradues. So considerados com o os primeiros leitores do judasm o.21 Na

    antiguidade, afirma Fischer,22 que quase to do s os judeus eram analfabetos

    em hebraico e aramaico, o que fazia com que contassem com os escribas

    do Tem plo ou com a sua prpria e extraordinria memria. Por volta dos

    sculos IV e V d.C., o Talmude (formado pela Mishn e pela Gemara),

    textos que se propunham a interpretar e comentar a multiplicidade de sig

    nificados da Tor tom ou forma oficial.

    A venerao judaica pela palavra escrita, que chegou ao pice da ven e

    rao a partir do sculo VI d.C., chegou ao ponto de afirmar no Sefer Yezi-

    rah (o mais antigo texto judaico conservado do pensamento sistemtico econtemplativo) que Deus criara o mundo com 32 'caminhos de sabedq,-

    ria secretos, o com posto por dez nm eros e vinte e duas letras.23 Segun do

    essa interpretao, se ns mortais consegussemos decifrar os nmeros e

    letras, poderam os igualmente originar a vida.24

    21Ibidem, p. 59.22 Ibidem.

    23 SCHOLEM, 1974 apud Ibidem, p. 60.

    24 MANGUEL, 1996 apud Ibidem.

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    4 . A L e i t u r a n a G r c i a A r c a i c a e C l s s i c a

    Desde cerca de 2000 a.C. os gregos lem, quando ao Egeu da cosmopolita

    Cana a ideia da escrita silbica chegava.25 Comeando pela Grcia arcaica e

    clssica, dada a ausncia de documentos que tratem da leitura em tempos mais

    remotos, importante salientar que, conforme Svembro,26 por volta do sculo

    VIII a.C., quando a escrita alfabtica surge na cultura grega, ela se depara com

    um mundo onde h muito tempo prevaleceu a tradio oral, um mundo que

    valoriza a memria e a voz como perpetuadores da glria e da fama oriunda

    dos grandes atos heroicos. Nesse m undo helnico, a escrita assumiria o papel

    de contribuinte do som, no sentido de ser produtora de termos eficazes parauso oral, mesmo que depois viesse a servir para a proteo da tradio pica.

    Tudo sinaliza para a hiptese de que na Grcia arcaica os leitores gre

    gos tenham praticado a leitura em alta voz. N a medida em que uma cultura

    valoriza a palavra falada, o texto escrito s interessa para tornar-se texto

    falado. Para Svembro27 as provas mais recentes de que os gregos liam em

    voz alta, nos leva a aceitar que seus antepassados faziam o mesm o. Para ele,na ausncia de documentos, parece mais lgico pensar que a leitura em

    voz alta constitui a form a original de leitura.

    As leituras pblicas mais antigas ocorreram entre os gregos, onde j no

    sculo V a.C., Herdoto (c. 485-425 a.C.), o Pai da Histria, em vez de viajar

    de cidade em cidade para ler as suas obras, como era de costume na poca,

    apresentava-se a todos os homens gregos reunidos nos festivais olmpicos.28

    Na antiguidade grega, alguns mdicos prescreviam a leitura aos seus

    pacientes como atividade e exerccio mental. Na maioria das vezes, essa

    leitura era feita po r algum ao paciente, como, po r exemplo, por escravos,

    mulheres ou homens libertos treinados exclusivamente para ler em voz

    alta para os seus sen hores.29 At 600 a.C., po ucos gregos sabiam ler.

    A capacidade de ler e escrever propagou-se no sculo VI a.C., quando a escrita passoua ser usada de forma mais generalizada na vida pblica: com o hbito cada vez mais

    frequente de fazer inscries e exibir leis pblicas, cunhagens de moedas, inscrio em

    vasos com figuras pintadas de preto e outras inovaes afins.30

    25 FISC H ER , 2006, p. 46.

    26 In CAVALLO e CHARTIER, Idem, p. 41.

    27 Idem, p. 42.

    28 FISCHER, 2006, p. 52.

    29 Idem, p. 53.

    30 HARRIS apu FISCH ER , 2006, p. 46, 47.

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    Aspectos Histricos da Leitura

    A principal via de acesso lgica da leitura arcaica no ocidente so os

    verbos gregos que significam ler, atestados a partir de cerca de 500 a.C.

    por m eio do sentido em pregado pelos escritores desses verbos que se sabe

    o que foi pen sado no mom ento de seu emprego.K no x,31 em d ois tex tos do sculo V a.C., parece revelar que alguns

    gregos praticavam a leitura silenciosa e que no perodo da guerra do

    Pelop one so (um conflito armado entre Atenas e Esp arta de 431 a 404

    a.C.) os poetas dramticos contavam com a familiaridade de seu p

    blico em relao a ela. D ois textos exem plificam esse tipo de leitura. O

    primeiro se trata de uma passagem do Hiplito, de Eurpedes, que datade 428, e o segundo uma passagem dos Cavaleiros, de Aristfanes,

    que data de 424.

    Os dois documentos citados so de origem ateniense. Assim como

    em outros locais, como Esparta, po r exemplo, existia a ao para limitar o

    ensino das letras ao estrito necessrio, e a leitura silenciosa deve ter sido

    ainda bem menos conhecida e praticada. Diz-nos Svembro que

    para o leitor que l pouco e de maneira espordica, a decifrao lenta e hesitante do

    escrito no conseguiria fazer surgir a necessidade de uma interiorizao da voz, pois

    a voz exatamente o instrumento pelo qual a sequncia grfica reconhecida como

    linguagem.32

    Percebem-se nos dias atuais, entre os lderes cristos evanglicos, as

    duas n ecessidades: a da leitura em voz alta e a leitura silenciosa. Em termos de leitura em voz alta, sua presena bastante significativa nos cultos

    e reunies onde a Bblia, Lies Bblicas, sermes, avisos, boletins e outros

    recursos literrios so constantemen te lidos. O leitor habitual, certamen

    te, se sentir mais seguro em tais momentos, falando com desenvoltura,

    preciso, clareza e fluncia.

