O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO...

30
O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO THE ENVIRONMENT AND THE PROPERTY SOCIAL FUNCTION IN THE DEMOCRATIC STATE OF LAW Daniel Santos Prado RESUMO O presente trabalho tem por finalidade discutir a relação entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente, considerando-se o paradigma do Estado Democrático de Direito. É importante lembrar que atualmente a propriedade está inserida no contexto da sociedade de consumo, que visa justamente ao consumo desenfreado, sem a observância do princípio da dignidade humana e dos limites impostos pela própria natureza. Isso gera uma situação em que a sociedade fica alienada das consequências do exercício da propriedade, que não corresponda ao fim social. E o Estado Democrático de Direito requer exatamente o oposto: todos os agentes que compõem a sociedade devem atuar em harmonia, visando à preservação do bem comum, lastreando-se na solidariedade e dignidade de todos. Por um lado, a economia deve desenvolver-se, mas por outro, há uma ameaça de catástrofe que irá afetar, certamente, as gerações futuras. PALAVRAS-CHAVES: MEIO AMBIENTE, ESTADO, DEMOCRACIA, CONSUMO, FUNÇÃO SOCIAL, PROPRIEDADE. ABSTRACT The present work has the objective of discussing the relation between property and environmental rights considering the paradigm of the Democratic State of Law. It’s important to remember that property is nowadays inside a context of a consumer’s society that specially aims at irresponsible consumption, without observing the principles of human dignity and the limits imposed by nature itself. This is the reason why society is unaware of the consequences of property use that is not connected with its social function. The Democratic State of Law requires exactly the opposite: every agent that is inside society ought to behave in harmony, aiming at common welfare, based on solidarity and on everybody’s dignity. On the one hand, economy must develop, whereas on the other hand, there is the fear of a chaos, which will certainly affect future generations. KEYWORDS: ENVIRONMENT, STATE, DEMOCRACY, CONSUMPTION, SOCIAL FUNCTION, PROPERTY. 2240

Transcript of O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO...

Page 1: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

THE ENVIRONMENT AND THE PROPERTY SOCIAL FUNCTION IN THE DEMOCRATIC STATE OF LAW

Daniel Santos Prado

RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade discutir a relação entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente, considerando-se o paradigma do Estado Democrático de Direito. É importante lembrar que atualmente a propriedade está inserida no contexto da sociedade de consumo, que visa justamente ao consumo desenfreado, sem a observância do princípio da dignidade humana e dos limites impostos pela própria natureza. Isso gera uma situação em que a sociedade fica alienada das consequências do exercício da propriedade, que não corresponda ao fim social. E o Estado Democrático de Direito requer exatamente o oposto: todos os agentes que compõem a sociedade devem atuar em harmonia, visando à preservação do bem comum, lastreando-se na solidariedade e dignidade de todos. Por um lado, a economia deve desenvolver-se, mas por outro, há uma ameaça de catástrofe que irá afetar, certamente, as gerações futuras.

PALAVRAS-CHAVES: MEIO AMBIENTE, ESTADO, DEMOCRACIA, CONSUMO, FUNÇÃO SOCIAL, PROPRIEDADE.

ABSTRACT

The present work has the objective of discussing the relation between property and environmental rights considering the paradigm of the Democratic State of Law. It’s important to remember that property is nowadays inside a context of a consumer’s society that specially aims at irresponsible consumption, without observing the principles of human dignity and the limits imposed by nature itself. This is the reason why society is unaware of the consequences of property use that is not connected with its social function. The Democratic State of Law requires exactly the opposite: every agent that is inside society ought to behave in harmony, aiming at common welfare, based on solidarity and on everybody’s dignity. On the one hand, economy must develop, whereas on the other hand, there is the fear of a chaos, which will certainly affect future generations.

KEYWORDS: ENVIRONMENT, STATE, DEMOCRACY, CONSUMPTION, SOCIAL FUNCTION, PROPERTY.

2240

Page 2: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

1. Introdução

A relação do ser humano com o meio em que vive está em crise. A exigência do capitalismo contemporâneo, com bases no neoliberalismo, quer expandir sem a observância de diversos critérios que são fundamentais para um crescimento social saudável. Isso significa aumento de produção e aumento de consumo. Mas essa relação apresenta, por si só, um paradoxo: não há como produzir ad aeternum, explorando o meio ambiente como se ele fosse inesgotável e pudesse suprir todas as vontades humanas.

Essa observação deve ser feita tanto à sociedade em geral, como aos produtores. A Constituição Federal de 1988 atribui função social à propriedade e isso quer dizer que ela deve ser utilizada de forma que não cause danos a terceiros. Os bens de produção, como os bens de consumo devem estar gravados por essa função, pois um não existe sem o outro.

Por outro lado, esses agentes precisam de um estímulo maior, capaz de gerar obrigação entre eles. Assim, o papel do Estado também é fundamental, pois através de recursos democráticos estabelecerá uma relação de meio-termo, capaz de gerar consenso e harmonia entre as partes. Mas esse intermédio deve ocorrer por meio do discurso racional, em que todos são considerados em sua dignidade (art. 1º, III, CF). Os argumentos devem ser apresentados e considerados falíveis, pois só assim há dinamicidade nas relações (portanto, evoluções); apenas dessa maneira pode haver o Estado Democrático de Direito.

2. O impacto da tecnologia na sociedade atual

Não se pode negar que a razão humana, aliada ao antropocentrismo e valorizada desde a Renascença, revolucionou o agir e o pensar humano. As criações científicas e tecnológicas advindas desde aquela época, sobretudo após a Revolução Industrial, acabaram intensificando o risco das atividades humanas de maneira descomunal.

Konrad Lorenz[1] demonstrou a problemática ética e etológica desse fato, comparando o homem paleolítico, com um machado em mãos, com o piloto que transportou a bomba atômica que devastou Hiroshima. O primeiro já havia tornado ineficaz tudo aquilo que o inibia mortalmente contra os companheiros de raça, seus antepassados animais. Tais inibições perderam o efeito, sobretudo com a criação de armas. Havia fortes instintos repressivos na pré-história, pois os confrontos com o adversário aconteciam olho no olho.

Por outro lado, o piloto de bombardeios atômicos vivencia outra situação, pois nem a agressão nem a inibição da agressão são determinantes em seu agir. Essa situação se dá pelo fato de a técnica armamentista moderna o preservar do encontro "cara a cara" com o inimigo: basta que aperte um botão para que a bomba seja lançada. E as

2241

Page 3: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

consequências de seu ato são tão absurdas e violentas que ele nem pode vivenciá-las sensitivo-emocionalmente.

Nesse sentido, Karl-Otto Apel afirma que

exatamente nesta direção apontam também os demais efeitos da potencialização técnica das atividades humanas. Assim como a bomba atômica onerou a guerra, por primeira vez, com um grave risco para toda a humanidade, o mesmo vale, em âmbito ainda maior, para a potencialização da exploração humana da natureza pela técnica civil da moderna sociedade industrial em seu conjunto. Do ponto de vista bio-tecnológico poder-se-ia ter a impressão de que a perturbação do equilíbrio natural, que já estava relacionada com a ruptura das barreiras animais instintivas pelo homo faber, somente hoje se tornou plenamente eficaz, enquanto as não reprimidas incursões da técnica humana no espaço da natureza e da vida ameaçam destruir tudo o que é vivo sobre esta terra.[2]

O progresso material e formal ocorre pela necessidade humana e, consequentemente, se enraíza na cultura. Cultura, em latim, "significa qualquer tipo de trabalho feito no solo e também no ser humano desde a infância, ou seja, a formação" [3]. Atua no conjunto de práticas, valores, técnicas e símbolos transmitidos que permitem a coexistência social. Para o progresso, a cultura é transmitida às gerações futuras; e torna-se mais intensa em épocas de socialmente conturbadas. O progresso, portanto, é capaz de gerar catástrofe. Então, na concepção kantiana referente à doutrina do progresso, o homem, na qualidade de conceito universal e cosmopolita deixa de lado as esferas da vida particular, voltando-se contra si.

Para Apel,

até agora nos omitimos e deixamos assim de pôr pessoalmente nossas determinações subjetivas de fins em conexão com os quase finalísticos sistemas funcionais que, sem nossa contribuição, subsistem na natureza e co-condicionam a vida da espécie humana.[4]

Sob os aspectos acima, demonstra-se que a evolução tecnológica, mais que trazer conforto para as pessoas, faz com que elas se esqueçam das consequências de seus atos. O indivíduo perde sua capacidade de ver o outro, de considerar as necessidades do grupo. A linha de produção moderna divide os trabalhadores por setor e ramifica as áreas de conhecimento, mas gerou a alienação de todo o processo produtivo.

Apel chama a atenção para um aspecto característico da ética da responsabilidade [5]. A ética não poderia mais ser uma questão atinente à convicção privada (baseada na boa vontade, como predizia Kant), mas sim ao resultado das ações de cada indivíduo. Mas em que nível está a possibilidade de uma fundamentação racional da validade intersubjetiva dessa ética?

Tanto o conflito social de classes como o conflito de prestígio e poder entre entes iguais se voltam no sentido de um grupo dominar o outro. Atualmente, o exemplo seria o marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente poderosos, tentam renovar a necessidade de comprar, aliando o consumo ao conforto e ao bem-estar. Indiretamente, essa é uma forma de minimizar a importância dos

2242

Page 4: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

conflitos, principalmente aqueles que poderiam ser originados em focos culturais: esse é o papel do bem cultural. [6]

Sob essas circunstâncias, indaga-se: até que ponto é possível realmente deduzir algo como a necessidade de uma responsabilidade ética, a partir da situação do ser humano? Essa pergunta é feita no contexto de necessidade de reconstrução da sociedade de maneira hermenêutica e crítica, dada pelo consentimento dos atingidos, de modo a conduzi-los a normas concretas situacionalmente relacionadas.[7]

É nesse ponto que se encontra a necessidade de uma macro-ética, alinhada pela responsabilidade da razão.

