O Lugar Da História Em Tempos de Crise - Jorge Grespan

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  • 7/24/2019 O Lugar Da Histria Em Tempos de Crise - Jorge Grespan

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    O LUGAR DA HISTRIA EM TEMPOS DE CRISE

    Jorge Luiz Grespan[i]

    No texto a seguir, no pretendo fazer um balano da historiografia, expondo todas as questes

    enfrentadas atualmente pelos historiadores, nem muito menos apresentar respostas conclusivas para elas.

    Tentarei apenas articular alguns temas e indicar impasses dignos de debate e reflexo. Por outro lado, um

    certo diagnstico do presente permitir! enfocar de modo singular um con"unto bastante amplo e complexo

    de problemas tericos que, por sua import#ncia, devero ser pelo menos mencionados, mesmo que se"a

    imposs$vel trat!%los com a profundidade que merecem. & conceito de crise, que venho estudando h! v!rios

    anos e que encontra grande resson#ncia nas condies do momento, ser! o eixo principal da minha

    an!lise, que tem como ob"etivo principal compartilhar resultados parciais de pesquisa bem comoinquietaes intelectuais.

    Do Objeto ao Sujeito

    't( bem pouco tempo atr!s, o que ( agora considerado )crise* da histria era "ustamente o aspecto

    visto como o mais interessante e positivo no desenvolvimento recente da disciplina, a saber, a

    multiplicao de ob"etos, problemas e abordagens. +ra nestes trs tpicos, a propsito, que se dividia a

    famosa colet#nea fundadora, dirigida por -acques e /off e Pierre Nora h! exatos 01 anos. +mbora a$

    tamb(m realizassem o que chamaram de )contestaes maiores* 2 histria tradicional, eles afirmavam

    que, por outro lado, )a histria nova ( feita por aprofundamentos ou enriquecimentos que no colocam

    em questoa problem!tica fundamental de determinados setores histricos*, e que )a histria se afirma

    como nova ao anexar novos ob"etos que at( agora lhe escapavam e se situavam fora de seu territrio* 3ii4.

    'ponta%se aqui para uma transformao provocada "! pela mera emergncia de )novos ob"etos*, que

    )enriqueceriam* a disciplina sem necessariamente )colocar em questo* a totalidade de suas matrizes

    tericas. & avano not!vel da histria teria sido, assim, o de se libertar da tirania destas matrizes, ao

    propor ob"etos que no se inscreveriam docilmente nas expectativas delas, e at(, inversamente, as

    contrariariam. 5oi em parte esta proposta que mais tarde se popularizou como )o fim dos paradigmas*.

    6ontudo, a id(ia de que ob"etos poderiam surgir por si mesmos simplifica um tanto a relao entre

    teoria e pesquisa emp$rica. Pois o problema epistemolgico "ustamente ( como podem aparecer ob"etos

    que )escapem* das previses orientadoras da investigao, que se )situem fora do territrio* do que havia

    sido selecionado como relevante ou significativo. Novos ob"etos no surgem apenas ao se deixar de lado

    antigas matrizes que os obscureceriam. &u bem eles so anomalias dentro do quadro terico que os

    produziu e que deve ento ser modificado, ou novas matrizes os revelaram e a eles atribu$ram sentido. +m

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    qualquer caso, h! um 7corpus8 pr(vio de conhecimentos acumulados e sistematizados que orienta a

    pesquisa nova, definindo o relevante, permitindo recortes e sugerindo m(todos de abordagem.

    9as pode no se ver nas observaes de e /off e Nora a defesa de um empirismo simplista. +les

    admitem que a prpria multiplicao dos ob"etos tenha sido poss$vel pela inspirao das )novas

    abordagens* introduzidas das cincias humanas, que )modificam, enriquecem, subvertem os setores

    tradicionais da histria*3iii4. + ( precisamente a$ que, para eles, o aspecto positivo e salutar pode aparecersob a forma negativa de uma crise: )'qui manifesta%se a provocao maior a que deve responder a histria

    nova, aquela das outras cincias humanas. & campo que ela ocupava sozinha, como sistema de explicao

    das sociedades pelo tempo, encontra%se invadido por outras cincias com fronteiras mal definidas que

    correm o risco de absorv%la e dissolv%la*. ;a$ a pergunta: )+xiste ainda um territrio do historiador

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    parte que )volta ao primeiro plano 3e4 tem o efeito de pFr a identidade histrica no centro das

    interrogaes*3vii4.

    & paradigma estruturalista teria chegado a um impasse no tanto devido 2 crise provocada pela

    fragmentao dos ob"etos da histria, mas pelo )descentramento* do su"eito. Neste caso, a cr$tica de ;osse

    2s formulaes de e /off e Nora no implica voltar 2 antiga diviso de tarefas entre a histria e as

    cincias humanas, concebendo setores da existncia humana como a%histricos, reservados 2quelascincias. Para ele, a interdisciplinaridade ( um ganho que deve e pode ser mantido, pois a dissoluo do

    ob"eto histrico s representa perigo se derivar do )descentramento* do su"eito. Na medida em que este

    )volta ao primeiro plano*, por(m, a historicidade dos fenFmenos humanos no colocaria em risco o

    )territrio* do historiador, antes o ampliaria, devolvendo talvez a ele a centralidade que ocupou um dia.

    +videntemente, ;osse no pretende um )simples retorno do su"eito tal qual era visto outrora 3...4

    Trata%se de um deslocamento da investigao para o estudo da conscincia, mas de uma conscincia

    problematizada 3...4*3viii4. 'ssim como o ob"eto no pode ser concebido como dado independente de sua

    construo pelo su"eito do conhecimento, este tamb(m no pode ser definido como um 7a priori8. +le deve

    ser )problematizado* em sua constituio paralela 2 de seu ob"eto, ou se"a, como agente e cognocente

    "unto com o que faz e sabe. ;este modo, com o su"eito retorna tamb(m a dimenso terica antes deixada

    de lado, sacrificada 2 precedncia do material emp$rico.