    No caso da leitura silenciosa, em razo das mltiplas oportunidades eespaos contem porn eos bibliotecas, salas de leitura, transportes cole- *

    tivos, livrarias, filas de espera, salas de atendimento e outros espaos p

    blicos , sua prtica ganha destaque, apesar dos baixos ndices j citados

    nesta obra. Essa prtica, como poder ser vista nos captulos seguintes,

    cooperar para beneficiar o ministro evanglico de vrias maneiras.

    31Apud SVEMBRO, Ibidem, p. 54, 55.32 Ibidem, p. 45.

    Q9

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    27/89

    A Biblioteca de Alexandria considerada o maior santurio escrita

    do mundo antigo, tornando-se to famosa que

    ISO anos aps sua destruio, Ateneu de Nucratis ainda escreveria, antecipando-se

    ao conhecimento geral de seus leitores: E quanto ao nmero de livros, a formao de

    bibliotecas e a coleo na Galeria das Musas, por que eu devo me pronunciar, j que

    tudo isso est vivo na memria de todos os hom ens?33

    Apenas o catlogo da biblioteca somava 120 rolos. A coleo foi divi

    dida em oito sees, de acordo com o tema: drama, oratria, poesia lrica,

    legislao, medicina, histria, filosofia e diversos.

    Muito alm de uma simples questo de estilo, a escrita e a leitura na

    Grcia, assim com o no m undo antigo, tinha tambm uma estreita relao

    com o poder. A princpio, conforme Thomas34 notria a relao entre

    a escrita e o Estado e seus registros, como por exemplo, nas listas dos ci

    dados, de sua renda e domiclio, ou dos registros de impostos, a intensa

    comunicao com a populao por meio da escrita. E dessa forma que acultura se torna uma eficiente ferramenta de controle, deixando a sua tare

    fa de iluminar os cidados para explorar os mesm os.35

    Thomas relata que,

    Na verdade, alguns antroplogos j afirmaram que um Estado no pode, de forma nenhu

    ma, manter-se coeso sem a cultura escrita: a escrita essencial para o tipo de comunica

    o autoritria de que o Estado necessita, e que um imprio ou nao simplesmente no

    conseguiria manter-se unido sem a eficiente comunicao a longa distncia propiciada

    pela escrita. A cultura escrita, neste sentido, um meio essencial de controle.36

    Esse parmetro de controle autoritrio pode ser visto em nossas

    igrejas, na medida em que lderes, por meio do cadastro dos membros e

    de planilhas financeiras, por exemplo, publicam de maneira constrange

    dora nos quadros de avisos a relao de quem contribuiu ou no com os

    dzimos naquele m s ou perodo. O autoritarismo da escrita se m anifes

    ta tambm na privao aos membros da igreja da leitura de seu Estatu

    to. Muitas lideranas evanglicas decidem sozinhos sobre a elaborao

    33 GULICK, 1969 apud FISC HER , 2006, p. 5334 In BOWMAN, Alan K.; WOOLF, Greg. Cultura escrita e po de r no mu ndo antigo. Taduo de

    Valter Lellis Siqueira. So Paulo: tica, 1998, p. 41.35 STRAUSS, 1976, p. 392, 393 apud BOW MAN e WOOF, Idem, p. 44.

    36 Ibidem, p. 44.

    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    3 0

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    Aspectos Histricos da Leitura

    e reformas de estatutos, e no deixam os mem bros inteirados, a no ser

    quando lhes interessa, sobre os contedos e determinaes estatut

    rias. Tal procedimento acontece com maior frequncia em igrejas que

    adotam o modelo de governo eclesistico mais centrado na hierarquia

    episcopal, cujas decises so tomadas exclusivamente pela cpula, mi

    nistrio, d iretoria ou presidente.

    A leitura, por outro lado, quando bem utilizada pela liderana, pro

    move a iluminao das mentes dos ouvintes ou leitores, lhes proporc io

    nando a possibilidade de enxergar para alm das aparncias e das letras,

    possibilitando uma leitura transparente e clara da realidade. Possibilita

    tambm a democratizao da informao. Citando Aristteles (Po. 128a

    9-17), Thom as3 nos revela que este entendia que a escrita e a leitura das

    leis incentiva a justia, ou se constitui em b ase essencial para a democracia,

    e ainda, que til para a administrao da casa, para se ganhar dinheiro,

    para se aprender e para a vida poltica (Pol. 1338a15-17). Grgias afirma

    que as leis escritas so as guardies do justo.38Seguindo essa lgica, medida que os lderes evanglicos nos dias

    atuais disseminam as informaes de maneira transparente, promovem a

    credibilidade, o acesso informao, a possibilidade da crtica, do contra

    ditrio e da sntese, por meio da participao dos membros da igreja nos

    diversos processos administrativos e decisrios.

    Em se tratando das cidades-estados gregas, Thomas39 nos relata que

    a cidade grega optou por outra forma de instrumentalizao da cultura

    escrita, no por meio de registros ou da administrao pblica, mas em

    seu potencial para a publicao em seu sentido mais pleno e arcaico de

    exibio pblica.