O homo sapiens deve reconhecer, agora, que o homo faber o antecede, de longe, naquilo que ele já "perpetrou" e ainda pode perpetrar e que agora - talvez na última hora - lhe cabe a tarefa de preencher o abismo que se escancarou, e isso quer dizer: com ajuda da "razão prática", dar uma resposta para a situação que ele mesmo criou, em sua essência, com base na ratio técnica.[8]

Assim sendo, a objetividade da ciência ainda pressupõe a validade intersubjetiva de normas éticas. Para Apel, poder-se-ia pensar que pouco teria sido conquistado para a ética, dentro das comunidades de comunicação. Estas, em tese, devem ser reconhecidas reciprocamente todas as pretensões dos parceiros de comunicação. Por meio de seus argumentos devem comprovar a compatibilidade com as pretensões dos demais membros. Essa formação, porém, não corresponde ainda a uma comunidade real, mas ideal, pois ainda há descomunal sobreposição de vontades. Assim, as exigências da responsabilidade solidária devem ser cumpridas, mesmo com as condições ainda constituídas, porquanto a antecipação da comunidade ideal aponta para o futuro no sentido de regular o processo moral. [9]

Mas como tal desenvolvimento poderia se dar em um quadro de alienação e dominação inserido num contexto social que mascara todas as evidências de um desastre? Em obra sobre a globalização, Bauman afirma que a sociedade moderna também consumia, mas a diferença para a sociedade contemporânea está no "foco", com grande mudança social, cultural e individual. A questão filosófica "o homem trabalha para viver ou vive para trabalhar?" transformou-se em: "o homem consome para viver ou vive para consumir?"[10] Tal mudança de paradigma ocorreu no período de transição da idade moderna para a contemporânea. Naquela, a sociedade tem pouca necessidade de mão-de-obra industrial em massa e de exércitos; nessa, é necessário engajar os membros como consumidores.[11]

Obviamente, essas relações envolvem indivíduos e Estados. Historicamente, o Estado sempre tomou posição para legitimar as suas ações, mesmo com o sacrifício ou a repressão de determinada classe. Na concepção de Apel, os homens devem assumir coletivamente a responsabilidade moral, pois há perigo comum.

3. O Estado Democrático de Direito

2243

Page 5: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

Neste capítulo será tomada como base a estruturação do Estado e seus diversos reflexos após a Revolução Francesa, no século XVIII. O despotismo, desde então, sucumbe aos movimentos em prol dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. Aprovada pela Assembleia Nacional, em 26 de agosto de 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi o principal instrumento que atestava tal feito. Com esse documento, passa-se a falar então em Direitos Humanos, protegidos internacionalmente, e em Direitos Fundamentais, considerados no âmbito interno dos Estados.

Na democracia globalizada a presença moral da cidadania está centrada no Homem e sobre ele giram todos os interesses do sistema. Entretanto, a teoria se distancia da prática; ao ser observada a política e a consciência cidadã de cada Estado, porquanto a produção normativa do Estado muitas vezes foge dos valores já efetivos em sociedade, por mais "desenvolvida" que seja. Por isso, muitos Estados que se proclamam Democráticos, ainda deliberam como Estado Social, ou até mesmo Liberal.

Nessa linha, Darcy Azambuja, citando Herbert Spencer, traduz o que chama de "hipertrofia do Estado":

por que o Estado erra tanto? Porque, afinal de contas, o seu poder não é exercido por deuses, mas por homens. E estes, que tanto erram no cuidar de seus mínimos e simples interesses particulares, muito mais terão de errar ao cuidarem os vastos e complexos interesses de milhões de indivíduos que vivem em sociedade.

[...]

O Estado não tem conseguido reprimir os atos criminosos de poucos indivíduos? Pois então que se encarregue de dirigir os atos de todos os indivíduos. O Estado não tem podido distribuir satisfatoriamente a justiça? Pois que distribua também o Direito, a Moral, e tudo mais de que a sociedade precisa.

[...]

Os homens, em sua imensa maioria, erram e se enganam muito mais do que seria razoável, tal a sua teimosia, imprevidência e ignorância. No círculo limitado de seus interesses, com raríssimas exceções, mostram-se ineptos. Não sabem educar filhos, nem dirigir a família nem gerir seus negócios, nem escolher a profissão que melhor lhes ficaria. Perdem dinheiro e tempo, envenenam-se de mil modos, cometem desatinos que lhes custam o sossego, os bens, a honra e até a vida. Não são felizes, nem sequer sabem onde está a felicidade.[12]

O autor ainda destaca que mesmo assim os indivíduos ainda colocam esperanças nas mãos dos governantes, de modo que o Estado seja capaz de suprimir aquilo que é puramente da escolha de cada um. É óbvio que sempre há governantes capazes e dotados para tanto. A "hipertrofia" acontece, portanto, ao exigir do Estado o impossível, sem a observância do provável e do razoável, gerando sobrecarga nas incumbências do Estado.

Esse aspecto traduz que, embora proclamada formalmente, a Democracia não passa de um ensaio, em muitos casos. Mas por que isso acontece? Norberto Bobbio, em seu clássico A Era dos Direitos[13], enfatiza que deve ser mantida a distinção entre teoria e

2244

Page 6: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

prática, pois cada uma segue um caminho. Para ele, a teoria se desenvolveu mais em relação à prática, principalmente após a segunda grande guerra, seguindo a linha da universalização. Já a prática, apesar de não ter se desenvolvido tanto, partiu para a multiplicação.

Segundo ele, essa "proliferação" dos direitos do homem ocorreu de três modos ao longo do tempo: (1) porque os bens merecedores de tutela aumentaram; (2) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem e; (3) porque o homem não é mais visto como um ser genérico, mas na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade.[14] É notório que os direitos estão sendo permeados de especificidades. Não se pode esquecer também que a evolução social, no mundo globalizado, gerou a chamada de sociedade plural, em ramificações e mudanças, frutos das peculiaridades de cada povo.

A Revolução Francesa gerou mudanças para beneficiar o gênero humano. Mas agora há necessidade de valorizar a dignidade humana com base na diferença entre os povos. Há de ser questionado, por isso: há direitos vindos de outros povos (como vem ocorrendo), por sua necessidade de caráter específico, quando se tornam uma promessa de direito para o mundo, qual a sua razão ou finalidade para outros povos?

A exemplo da influência do direito civil brasileiro pelo direito civil italiano, ou mesmo do direito penal alemão no sistema criminal pátrio, poder-se-ia perquirir a validade e os limites de tal incorporação, pois a contextualização ocorre em tempo e modo distintos. Tal fato poderia ensejar a perda de justificação/aceitação moral em determinada situação, por não haver compatibilidade entre os sistemas, tornando a norma ilegítima. Esse desencadeamento mecanicista do direito pode, nesse sentido, retirar o valor histórico da norma, gerando uma incerteza em relação à aplicabilidade da norma, por parte da própria sociedade.

Isso quer dizer que a norma deve possuir legitimidade por quem está inserido em seu processo de formação, atendendo-se a pluralidade. A diversificação, que ocorre em cada Estado também deve ser atendida, para gerar consentimento dos atingidos em um contexto vivido pelas coletividades. É nesse âmbito que se baseia a obra de Habermas, que analisa questões concernentes à facticidade e à validade em um Estado Democrático de Direito.

3.1. O Direito e a Democracia em Habermas

Antes de tratar da democracia na concepção de Habermas, é imprescindível tratar do que ela seja e o que representa. Com a evolução os Direitos Fundamentais, como exposto, eles formaram a base de sustentação para o fim maior do Estado contemporâneo: a Democracia. Entretanto, o que pode ser entendido governo democrático?

É importante considerar como premissa que o governo democrático não é aquele que governa para o povo, mas para a pessoa humana, considerando-a um fim e não um meio para atingir determinado objetivo. Assim, o Estado não seria um fim para o qual a sociedade caminhou, mas um meio de aperfeiçoamento do indivíduo, e deve fornecer

2245

Page 7: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

condições para o alcance dos valores supremos da vida, com predomínio da pessoa humana.

É necessário, portanto, que o Estado objetive alcançar o bem público. Citado por Darcy Azambuja, Dabin pondera que o bem comum consiste no

conjunto dos meios de aperfeiçoamento que a sociedade politicamente organizada tem por fim oferecer aos homens e que constituem patrimônio comum e reservatório da comunidade: atmosfera de paz, de moralidade e de segurança, indispensável ao surto das atividades particulares e públicas; consolidação e proteção dos quadros naturais que mantêm e disciplinam o esforço do indivíduo [...].[15]

Ao buscar o bem público o Estado deve focar a dignidade da pessoa humana e garantir as liberdades para o exercício da Democracia na sociedade. Logo, os indivíduos não podem depender demasiadamente de seu governo e vice-versa. Não pode ocorrer a manipulação, que fere substancialmente os valores basilares da Democracia como concebida hoje.