    D interessante observar de passagem que a pesquisa histrica baseada em m(todos rigorosos de

    tratamento do material emp$rico se confrontou desde o comeo com os impulsos de teorizao filosfica.

    'mbas dimenses, contudo, nasceram sintomaticamente "untas e entremeadas, como demonstram os

    casos exemplares de ?oltaire e Gume, no s(culo H?===. 9esmo depois, para que IanJe pudesse afirmar a

    cientificidade da histria devido ao m(todo de cr$tica das fontes emp$ricas, foi preciso entrar em discusso

    com a filosofia, no caso, a de Gegel, afastando e rebatendo as suas pretenses. 6ontudo, se ho"econdenamos a concepo hegeliana de histria pelo aspecto teleolgico, no podemos deixar de lhe dar

    razo no que diz respeito 2 relao aqui examinada da teoria com a pesquisa emp$rica. ;e fato, no curso de

    seu debate, entre KELM e KE01, Gegel responde a IanJe: )Tamb(m o historiador corrente e mediano, que

    intenta e pretende conduzir%se apenas 2 maneira de inventariante, entregando%se somente ao que ( dado,

    no ( passivo no seu pensarA traz consigo as suas categorias e v atrav(s delas o existente*3ix4.

    ' dial(tica hegeliana entre su"eito e ob"eto, historiador e histria, reveste%se, na )problematizao*

    da atual )reviravolta do paradigma* apontada por ;osse, de um car!ter hermenutico. & historiador

    tamb(m aqui ( ativo e no )passivo no seu pensar*, por constituir seu ob"eto, impondo a sub"etividade de

    suas )categorias* a ele. + estas no brotam de sua mente individual simplesmente, mas de toda umatradio 2 qual ele se vincula e que ( histrica tanto quanto o ob"eto estudado. ' ob"etividade, neste

    sentido, tamb(m se impe ao su"eito. &u ainda, em outras palavras, o historiador tamb(m ( histrico. =sto

    ( o que Gans%/eorg /adamer chamou de )histria efetuante*, ou se"a, o raio de influncia da histria

    sobre os que nela atuam e compreendem.

    6riticando "ustamente a concepo da histria como disciplina pass$vel de ob"etividade emp$rica, 2

    maneira das cincias naturais, este autor escreve em seu Verdade e Mtodo: )' ingenuidade do chamado

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    historicismo reside em que 3...4 esquece sua prpria historicidade com sua confiana na metodologia de

    seu procedimento*A por isso, )um pensamento efetivamente histrico tem de pensar ao mesmo tempo a

    sua prpria historicidade*A e, finalmente, )uma hermenutica adequada 2 coisa em questo deve mostrar

    na prpria compreenso a realidade efetiva da histria*3x4. & problema das metodologias, at( das mais

    modestas, limitadas 2 mera descrio ou narrativa de eventos, ( que elas incorreriam no erro de se

    distinguir do ob"eto pelo recurso do prprio procedimento. ' histria contada pelos historiadores nofaria parte, ento, da histria mesma, concebendo%se num plano de abstrao, como um tipo de saber

    puro.

    Nem a arte da interpretao, pela qual se define tradicionalmente a hermenutica, no pode

    consistir, para /adamer, em se colocar no lugar do outro e ler a sua inteno, como o fora no s(culo H=H

    de Bchleiermacher e ;ilthe@. Tamb(m a$ a interpretao seria um m(todo separando radicalmente su"eito

    de ob"eto. +la deve ser, antes, uma )fuso de horizontes* em que o int(rprete se compreende ao

    compreender o outro, e o compreende ao compreender a si mesmo. +m outras palavras, o historiador

    percebe gradativamente a sua condio histrica, a tradio 2 qual necessariamente pertence, apenas ao

    interpretar tradies dele distantesA e, inversa e simultaneamente, alcana uma interpretao cada vezmais adequada do outro, s 2 medida que avana na percepo de sua prpria historicidade.

    Ns mesmos, portanto, como historiadores, escolhemos nossos ob"etos e neles penetramos a

    partir de uma conscincia mais ou menos clara da posio histrica em que nos situamos. + inversamente,

    assumimos posies espec$ficas dentro do nosso presente 2 medida que adquirimos determinada

    compreenso dos nossos ob"etos, mesmo que a ao desta )histria efetuante* no nos se"a totalmente

    clara. No podemos simplesmente nos esquivar deste compromisso, pois ele ( constitutivo do nosso saber

    historiador.

    Trata%se, ento, de procurar definir da melhor forma poss$vel de onde pensamos, isto (, a quetradio pertencemos e em que situao nos encontramos. + isso s pode ser feito pela compreenso do

    tipo de histria que fazemos, dos seus )ob"etos, problemas e abordagens* particulares, para falar

    novamente na linguagem de e /off e NoraA ou melhor, dos seus interesses intelectuais, dificuldades e

    impasses prprios.

    ' crise epistemolgica que vimos marcar nossa conscincia historiadora corresponderia, portanto,

    a uma crise real. Tentemos, ento, determinar bem esta correspondncia, para da$ avaliarmos a extenso e

    a natureza do nosso dilema.