    No mundo grego houve crticas em relao escrita, principalmente

    no contexto da educao e da retrica.40 Plato, em Fedro, um fabulista

    romano nascido na Macednia, Grcia, chegou a alegar que a escrita erauma fonte inadequada de conhecimento. Sua resistncia em publicar os*

    seus mais valiosos pensam entos confirma tal ideia. Alcidamas, sofista, d is

    cpulo e sucessor de Grgias, que ensinou em Atenas ao mesmo tempo em

    que Iscrates, teceu uma crtica contundente prtica de se pronunciar

    3 Ibidem, p. 45.

    38 Palam. D K 30, fr. 1 I a, apud THO M AS, Ibidem.Ibidem.

    40 TH OM AS, Ibidem, p. 46.

    31

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    discursos lendo um texto escrito. Para ele, o maior objetivo do orador era

    o de poder, de improviso, falar sobre qualquer assunto.

    Tal tenso entre o falar de improviso ou seguir textos escritos, ainda

    vivenciada em alguns setores da igreja de tradio pentecostal. Com uma

    grande nfase na ao criativa do Esprito, muitas igrejas e lderes pentecos-

    tais viam com certa desconfiana tal prtica, classificando-a como mecani-

    cista e desasso ciada da verdadeira pregao espiritual. C heguei a constatar

    que, com o sada, muitos apelavam, e ainda o fazem, para o uso de pequenos

    textos em papis minsculos, anexados ou simplesmente colocados entre

    as pginas da Bblia. A prtica de pregar ou ensinar seguindo um texto emforma de esboo, ou um sermo escrito, ganha espao na atualidade, sendo

    cada vez mais tolerada no meio pentecostal, de maneira mais especfica, nas

    Assembleias de Deus no Brasil. Essa m udana pode ser considerada como

    resultado de grandes transformaes culturais em torno do conhecimen

    to e dos saberes, que influenciaram o pentecostalismo brasileiro durante o

    final do sculo XX, promovendo a abertura de centenas de instituies deensino teolgico, para onde m uitos ministros e mem bros de igreja fluram,

    passan do a perceber o valor do texto escrito para as suas mensagens faladas,

    prom ovendo na igreja a tolerncia e a aceitao j comentada.

    No sculo IV a.C., uma nova maneira de ver a leitura e a escrita surgia

    no Ocidente. Fischer (2006, p. 50) relata que o dramaturgo ateniense Me-

    nandro (c. 342-292 a.C.) afirmou que aqueles que sabem ler conseguem

    enxergar duas vezes m ais. Por esse tempo, a palavra escrita era percebida

    como superior palavra falada.

    Os filhos dos ricos e po derosos eram ensinados por tutores particula

    res. Com o exemplo, Fischer nos narra que:

    Por meio da tutela de Aristteles, por exemplo, Alexandre, o Grande, tornou-se um

    grande adorador de todos os tipos de ensino e leitura segundo seu bigrafo, o filsofo

    grego Plutarco (c. 46-120 d.C). Para onde quer que viajasse, Alexandre carregava consigo

    os rolos da Uada e da Odissia de Homero e, quando morreu, na Babilnia em 323 a.C.,

    ele estava segurando um de seus rolos da Uada (assim como, em geraes posteriores,

    pessoas expirariam com uma cpia da Bblia ou do Alcoro presa em suas mos).41

    Para Pattison,42 a leitura na Grcia no ofereceu a democracia, a ci

    ncia terica ou a lgica formal. No modificou o modo de pensar das

    41 Idem, p. 52.

    42Apud Ibidem, p. 55.

    3Q

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    Aspectos Histricos da Leitura

    pessoas. O que ela fez foi incentivar mais pessoas a escrever sobre o que

    pensavam, fornecendo tambm a oportunidade para que essas e outras

    pred isposies semelhantes criassem raiz e florescessem.

    5. A L e i t u r a e a E s c r i t a n o M u n d o R o m a n o

    O uso da escrita na Roma dos primeiros sculos estava praticamente

    restrito ao corpo sacerdotal e aos grupos nobres, depositrios dos conhe

    cimentos fundamentais da cidade, referentes ao sagrado e ao jurdico,

    medida do tempo, ordem anual dos eventos registrados nos anais (co

    nhecimentos provavelmente fixados em livros de fazenda de linho, os Untei) ou em pranchetas de madeira, tabulae.43 Em se tratando dos aspectos

    mais especficos da literatura romana, suas formas permaneciam ligadas

    ao restrito crculo da classe dirigente e s particulares exigncias da vida

    em sociedade, tal como elogios fnebres, relatos de magistrados, mem

    rias da cidade escritas sem pesquisa retrica.

    Uma grande guinada no mundo romano, em relao ao uso e valor

    mais amplo da leitura, foi dada por Cato, o Censor (234-149 a.C.), que

    escrevia seus discursos em tabuinhas antes de proferi-los;44 ele tambm

    comps uma histria de Roma, utilizando-se de caracteres grandes, a

    fim de facilitar a leitura, para que seu filho, ao aprender os rudimentos da

    escrita, ao mesm o tempo, pudesse aproveitar e conhecer o pas sado de seu

    povo e de sua cultura.45

    A grande transio do pensamento e do hbito romano em relao leitura se d entre o final do sculo III e o incio do sculo I a.C. Dois

    fatores marcantes so citados por Cavallo;46 o primeiro d-se em funo

    do nascimento de uma cultura latina inspirada em modelos gregos. A se

    gunda se relaciona com a chegada em Roma, como despojos de guerra,

    de bibliotecas gregas completas. Dessa forma, os livros gregos importados

    funcionariam como m odelo para o nascente livro latino.E no perodo republicano que surge a leitura dom stica, pessoa l e so-

    litria, juntamente com a leitura culta entre a classe dirigente romana. As

    primeiras bibliotecas privadas so conquistas de guerras, como por exem

    plo, a herdada por Cato, de seu pai, aps vencer Mitridates em 71-70

    43 In CAVALLO e CHARTIER, 2002, p. 71.

    44 ASTIN, 1978, p. 135-137 apud CAVALLO, Idem.

    45 PLUTARCO, 20,7 apud CAVALLO, Ibidem.46 Ibidem, p. 72.

    33

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    a.C.47 As novas bibliotecas privadas acompanham o surgimento de uma

    produo de livros latinos, mesmo que abaixo da qualidade da produo

    editorial grega.