Sob essa ótica, é observado, como explicita Habermas em sua obra, a relação entre facticidade e validade que existe no direito moderno. Marciano de Godói esclarece que

ao se referir à facticidade e à validade, Habermas tem em mente compreender a dualidade do direito moderno. Por um lado, o direito é facticidade, na medida em que se instrumentaliza aos desígnios de um legislador dotado de poder político e é cumprido e executado socialmente sob ameaça de sanções baseadas no monopólio estatal da violência. Por outro lado, direito é validade, na medida em que suas normas estão calcadas em razões e argumentos tidos por razoáveis ou aceitáveis por parte dos destinatários das mesmas normas. [16]

É destacada então a relação entre o poder político e a capacidade de determinação dos indivíduos como sujeitos de direito na Democracia. Habermas estrutura sua teoria baseado na linguagem[17], tomada como pilar de toda a construção e reconstrução do conhecimento, e que é analisada no âmbito da moral também por Apel, como mencionado no primeiro capítulo.

As questões atinentes à vida em comum devem se basear no agir comunicativo. Nas palavras do filósofo alemão,

o conceito de "agir comunicativo", que leva em conta o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação, faz com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância imediata para a construção e manutenção de ordens sociais: pois estas mantêm-se no modo do reconhecimento de pretensões de validade normativas. Isso significa que a tensão entre facticidade e validade, embutida na linguagem e no uso da linguagem, retorna no modo de integração de indivíduos socializados - ao menos de indivíduos socializados comunicativamente - devendo ser trabalhada pelos participantes.[18]

O questionável, nesse momento, é se nas condições apresentadas hoje pelos Estados ditos democráticos, os participantes possuem plena participação. Mas como fundamentar essa igualdade em um Estado Democrático? Considerando o discurso,

2246

Page 8: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

como proposto por Habermas, ela só existiria, realmente, quando cada um fosse considerado em sua individualidade. Galuppo ainda destaca que, se fossem todos considerados um corpo só, a igualdade aritmética estaria morta. E o fato de todas as pessoas possuírem o mesmo valor retira, de plano, as razões para que o direito crie distinções entre elas (princípio da generalidade da norma). [19]

Habermas entende que o nexo entre Direitos Humanos e soberania popular só será estabelecida se os sistemas de direitos apresentarem condições exatas sob as quais as formas de comunicação possam ser institucionalizadas juridicamente. O sistema dos direitos não pode ser reduzido a uma interpretação moral dos direitos, nem a uma interpretação ética da soberania do povo. Assim, a co-originalidade da autonomia privada e pública se destaca apenas quando é possível decifrar o modelo de auto-legislação por meio do discurso, que aproxima os destinatários da visão em que eles são os próprios autores de seus direitos.[20]

No discurso serão válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais. Sobre o discurso racional, Habermas entende que

toda tentativa de entendimento sobre pretensão de validade problemática, na medida em que ele se realiza sob condições de comunicação que permitem o movimento livre de temas e contribuições, informações e argumentos no interior do espaço público constituído de obrigações ilocucionárias.[21]

O princípio do discurso assume a forma de princípio de universalização nos discursos de fundamentação moral; isso quer dizer que as normas de ação podem ser fundamentadas imparcialmente. A pessoa que age moralmente tem que se apropriar autonomamente desse saber, elaborá-lo e transpô-lo para a prática. Por isso, é exigível a normatização politicamente autônoma; o princípio da democracia é então o elo entre o princípio do discurso e a forma jurídica, devendo aparecer como núcleo no sistema dos direitos.

É indispensável que o Estado esteja presente e atuante com autoridade para agir em nome do todo. Habermas ainda menciona que um poder politicamente organizado constitui Direito Fundamental. Em suas palavras,

a fundamentação do sistema dos direitos pela via da teoria do discurso esclarece o nexo interno que existe entre autonomia privada e pública. [...] A idéia do Estado de direito exige que as decisões coletivamente obrigatórias do poder político organizado, que o direito precisa tomar para a realização de suas funções próprias, não revistam apenas a forma do direito, como também se legitimem pelo direito corretamente estatuído. Não é a forma do direito, enquanto tal, que legitima o exercício do poder político, e sim, a ligação com o direito legitimamente estatuído. E, no nível pós-tradicional de justificação, só vale como legítimo o direito que conseguiu aceitação racional por parte de todos os membros do direito, numa formação discursiva da opinião e da vontade.[22]

O autor divide o poder político em poder comunicativo e poder administrativo. Entende que o conceito do político estende-se ao emprego do poder administrativo e à concorrência pelo acesso ao sistema político. Sugere que o direito seja considerado uma ponte por meio da qual o poder comunicativo se transforma em poder administrativo.

2247

Page 9: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

Assim, este não deve reproduzir-se a si mesmo, mas regenerar-se a partir da transformação daquele. Consequentemente, o Estado de direito deve regular essa transferência sem tocar no próprio código do poder, o que interferiria na lógica da auto-orientação do sistema administrativo.[23]

Essa auto-orientação deve estar assentada, de maneira a se estruturar no dever; mais especificamente, na ética de Kant, que se trata de uma ética do dever. São, por esse motivo, obrigações para aqueles que participam do discurso a justificação das regras morais a partir de argumentos racionalmente motivados e a fundamentação de normas jurídicas, que sirvam para uma negociação racionalmente motivada. O fato de haver controvérsias não impede que elas sejam resolvidas com base em argumentos. Há então três alternativas: (1) questionamento moralmente válido; (2) questionamento eticamente relevante e; (3) cooperação para o sucesso.

Os embates devem ocorrer de forma que os participantes atuem no agir comunicativo, que difere do agir estratégico. Este se foca em uma ação sobre o outro, e constitui em ações voltadas para o sucesso. Obviamente, esta maneira de agir se pauta em razão instrumental que, por meio da influência de um sujeito sobre outro, ajustam os meios aos fins.

O agir comunicativo, entretanto, é o parâmetro no qual o discurso deve se basear. Nele, há uma atuação ou uma fala com o outro, com orientações voltadas para o entendimento, capazes de produzir consenso entre as partes.[24] Para Galuppo, apenas o fracasso total das ações comunicativas faz surgir as ações estratégicas no mundo da vida, para instrumentalizar as pessoas.

Nesse paradigma já não é cabível a imposição de deveres nas costas do Estado, por parte da sociedade. Pois o Estado sobrecarregado de tarefas qualitativamente novas e quantitativamente maiores, a lei parlamentar perde cada vez mais seu efeito impositivo, e a separação de poderes corre perigo, como conclui Habermas.[25]

O senso de justiça deve guiar a ação dos indivíduos. Ao contrário, Cícero aduz que

se o castigo, se o temor aos suplícios, e não a própria essência desonrosa dos atos, nos levam a considerar uma vida dedicada à injustiça e ao crime, então nada é injusto, e os maus seriam mais adequadamente chamados de imprudentes. Se o que nos leva a ser honrados não é a própria honradez, mas sim a utilidade e o interesse, então não somos bons, somos espertos.[26]

Fica concluído então que, no Estado Democrático de Direito o que vale é a pessoa humana, em sua dignidade. Esse princípio, tomado como referência pelo Estado é um meio pelo qual os indivíduos, considerados tanto isoladamente, quanto em sociedade, possam ter sua efetiva participação por meio do discurso institucionalizado nos processos políticos do Estado. Por outro lado, os indivíduos, também têm o dever de, solidariamente, considerar cada ator do discurso em sua dignidade. Sob esses dois pilares, deve estar estruturado, portanto, o Estado Democrático de Direito.

2248

Page 10: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

4. A função social da propriedade na Constituição de 1988 e no Código Civil de 2002

Antes da análise do princípio da função social da propriedade, é crucial fazer a leitura sobre a propriedade e o direito de propriedade. Inicialmente, havia a concepção de que este direito era uma simples relação entre uma pessoa e uma coisa, com caráter absoluto, natural e imprescritível. Então o homem, para satisfazer suas necessidades, se apropria de bens e exerce domínio sobre eles, conhecido como propriedade, assegurada pelo Ordenamento Jurídico.[27]

Ultrapassada, essa teoria deu lugar a um entendimento de que o direito de propriedade era uma relação entre um indivíduo (sujeito ativo) e um sujeito passivo universal integrado por todas as pessoas, que possuem o dever de respeitá-lo no sentido de absterem-se de violá-lo. Mas aí, pondera José Afonso da Silva[28], há uma manifestação de um ponto de vista muito limitado do regime jurídico da propriedade, que se manifesta sob uma perspectiva civilista, não alcançando a complexidade do tema.

A propriedade, como entendida atualmente, possui três características; 1) é absoluta e assegura ao proprietário dela dispor da maneira como bem entender; 2) é exclusiva, garante ao dono que apenas ele disponha do bem e; 3) é perpétua, não desaparecendo com a morte do proprietário. Essas características implicam, igualmente, três tipos de limitações ao direito de propriedade: (1) as restrições, que atingem o caráter absoluto da propriedade; (2) as servidões, que limitam sua exclusividade e; (3) a desapropriação, que afeta seu caráter perpétuo.[29]

A função social residirá exatamente no entrelaçamento entre direitos pessoais, mais especificamente os obrigacionais, e os direitos reais. Essa ideia requer, portanto: que o homem tenha completa noção de que é um ser social e que esta implique na ideia de bem comum. Então, entender a propriedade apenas como um direito de exercer com exclusividade o uso, o gozo, a disposição e a reivindicação é limitar seu conceito. Essa concepção exclui a coletividade e apaga, por conseguinte, o caráter dinâmico da propriedade; sem essa noção não há como falar em função social.[30]

Mas afinal, em que constitui a função social, tão fortemente atrelada ao conceito de propriedade? Leon Duguit, entre os séculos XIX e XX, na sua obra Las transformaciones del derecho público y privado, lança a ideia de função social. Para ele, a propriedade se forma para responder a uma necessidade econômica; mas sua obra, numa tentativa de superar as concepções individualistas do direito privado, considerou que tais necessidades tomam vulto social, transformando assim a propriedade em função social.