    Modernidade e Crise

    9ais do que fragmentao do ob"eto, com conseqente ameaa de diluio das fronteiras com as

    cincias humanas, ou mesmo de dCvidas quanto 2 verdade poss$vel ou 2 ob"etividade do conhecimento

    histrico, vimos que a fragmentao de fundo ( do su"eito da histria. + vimos tamb(m existir uma

    suspeita radical que se refere ao su"eito tanto do conhecimento quanto da ao histrica, isto (, na sua

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    dimenso cognitiva e na ativa, que de acordo com a hermenutica, ali!s, so complementares. 9as a crise

    assim definida no designa um processo destrutivo, e sim o virtuoso princ$pio que constitui a prpria

    modernidade. + no s como princ$pio, mas tamb(m como descrio do processo histrico de produo do

    novo, de constante transformao e inquietude, registra%se um sentido positivo prprio aos tempos

    modernos. ' fragmentao aqui significa autonomia, e o individualismo, liberdade.

    ;entre os autores mais recentes, foi talvez Ieinhart OosellecJ quem relacionou melhor estacaracter$stica da sociedade civil%burguesa traduzo assim aqui o termo polissmico alemo 7brgerlich8Q 2

    sua autocompreenso histrica. No seu "! cl!ssico uturo passado3xi4, ele traa as origens do termo

    )modernidade* no uso liter!rio e historiogr!fico europeu, para mostrar que sua adoo s se generaliza

    depois da Ievoluo 5rancesa ter consagrado uma imagem no%c$clica da histria. +sta no mais se

    repetiria, no mais seria pass$vel de previsesA e a disciplina que a estuda no poderia mais ser

    considerada repositrio de exemplos edificantes, )mestra da vida*, como fora desde a Ienascena. 'pesar

    da id(ia de progresso "! com alguns representantes do =luminismo ter comeado a superar a de ciclo, foi s

    com a Ievoluo que os conceitos de ruptura e de emergncia radical do novo se impuseram

    definitivamente.

    Be ( como ruptura e novidade que os tempos modernos se definem para si mesmos, por(m,

    colocando em xeque no limite at( a id(ia de progresso, ento nada haveria de espec$fico na nossa

    experincia histrica atual. +la faria parte de um processo que teria comeado a se desenvolver h! v!rios

    s(culos na +uropa. + nem existiria nada de negativo nesta experincia, que pudesse ser chamada de crise,

    pois a multiplicao de ob"etos de interesse e de pontos de vista seria somente parte do direito moderno do

    su"eito 2 autonomia da opinio e da vontade.

    No entanto, OosellecJ vai mais longe. +xaminando o v$nculo entre a nova concepo da

    temporalidade e as lutas religiosas e pol$ticas da =dade 9oderna, ele afirma: )' gnese do +stado absoluto( acompanhada por uma luta sustentada contra as profecias pol$ticas e religiosas de qualquer tipo. &

    +stado obt(m pela fora um monoplio sobre o dom$nio do futuro, reprimindo as interpretaes

    apocal$pticas e astrolgicas 3...4 6omo conceito contr!rio 2 profecia de ento, surgiu a previso racional, o

    prognstico*3xii4. No s o monoplio da violncia, como dizia 9ax Reber, mas tamb(m o do controle do

    tempo, ( necess!rio ao +stado 'bsolutista em sua formao. ' separao radical entre a esfera pol$tica e a

    religiosa era inevit!vel no contexto das guerras civis%religiosas dos s(culos H?= e H?==, e tem reflexo

    inclusive sobre o conceito de futuro, que pode ser acess$vel no mais s atrav(s da profecia, mas do c!lculo

    pol$tico do estadista.

    +sta separao das duas esferas conduz ao nCcleo do que OosellecJ concebe como a crisecaracter$stica da modernidade em um livro anterior, Cr!tica e Crise, que leva o subt$tulo sugestivo "ma

    contribui#o $ patog%nese do mundo burgu%s 3xiii4.& 7pathos8 ou )enfermidade* em questo ( "ustamente a

    clivagem profunda da conscincia moderna entre a esfera privada, da moral e da crena, e a pCblica,

    dom$nio da pol$tica. D esta "ustamente a crise, palavra cu"a histria OosellecJ tamb(m persegue, indicando

    sua relao com a 7cr$tica8 S associada, por sua vez, 2 liberdade individual de opinio que constitui direito

    constitutivo do su"eito S e, da$, sua relao com a prpria modernidade.

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    ;e qualquer modo, para al(m de toda a importante discusso das id(ias pol$ticas levada a cabo

    nestes livros, o que interessa aqui ( a definio da modernidade como clivagem profunda que desencadeia

    um processo )patolgico*, formando um )nexo de crise*, expresso feliz que depois seria adotada por

    Gabermas no seu estudo do surgimento da opinio pCblica. +sta Cltima, ali!s, tamb(m ob"eto de

    considerao de OosellecJ, est! na base da superao da forma 'bsolutista do +stado pelas revolues

    modernas, a inglesa do s(culo H?== e a 5rancesa de KEU. 9as no +stado liberal a clivagem cr$ticapermanece, mudando apenas de esfera, com a redistribuio das funes entre o pCblico e o privado.

    6ontinuando o racioc$nio de OosellecJ, poder$amos afirmar que o )monoplio do futuro* que o

    'bsolutismo reivindicava para o c!lculo pol$tico, passa no +stado liberal ao c!lculo econFmico. &u se"a, o

    controle da incerteza do tempo fora arrancado das mos dos profetas e videntes pelo soberano absoluto,

    comparecendo "! nas teorias de /uiccardini e 9aquiavel como )um procedimento determinado. & futuro

    se converteu em um campo de possibilidades finitas escalonadas segundo seu maior ou menor grau de

    possibilidade 3...4 D, por assim dizer, a forma pol$tica anterior aos seguros de vida que se propagaram na

    virada para o s(culo H?=== com a possibilidade de calcular a expectativa de vida*3xiv4. >uando as revolues

    contestam o monoplio de poder do +stado 'bsolutista, inclusive no que diz respeito ao c!lculo pol$tico, ereabrem assim o tempo para a incerteza, com os conceitos de ruptura e novidade que definem o 7moderno8,

    o +stado liberal s poder! continuar com seus prognsticos se os atrelar a uma nova forma de controle do

    tempo, o c!lculo econFmico tipificado "! com os )seguros de vida*.