    As condies de aprendizagem da leitura eram diversas, geralmente

    realizadas no contexto familiar, na escola pblica ou com p rofessores par

    ticulares. Antes de aprender a ler aprendia-se a escrever.

    Um a necessidade de leitura mais ampla, po r parte de uma elite privi

    legiada romana, somando-se falta de livros, fez com que instituies he-

    lensticas como a Academia, gynasium, lyceum, palaestra, alm das b iblio

    tecas privadas, se tornassem espaos de leituras privadas para estudos erecreao. Catulo e Ccero so os primeiros a informar sobre as atividades

    da librarii (livraria) e sobre os gostos dos leitores. As livrarias, em nmero

    cada vez maior, eram administradas por comerciantes de condio social

    inferior, geralmente escravos livres. N o perodo imperial, j havia livreiros

    relativamente clebres e conhecidos, como, por exemplo, Sossi, Doro e

    Trfon. As livrarias tornaram-se lugares onde as relaes sociais eram vi-venciadas por pessoas cultas e pseudo-intelectuais.48 No comrcio de

    livro, os mais significativos eram as obras de Homero e Virglio, mas, a

    partir do sculo IV d.C., a Bblia tomou a dianteira ainda que num form ato

    fragmentado, no concludo.49

    Havia tambm, no incio do sculo II a.C., crculos de leitura seme

    lhantes aos da Grcia antiga. Esses crculos acolhiam generais, mas tam

    bm promovia autores que no pertenciam classe de patrcios, promovia

    o idioma e a cultura gregos.50 As leituras pblicas tambm estavam em

    evidncia em todo o Imprio Romano. O prprio Augusto frequentava

    essas leituras com boa vontade e pacincia.''1Esse tipo de leitura durava,

    em geral, poucas horas. No obstante, algumas chegavam a durar um a se

    mana, tendo o pblico garantido em razo da fama ou poder do autor. O

    leitor era um transmissor, e no um receptor.32 O hbito da realizao deleituras pblicas de obras seculares foi interrompido no sculo VI. Con

    forme Carcopino, "isso decorreu de vrios fatores: patrcios que abando-

    47 CAVALLO, Ibidem, p. 73.

    4BIbidem, p. 78.

    49 FISC HER , 2006, p. 65.50 Idem, p. 67.

    51RO LFE, 1948 apud Ibidem.

    52 Ibidem, p. 70

    34

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    Aspectos Histricos da Leitura

    naram os grandes centros, declnio do ensino, enfraquecimento do comr

    cio de livros, invases germnicas e outras m udanas.53

    Outro avano significativo foi o interesse pelo livro em termos dequalidade editorial e po r tudo que facilitasse a leitura. difun dido nessa

    poca o volumen, um a publicao de alta qualidade,54 destina leitura cul

    ta, baseado em m odelos gregos que j circulavam no m undo helenstico

    e durante o perodo que vai do final da Repblica at o incio do novo

    regime. Media aproximadamen te 25 centmetros de largura por seis a dez

    metros de comprimento. Era com posto de papiro de alta qualidade, vir

    gens, bem paginados, estilo de escrita precisa e elegante, uso de iniciais

    diferenciadas e de tipos diferenciados para o nome do autor e ttulo da

    obra ao final de cada unidade, hastes para desenrolar o volumen. H no

    mundo romano, por volta do sculo I e II d.C., um crescente interesse

    pela leitura nas classes cultas e entre os novos alfabetizados e ricos. A

    frequncia de cenas de leitura em afrescos, nos mosaicos e nos baixos

    relevos da poca evidencia tal fato.

    At os sculos II-III d.C., ler um livro significava normalmente ler um rolo: pegava-

    se o rolo com a mo direita, desenrolando-o progressivamente com a esquerda, a

    qual segurava a parte j lida; acabada a leitura, o rolo permanecia enrolado na mo

    esquerda. *

    No sculo I a.C., Jlio Csar dobrou uma folha de papiro em pginas

    individuais para mand-las a suas tropas no cam po de guerra. Essa prtica

    acabou levando criao do cdice texto com pginas escritas em am

    bos os lados para que fossem viradas, no enroladas. Marcial, o primeiro

    a citar o cdice, elogia sua conciso e ressalta o quanto ele libera espao na

    biblioteca. C om enta ainda sobre sua utilidade em viagens, pois, ao contr

    rio do rolo, pode ser lido sendo segurado em apenas uma das m os.56

    A grande revoluo na poca, em termos de suporte de leitura, acon teceu conforme a narrativa de Plnio, o Velho (23-79 d.C.). Eumenes li

    (197 e 158 a.C.) que governou de Prgamo, na Grcia, na sia Menor,

    desejando fundar uma biblioteca altura da Biblioteca de Alexandria, en

    com endo u uma rem essa de papiro do Nilo. Acontece que o rei Ptolomeu

    53 Carcopino, 1940 apud Ibidem, p. 75.

    54 CAVALLO, Ibidem, p. 75.MARTINS, 1988, p. 81 apud Ibidem, p. 78.

    56 FISCHER, 2006, p. 76.

    35

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    do Egito proibiu essa exportao, tendo como objetivo manter a Biblio

    teca de Alexandria como repositrio mundial do conhecimento. Sendo

    forado a buscar alternativas, Eumenes ordenou que seus especialistascriassem, para a sua biblioteca, um novo material para a escrita. Foi de

    senvolvida ento, uma tcnica que envolvia o estiramento e secagem da

    pele de ovelhas e cabritos, deixando-a extremamente fina (velino). Nascia

    assim o pergaminho.57 Posteriormente o velino tomou tambm a forma

    de cdice.