Contudo, como anota J.J. Gomes Canotilho, a aplicação de deveres legalmente constituídos não é equivalente à equiparação dos deveres a restrições legais de direitos e, muito menos, a "limites imanentes" dos mesmos direitos. Isso quer dizer que mesmo quando alguns deveres fundamentais estão conexos com direitos, não há implicação no sentido de que esses deveres são de certa forma, uma restrição dos direitos com ele conexos.[31]

Essa lógica só poderá estabelecer sentido, entretanto, se os deveres forem constituídos sobre os parâmetros da solidariedade, que deve ter sempre como parâmetro a existência

2249

Page 11: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

do pluralismo dentro da sociedade. Os deveres, constituídos pelo discurso, e estabelecendo a ética do dever, como idealizada por Kant, deverão ser os termos para estabelecer os deveres decorrentes da função social da propriedade.

Para Karl Renner, a função social da propriedade se modifica com as mudanças na relação de produção e, por isso, a funcionalização da propriedade ocorre por meio de um processo longo.[32] Com essa interpretação, há margem para o entendimento de que a propriedade possui funções diferentes conforme sua valorização, pautada nos princípios de ordem econômica. Daí se conclui que a propriedade possui, como bem econômico que é (também defendida pela Constituição de 1988 no art. 170, incisos I e II), um arranjo dinâmico, pois está sujeita às oscilações do mercado, que determinarão o seu peso dentro da sociedade.

Assim, em diferentes momentos, a propriedade apresentará uma função social diferente, que deverá atender aos objetivos maiores do ordenamento, posto que funcionalizado, na condição de direito subjetivo, em uma sociedade solidária. Muito além de fator econômico, a propriedade possui cunho social, vinculado à dignidade humana, como disposto no art. 5º, XXII e XXIII da Constituição de 1988.

Em relação à aplicação da função social da propriedade, Pietro Perlingieri pondera que

é errada, a nosso aviso, a opinião segundo a qual só os bens de consumo, como os produtos alimentícios destinados ao consumo individual ou familiar não têm limites e não estão gravados por uma função social: ainda estes bens podem ser submetidos a limites, contanto que correspondentes, estes limites, a determinados interesses e funções sociais.[33]

Nesse sentido será entendida a função social dos bens de consumo neste trabalho. Sob

todas as hipóteses de propriedade pessoal têm uma disciplina particular que permite individualizar nela não somente um quid quantitativamente determinado, mas ainda um quid qualitativamente determinado, no sentido que no âmbito de todos os tipos, as formas, os modos de propriedade, a propriedade pessoal tem uma fisionomia autônoma própria, porque se justifica de uma maneira particular, sendo a única forma de propriedade que permite libertar-se das necessidades e, com isto, a realização da dignidade humana. Esta função social, que é típica da propriedade pessoal, constitui o fundamento de todas as relações econômicas.[34]

Por ora, a função social se estrutura na solidariedade, que é um dos fins do Estado Brasileiro (art. 3º, I, CF), manifestada na forma deste princípio e terá como escopo a dignidade da pessoa humana, amparada na Constituição e nas normas infraconstitucionais.

Como mencionado anteriormente, a propriedade civil está garantida pelo Diploma de 2002, em seu art. 1228 (faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar). Do mesmo modo, ao proprietário é atribuído um dever no § 1º do mesmo dispositivo, qual seja o de exercer o seu direito de acordo com as finalidades sociais e econômicas. Resta agora saber quais as implicações dessas normas, bem como o que deve apontar o ponto de vista civil-constitucional, considerando o Estado Democrático de Direito.

2250

Page 12: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

Ao analisar essas normas em conjunto, ou seja, sistematicamente, fica evidente que há um contraste que colocará os interesses privados protegidos pelo caput do art. 1228 de frente com o interesse público prescrito por seu §1º. Para Pietro Perlingieri, a exigência racional do direito, tido como ordenamento que prescreve condutas, reside em sua dinâmica.[35] Daí, esses termos não devem ser mais entendidos como separáveis ou necessariamente opostos.

Essa necessidade, defende a doutrina, vem imbuída de três paradigmas, sobretudo com a vigência do Código Civil de 2002: a socialidade, a eticidade e a operabilidade. A primeira delas se tornou uma grande ambição dentro do projeto de Miguel Reale. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias partem da ideia de direito subjetivo e lembram que a todo direito corresponde um dever. Esses deveres são atribuídos pelas próprias necessidades sociais com o fim de se instalar a harmonia entre a autonomia privada da pessoa e o princípio da solidariedade, devendo assim estar de acordo a liberdade e a igualdade material e concreta.[36]

Assim, deve haver uma relação de complementaridade entre a estrutura do direito subjetivo e a sua função social.

Quer dizer, a função social não é um limite externo e negativo (restritivo) ao direito subjetivo. Pelo contrário, trata-se de limite interno e positivo. Interno, pois ingressa na própria estrutura do direito subjetivo, concedendo-lhe dinamismo e finalidade; positivo, pois a função social não objetiva inibir o exercício do direito subjetivo. Pelo contrário, procura valorizar e legitimar a atuação do indivíduo.[37]

Como ressalta Perlingieri, o interesse público não deve ser entendido como uma superestrutura burocrática e individualista. Ao contrário, ele constitui uma síntese e uma atuação equilibrada dos valores daqueles que estão conciliados em seus direitos, como titulares, igualmente, de um status personae.[38] A Lei de Introdução ao Código Civil, prescreve, no art. 5º, que a lei deverá atender aos fins sociais e às exigências do bem comum. Então não é interesse apenas dos indivíduos que o bem comum seja resguardado, mas constitui também uma questão de Estado.

O segundo paradigma, a eticidade, remete ao conceito de ética, entendida como "a ciência do fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada".[39] A ética, a partir dessa concepção, é um dos mecanismos que compõem o Direito e este, por sua vez e por meio da afirmação livre e racional daquilo que venha a ser justiça, constituirá o ideal para o qual uma sociedade orientará os seus fins e ações.

Contudo, como a eticidade penetrará e terá aplicação no Diploma Civil de 2002? Os autores afirmam que ela fará parte da lei civil por meio das cláusulas gerais, que permitem ao ordenamento privado certa abertura, capaz de captar os valores atinentes a cada caso. Citando Gustavo Tepedino,

cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para aplicação das demais disposições normativas.[40]

2251

Page 13: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

A flexibilidade característica das cláusulas gerais cria espaço fértil para a ponderação de critérios, pois o dever do Judiciário, nesse caso, é elaborar a interpretação construtiva, que compatibilize o caso concreto, de acordo com suas variantes axiológicas, com a norma.

A partir da ideia da dignidade da pessoa humana, surge o paradigma da operabilidade. Rosenvald e Farias lembram que o Código Civil de 1916, predominantemente individualista, concebia os integrantes de uma relação jurídica como "um abstrato sujeito de direitos patrimoniais", pois a personalidade era ligada à aptidão para aquisição de direitos subjetivos patrimoniais. Em decorrência, os sujeitos de direito não eram vistos em sua especificidade, apenas considerado seu status formal em uma relação jurídica. O contexto mudou na Constituição de 1988, ao priorizar a dignidade da pessoa humana, e adaptou o Código Civil de 2002 aos princípios constitucionais, para que o ordenamento jurídico alcance a pessoa como destinatária direta da norma.

Torna-se descabida, a partir dessa construção, qualquer visão que estabeleça os limites da concepção individualista, que atropela a solidariedade, tendo como foco apenas o indivíduo isolado. Igualmente desproporcional é adotar a visão coletivista, pois o Estado, e apenas ele, se atribui o bem comum e o indivíduo se despersonaliza em favor dos grupos. Abolidas essas ideias, o Estado Democrático de Direito é o meio de conciliar dialeticamente as relações indivíduo-coletividade e aquelas em que ele está envolvido. Daí recorrer a uma aplicação mais intensa da função social da propriedade aos bens de produção, pois estes são de fato determinantes para a movimentação do mercado.

De maneira bem ampla, é difundida a noção de que todos são consumidores. Mas quais seriam as implicações dessa noção? Primeiramente, o consumo é um fenômeno que, embora em níveis diferentes, ocorre em qualquer estrato social. Sob o aspecto econômico, é o consumo que promove a circulação de capitais. Mesmo que esse seja o motor da economia, a história tem demonstrado, por um lado, que a grande produção aliada ao grande consumo, pode gerar crises no sistema econômico, como ocorrido em 1929 e na crise do mercado imobiliário que atingiu os Estados Unidos em 2008.

A primeira precaução, assim, deve ser considerada em âmbito mercadológico, que pode adquirir proporções monstruosas. A segunda precaução, não diz respeito meramente ao ato de consumir, mas está ligada ao modo como o bem de consumo é utilizado. Como exemplo, pode ser citado o tabagismo que, em excesso, causar tumores e atinge inclusive não-fumantes. Atualmente, o uso dos telefones celulares que, de acordo com estudos do grupo de Lennart Hadell, do Departamento de Oncologia do Hospital Universitário de Orebo, na Suécia, pode causar tumores cerebrais em período igual ou superior a dez anos de uso.[41]

Não basta possuir tecnologia para produzir novos produtos, se ela não é capaz de medir os efeitos de seu uso a curto, médio e longo prazo. Não são suficientes os estímulos estatais para o avanço da economia se a dignidade humana for extirpada. Ela deve ser preservada e o econômico de nada vale se não houver saúde, segurança e, principalmente, liberdade de escolha. Pautada nessa ideia, a função social da propriedade, sob o prisma dessa abordagem, deve se manifestar no discurso democrático. As empresas possuem o meio de satisfazer as necessidades das pessoas.

