O mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico

4
03/03/2017 às 05h00 O mandato capim-limão de João Doria Duas portas, com abertura por digital, separam o hall do quinto andar do edifício Matarazzo do banheiro mais acessível ao visitante. Sede da Prefeitura de São Paulo desde 2004, o prédio de 14 andares, construído em 1939 para abrigar a administração das indústrias que lhe deram o nome, sempre manteve banheiros limpos no andar que abriga o gabinete do alcaide. Com a posse de João Doria, os sanitários receberam um banho de loja, mais especificamente da Ultrafarma, maior rede de farmácias on-line do país. Ganharam difusor de fragâncias, com varetas de madeira, e sabonete líquido, em frascos de vidro. Os apetrechos deram aos banheiros uma suave fragância capim-limão. No banheiro próximo ao gabinete do prefeito, a reforma foi mais completa. Além do capim-limão, ganhou louça nova, torneiras e metais dourados. Trocou ainda as toalhas descartáveis por peças felpudas beges, duas penduradas em hastes e três mantidas em rolinhos numa bandeja de acrílico. Os banheiros da prefeitura já foram mais concorridos. Não se fazem mais necessários para quem precisa retocar a maquiagem ou ajeitar o nó da gravata antes da audiência com o prefeito. O hall do quinto andar ganhou espelhos do piso ao teto. A partir deles se multiplica a imagem das recepcionistas loiras, de saia justa e salto agulha, que conduzem os visitantes para o gabinete do chefe. O mecenas dos banheiros, Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, é um daqueles que doou medicamentos para as farmácias dos postos de saúde, por falta de provisionamento de seu antecessor, na justificativa do prefeito. A doação, que envolveu farmácias e laboratórios, está pendente de liberação das autoridades fazendárias, porque requer isenção de impostos. Os medicamentos têm prazo de validade mais curto (11 meses) e a prefeitura se encarregará do descarte e incineração, encargo encarecido pela legislação, daqueles que ultrapassarem o prazo de validade. A exemplo dos banheiros da prefeitura, as farmácias que atendem os usuários dos postos municipais também vão passar por uma reforma. O prefeito pretende que saiam dos postos, se multipliquem e ganhem capilaridade com a participação da iniciativa privada. O setor, sob acirrada concorrência no município, desbravará novas fronteiras na periferia. Para não deixar dúvida da centralidade do tema em sua agenda de governo, o prefeito gravou vídeo - e o divulgou em rede social, sem pronunciar a marca ou seu dono - em que recomenda vitaminas da Ultrafarma durante reunião matinal do seu secretariado. O empresário que fez do prefeito garoto-propaganda de seus produtos já cumpriu pena em liberdade por receptação de mercadoria roubada e falência fraudulenta de uma antiga farmácia. Hoje atribui o ocorrido a uma armação. Por Maria Cristina Fernandes | De São Paulo LEIA MAIS Foliões de São Paulo se dividem entre protestos e apoio a Doria Doria puxa coro contra pichadores de São Paulo: 'É bandido ou não é?' Alckmin e Doria inauguram piscinão na zona leste de São Paulo Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor desde a fundação do jornal em maio de 2000. Foi editora de política por 15 anos do jornal. Hoje mantém a coluna semanal de política iniciada em 2000 e a coluna quinzenal ‘gps’ no caderno EU & Fim de Semana. É autora do e-book “Os candidatos” (Companhia das Letras, 2014). Integrou a equipe que fundou a revista "Época”. Foi editora de Política da "Gazeta Mercantil", subeditora da revista "Veja" e repórter do "Jornal do Comércio". É formada em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e em História pela Universidade Federal de Pernambuco. É mestre em Política Comparada pela Universidade de Paris I e em Política Latino- Americana pela Universidade de Londres. Fale com Maria Cristina Fernandes Maria Cristina Fernandes Cultura & Estilo Últimas Lidas Comentadas Compartilhadas Homem é baleado em sambódromo do Rio 05/03/2017 às 15h48 Ver todas as notícias g1 globoesporte gshow famosos & etc vídeos todos os sites e-mail O mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4885004/o-mandato-capim-l... 1 of 4 6/3/17 11:19

Transcript of O mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico

03/03/2017 às 05h00

O mandato capim-limão de João Doria

Duas portas, com abertura por digital,separam o hall do quinto andar doedifício Matarazzo do banheiro maisacessível ao visitante. Sede da Prefeiturade São Paulo desde 2004, o prédio de 14andares, construído em 1939 para abrigara administração das indústrias que lhederam o nome, sempre mantevebanheiros limpos no andar que abriga o gabinete do alcaide. Com a posse deJoão Doria, os sanitários receberam um banho de loja, mais especificamenteda Ultrafarma, maior rede de farmácias on-line do país. Ganharam difusor defragâncias, com varetas de madeira, e sabonete líquido, em frascos de vidro.Os apetrechos deram aos banheiros uma suave fragância capim-limão.