    Podemos dizer que, no por acaso, todo este processo ( simult#neo 2 constituio da +conomia

    Pol$tica como disciplina autFnoma, desde Pett@ e ocJe S este tamb(m terico da Ievoluo /loriosa de

    KVEE S at( 'dam Bmith, um s(culo mais tarde. ' economia tamb(m adota )procedimentos determinados*

    para calcular o tempo, )convertendo o futuro em um campo de possibilidades finitas escalonadas segundo

    seu maior ou menor grau de possibilidade*, para retomar ainda uma vez as palavras de OosellecJ. &

    desenvolvimento deste novo c!lculo permitir! inclusive a volta das concepes c$clicas e progressivas de

    tempo, no esforo to caro ao s(culo HH de transformar a incerteza em )risco* medido.

    Na contramo deste c!lculo, por(m, ou antes, sub"acente a ele, aparece a nova forma de crise, a

    crise econFmica. Tamb(m ela se configura como uma forma da clivagem radical que marca a

    modernidade.

    + chegando a esse ponto, ( imposs$vel no lembrarmos de 9arx. Pois ( ele talvez o primeiro autor a pensar

    o conceito de crise social, certamente pelo menos o de crise econFmica, como algo inerente 2 sociedade

    civil%burguesa. +m Cltima an!lise, esta tem a ver com a fragmentao do homem moderno, decorrente da

    sua alienao na relao com o capitalA ou, numa verso mais sofisticada, resultante da inverso fetichista,em que o homem, verdadeiro su"eito de sua histria, seria coisificado, ao passo que ob"etos como

    mercadorias, dinheiro e capital ascenderiam 2 posio de su"eitos da vida social.

    9as tudo isso "! ( suficientemente conhecido. & interessante aqui ser! muito mais a exposio

    feita por 9arx da forma da crise, que inverte o seu conceito tradicional.

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    O outro lado da crise

    't( aqui, a crise vinha sendo definida como clivagem, separao radical de esferas, diferena,

    enfim. W primeira vista, ( tamb(m desta maneira que ela aparece em 9arx. +ntretanto, h! um "ogo

    complexo e fundamental entre a separao e a unio para o qual devemos atentar. Num manuscrito que

    seria publicado somente depois da sua morte, ele descreve de modo exemplar este "ogo. +mbora trate a$especificamente do movimento de compras e vendas, por ele chamado de )metamorfose* do valor S isto (,

    passagem da forma mercadoria 2 forma dinheiro S, o importante para ns ( o sentido geral da descrio.

    Para 9arx: )se, por exemplo, compra e venda S ou o movimento da metamorfose da mercadoria S

    apresenta a unidade de dois processos, ou melhor, o percurso de um processo atrav(s de duas fases

    opostas, sendo essencialmente, portanto, a unidade de ambas as fases, igualmente ( a separao das

    mesmas e sua autonomizao uma em face da outra. 6omo elas, ento, pertencem uma 2 outra, a

    autonomizao dos momentos copertinentes s pode aparecerviolentamente, como processo destrutivo.

    D a crise, precisamente, na qual a unidade se efetua, a unidade dos diferentes. ' autonomia, que os

    momentos pertencentes um ao outro e complementares adotam reciprocamente, ( anulada com violncia.' crise manifesta, assim, a unidade dos momentos reciprocamente autonomizados. No ocorreria

    nenhuma crise sem esta unidade interior dos aparentemente indiferentes um ao outro*3xv4.

    'nalisemos este texto, em que fica clara a concepo de )processo* de 9arx: determinam%se a$

    tanto )a unidade de ambas as fases* quanto )a separao das mesmas e sua autonomizao uma em face

    da outra*. 9ais ainda, os dois movimentos so, eles mesmos, relacionados, no sentido de que cada um

    define o outro S a unidade entre compra e venda se determina pela sua separao. +les so, assim,

    necess!rios um para o outro e, s da$, em si prprios. ;este modo, a )autonomia* entre a compra e a

    venda, descrita como aparncia da separao, como sua forma radical, no pode ser levada 2s suas Cltimas

    conseqncias, pois de fato ( )autonomizao*. &u se"a, ela ( determinada por um processo unificador,

    pela relao que tem de existir entre compra e venda. 9as ( apenas no momento radical da autonomia que

    a necessidade da unio se revela. 'ntes ela podia ficar oculta, ou aparecer como um aspecto simplesmente

    distinto do de uma separao ainda parcial. +m outras palavras, a diferena entre as duas fases de compra

    e venda de uma mercadoria no existe independentemente da relao entre ambas. +la ( determinada, ao

    contr!rio, por esta relao mesma, pela unidade do processo de )vender para comprar*.

    +m uma passagem de O Capitalque vale a pena citar, pois complementa bem o texto anterior,

    9arx afirma: )Be a autonomizao exterior dos dependentes interiormente, porque reciprocamente

    complementares, avanar at( um certo ponto, ento a unidade se faz valer violentamente atrav(s de uma Scrise*3xvi4. & "ogo entre a forma )exterior* e a unidade essencial, ou )dependncia interna*, exemplifica bem

    o que 9arx concebe como dial(tica. ' autonomia ( uma ciso s parcial, simples manifestao do seu

    oposto, da relao de base. Por isso a crise ( )violenta*, pois a unidade suporta apenas um certo grau de

    separao dos seus dois termosA quando este grau ( ultrapassado, a unidade tem de aparecer, e o faz de

    modo destrutivo. 9as o aspecto crucial ( que a relao dos dois termos atua separando, e no

    simplesmente unindo os dois, como seria de se esperar. + ela os separa porque nela o movimento de

    separao no ( apenas diferente, mas oposto ao de unio, e, por isso, necess!rio, inerente a ele. ' unio

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    tem de separar para unir, tem de negar%se, e vice%versa. 'mbos movimentos negam a si mesmos,

    compondo assim um todo contraditrio.