2252

Page 14: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

Vale dizer: o uso dos bens de produção deve se basear na produção que terá efeitos em curto e em longo prazo.

A boa-fé objetiva estabelece, dessa maneira, padrões de comportamento no direito brasileiro, advinda com o Código de Defesa do Consumidor. Ficam assim prescritos os deveres de conduta, pois a boa-fé é a mais imediata tradução da confiança na convivência social. Assim, a empresa, ao produzir e posteriormente vender produtos no mercado, deverá inspirar a confiança nos consumidores, que no Estado Democrático de Direito deve ser pautada no agir comunicativo, em consideração ao princípio da dignidade humana. Em relação ao uso da propriedade, o consumidor deve atentar às suas consequências, não apenas em relação à sua pessoa, mas em uma relação social intersubjetiva, pautada na solidariedade.

Obviamente, é cauteloso considerar a frequência em que os bens são utilizados. Basta retomar os exemplos anteriores: os Estados Unidos não enfrentariam a crise instalada se a avidez no mercado imobiliário não fosse tão descontrolada; os celulares não seriam tão prejudiciais se não fossem tão utilizados, e isso não constituiria um problema se não caracterizasse um bem cultural.

A boa-fé objetiva é igualmente indispensável nesse caso. O consenso deve estabelecer os limites do uso da propriedade. A solidariedade deve estar presente em cada ato, não obstante seja um ato que possua aparentemente efeitos minorados, pois deve ser lembrado que não está isolado. Fundamentalmente, é um dever do proprietário considerar a coletividade e os impactos causados pelo uso da coisa. Também deve estar pautado pelo agir comunicativo no momento de estabelecer os limites da função social no discurso, igualmente tendo em vista a preservação da dignidade humana.

Nesse momento, são os interesses dos cidadãos que devem aflorar, a priori, por meio do dever-ser político[42], quais sejam os valores político-sociais, estabelecidos com base na livre convicção de cada participante, que determinariam de maneira mais sucinta o sentido e os fins legítimos da cidadania, com base no bem comum. Atenta Miguel Reale que nesse ponto o princípio da legalidade (art. 5, II, CF) ganha maior coerência e aplicabilidade, dados pelo consentimento racional dos cidadãos.

Solidariamente, os agentes do discurso (Estado e indivíduos) deverão estabelecer os limites do que seja a função social. Cabe também esclarecer que o abuso de direito, em um sentido inverso, é que vai definir esse contorno, fundado em valores axiológicos (boa-fé, costumes, assim como a finalidade econômica ou social da coisa).[43]

Assim, suprimir-se-á o profundo abismo da desigualdade, causada pela manipulação e da supremacia causada pelo social e pelo econômico. Esses são valores que devem permear não apenas as relações que envolvam os parâmetros da função social da propriedade como instrumento de promoção da dignidade humana, mas são princípios que devem se manter íntegros em qualquer outra relação, na perspectiva de visar a felicidade do outro e atingir o ideal maior da justiça.

2253

Page 15: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

5. A função social da propriedade nas relações de consumo e o meio ambiente

A preocupação ambiental começou a ter destaque logo após o advento da Revolução Industrial. Como aquele período apresentou um contexto de crescimento econômico intenso, a busca incessante pelo lucro começou a entrar em conflito com o direito do bem-estar público. Essa preocupação se tornou comum, dessa maneira, em todas as economias industrializadas.

Édis Milaré, em sua obra Direito do Ambiente, enumera alguns princípios da vida sustentável, com o argumento de que uma vida sustentável implica aceitar, de maneira imprescindível, a busca de harmonia com as outras pessoas e com a natureza, no contexto do Direito Natural e do Direito Positivo[44]: (1)Respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos; (2)melhorar a qualidade da vida humana; (3)conservar a vitalidade e a diversidade do Planeta Terra; (4)minimizar o esgotamento de recursos não renováveis; (5)modificar atitudes e práticas pessoais; (6)permitir que as comunidades cuidem de seu próprio meio ambiente; (7)gerar uma estrutura nacional para a integração de desenvolvimento e conservação; e (8)constituir uma aliança global.

Todos os princípios acima são importantes se considerada a necessidade e a urgência de preservação dos recursos naturais. Contudo, alguns merecem destaque. O primeiro aspecto referido, o de respeito à vida, deve ser o pilar de todos os outros. Sem respeito à vida ou ao próximo, sem que haja o mínimo de dignidade e solidariedade na relação entre as pessoas, não há como estabelecer uma estrutura que dê propulsão ao desenvolvimento sustentável, pois é justamente isso que proclama a sustentabilidade.

A melhoria da qualidade de vida viria então com o respeito ao primeiro aspecto. Mas isso apenas é possível se cada pessoa entender a razão de ter que mudar os padrões habituais em benefício de todos. Atualmente a sociedade de consumo modela as pessoas da como lhe convém, pouco se importando com a dignidade. É importante mudar pequenos hábitos, como fechar a torneira ao escovar os dentes ou apagar a luz quando não necessária.

O princípio nº 6, apenas, fica um pouco dependente do Poder Público. Dar autonomia às comunidades para resolverem questões ambientais poderia gerar certa controvérsia em relação ao que a Constituição diz no art. 225 sobre a participação do Estado na proteção e defesa do meio ambiente, que deve respeitar os usos e costumes das comunidades sem, no entanto, interferir em sua cultura.

Há de ser ressaltado, igualmente, que no presente trabalho o fator significância do dano ambiental não será observado, como disposto na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) no art. 6º, inciso I: "Para imposição e graduação da penalidade, a autoridade competente observará: I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente". Então, o princípio da insignificância não se aplica, pois o objeto deste trabalho são os atos cotidianos (que causam danos gradualmente) e como eles interferem no meio ambiente.

E quais são os atos diários que, quase ininterruptamente, são praticados e que inexoravelmente faz o ser o humano dependente deles? O consumo, que está presente em toda e qualquer sociedade humana. E é nessa situação específica que se enquadra

2254

Page 16: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

perfeitamente a noção de função social da propriedade, posto que o consumo nada mais é do que o manejo da propriedade. No Estado Democrático de Direito, essa acepção deve ser tomada sob outra ótica; cabe questionar, então: o que faz as pessoas consumirem e por que isso é feito?

Com isso, o foco muda para a direção do produtor, e não mais do consumidor. É o empresário que estabelece, na sociedade de consumo, o que é bom para o consumidor e tenta assumir sua posição no mercado à custa da dignidade daquele que, na maioria dos casos, ingenuamente consome seu produto. Nessa discussão também está inserida a questão sobre se a função social da propriedade recai ou não nos bens de produção. Isso é justificável pela abissal diferença de patamar entre consumidor e empresário. Nesse sentido, Édis Milaré aduz:

um dos escopos do desenvolvimento socioeconômico (e, mais ainda, do mero crescimento econômico) é a produção de bens e serviços à procura de um mercado consumidor. Tanto é verdade que os investimentos são planejados em função do número de consumidores e usuários potenciais, e não de seres humanos. Não é uma estratégia incorreta in intrinsecamente má: antes, o nível de vida digno e satisfatório que se deseja estender a toda a população supõe aumento de consumo e ampliação de mercado (notadamente o mercado interno), para que se possa atender à demanda de bens e serviços necessários ao desenvolvimento harmonioso, é o culto ao consumismo e a criação de necessidades desnecessárias, impingidas por um marketing distorcido e pela ação massificante da mídia, em particular da televisão.[45]

Fica claro, desse modo, quem é que dita as regras na sociedade de consumo (o que influenciou inclusive na criação do Código de Defesa do Consumidor, baseado no princípio da vulnerabilidade. É o empresário que, por meio de sua propaganda, irá dizer o quanto e como consumir, e talvez interfira até no modo de seu produto ser descartado. Como sua influência está consolidada, as pessoas seguem o que dizem.

O resultado? Em São Paulo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a população atingiu, em 2007, algo em torno de 11 milhões de habitantes. A frota de automóveis já superou os quatro milhões; proporcionalmente, é usado um carro para cada três pessoas, além de uma frota de 65 mil ônibus e de 600 mil motocicletas. Por outro lado, uma pessoa que utiliza transporte coletivo consome doze vezes menos combustível do que quem anda de carro, emitindo cinco vezes menos gás carbônico.[46]

Entretanto, o que mais pesa em relação ao consumo é o desperdício. Segundo estimativas do Instituto Akatu, um terço dos alimentos comprados são jogados no lixo. Isso quer dizer que, quanto mais se consome, menos alimentos são aproveitados. No Brasil, 14 milhões de pessoas passam fome, enquanto 70 milhões estão acima do peso, além disso, 39 mil toneladas de alimentos vão para o lixo todos os dias, aumentando o desperdício, com gasto de 12 bilhões de reais da receita pública todo ano.