No banheiro próximo ao gabinete do prefeito, a reforma foi mais completa.Além do capim-limão, ganhou louça nova, torneiras e metais dourados.Trocou ainda as toalhas descartáveis por peças felpudas beges, duaspenduradas em hastes e três mantidas em rolinhos numa bandeja de acrílico.

Os banheiros da prefeitura já foram maisconcorridos. Não se fazem mais necessários paraquem precisa retocar a maquiagem ou ajeitar o nóda gravata antes da audiência com o prefeito. O halldo quinto andar ganhou espelhos do piso ao teto. Apartir deles se multiplica a imagem dasrecepcionistas loiras, de saia justa e salto agulha,que conduzem os visitantes para o gabinete dochefe.

O mecenas dos banheiros, Sidney Oliveira, dono daUltrafarma, é um daqueles que doou medicamentospara as farmácias dos postos de saúde, por falta deprovisionamento de seu antecessor, na justificativado prefeito. A doação, que envolveu farmácias elaboratórios, está pendente de liberação dasautoridades fazendárias, porque requer isenção deimpostos. Os medicamentos têm prazo de validade mais curto (11 meses) e aprefeitura se encarregará do descarte e incineração, encargo encarecido pelalegislação, daqueles que ultrapassarem o prazo de validade.

A exemplo dos banheiros da prefeitura, as farmácias que atendem osusuários dos postos municipais também vão passar por uma reforma. Oprefeito pretende que saiam dos postos, se multipliquem e ganhemcapilaridade com a participação da iniciativa privada. O setor, sob acirradaconcorrência no município, desbravará novas fronteiras na periferia.

Para não deixar dúvida da centralidade do tema em sua agenda de governo, oprefeito gravou vídeo - e o divulgou em rede social, sem pronunciar a marcaou seu dono - em que recomenda vitaminas da Ultrafarma durante reuniãomatinal do seu secretariado.

O empresário que fez do prefeito garoto-propaganda de seus produtos jácumpriu pena em liberdade por receptação de mercadoria roubada e falênciafraudulenta de uma antiga farmácia. Hoje atribui o ocorrido a uma armação.

Por Maria Cristina Fernandes | De São Paulo

LEIA MAIS

Foliões de São Paulo sedividem entre protestose apoio a Doria

Doria puxa coro contrapichadores de SãoPaulo: 'É bandido ounão é?'

Alckmin e Doriainauguram piscinão nazona leste de São Paulo

Maria Cristina Fernandes é jornalista doValor desde a fundação do jornal em maio de2000. Foi editora de política por 15 anos dojornal. Hoje mantém a coluna semanal depolítica iniciada em 2000 e a coluna quinzenal ‘gps’ no caderno  EU & Fim deSemana.

É autora do e-book “Os candidatos”(Companhia das Letras, 2014). Integrou aequipe que fundou a revista "Época”. Foieditora de Política da "Gazeta Mercantil",subeditora da revista "Veja" e repórter do"Jornal do Comércio".

É formada em jornalismo pela UniversidadeCatólica de Pernambuco e em História pelaUniversidade Federal de Pernambuco. Émestre em Política Comparada pelaUniversidade de Paris I e em Política Latino-Americana pela Universidade de Londres.

Fale com Maria Cristina Fernandes

Maria CristinaFernandes

Cultura & EstiloÚltimas Lidas Comentadas Compartilhadas

Homem é baleado em sambódromo do Rio05/03/2017 às 15h48

Ver todas as notícias

g1 globoesporte gshow famosos & etc vídeos todos os sitese-mailO mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4885004/o-mandato-capim-l...