    A fam osa frase scripta manet, verba volat, que originalmente significava

    a escrita dorme, a fala repercute, mediante uma reinterpretao conceitu

    ai, assumiu o significado a fala levada pelo vento, a escrita perm anece.

    Junto ao interesse pela leitura florescem as bibliotecas pblicas. Ca-

    vallo58 relata que essas bibliotecas foram criadas por algumas razes es

    pecficas, tais como atos de benemerncia, como, tambm, por iniciativa

    imperial, dentro de um contexto de uma concentrao e apropriao da

    cultura escrita por parte do poder. Fins po lticos e eleitorais marcaram tam bm a criao das bibliotecas. A s maiores bibliotecas foram: a biblioteca

    de Apoio, no Palatino, fundada po r Augusto, e a biblioteca Ulpia, no Foro

    de Trajano, que tinham por objetivo selecionar e conservar o patrimnio

    literrio e os anais civis e religiosos da cidade. Esses ambientes eram mais

    frequentemente visitados por leitores que buscavam obras antigas ou ra

    ras, para fazer anlises comparativas, para rpidas leituras e como espaosde convivncia.

    A maneira mais habitual de ler era em voz alta. Isso acontecia em n

    vel pessoal ou por um leitor mediador entre o livro e um ouvinte, ou um

    auditrio.

    Embora o prprio Ccero (106-43 a .C.), o grande orador, achasse que, para a memria,

    ver um texto era muito melhor que ouvi-lo, reconhecendo assim a exclusiva vantagemda leitura na sociedade oral romana, a maioria dos romanos acreditava que o discurso

    prevalecia como mais importante.S9

    Apesar de rara, Knox60 escreve que a leitura silenciosa e sussurrada

    era tambm praticada, principalmente em se tratando de cartas, docu-

    57 Ibidem.

    58 Ibidem, p. 77.59 Ibidem, p. 63

    60 KNOX, 1988, p. 38 apud Ibidem, p. 83.

    36

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    Aspectos Histricos da Leitura

    mentos e mensagens. Tratava-se de um a esco lha influenciada por fatores

    ou condies particulares, como o estado de esprito do leitor, ou da

    natureza do texto.Indivduos de modesta condio socioeconmica liam (ou ouviam

    ler) obras de histria pelo simples prazer ( voluptas) da leitura, no pela

    utilidade ( utilitas) que delas se podia usufruir, e que era o objetivo do

    leitor de nvel educacional mais elevado. Pode-se observar, em seu nas

    cedouro, que o hbito de leitura no mundo ocidental j revela diferentes

    motivaes e maneiras de ler, presentes at os nossos dias. A prod uo de

    obras biogrficas e relatos histricos, como por exemplo, Os Feitos de

    Csar, colaboravam para o crescente interesse pela leitura por um a classe

    menos favorecida e instruda.61

    Entre os leitores havia, em primeiro lugar, os crculos aristocrticos cultos, sempre en

    tregues ao otium. Havia em seguida, estreitamente ligado a eles, o grupo de gramticos

    e retricos, s vezes escravos ou libertos, mais ou menos habituados leitura de "cls

    sico s. E havia ainda um pblico de leitores novos, pblico diferente tanto nos crculos

    literrios ou escolares, altamente instrudos, quanto da massa dos no alfabetizados:

    um pblico mdio que acabava tocando levemente tambm as classes mdias baixas.61

    Na Rom a dos primeiros sculos de Imprio, a obrigao de ler por fora

    de funes, cargos, autoria, conhecimento tcnico e profissional, ensino ou

    estudo, vai aos poucos dando espao para o chamado leitor livre, que l

    pelo simples prazer da leitura, por hbito ou pelo prestgio que dela advm.

    O crescimento e a diversidade de leitores prom oveu o surgimento de

    uma variedade de gneros literrios, dentre os quais: a poesia de evaso,

    parfrases de obras picas, biografias e resumos histricos, pequenos tra

    tados de culinria e de esportes, livretos sobre jogo s e passatempos, obras

    erticas, horscopos, livros de magias ou interpretao dos sonhos, mas,

    acima de tudo, obras de fico trazendo um misto de drama, intriga, romance e aventura. Eram raros os casos em que as mulheres eram enalte- .

    cidas como biblifilas.63 Apesar da diversidade de gneros literrios, o

    Imprio Rom ano nunca chegou a experimentar algo como uma literatura

    po pu lar , obras lidas por dezenas ou centenas de milhares de pes soas.64

    61 CAVALLO, Ibidem, p. 74.

    62 Ibidem, p. 76.63 FISC H ER , 2006, p. 73.

    64Ibidem, p. 74.

    37

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Ao contrrio da Grcia, onde o privilgio da participao na vida

    civil era de uns poucos, que exigia um grande nvel de erudio, em

    Roma, a partir do final da Repblica (sculos II e I a.C.), a cidadania era

    exercida por um n mero maior de pessoas, das quais se exigia a leitura.