Alimentar de maneira consciente, quer dizer menos lixo e uma minoração dos impactos ambientais causados pela agricultura. Se os agricultores produzem menos, é em consequência da redução de consumo, que levará a uma queda de preços, pois a oferta aumenta. Reduzir o desperdício de alimentos contribui para a sustentabilidade ambiental e para a economia, por causa da minoração dos gastos. Pode haver, por outro lado, a redução da desigualdade, um sério problema social, se analisado que a verba pública,

2255

Page 17: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

por via reflexa, também é desperdiçada com o lixo, podendo ser gasta no combate à fome.[47]

A problemática ambiental, muito diferente da ideia comum de que é uma questão isolada, atinge também outros setores críticos da sociedade. Sob o ponto de vista analisado neste trabalho, entretanto, não há nada que seja quantificável, em termos de responsabilidade, que possa identificar ou mesmo atribuir uma culpa pelos danos ao ambiente. Por se tratar de meio ambiente, como direito difuso, autores como José Luis Bolzan de Morais entendem que há a chamada responsabilidade transindividual, atingindo uma pluralidade indeterminada de sujeitos.[48] Mas até que ponto essa responsabilidade é atribuível, considerando-se a pluralidade de planos de vida?

Com as proporções assustadoras do consumo hoje, o maior incentivador é o empresário. É nesse ponto que a defesa do consumidor exerce um papel importante. Produzir para satisfazer as necessidades do consumidor não basta: ele deve ser lembrado como cidadão e como pessoa. Não é suficiente que o produto seja confiável no ponto de vista estritamente utilitarista; é preciso lembrar que o produto será consumido em massa e que a população depende de recursos naturais (em sua maioria, não-renováveis) que um dia irão acabar. Por isso, vale atentar para as garantias dadas ao consumidor pelo CDC (art. 6º).

A informação acerca do bem, como a sua produção, deve ser fiscalizada. Em relação a esta, existe o padrão ISO (International Organization for Satandardization) 14.000 que edita normas que visam resguardar, dentro do aspecto da qualidade ambiental, tanto os produtos como os processos produtivos, com a finalidade de manter uma produção sustentável.[49] Mas em relação à propaganda e à informação o controle é mais difícil, pois o interesse do produtor é vender o produto, não importando muito com o que isso pode gerar. E esse é o problema maior, pois envolve outro interesse: a economia do Estado, que quer desenvolver a todo custo.

Segundo Habermas, a sociedade constitui uma rede de sistemas parciais autônomos. Essa autonomia

atribui a formação política da opinião e da vontade, dominada pela concorrência entre os partidos, a um público de cidadãos e de clientes incorporados ao sistema político, porém desligados das raízes que os prendem ao mundo da vida, isto é, a sociedade civil, a cultura política e a socialização.[50]

Consequentemente, todos os sistemas funcionais conseguem autonomia por meio de códigos e semânticas próprias, não traduzíveis entre si, gerando perda de comunicação, impedindo também a sociedade de se integrar em seu todo.

Isso quer dizer que não há harmonia entre diversos interesses porque eles se refugiam em sistemas de linguagens diferentes, incapazes de estabelecer uma comunicação sólida. Assim, há uma gama de interesses por trás do mercado que impedem uma efetiva noção de sustentabilidade por parte do consumidor.

De qualquer forma, o direito a uma publicidade clara é garantido no CDC por meio do § 2º do art. 36: "é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, que [...] desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o

2256

Page 18: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança" (grifo nosso).

Notoriamente, nenhuma publicidade será capaz de violar valores ambientais, principalmente no nível em que está a preocupação com a questão dos recursos naturais. Mas e em relação ao produto que é veiculado? Poder-se-ia atribuir propaganda enganosa, pois é capaz de induzir o consumidor em erro a respeito das características e propriedades veiculadas (art. 37, §1º).

Existe uma teoria desenvolvida na área da responsabilidade ambiental conhecida como teoria americana de participação no mercado (market share)[51]. Segundo seus preceitos, o autor da ação não tem que provar o nexo causal, caso os demandados sejam fabricantes de determinado produto que causou o dano. Mas caso o autor não possa identificar o produtor, todos os aqueles que possuem uma quota relevante no mercado podem ser demandados.

Essa teoria poderia justificar, portanto, uma demanda em sede de Ação Civil Pública, por conta de danos causados ao consumidor, de acordo com os artigos 12 a 14 do CDC, que atribui responsabilidade objetiva ao produtor, sem a necessidade de vínculo contratual.

E porque as relações de consumo atualmente são a principal causa da destruição ambiental é que a função social da propriedade deve ser aplicada. O fornecedor deverá ter ciência de que sua empresa também possui função social e deve atender às questões sociais a seu alcance. Por isso não apenas o fator econômico deve ser observado, mas também o social. O maquinário deve produzir apenas no limite do sustentável, e não nos limites do lucro.

Por outro lado, o consumidor deve exercer o seu papel ativo, atento ao que consome que, por ser sua propriedade, tem responsabilidade exclusiva, mesmo que mínima. Cuidadoso com esses aspectos, e ciente que a propriedade, de qualquer natureza, deve ter uso moderado, a função social da propriedade atenderá ao plano constitucional da sustentabilidade.

6. A ética de responsabilidade solidária no contexto de crise ambiental

O que fica exposto nesta obra nada mais é do que a urgência da solidariedade, que deve se firmar em um Estado Democrático. Mas o que deve ser entendido é que ser solidário é buscar a dignidade de todas as pessoas, para que estejam no mesmo patamar e se beneficiem igualmente. Mais do que isso: ser solidário é entender que beneficiar aos outros é também beneficiar a si mesmo, porque ninguém vive de maneira independente e isolada.

Como a responsabilização coletiva em nível jurídico é praticamente impossível em nível ético ela é pelo menos exigível. Inverte-se, portanto, o brocardo "é jurídico, mas nem sempre será moral"; assim, essa é uma situação que é moralmente esperável, embora

2257

Page 19: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

não haja nenhuma cobrança jurídica. E, como Apel pondera, a adoção de normas e princípios morais falha completamente, pois o indivíduo isolado não poderá assumir tal responsabilidade.[52]

Eticamente falando, a situação de crise ecológica criou uma situação emergencial em que o ser humano deve assumir solidariamente os efeitos principais e colaterais de suas ações coletivas. Luis Moreira[53] chama a atenção para a necessidade de uma macro-ética da humanidade em face da sociedade de risco, pois em nível empírico não se encontra uma co-responsabilidade primordial de todos os seres humanos para as consequências de suas ações.

Konrad Lorenz acentua que Kant negava que as tendências naturais tenham qualquer valor; para ele, em sede da moral, só merecem louvores os comportamentos gerados a partir da previsão de suas consequências. Entretanto, mesmo que isso seja de grande valia e que a sociedade atual careça de uma preocupação mais ampla com a relação causa-efeito de seus atos, vale lembrar que meramente localizar essa preocupação de caráter normativo, em decorrência da universalidade, pode gerar certo risco à moral.

Foi exatamente nesse sentido que Friederich Schiller satirizou Kant:

Com prazer sirvo ao amigo, mas é pena que o faça por uma tendência natural; frequentemente por isso fico grilado, pois me falta a virtude. (...) aprende, pois, a desprezar o amigo, para fazeres com desdém e desgosto o que o Dever te comanda fazer.[54]

E a Ética do Dever fica abalada quando a moral, de certa maneira, perde a sua força, pois passa a integrar o sistema normativo do Estado. Como dito pelo poeta, as ações dos indivíduos perdem o sentido, por ter sua força sugada pela coercitividade da norma. Por isso, há tendência nos indivíduos em violar a norma. Isso ocorre, em grande parte, porque o desenvolvimento cultural não apresenta nenhuma preocupação com o bem-estar.[55] No contexto deste trabalho, é notável que as tendências geradas pela cultura do consumo causaram quebra do que seja moralmente louvável, gerando prejuízos para o ser humano.

O maior problema envolve o meio ambiente, que é questão de sobrevivência, pois apenas com seu equilíbrio a vida pode se manifestar plenamente em suas qualidades. Isso acontece justamente porque o ser humano quer crescer mais e mais e enraizar esse hábito em sua cultura. Mas não é apenas isso que cria um quadro de desastre.

Outras poderosas programações instintivas - a ambição pelo poder, o empenho pela obtenção de um status - também nos arrastam para a mesma direção. É uma luta inglória e desesperada a que tem que empreender o reconhecimento de que empreendimentos de dimensões moderadas são desejáveis, de que a descentralização dos meios de produção é necessária de modo incondicional, de que a aceleração do ritmo de crescimento econômico precisa ser cortada, senão invertida, contra o sistema tecnocrático que atualmente domina o mundo.[56]

A geração de hoje depende do que as gerações anteriores construíram, por mais prejudiciais que os efeitos do processo tenham sido. Da mesma forma, as gerações futuras herdarão todo o legado da geração atual, com o que tem de bom e ruim. Por isso,

2258

Page 20: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

devem ser banidas as questões relativas ao poder e à posição social que as pessoas ocupam, pois são irrelevantes quando se trata da sobrevivência humana. É necessário ao exercício desse poder a observância de padrões morais e éticos, porque a crise ecológica que ameaça o planeta demonstra isso de maneira clara: a catástrofe iminente não fará distinção entre os homens e os colocará em pé de igualdade para lutar pela sobrevivência.

Nesse contexto surge o ideal da economia solidária, fundado em padrões que não ostentam uma vida que vá além da necessidade, mas lastreada apenas no que é preciso para viver. O Ministério do Trabalho brasileiro estabelece alguns princípios[57] da economia solidária. O primeiro e mais importante é a cooperação, que se baseia em interesses e objetivos comuns, a união e esforços e capacidades, na propriedade coletiva de bens, partilha de resultados e na responsabilidade solidária. A autogestão abrange práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, de estratégias, dos empreendimentos cotidianos, de acordo com a coordenação das ações em seus diversos graus e interesses.