    'ssim, o movimento desta relao contraditria ( o de confrontar%se a si prpria, duplicando%se,

    separando%se entre um lado )interno*, de unio, e outro )externo*, de distino entre dois elementos,

    aspectos ou etapas de um processo. + a crise se apresenta "ustamente sob tal forma dial(tica, em que a

    separao revela a unidade interna, e no simplesmente que os dois elementos so diferentes um do outro,como se desde sempre o tivessem sido, como se sua diferena fosse um dado.

    ' an!lise destas passagens permite perceber que a crise atual possui uma complexidade ainda

    maior do que o antes considerado. 6onforme o racioc$nio de 9arx, os processos de autonomizao

    constitutivos da modernidade se configuram como relaes contraditrias, nas quais os termos ou

    inst#ncias da realidade social e histrica so na verdade expresso de uma unidade que s aparece com a

    violncia de uma separao imposs$vel.

    &u, retomando o problema nos termos propostos OosellecJ, a clivagem entre as esferas da vida

    privada e pCblica aparece como autonomizao de termos que s podem se reunir mediante uma

    imposio brutal. + a redefinio constante das atividades sociais que correspondem ora 2 esfera pCblica,

    ora 2 privada, faz com que esta clivagem se ramifique, aparecendo como a da pol$tica e da moral, "! com o

    +stado moderno absolutista, ou tamb(m como a da pol$tica e da economia, com o advento do +stado

    liberal. 6om a generalizao do processo, autonomizam%se um do outro os v!rios campos da experincia

    humana S na arte, na religio, na cincia, no direito. 6ada um desenvolve suas regras prprias de

    sociabilidade, para al(m das normas sociais mais amplas, regras que a investigao cient$fica sobre cada

    campo deve analisar e reconstituir em sua coerncia prpria.

    Burge, assim, uma nova definio de 7interno8 e 7externo8: cada esfera de atividade, ao se

    autonomizar e se tornar externa para as demais, cria um espao interno de auto%referncia e pode at( vir arecusar a import#ncia das referncias ao que considera externo, isto (, 2 histria mais ampla, digamos,

    social. +sta Cltima, que integrava todas as esferas num espao comum 7interno8, ( vista com desconfiana

    pelos estudiosos de cada uma. + tal desconfiana no ( mero preconceito sub"etivo, exagero de

    especializao, mas revela o processo real de autonomizao do )nexo de crise* moderno. ;e acordo com a

    definio de 9arx, a prpria sociabilidade mais ampla atua separando as esfera e s aparece enquanto

    unidade quando o desgarramento delas chega a um extremo insuport!vel. D ento e somente ento que

    podem se multiplicar os ob"etos de estudo, formando cada qual um m(todo adequado de pesquisa, cu"a

    especificidade se afirma para al(m da tradicional investigao histrica. 6ompletando uma verdadeira

    inverso de sentido entre o 7interno8 e o 7externo8, a histria antes chamada de 7total8 aparece ento comoalgo negativo.

    Para tomar um exemplo: a histria da cincia, como campo singular de estudo, reivindica uma

    lgica interna aos processos de descoberta e transformao dos modelos explicativos, cu"o exame atingiu

    um !pice com as obras de Xachelard, 6anguilhem, Ouhn e 5e@erabend, para citar alguns autores

    emblem!ticos. + esta lgica ( suficientemente complexa para determinar e explicar somente por si mesma

    os desenvolvimentos da cincia. & historiador desta esfera sente%se "ustificadamente tentado, ento, a

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    fechar%se dentro do campo de ao desta lgica e esquecer os condicionantes sociais mais amplos que

    tamb(m exercem influncia sobre dela, talvez de forma mediada. +le tender! a desprezar estas mediaes

    e poder! inclusive considerar inconvenientes as admoestaes dos outros historiadores para que leve em

    conta tais condicionantes, uma vez que, diante do poder explicativo da lgica interna ao seu campo, as

    determinaes ditas externas lhe parecero mais fracas. + o mesmo ocorrer! em praticamente todas as

    esferas de histria especializada.'ssim, a multiplicao dos ob"etos histricos, devidamente acompanhada pela das matrizes

    tericas correspondentes, acaba revelando uma outra faceta da crise analisada no comeo do presente

    texto. Be havia o receio de perda de especificidade da histria, devido a uma invaso do seu territrio pelas

    cincias humanas, configura%se agora o perigo inverso e no menor, a saber, da incomunicabilidade entre

    as distintas especialidades em que se fraciona o saber histrico. Tal perigo evidencia melhor que o

    primeiro o fato da autonomizao atual no ser simplesmente um processo virtuoso de liberdade face 2s

    tiranias, inclusive as epistemolgicas. +la representa de fato uma crise, com toda a carga de negatividade

    contida na palavra.

    Por outro lado, se esta crise ( a forma de expresso do seu contr!rio, de uma unidade que s pode

    aparecer na autonomizao dos seus termos, na medida em que ( contraditria, ento ela no ( a simples

    separao das esferas de vida e das correspondentes cincias humanas e histrias que tratam de cada tipo

    de ob"eto que se diferencia. +la ( tamb(m o inverso, ( a manifestao da impossibilidade de que esta

    separao se radicalize. 'o inv(s de simplesmente revelar uma fragmentao irrevers$vel, ela indica a

    necessidade e, mais, a possibilidade, de um retorno 2 unidade.