1 of 4 6/3/17 11:19

Com planos de construir uma megaloja na zona sul de São Paulo e expandirseu negócio para a China, Oliveira é patrocinador do Lide, empresa deeventos da qual o prefeito se licenciou e hoje é gerida por seu filho de 23anos.

A Ultrafarma é apenas uma das muitas empresas que o prefeito de São Pauloatraiu para fazer contribuições ao município desde a posse. Faz questão decitar aquelas que reformaram albergues, doaram vans para a manutenção dasmarginais, iluminaram a ponte estaiada, forneceram roupas para moradoresde rua e uniforme para a guarda civil. Repagina, no serviço público, amontagem de seus eventos no Lide, em que parte da infraestrutura éfornecida por parceiros em troca de cotas de patrocínio.

O prefeito dá tanta publicidade aos doadores que já circula em rede social aparódia do hino brasileiro se Doria um dia chegar à Presidência da República(Num posto Ipiranga às margens plácidas/ De um Volvo heroico Brahmaretumbante/ Skol da liberdade em Rider fúlgido/ Brilhou no Shell da pátrianesse instante/ Se o Knorr dessa igualdade/ Conseguimos conquistar combraço Ford/ Em teu Seiko, ó liberdade/ Desafio nosso peito à Microsoft/ OParmalat, Mastercard, Sharp, Sharp/ Amil um sonho intenso, um rádioPhilips/ De amor e de Lufthansa à terra desce/ Intel formoso céu risonhoOlympicus/ A imagem do Bradesco resplandece/ Gillette pela próprianatureza/ És belo Escort impávido colosso/ E o teu futuro espelha essaGrendene/ Cerpa gelada/ Entre outras mil é Suvinil/ Compaq amada/ DoPhilco deste Sollo és mãe Doril/ Coca-Cola/ Bombril).

De tanto ser cobrado sobre as contrapartidas à generosidade empresarial,Doria já não tem a mesma fleuma para discorrer sobre o tema. Irrita-se antea incredulidade do interlocutor de que é capaz de convencer empresários adevolver à cidade um pouco daquilo que os consumidores paulistanos lhederam. E se mostra inconformado que a desconfiança em relação à mão quelava a outra nas relações público-privadas expostas pela fartura de sabão daLava-Jato se estenda ao seu mandato.

A estupefação com o arauto da publicidade que tomou assento noAnhangabaú encontra abrigo no artigo 37 da Constituição que prevê aimpessoalidade como princípio da administração pública, mas a regra é tãoantiga quanto seu descumprimento. Delegacias de polícia, equipadas, do sofáaos computadores, por comerciantes locais, estão aí para lembrar que opoder não tolera vácuo. Como não vê outra maneira de ver os postos policiaisem funcionamento em muitos lugares do país, a população se resigna. Aprática é tão aceita quanto o estímulo redobrado dos policiais agraciados emproteger o patrimônio dos doadores.

Parece haver pouca distinção entre a doação de motocicletas para aCompanhia de Engenharia e Tráfego de São Paulo e os bancos de praça que,dos mais recônditos grotões brasileiros ao Central Park, são patrocinados porparticulares. Para ficar num precedente paulistano, é difícil frequentar umapraça na cidade que não tenha plaquinhas fincadas no jardim com o nome deempresas mantenedoras da área.

O que particulariza a prática na gestão Doria é que o volume de doações nocurto espaço de tempo desde a posse se alia à disposição do prefeito em lhesdar publicidade e à sua intenção de promover o que chama de "maiorprograma de privatização múltiplo" já havido. Além do altruísmo dosdoadores, admita-se que a atitude guarde relação com a torcida para que aadministração seja bem-sucedida. É legítimo que o prefeito ou aquele queainda é a principal liderança de seu grupo político, o governador GeraldoAlckmin, venha a canalizar a inquietação do empresariado com um nomepara chamar de seu na sucessão presidencial de 2018.

Não parece haver norma que os impeça de fazê-lo. Estudiosos de direitopúblico, como Carlos Ari Sundfeld, ainda espera ações públicasincorretamente influenciadas pelos doadores para atestar se háirregularidades nas práticas de Doria. O prefeito de São Paulo prossegue nacerteza de estar blindado às inovações da jurisprudência que, desde omensalão, passou a dispensar o ato de ofício para condenar corruptos. Oagente público beneficiado por uma vantagem ficou passível de cana mesmose não ficar comprovado que, em contrapartida, por exemplo, dispensou seubenfeitor de licitação.