Sua dimensão econômica diz respeito ao conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, junto a aspectos culturais, sociais e ambientais. A solidariedade alcança a justa distribuição dos resultados alcançados, incluindo oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes, além do compromisso com um meio ambiente saudável.

No ano de 2003, a III Plenária da Economia Solidária, que envolveu 18 estados brasileiros, aprovou uma carta de princípios[58], que se inspirou, entre outros motivos, no fato de que no Brasil 50% dos trabalhadores sobrevivem de trabalho à margem do setor capitalista hegemônico (assalariado e "protegido"). Assim, foram aprovados princípios gerais, como: (a) a valorização social do trabalho humano; (b) a satisfação plena das necessidades de todos como eixo da criatividade tecnológica e da atividade econômica; (c) o reconhecimento do lugar fundamental da mulher e do feminino; (d) a busca de uma relação harmoniosa com a natureza e; (e) os valores de cooperação e solidariedade.

Essa forma de condução da economia rejeita as práticas de competição clássicas e da maximização da lucratividade individual justamente para dar mais valor ao princípio da dignidade humana, que inclui o aspecto cidadania no processo produtivo, como no processo de consumo, alimentando a sustentabilidade.

Em encontro promovido pelo Instituto Akatu[59], Maria de Lourdes Nunes, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza lembra que é dever da empresa permear todas as suas atividades com sua responsabilidade social. Em tal ocasião, Lourdes diz que O Boticário reserva 1% de sua receita líquida para investimento social privado, com foco no meio ambiente. Um dos projetos foi executado na Vila Morato, no Paraná, para desenvolver uma alternativa de venda que substituísse o modelo até então adotado pela comunidade.

Pela educação ambiental, o projeto demonstrou à população local a importância em conservar o lugar em que moravam, pois era a garantia de subsistência e apontou formas alternativas de renda que não causassem danos à natureza. O mais importante, contudo,

2259

Page 21: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

foi resgatar a antiga tradição local: a venda dos produtos artesanais, que foi apenas ampliado.

A iniciativa também abrangeu trabalho com a escolaridade da comunidade, para ampliar as possibilidades individuais e cumprir sua finalidade social, econômica e ambiental. Lourdes conclui que é importante não cair no modelo de relação paternalista, em que a comunidade fica dependente da proposta da empresa. O primeiro ponto que ela anota é o impacto na comunidade: se a coordenação fica a cargo de pessoa que faz parte do grupo, os conflitos que podem surgir serão menores e mais simples de serem resolvidos.

É importante que as lideranças da comunidade estejam comprometidas, para evitar desvio de objetivos; assim, é crucial sensibilizar as comunidades vizinhas. Os valores de mercado devem ser observados com a finalidade de identificar a demanda antes de apresentar a proposta, para não criar falsas expectativas, pois o resultado virá apenas em longo prazo.

Contudo, também é necessária educação ambiental que envolva o Estado por meio da educação formal e a sociedade consumidora, que deve ficar atenta aos processos que envolvem o consumo. Conforme a lição de Paulo de Bessa Antunes, "o Direito Ambiental é um direito que tem uma das vertentes de sua origem nos movimentos reivindicatórios dos cidadãos e, como tal, é essencialmente democrático. O princípio democrático materializa-se perante os direitos à informação e à participação".[60] No sentido de promover a educação ambiental, a Constituição Federal estabeleceu, no art. 225, § 1º, VI, que cabe ao Poder Público "promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente". No mesmo sentido prescreve a Política Nacional do Meio Ambiente (art. 2º, X)

Posteriormente, em 1999, foi promulgada a Lei nº 9.795/99, que trata da Política Nacional de Educação Ambiental. "Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade" (art. 1º). Édis Milaré[61] observa que a Educação ambiental deve ser entendida como uma atividade-fim, posto que destinada a despertar e a formar a consciência ambiental para o exercício da cidadania.

Mas outros aspectos devem ser enfatizados em decorrência do Decreto 4.281 de 25 de junho de 2002. A Política Nacional de Educação Ambiental deve ser executada por todos os órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, assim como pelas instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, pelos órgãos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, envolvendo entidades não governamentais, entidades de classe, meios de comunicação e demais segmentos da sociedade.

Outro aspecto é que o conteúdo educacional compreende elementos científicos, técnicos, culturais, políticos e ético e são elementos que se relacionam indissociavelmente. Em relação ao aspecto formal da educação ambiental, a Lei 9.795/99 estabelece, no art. 10, § 1º, que a educação formal não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino. No mesmo sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional faculta a cada escola propor e aplicar seu

2260

Page 22: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

currículo, levando em conta as peculiaridades locais, assim como as características dos estabelecimentos de ensino e a individualidade dos alunos. Mas o caput desse dispositivo destaca que a prática educativa deve ser integrada, contínua, e permanente, em todas as modalidades e níveis de ensino formal.

Contudo, com quase dez anos de vigência da Lei, a poluição causada pelo consumo é crescente e isso dispensa qualquer demonstração estatística. Mas se há aplicação da educação ambiental, ela deve obedecer a uma didática que faça com que as pessoas se sintam responsáveis por seus atos. Essa responsabilidade deve tomar um caráter político, em que cada indivíduo o manifeste por meio da cidadania. Como enfatiza Maria José Araújo Lima,

a educação, está, assim, sendo chamada a desempenhar papéis paradoxais. No momento em que ela procura ajustar o indivíduo à sociedade, deve também instrumentá-lo para criticar essa mesma sociedade. Daí, vê-se que a ação educativa tende a operar concomitantemente em dois níveis: em nível individual, orientando o uso ideal do meio, e em nível societário, criando ma consciência crítica, capaz de lutar pela racionalização na utilização de recursos naturais, do meio como um todo e, sobretudo, de apontar as distorções dos sistemas em relação ao ambiente. Essa tarefa apresenta-se bastante complexa. Exige uma consciência social profunda, aguçada por uma postura crítica permanente. Uma educação voltada para o meio ambiente deve salientar, sobretudo, a internacionalização de valores que fazem crescer o sentimento de solidariedade e de responsabilidade social.[62]

Destaca Patrícia Bressan da Silva[63], no mesmo sentido, que a crise do ambiente deve ser entendida como a crise do respeito ao ambiente. Para ela, a Juridicidade Socioambiental (conceito que desenvolve em sua obra), sendo descentrada e difusa, respeita o desenvolvimento humano e social e permite a comunicação entre os atores, para mobilização em torno da crise.

Mas eis o pilar central da crise: a sociedade brasileira não observa que seus atos possuem conotação política, pois todos são cidadãos. Como lembra Ervin Laszlo[64], um novo sistema não poderá ser alcançado tentando trazer de volta o equilíbrio anterior. Salienta que a evolução deve ser intensiva e que os conceitos-chave para que isso ocorra são conectar, comunicar e compreender. E isso é o princípio democrático do discurso, que se baseia numa vida política ativa dos indivíduos, considerando argumentos racionais e fundados no agir comunicativo, em que todos são dignos.

Com esse entendimento, os ideais do Estado Democrático de Direito poderão, finalmente, se efetivar. Como predizia Norberto Bobbio, o grande problema do século XXI não são os direitos, mas a sua aplicação. O Brasil possui uma das legislações ambientais mais bem formuladas do mundo e também protege os Direitos Humanos; entretanto, está em situação de crise moral. A norma está efetivada, mas poucos entendem o sentido delas, ou até mesmo a sua razão de ser. Essa tensão entre facticidade e validade só poderá ser solvida com o exercício da cidadania e por meio da compreensão entre as pessoas.

Em suma, apenas quando o homem se visualizar como parte do mundo (e não de um mundo fantasioso que ele mesmo cria) é que poderá efetivar mudanças. Mas primeiro há de verdadeiramente desejar a mudança e sentir amor por tudo aquilo que o mantém

2261

Page 23: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

vivo. Assim, da mesma maneira que é responsável por catástrofes e destruições, também será responsável por grandes feitos.

7.Conclusão

O Estado Democrático de Direito, conforme estruturado por Habermas em sua obra requer, em especial, que o discurso seja efetivado. De outra maneira, é isso que a crise ambiental forçosamente quer que o ser humano entenda: é preciso discurso e compreensão; mais do que nunca o homem precisa repensar seus atos, pois toda a vida do planeta está ameaçada.

E isso se apresenta de forma interdependente quando analisada outra questão de relevo: o consumismo. Atualmente, a pessoa é aquilo que ela consome, nada além disso. Por isso, o consumismo ocorre de maneira descontrolada, devastando o meio ambiente em que o homem vive. E essa é a relação que a o homem contemporâneo apresenta no que tange às suas propriedades.

A propriedade, desse modo, deve ser entendida como parte de um processo complexo. Ela não se enquadra mais em uma situação em que seu direito de uso e gozo deve ser protegido e exercido livremente; ela possui uma função social. A sociedade de consumo reflete, de forma acentuada, a maneira como a função social é ignorada por grande parte daqueles que consomem e produzem. E não é apenas um problema ambiental, pois esse tipo de relação cria problemas sociais também.

Reduzir o consumo pode representar um entrave para a economia. Todavia, existem outros planos para que a economia floresça e dê certo, de maneira sustentável. A diferença que o consumismo criou em relação à posição social que cada um ocupa também pode ser resolvida pela economia solidária, que se baseia numa melhor distribuição de renda. Assim, com apenas um plano é possível que sejam observados o econômico e o social.

A educação também é algo imprescindível para a sustentabilidade. Sem que haja o aprendizado sobre todo o processo produtivo e de consumo, e suas consequências, não há como combater essa crise. Isso, mais uma vez, depende da contribuição cada pessoa, na qualidade de cidadão.