    ;e modo geral, o tema da unidade das cincias ( enfocado atrav(s do lema da

    interdisciplinaridade. 6om isso, por(m, a unidade ( percebida de maneira errFnea, como um espao de

    homogeneidade poss$vel entre ob"etos distintos, ou at( como profunda semelhana do que silusoriamente seria distinto. & problema ( que esta percepo ( improdutiva para lidar com a atual crise,

    em que a unidade se manifesta no diretamente como identidade, e sim inversamente, como

    diferenciao. & retorno produtivo 2 unidade deve levar em conta esta sua caracter$stica fundamental e

    buscar a identidade na diferena e vice%versa. D preciso pensar a origem e a din#mica complexa da

    diferena, e no aceit!%la como um dado, ao lado da qual existiria tamb(m uma poss$vel semelhana, que a

    interdisciplinaridade se encarregaria piedosamente de procurar e afirmar. D preciso compreender o

    espao da unidade dos saberes como o da origem e da reproduo ampliada da sua diferena, referido ao

    processo de autonomizao, que s se revela plenamente com a irrupo de uma crise que leva cada um a

    buscar em outro a soluo ou a inspirao para sair de seus impasses.'s diferenas e semelhanas neste )nexo de crise* tm de voltar a ser pensadas como assimetria,

    resultante de um conflito.

    &s opera#'es (ist)ricas

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    G! ainda outra conseqncia importante da crise real sobre o of$cio dos historiadores, que atinge a

    prpria ordem do tempo histrico e suas respectivas concepes.

    ?imos que o desenvolvimento do c!lculo econFmico permitiu a volta de concepes c$clicas e

    progressivas do tempo. ' partir da$ elaborou%se uma sofisticao do escalonamento temporal, pela

    elaborao de conceitos de ciclo de curta, m(dia e longa durao, bem como de tendncias, tanto

    progressivas quanto regressivas. +ssas distines, caras a muitos historiadores, baseiam%se "ustamente napossibilidade de mensurao dos acontecimentos econFmicos, com valores, preos, volumes e fluxos de

    interc#mbio combinando%se em uma ordem precisa e verific!vel.

    >uando a crise confunde todas as medidas, por(mA ou antes, quando a oposio das medidas

    impede a continuidade dos fluxos econFmicos S que ( "ustamente o que chamamos de crise S, tamb(m as

    camadas de temporalidade no se articulam mais organizada e previsivelmente. &corre ento um

    verdadeiro embaralhamento, em que a curta durao irrompe na longa, em que tendncias conflitantes se

    apresentam simultaneamente, por vezes se anulando. & c!lculo ( inCtil e o futuro torna a se manifestar

    como incerteza, e no mais como )risco* mensur!vel. 9ais do que os )seguros de vida*, como assinalava o

    texto de OosellecJ, ( todo o con"unto de previses e explicaes das vari!veis micro% e macroeconFmicas

    que entra em falncia na crise. D o que se poderia chamar de )desmedida* do tempo.

    + o mesmo se passa com a relao entre outras esferas de existncia social, desdobradas conforme

    a sua )durao*, na famosa distino de Xraudel. 6urtas e longas duraes, con"unturas e estruturas,

    tempos r!pidos e lentos, todos perdem a nitidez da sua distino. ' noo de )acontecimento* em

    5oucault, ali!s, ( sintoma disto, desta inexplicabilidade do evento pela estrutura e da modificao da

    estrutura a partir do dado con"untural. Gaveria um evento original fundador de uma s(rie de outros, mas

    ele mesmo no inserido em uma s(rie anterior, no colocado numa seqncia causal como efeito de

    eventos pr(vios.'s dificuldades que a crise vem impondo 2 operao de explicar, isto (, de articular a curta e a

    longa durao bem como as diversas esferas de atividade humana desdobradas temporalmente, fez com

    que recentemente muitos historiadores preferissem voltar ao relato, enfatizando a dimenso narrativa de

    sua atividade. ;e fato, se explicar ( enquadrar um evento numa lei geral ou, no caso da histria, numa

    regularidade ou movimento mais amplo, mais lento, mais abrangente, como faz%lo num contexto em que

    os movimentos longos no se configuram enquanto tendncias definidas nem enquanto ciclos de

    regularidade mais ou menos previs$vel< ;iante de tal problema, muitos historiadores optam pela renCncia

    2 pretenso de explicar, deixando%a para as cincias humanas e contentando%se em contar bem uma

    histria.

    Bem dCvida, ( fundamental que o historiador narre, e que assim se aproxime da fico, da arte do

    escritor. 's discusses entre historiadores, contudo, evidenciam que este ( apenas um aspecto secund!rio

    do que fazem, pois elas no ocorrem devido 2 narrao em si mesma, digamos, ao estilo do relato. D antes

    o que organiza as narrativas, as explicaes nelas impl$citas, que constituem o ob"eto dos debates. Por isso,

    a operao de explicar no pode ser substitu$da pela de narrar.

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    & prprio Paul Iicoeur, apresentado por ;osse em& *ist)ria $ pro+a do tempocomo o grande

    mentor da )volta ao primeiro plano* do su"eito, )novo paradigma* da histria dos anos U1, no desdenha

    da explicao. Pois ( isto, afinal, que distingue a sua hermenutica da de /adamer e outros

    contempor#neos orientados mais para a compreenso. ;epois de referir%se com aprovao ao )of$cio do

    historiador* de 9arc Xloch, Iicoeur afirma: )9esmo quando se admite 3...4 que a narrativa ( 7auto%

    explicativa8, a histria%cincia destaca o processo explicativo da trama da narrativa e erige%o emproblem!tica distinta. No ( que a narrativa ignore a forma do por que e do porqueA mas suas conexes

    permanecem imanentes 2 tessitura da intriga. 6om o historiador, a forma explicativa torna%se autFnoma,

    torna%se o desafio distinto de um processo de autenticao e "ustificao*3xvii4.