Se as práticas ainda margeiam a ilegalidade, a desconfiança dos jornalistas

À mesa com o ValorEntrevistas

JOÃO C.FIGUEIREDOFERRAZ

Um zelador dasartes 03/03/2017 às 05h00

PAULO BARROS

O furacão doCarnaval24/02/2017 às 05h00

CHARLESAZNAVOUR

O últimoromântico 17/02/2017 às 05h00

LEANDRO KARNAL

O intelectualdas massas 10/02/2017 às 05h00

ADÉLIA PRADO

A poesia emestado divino

03/02/2017 às 05h00

O mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4885004/o-mandato-capim-l...

2 of 4 6/3/17 11:19

Globo Notícias

tem suas origens na carreira de gestor que o prefeito ainda hoje proclamacomo sua única vocação. Como Doria ascendeu na vida empresarialretribuindo seus mais generosos patrocinadores com acesso privilegiado aospalestrantes de seus eventos, o prefeito-gestor custa a convencer terabandonado tão repentinamente o modus operandi. Ao empenho daimprensa em busca das digitais das contrapartidas corresponderá a atençãoredobrada da administração com a transparência dos seus atos.

No primeiro dia de sua gestão Doria não se furtou em aparecer vestido com ouniforme da empresa que presta um dos serviços mais cobrados pelapopulação, a coleta de lixo. A administração municipal ainda está pordemonstrar que a coleta de lixo tenha melhorado sob o risco de o prefeito sercobrado por propaganda enganosa.

No encerramento da Olimpíada do Rio, o primeiro-ministro do Japão, ShinzoAbe, desceu ao centro do Maracanã vestido de Super Mario, o personagem dojogo campeão de vendas da Nintendo, carro-chefe das exportações japonesas.Com a política de conteúdo nacional desmontada pela hecatombe daPetrobras e o país cada vez mais à espera da salvação da lavoura, a opçãotupiniquim pela exaltação da natureza e cultura nacionais não foi apenaspoliticamente correta. Era a única possível de um Estado capturado porinteresses que não ousam dizer seu nome.

O prefeito de São Paulo reivindica o mérito de expor esses interesses à luz dosol. Ao contrário de Abe, no entanto, Doria não faz distinção entremultinacionais e empresas nacionais, conquanto entreguem a mercadoria.Revelam-se, assim, as razões pelas quais prefere ser conhecido como gestor apolítico. Se não é o governo que atende a população, mas os empresários, apolítica beira a irrelevância. Abandona a mediação de interesses parafomentar o ódio aos culpados. No caso de Doria, a petistas e pichadores.Parece pouco, especialmente depois de um carnaval marcado pelofora-Temer, mas pode dar ao inquilino do Edifício Matarazzo a chance decolocar sua carreira política a salvo da maldição que atinge os ocupantes docargo e chegar a 2018 fresco como uma fragância de capim-limão.

Maria Cristina Fernandes, jornalista do Valor, escreve nesteespaço quinzenalmente

E-mail: [email protected]

Publicidade

Tweet 34,9 milCompartilharCompartilhar Share 13 ()

Videos

Direção autônoma do Tesla não é muito eficienteno Brasil03/02/2017

LançamentosLivros, músicas e filmes

DVD

DDeessvveennttuurraass ddeeRRiicckkyy GGeerrvvaaiissBBB

DVD

""2244:: LLeeggaaccyy"" ((11ªªtteemmppoorraaddaa))AA+

Livros

OObbrraaffuunnddaammeennttaallddee MMeellvviilllleecchheeggaa aaoo ppaaííssAA+

Livros

TTrraajjeettóórriiaa ddeeiinnddiiaannooppeerrccoorrrree mmiittooddoo hheerróóiiBBB

DVD

UUmmaa bbooaammuullhheerr,, mmããeeee...... zzuummbbiiBB+

Legenda AAA Excepcional BBB Acima da médiaCCC Baixa qualidadeAA+ Alta QualidadeBB+ Moderado C Alto Risco

a

O mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4885004/o-mandato-capim-l...

3 of 4 6/3/17 11:19

O mandato capim-limão de João Doria | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4885004/o-mandato-capim-l...

4 of 4 6/3/17 11:19