Falar desses aspectos de combate à destruição ambiental remete à proteção que todo o arcabouço jurídico oferece em prol da preservação do ambiente. A legislação é ampla e, se fosse corretamente aplicada, os frutos seriam positivos; mas não é isso que acontece. Enfim, o que está demonstrado, e o que mais importa, não pode ser ensinado em lugar algum - será consequência do engajamento e conscientização da população, fundados no respeito e na solidariedade, estes sim, a fundação para o verdadeiro Estado Democrático de Direito.

2262

Page 24: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

8. Referências

ADORNO, Theodor W. Prismas: crítica cultural e sociedade. São Paulo: Editora Ática, 1998. 285 p.

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Temas básicos de sociologia. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1978. 205 p.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Petrópolis: Vozes, 1994. 294 p.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002. 395 p.

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005.

BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 67 p.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. 145 p.

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 607 p.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 2. tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1986.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 808 p.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. 1506 p.

CARTA de Princípios do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/TxtComplementar_CartadePrincipios.pdf>. Acesso em: 20 out. 2008.

CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003.

CÍCERO, Marco Túlio. Das leis. São Paulo: Cultrix, 1967.

2263

Page 25: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

DIÁLOGOS AKATU Nº 2: CONSUMIDOR - O PODER DA CONSCIÊNCIA, 2002, São Paulo. Diálogos Akatu nº 2... São Paulo: Instituto Akatu, 2002. 71 p.

DIÁLOGOS AKATU Nº 3: AS NOVAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO SÉCULO XXI, 2003, São Paulo. Diálogos Akatu nº 3... São Paulo: Instituto Akatu, 2003. 71 p.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. 453 p.

. Direitos reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. 716 p.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no Direito Ambiental. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 350 p.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 1088 p.

GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

GODÓI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Dialética, 1999. 272 p.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 620 p. Vol. 5.

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Vol. 1.

. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Vol. 2.

HEGEL, Georg Wilhelm Friederich. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 329 p.

HUNT, E. K.; SHERMAN, Howard J. História do Pensamento Econômico. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

HUNTER, David; SALZMAN, James; ZAELKE, Durwood. International Environmental Law and Policy. 3rd ed. New York: Foundation Press, 2007. 1613 p.

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Lisboa: Edições 70, 1989. 196 p.

LASZLO, Ervin. Macrotransição: uma mudança na civilização e na cultura mundial. In: DIÁLOGOS AKATU Nº 3: AS NOVAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO SÉCULO XXI, 2003, São Paulo. Diálogos Akatu nº 3... São Paulo: Instituto Akatu, 2003. p. 10-18.

2264

Page 26: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 190 p.

LIMA, Maria José Araújo. Ecologia humana: realidade e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1984. 163 p.

LIVRO aborda Os desafios da economia solidária. Disponível em: <http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4089&Itemid=62>. Acesso em: 10 fev. 2009.

LORENZ, Konrad. A demolição do homem: crítica à falsa religião do progresso. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. 225 p.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. 1280 p.

MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999.

MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.

MOREIRA, Luis (org.); APEL, Karl-Otto; OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia. São Paulo: Landy Editora, 2004. 321 p.

MOREIRA, Luis. Fundamentação do Direito em Habermas. 3. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra: Coimbra, 1987. 252 p.

NUNES, Maria de Lourdes. Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. In: DIÁLOGOS AKATU Nº2: CONSUMIDOR - O PODER DA CONSCIÊNCIA, 2003, São Paulo. Diálogos Akatu nº2... São Paulo: Instituto Akatu, 2002. p. 48-51.

O MARCO jurídico da autogestão e economia solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/pub_marco_autogestao.pdf>. Acesso em: 20 out. 2008.

O QUE É economia solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp>. Acesso em: 20 out. 2008.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 359 p.

PLATAFORMA do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/TxtComplementar_Plataforma.pdf>. Acesso em: 20 out. 2008.

2265

Page 27: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o conflito das ideologias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

REPENSANDO o uso do automóvel. Disponível em: <http://www.akatu.org.br/central/especiais/repensando-o-uso-do-automovel>. Acesso em: 15 ago. 2008.

ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

SILVA, Patrícia Bressan da. Aspectos semiológicos do Direito do Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

UM TERÇO de tudo o que você consome vai direto para o lixo. Disponível em: <http://www.akatu.org.br/sites/desperdicio/>. Acesso em: 5 fev. 2009.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logicu-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1994. 350 p.

[1] APEL, 1994, p.165.

[2] Idem, 1994, p. 166.

[3] BAHIA, 2004, p. 88.

[4] APEL, 1994, p. 167.

[5] Idem, 1994, p. 163.

[6] ADORNO, 1998, p. 39.

[7] APEL, 1994, p. 197.

[8] Idem, 1994, p. 196.

[9] Idem, 1994, p. 206.

[10] Nesse sentido, Erich Fromm, citado por Hunt e Sherman, pondera: "atualmente, o homem está fascinado pela possibilidade de comprar mais coisas, coisas melhores e, especialmente, coisas novas. Está ávido por consumir. O ato de comprar e consumir tornou-se um objeto compulsivo, irracional, porque é um fim em si próprio, sem nenhuma relação com o uso ou o prazer que as coisas possam de fato proporcionar. Comprar a última novidade, o último modelo de qualquer coisa que está no mercado é o sonho de qualquer um, em comparação com o qual o prazer real de uso é completamente secundário." Além disso, ressalva que "a aquisição de pão e de roupas

2266

Page 28: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

não deveria depender de outra premissa que não a de estar vivo; a aquisição de livros e quadros deveria depender apenas do meu esforço em entendê-los e minha capacidade de apreciá-los" (HUNT; SHERMAN, 2005, p. 214, apud FROMM, 1965, p. 165).

[11] BAUMAN, 1999, p. 88.

[12] AZAMBUJA, 2005, p. 134, apud SPENCER, 1906, p. 3.

[13] BOBBIO, 2004, p. 82.

[14] Idem, 2004, p. 83.

[15] AZAMBUJA, 2005, p. 124, apud DABIN, 1929, p. 160.

[16] GODÓI, 1999, p. 65.

[17] Na verdade, o conceito de democracia, baseado no discurso racional surge muito antes, com os sofistas, no século de Péricles (V a.C.). "[...] os sofistas elaboraram o ideal teórico de democracia, valorizada pelos comerciantes em ascensão, cujos interesses se contrapõem aos da aristocracia rural. A exigência que os sofistas vêm satisfazer é de ordem essencialmente prática, voltada para a vida: iniciam os jovens na arte da retórica, instrumento indispensável na assembléia democrática, e os deslumbram com o brilhantismo da participação no debate público." (ARANHA; MARTINS, 2002, p. 94).

[18] HABERMAS, 1997, p. 35.

[19] Idem, 2002, p. 73.

[20] HABERMAS, 1997, p. 139.

[21] Idem, 1997, p. 142.

[22] Idem, 1997, p. 172.

[23] Idem, 1997, p. 190.

[24] GALUPPO, 2002, p. 127.

[25] HABERMAS, 1997, p. 173.

[26] BITTAR, 2007, p. 159 apud CÍCERO, 1967, p. 52.

[27] FIUZA, 2007, p. 759.

[28] SILVA, 2007, p. 271.

[29] Idem, 2007, p. 279.

[30] FIUZA, 2007, p. 758.

2267

Page 29: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

[31] CANOTILHO, 2002, p. 531.

[32] SILVA, 2007, p. 282.

[33] MORAES, 1999, p. 147 apud PERLINGIERI, 1982, p. 188.

[34] Idem, 1999, p. 151 apud PERLINGIERI, 1982, p. 37.

[35] PERLINGIERI, 2002, p. 284.

[36] ROSENVALD; FARIAS, 2006, p. 29.

[37] Idem, 2006, p. 30.

[38] PERLINGIERI, 2002, p. 285.

[39] ROSENVALD; FARIAS, 2006, p. 32.

[40] Idem, 2006, p. 34.

[41] O USO de celulares pode dar origem a graves doenças. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/consumidorinfo.asp?pagina=8&idarea=47&idmodelo=9976>.

[42] Idem, 2005, p. 10.

[43] ROSENVALD, 2005, p. 124.

[44] MILARÉ, 2007, p. 74.

[45] MILARÉ, 2007, p. 77.

[46] REPENSANDO o uso do automóvel. Disponível em: <http://www.akatu.org.br/central/especiais/repensando-o-uso-do-automovel>.

[47] UM TERÇO de tudo o que você consome vai direto para o lixo. Disponível em: <http://www.akatu.org.br/sites/desperdicio/>.

[48] MORAIS, 1996, p. 36.

[49] MILARÉ, 2007, p. 82.

[50] HABERMAS, 1997, p. 64.

[51] LEMOS, 2008, p. 142.

[52] APEL, 1994, p. 291.

[53] MOREIRA (org.), 2004, p. 290.

2268

Page 30: O MEIO AMBIENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO …publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/03_1572.pdf · marketing e a propaganda que, na defesa dos interesses de grupos socialmente

[54] LORENZ, 1986, p. 118.

[55] Idem, 1986, p. 121.

[56] Idem, 1986, p. 131.

[57] O QUE É economia solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp>.

[58] CARTA de Princípios do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/TxtComplementar_CartadePrincipios.pdf>.

[59] NUNES, 2002, p. 48.

[60] ANTUNES, 2002, p. 32.

[61] MILARÉ, 2007, p. 501.

[62] LIMA, 1984, p. 77.

[63] SILVA, 2004, p. 418.

[64] LASZLO, 2003, p. 11.

2269