    ;o mesmo modo, o pensador a quem recorrem em Cltima inst#ncia os defensores da volta 2

    narrativa, Ralter Xen"amin, no confunde a disciplina do historiador e a arte do narrador. 'o contr!rio,

    ele reconhece que )Podemos ir mais longe e perguntar se a historiografia no representa uma zona de

    indiferenciao criadora com relao a todas as formas (picas. Neste caso, a histria se relacionaria com as

    formas (picas como a luz branca com as cores do espectro. 3...4 notar%se%! facilmente a diferena entre

    quem escreve a histria, o historiador, e quem a narra, o cronista. O (istoriador obrigado a e,plicar deuma ou outra maneira os episdios com que lida, e no pode absolutamente contentar%se em represent!%

    los como modelos da histria do mundo.*3xviii4.

    'ssim, )escrever a histria* ( diferente de narr!%la, pois implica )obrigatoriamente* a explicao

    dos acontecimentos de que ( dispensado o cronista. 9as no porque este simplesmente no explique. &

    texto citado de Iicoeur deixa claro que toda a narrativa explica, ao referir%se 2 crFnica como )auto%

    explicativa*A mas o prefixo )auto* aqui significa que ela o faz de modo impl$cito, )imanente*. ' tarefa do

    historiador, ento, mais do que narrar, ( tornar expl$cita a forma da sua explicao, ou se"a, )destacar o

    processo explicativo da trama da narrativa* e fazer dele uma )problem!tica distinta* da prpria trama,

    tema da discusso com os seus pares, como diz$amos acima.

    Na bela met!fora de Xen"amin, tal procedimento da histria faz com que ela se revista de uma )luz

    branca*, diversa da colorida gama das formas (picas da narrativa. 'pesar de ins$pida, esta ( forma

    inevit!vel da )histria%cincia*A por outro lado, ela ( a sua forma particular de se situar na sua )zona de

    indiferenciao criadora*, isto (, de tamb(m )criar*, s que mediante uma )indiferenciao* em face das

    formas narrativas, alcanada pela explicitao e problematizao das explicaes a elas sub"acentes. +ste (

    o seu )desafio distinto* da tarefa do cronista, desencadeando o )processo de autenticao e "ustificao* de

    pressupostos mencionado por Iicoeur, do qual o narrador ( )desobrigado*.

    ;e qualquer modo, se tamb(m a narrativa explica, ento ela compartilha dos problemas postospela crise 2 explicao. Para al(m das poss$veis dificuldades em que incorre a prpria narrativa quando a

    paciente sucesso linear do tempo ( abalada S e lembremos da )crise da narrativa* e do romance apontada

    por Xen"amin, decorrente ao desenvolvimento da informao moderna3xix4 e do ritmo fren(tico da

    produo capitalista S, haveria aquelas relacionadas 2 operao de explicar simult#nea 2 de relatar.

    Tamb(m o cronista supe que a inteligibilidade de seu relato adv(m da incluso dos episdios que conta

    num registro temporal mais abrangente, lento, quase estrutural, quase uma natureza imut!vel das coisas e

    http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn17http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn18http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn19http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn19http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn17http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn18http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_edn19
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    dos homens. 9as ( "ustamente sobre esta ordem que atua a crise, confundindo os ritmos, impedindo a

    remisso explicativa dos acontecimentos 2s estruturas, colocando sob suspeita o registro perene sobre o

    qual se apoia tacitamente a crFnica.

    Tudo isso fica impl$cito, na medida em que o historiador se refugia na narrativa como subterfCgio

    para no ter de explicar nem de resolver, portanto, os impasses da explicao. 6ontudo, eles esto

    presentes no seu relato e a crise fora que venham 2 tona. D preciso ento propor e discutir os quadrostericos que permitem cada tipo de explicaoA ( preciso explicitar pressupostos e abandonar a cFmoda

    posio de horror 2 teoria e 2 filosofia que caracterizam a reivindicao do simples empirismo, examinado

    na primeira parte do presente texto.

    Nesta evidncia e discusso dos pressupostos tericos, ao contr!rio de tal empirismo, consiste "! a

    atitude cr$tica que a crise traz de volta. +stritamente vinculadas at( pela etimologia, conforme demonstrou

    OosellecJ, crise e cr$tica representam o lado ob"etivo e o sub"etivo do amplo processo moderno de negao,

    de distanciamento. & historiador )destaca* a explicao )imanente* ao seu relato e faz dele tema de

    reflexo e debate, distanciando%se assim do seu assunto imediato para entender a si mesmo como parte da

    histria que conta. 9ais do que mergulhar no seu assunto, confundindo%se com ele, o historiador marcar!

    com isso seu afastamento cr$tico para com seu assunto e para consigo. +le dever! perceber a si no ob"eto,

    na maneira espec$fica com que organiza sua narrativa, que perder! ento a naturalidade do relato

    imediatoA e dever! igualmente perceber o ob"eto nele prprio, alcanando certa conscincia de si atrav(s

    dos seus interesses e opes metodolgicas, isto (, das explicaes que elabora.