    Ro m a era dirigida po r escriturrios e sustentada por um grupo de cida

    dos com algum nvel de instruo. Para Fischer, de fato, esse foi talvez

    o primeiro Imprio da Leitura', uma vez que os patrcios, assim como

    grande nmero de homens, mulheres, libertos e escravos em Roma,

    no restante da Itlia rom anizada e em muitas outras provncias , liam

    e escreviam to dos os d ias.65

    6 . A L e i t u r a n o B r a s i l C o l o n i a l

    N o pe rodo que se estende do sculo XV I at a indepen dncia ha

    via po uc os livros e leitores no B rasil. Um a rarssim a exceo nos apre

    senta Mott66 citando a Frana Antrtida, onde havia muitos livros de

    origem calvinista. No geral, a posse de livros centralizava-se entre osproprietrios de terra e escravos, entre os clrigos, estudantes de Di

    reito e advogados, mdicos, farmacuticos, comerciantes e militares

    no exerccio de fun es e cargos pblicos. T od os e sses faziam parte da

    elite cultural. O livro era tido com o elem ento fun dam ental para o bo m

    desempenho na atividade profissional ou religiosa, como importante

    fon te de saber.67

    Em se tratando de bibliotecas, os maiores acervos atendiam as ativida

    des rotineiras dos colgios jesuticos. A partir do sculo XVII, houve uma

    mudan a na po sse de livros, que foi mais disseminada, e na com posio de

    bibliotecas. A s m aiores bibliotecas pessoa is eram propriedades de padres,

    advogados e cirurgies.

    As utilidades e funes dos livros variavam entre o ornamento ou en

    feites, fonte de conhecimento ou instruo. Em termos mais especficos,

    falava-se do livro e da leitura como importantes para:

    exerccio de sua ocupao faculdade "ministrio estudos; para conhecer melhor

    os erros e combat-los; para se conhecer as doutrinas de que se deve apartar; para

    melhor procedimento em casos, situaes, dvidas; porque est escrevendo livros;

    05 Ibidem, p. 64.66 Apud VILLALTA, 2002, p. 186, 189.

    Idem, p. 194.

    38

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    Aspectos Histricos da Leitura

    para maior inteligncia dos autores ou estudos; para bem servir a Vossa Majesta

    de; para se instruir s nas doutrinas que no forem reprovadas (ou o contrrio); para

    averiguao das doutrinas; e para maior construo da vida literria.68

    Percebe-se que a bu sca por mais conhecimento no exerccio de ativi

    dades profissionais, acadmicas, polticas e doutrinrias fomentava o h

    bito de leitura.

    O crescente aumento da circulao de livros e de leitores desencadeou

    o estabelecimento de controle e censura. Os sistemas de controle e cen

    sura foram o Santo Ofcio, o Ordinrio e a Mesa do Desembargo do

    pao. Esses sistemas foram unificados a partir da Real M esa Cen sria, em

    1768, pelo Marqus de Pombal. Em 1787 foi instituda tambm a C om is

    so Geral para o Exam e e a Censura dos Livros.69 A censura e a obstruo

    da leitura de certas obras e documentos perduraram pelos sculos seguin

    tes, em vrios segmentos da sociedade, inclusive dentro da prpria igreja

    evanglica. Em pleno sculo XX, alguns pastores no apenas rejeitavam

    a leitura de livros, como tambm chegavam a punir disciplinarmente os

    membros que assim o faziam. A leitura da Bblia era a nica fonte lite

    rria permitida, juntamente com algumas publicaes feitas em rgos

    oficiais (jornais, boletins e peridicos) da denominao. Com o cresci

    mento do mercado literrio e das grficas editoras evanglicas, com suas

    lojas estabelecidas nas principais capitais do pas, a abertura para a leitura

    de livros, inclusive com linhas teolgicas diversas, e at livros de filosofia,sociologia, romances, fices e outros gneros anteriormente censurados

    (mesmo que de modo informal), ganharam espao e tiveram acesso faci

    litado. E ssa tendncia maior prod uo literria evanglica e crescimento

    do pblico leitor prevalece no incio do sculo XXI.

    7. A L e i t u r a n a I d a d e M o d e r n a S c u l o X V I a o S c u l o XVIII

    Ribeiro (2008 ) faz um timo relato da prtica da leitura entre os scu

    los XVI e XIX. Nesse perodo as prticas de leitura estiveram diretamen

    te condicionadas s prticas escolares, s opes religiosas e ao crescente

    ritmo de industrializao. Onde imperava o catolicismo, os leitores tive

    ram problemas com a censura, que tentava impedir o acesso aos textos

    68 Ibidem, p. 205.

    69 LACERD A, Liliam Maria. A histria da leitura no B rasil: formas de ser e maneiras de ler. In:

    ABREU, Mrcia (org.). Leitura, histria e histria da leitura. So Paulo: Fapespe, 2002, p. 614.

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    entendidos como portadores e disseminadores de ideias contraventoras

    autoridade da Igreja e dos soberan os absolutos.

    Uma nova categoria de leitores surge na Inglaterra com o advento da

    Revoluo Industrial, determinando o surgimento de um novo mercado

    literrio. Conform e Cavallo e Chartier, as transformaes de ordem tcni

    ca foram as primeiras a afetar as prticas de leitura, oriundas do advento

    da impresso, que passa a alterar a produo das diversas obras literrias,

    migrando dos textos manuscritos para os impressos.70

    Johan nes Gutenberg (c. 1390 -1468) com a inveno dos tipos mveis

    de chumbo fundido, proporcionando assim mais durabilidade e resistn

    cia do que os produzidos em madeira, tornando-os reutilizveis, prom ove

    ram uma grande versatilidade ao processo de elaborao de livros e outros

    trabalhos impressos e permitindo, dessa maneira, a sua massificao.