    9as estas explicaes remetero 2s estruturas condicionantes da ao, da liberdade de decidir e

    agir. +m outras palavras, se ( essencial colocar o su"eito de )volta ao primeiro plano*, como prega ;osse,

    no podemos deixar de reconhecer que o su"eito no ( totalmente livre, que ele ainda (, e talvez agora mais

    do que nunca, condicionado por estruturas que se arvoram em sub"etividades, to artificiais quantopoderosas. Bo estes condicionamentos que devem balizar e definir a )conscincia problematizada*

    tamb(m reivindicada por ;osse, distinta do conceito de su"eito livre das filosofias da histria dos s(culos

    H?=== e H=H. Bo eles, afinal, que vm 2 tona com a explicitao das explicaes dos historiadores. Be a

    narrativa deve ser combinada com a explicao, ( porque o curso das aes relatadas est! determinada

    pelo menos em parte pelos quadros mais amplos em que estas aes ocorrem e que conferem a elas o seu

    sentido historicamente espec$fico. ?oltado para o passado, mas com os p(s nesse presente, o historiador

    no pode agora cometer o erro sim(trico de privilegiar a conscincia do su"eito histrico, pois esta se

    define sempre tamb(m numa camada inconsciente da sociabilidade.

    +m sua crise, por(m, os condicionamentos sociais no podem ser vistos como antes, isto (, comoestruturas absolutamente determinantes da ao e conscincia dos indiv$duos, que seriam "oguetes nas

    mos de foras invis$veis. +stas foras ainda existem, mas esto agora "ustamente numa oposio que no

    permite prever%lhes a direo nem compreender bem seu sentido. 9as o su"eito s pode se constituir pela

    apreenso cr$tica deste )nexo de crise*, apreendendo a si mesmo como tal, como um )problema*, e no

    como um agente livre e uno.

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    D a simult#nea cr$tica a si e a seu ob"eto que deve orientar o historiador, definindo uma

    hermenutica em tempos de crise, distanciada de poss$veis excessos compreensivos que enfatizem

    unilateralmente a busca pela identidade entre as geraes, entre os grupos sociais, as (pocas e as naes.

    Numa (poca que ainda teima em falar de globalizao, estudando as relaes entre os pa$ses, os grupos e

    as (pocas baseada no pressuposto )democr!tico* da simetria, de que todos tm a mesma import#ncia e as

    mesmas possibilidades, uma hermenutica da identidade s poderia ser enganosa. ' cr$tica, ao contr!rio,apontar! sempre para a diferena, colocando%a em seu devido lugar.

    3i4;ocente do ;epartamento de Gistria. 556G%YBP.3ii4+ /&55, -acques Z N&I', Pierre S*ist)ria- .o+os /roblemas, trad. Theo Bantiago, Iio de -aneiro,5rancisco 'lves, KUV, pg. K0, grifos meus.3iii4=dem, ibidem, pg. KL.3iv4=dem, ibidem, pp. K0%KM.3v4?+[N+, Paul S Como se escre+e a (ist)ria, trad. 'lda Xaltar e 9aria '. Oneipp, Xras$lia, +dunb, KUEL.3vi4;&BB+, 5ranois S& *ist)ria $ pro+a do tempo, trad. =vone Xenedetti, Bo Paulo, +dunesp, KUUU, pg.MK.3vii4=dem, ibidem, pp. MK%ML.3viii4=dem, ibidem, pg. MK.3ix4G+/+, /. 5. R. S& 0azo na *ist)ria, trad. 'rtur 9ouro, isboa, +dies 1, KUU\.3x4 /';'9+I, Gans%/eorg S Verdade e Mtodo, trad. 5l!vio 9eurer, Petrpolis, ?ozes, KUU, pg. MME,com pequenas modificaes introduzidas por mim a partir do original alemo.3xi4 O&B++6O, Ieinhart S Vergangene 1u2un3t4 1ur Semanti2 gesc(ic(lic(er 1eiten, 5ranJfurt,BuhrJamp, KUUA trad. +spanhola Suturo /asado, Xarcelona, Paidos, KUU0.3xii4=dem, ibidem, pp. LV%LE trad. +sp., pp. LU%0K.

    3xiii4O&B++6O, I. S Cr!tica e Crise, trad. uciana 6astelo Xranco, Iio de -aneiro, 6ontraponto, KUUU.3xiv4=dem, Vergangene 1u2un3t, pg. LU trad. +sp., pg. LUQ.3xv49'IH, Oarl S 5(eorien 6ber den Me(r7ert, vol. ==, Xerlim, ;ietz, KUV, 9+R LV.L, pg. \1K, grifonegrito do autor. Traduo brasileira: 5eorias da Mais8+alia, Bo Paulo, ;ifel, KUE0, vol. ==, pg. U0V.3xvi4=dem SDas 9apital, Xerlim, ;ietz, KUE0, vol. =, 9+R L0, pp. KL%KLE. Traduo brasileira: O Capital,coleo &s +conomistas, Bo Paulo, 'bril, KUE0, vol. = K, pg. K11.3xvii4I=6&+YI, Paul S 5empo e .arrati+a, Bo Paulo, Papirus, KUUM, vol. =, pp. L\K%L\L.3xviii4 X+N-'9=N, Ralter S )& Narrador*, in Obras :scol(idas, trad. B(rgio Iouanet, Bo Paulo,Xrasiliense, KUE\, vol. K, pg. L1U, grifo meu.3xix4=dem, ibidem, pg.

    http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref1http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref2http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref3http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref3http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref4http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref5http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref6http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref7http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref7http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref8http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref8http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref9http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref10http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref10http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref11http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref12http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref12http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref13http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref13http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref14http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref15http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref16http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref17http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref17http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref18http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref19http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref1http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref2http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref3http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref4http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref5http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref6http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref7http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref8http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref9http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref10http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref11http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref12http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref13http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref14http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref15http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref16http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref17http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref18http://www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol2n5/Jorge.htm#_ednref19