    Em se tratando da impren sa como outra contribuio de G utenberg,

    houve tambm avanos em relao aos instrumentos em pregado s at en

    to desde a poca da Sumria, com discos ou cilindros sobre os quaisse tinha lavrado o negativo do texto a imprimir que geralmente era s a

    rubrica do dono do cilindro e outorgava certeza de autenticidade s ta

    buletas que a levavam. As imprensas na Idade M dia eram simples tabelas

    gordas e pesadas ou blocos de pedra que se apoiavam sobre a matriz de

    impresso j entintada para transferir sua imagem ao pergaminho ou pa

    pel. Gutenberg adaptou a prensa utilizada para espremer o suco das uvasna fabricao do vinho, com as quais ele estava familiarizado, pois Mo-

    gncia, onde nasceu e viveu, est no vale do Reno, uma regio vincola

    desde a poca dos romanos.

    Depois da inveno dos tipos e a adaptao da prensa vincola, Gu

    tenberg seguiu experimentando com a imprensa at conseguir um apare

    lho funcional. Tambm pesquisou sobre o papel e as tintas. Uns e outros

    tinham que se comportar de tal modo que as tintas se absorvessem pelo

    papel sem escorrer, assegurando a preciso dos traos; precisava-se que a

    secagem fosse rpida e a impresso permanente. Por isso, Gutenberg expe

    rimentou com pigmentos base de azeite, que no s usou para imprimir

    com as matrizes, seno tambm para as capitulares e ilustraes que se

    0 CAVALLO e CHARTIER, 1998 apud RIBEIRO, Wliane da Silva. Prticas de leitura no m un-

    do ocidental. Revista Agora. V. 3, n. 3, Nov-2008, p. 6. Disponvel em: Acesso em 10/09/2009.

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    Aspectos Histricos da Leitura

    realizavam manualmente, e com o papel de trapo de origem chinesa intro

    duzido na Europa em sua poca.

    A Bblia foi o primeiro livro impresso por Gutenberg, processo inicia

    do em cerca de 1450 e que teria terminado cinco anos depois, em maro

    de 1455.

    Conforme Ribeiro:

    O invento do livro impresso apresentava como vantagens: rapidez, uniformidade de

    textos e preo relativamente mais em conta, trazendo como consequncia o aumento

    de sua produo bem como a ampliao do acesso de centenas de leitores a cpias

    idnticas de um mesmo livro. No entanto, a inveno e difuso da imprensa caminha

    ram em passos pequenos no que tange substituio do manuscrito. At o sculo XVI,

    praticamente, o livro impresso ainda depende do manuscrito do qual imita a pagina

    o, a escrita, as aparncias.71

    A imprensa no extinguiu o gosto pelo texto escrito mo. No final do

    sculo XV, embora a imprensa estivesse bem estabelecida, a preocupao

    com o trao elegante no desaparecera e alguns dos exemplos mais me

    morveis de caligrafia ainda estavam por vir. Paralelo ao fato de os livros se

    tornarem de acesso mais fcil, mais pe ssoas desenvolviam a habilidade da

    escrita. O sculo XVI tornou-se no apenas a era da palavra escrita, com o

    tambm o sculo dos grandes manuais de caligrafia.72

    A nova forma impressa do livro possibilitou mudanas decisivas na

    ordenao das obras, dentre as quais uma maior legibilidade em razo doformato de fcil manejo, da organizao das pginas, da multiplicao de

    pargrafos.

    Um grande obstculo para a disseminao do hbito de leitura seria a

    precariedade da educao nas escolas primrias durante os sculos XV e

    XVI. N esse perodo, a grande maioria das crianas na Europa no frequen

    tava a escola. A falta de educao e leitura fomentava a superstio .73O empenho p or uma melhora na qualidade da educao foi um a das

    marcas da Reforma Protestante. O pensam ento de Lutero sobre esse tema

    expresso em seu escrito Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alema

    nha para que Criem e Mantenham Escolas Crists, datado de 1524. Nesse

    texto destacam-se os seguintes temas:

    1Ibidem.

    72 MANGUEL, 1997, p. 159 apud RIBEIRO, Ibidem, p. 7.

    73 FISCHER, Ibidem, p. 205.

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    a) Sobre o abandono das escolas

    Em primeiro lugar, constatamos hoje em todas as partes da Alemanha

    que as escolas esto no abandono (p. 303 ).

    b) Sobre a falta de investimentos em educao

    Caros senhores, anualmente preciso levantar grandes somas para

    armas, estradas, pontes, d iques e inmeras outras obras semelhantes, para

    que uma cidade possa viver em paz e segurana temporal. Por que nolevantar igual soma para a pobre juventude necessitada, sustentando um

    ou dois hom ens competentes como professores? (p. 305)

    c) Sobre a aplicao de mtodos de ensino mais eficazes

    bem verdade: se as universidades e conventos continuarem comoesto sem a aplicao de novos mtodos de ensino e modos de vida para

    os jovens, preferiria que nenhum jovem aprendesse qualquer coisa e que

    ficassem mudos (p. 306).

    d) Sobre as crianas longe da sala de aula em idade escolar

    Em minha opinio, nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo

    perante Deus e nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado

    que cometemos contra as crianas, quando no as educamos (p. 307).

    e) Sobre a responsabilidade do Estado em prover educao

    Acaso as autoridades e o Conselho querem desculpar-se e dizer que

    isso no lhes diz respe ito? (p. 308 )

    f) Sobre o benefcio social da educao

    Muito antes, o melhor e mais rico progresso para um a cidade quan

    do possui muitos homen s bem instrudos, muitos cidados ajuizados, ho nestos e bem edu cado s (p. 309).

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    Aspectos Histricos da Leitura

    g) Sobre a ludicidade na educao

    Falo por mim mesmo: se eu tivesse filhos e tivesse condies, no

    deveriam aprender apenas as lnguas e histria, mas tambm deveriam

    aprender a cantar e estudar msica com toda a matemtica (p. 319).

    h) Sobre a opresso na escola

    Pois as escolas de hoje j no so m ais o inferno e purgatrio de n os

    sas escolas, nas quais ramos torturados com declinaes e conjugaes,e de tantos aoites, tremor, pavor e sofrimento no aprendemos simples

    mente nada (p. 319).

    i) Sobre a qualificao dos docentes

    Visto, porm, que Deus nos agraciou to ricamente, concedendo-nosuma grande quantidade de pessoas aptas a instruir e educar maravilhosa

    mente a juventude [...] (p. 306).

    j) Sobre um mundo melhor proporcionado pela educao

    Usem os tambm a razo, para que Deus se aperceba da gratido por

    seus bens, e outros pases vejam que tambm som os gente e pes soas que

    po dem aprender deles ou ensinar-lhes algo til, a fim de que tam bm ns

    contribuamos para o melhoramento do mun do (p. 321).

    No movimento da Reforma, Martinho Lutero e seus seguidores

    na Alemanha, na Holanda e na Sua anunciavam aos quatro cantos

    que toda pessoa homem ou mulher possua o direito divino deler a Palavra de Deus por si prpria, sem intermedirios, e no idioma

    dela.74

    Percebe-se que a popularizao da leitura se relacionava com a salva

    o da alma: a salvao da alma dependia da capacidade de cada um ler a

    palavra de D eus por si m esm o.75

    74 Ibidem, p. 207.75 MANGUEL 1997, p. 312 apud RIBEIRO, Ibidem, p. 8.

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    O LDER CRISTO E O HBITO DE LEITURA

    Mas, conforme Ribeiro, a alfabetizao, mesmo restrita Bblia, no

    impediria a leitura de outros tipos de texto; desse modo, os donos de es

    cravos britnicos foram contra a alfabetizao dos mesmos, pois temiamque estes encontrassem ideias revolucionrias que aguassem possveis

    atos de revolta em favor da libertao.76 E ainda

    Aprender a ler, para os escravos, no era um passaporte imediato para a liberda

    de, mas uma maneira de ter acesso a um dos instrumentos poderosos de seus

    opressores: o livro. Os donos de escravos sabiam que a leitura uma fora que

    requer umas poucas palavras iniciais para se tornar irresistvel. Quem capaz de

    ler uma frase capaz de ler todas. Mais importante: esse leitor tem agora a possibilidade de refletir sobre essa frase, de agir sobre ela, de lhe dar um significado

    (MANGUEL, 1997, p. 314, 315). Para Manguei (1997), a arte da leitura uma

    vez aprendida no pode ser desaprendida; dessa maneira era mais cmodo para

    ditadores, donos de escravos, ter sob seu domnio pessoas analfabetas dada a

    maior facilidade em manipul-las. Dessa forma, assistimos durante sculos (atmesmo no limiar do terceiro milnio) uma grande massa de analfabetos, quando no sua limitao ao aprendizado inicial da leitura e da escrita.

    Sobre isso tambm escreve Fischer,78 quando afirma que a elite colonial

    da Amrica do Norte e do Caribe protestaram, afirmando que, a partir da

    leitura da Bblia, logo os escravos estariam lendo outras obras, as quais po

    deriam faz-los pensar, em vez de apenas obedecer. O grande temor era a

    preservao da riqueza, do poder e da posio social, cuja leitura seria uma

    ddiva perigosa demais se oferecida queles que deveriam ser subjugados.Praticamente em quase toda a Europa, do sculo XV ao XVIII, a maio

    ria dos leitores de livros eram mdicos, nobres, ricos comerciantes e inte

    grantes do clero.'9

    Durante esse perodo a Inglaterra assume a liderana da distribuio

    e consum o de livros (principalmente no sculo XVII). O lugar da leitura

    se diversifica:

    Muitos livros eram armazenados na cozinha, onde se realizava grande parte da leitura

    entre familiares e empregados, o que revela enorme familiaridade e intimidade com a

    leitura. Em virtude da influncia dos puritanos, uma das principais influncias cultu

    rais da Inglaterra poca, a leitura da Bblia tinha, sem dvida, prioridade nesses en-

    76 Ibidem.

    77 Ibidem.78 Ibidem, p. 229.

    79 FISCHER, 2006, p. 206.

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    Aspectos Histricos da Leitura

    contros. Apesar disso, na Europa dos sculos XVI e XVII, o dormitrio mantinha-se

    com o local favorito de leitura e armazenagem dos livros. Mas o quarto, nessa poca,

    costumava ser um local de passagem, desse modo, at na cama, era raro as pessoas no

    serem incomodadas durante a leitura. Se algum desejasse ler com privacidade, era

    necessrio retirar-se para outro aposento levando consigo uma vela, ou, se fosse du

    rante o dia, ir para fora da casa, onde tambm se lia muito, com o na Idade Mdia.80

    Ainda nesse perodo surgiram os primeiros livros de bolso (brochura),

    os primeiros jornais do mundo comeavam a ser lidos e uma autntica

    biblioteca de contedo popular decorava muros, portas, postes e janelas

    da Euro pa.81 [...] reis, prncipes, condes e bispos em toda a Europa iniciaram a construo de enormes bibliotecas no estilo de mausolus clssicos

    para abrigar as obras que eles prprios passaram, s vezes, a estimar mais

    que todas as posses.82

    A Revoluo Industrial foi tambm um resultado direto da instruo:

    ou seja, da leitura.83

    Durante a Revoluo Francesa, camponeses isolavam-se com um

    desse s livros durante horas a fio, m oven do os lbios palavra