O MERCADO DE PLANOS DE SAÚDE - ie.ufrj.br · C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira...
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157C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 10(1): 157-185, jan./mar. 2006
* Artigorecebidoem3defevereirode2005eaprovadoem5dedezembrode2005.Osautoresagra-decemosvaliososcomentáriosdeDaniloCoelho,FredericoBarbosa,GabrielBogossianeThaisAlinedaCosta.Emespecial,somosgratosaAlexandreMarinhopelassuasagudasobservações.Naturalmente,todososerroseomissõesremanescentessãodenossainteiraresponsabilidade.
** Técnicodeplanejamentoepesquisadoipea–DiretoriadeEstudosMacroeconômicos,e-mail:[email protected]/[email protected]
****ProfessoraadjuntadoDepartamentodeMedicinaPreventivadaufrj–NúcleodeEstudosemSaúdeColetiva,e-mail:[email protected]
****Técnicodeplanejamentoepesquisalicenciadodoipea–DiretoriadeEstudosSetoriais,e-mail: [email protected]
O MERCADO DE PLANOS DE SAÚDEUMA CRIAÇÃO DO ESTADO?*
Carlos Octávio Ocké-Reis**
Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi***
Fernando Gaiger Silveira****
RESUMO AhipótesecentraldotrabalhoafirmaqueomercadodeplanosdesaúdeseexpandiunoBrasilcontandocomoapoiodopadrãodefinanciamentopúblicomedianteaaplicaçãodeumconjuntovariadodeincentivosgovernamentais.OsprocedimentosmetodológicosadotadosparainvestigarestahipóteseseapoiaramnoestudodepartedaproduçãoteóricaqueiluminaaáreadaeconomiapolíticadasaúdeenadescriçãodedeterminadasaçõesdoEstadonocampodaspolíticasdesaúde,queacabarampatrocinandoocrescimentodosplanosesegurosprivadosdesaúdenosúltimosquarentaanos.
Palavras-chave:análisedosmercadosdeatençãomédica;saúdepública
Código jel:JEL:I11,I18
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THE CREATION OF HEALTH INSURANCE MARKET IN BRAZIL:
DID THE STATE PLAY A KEY ROLE?
ABSTRACT Thearticle’scentralhypothesisisthatthehealthinsurancemarkethasexpandedinBrazilthankstothepatternofgovernmentfinancing,whichhasinvol-vedavariedsetofgovernmentincentives.Themethodologicalproceduresadoptedtoinvestigatethishypothesisarebasedonthestudyoftheoryconcerningthepoli-ticaleconomicsofhealthservicesandthedescriptionofspecificmeasuresimple-mentedbytheStateinthefieldofhealthpolicy,whichhaveendedupsupportingthegrowthofprivatehealthplansandinsuranceoverthepastfortyyears.
Key words:analysisofhealthcaremarkets;publichealth
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INTRODUÇÃO
Omercadodeplanosdesaúdesecaracterizapelaatuaçãodasseguradoras
desaúde,dasempresasdemedicinadegrupo,dascooperativasmédicase
dasentidadesdeautogestão.Naqualidadedeterceiro-pagador,essasorgani-
zaçõesvendemplanosdepré-pagamentoqueintermedeiamofinanciamen-
todoacessoaosserviçosprivadosdesaúde,protegendoosseguradosdo
riscoassociadoaocustodeadoecer.Issopermite,ademais,umaquedado
montantedodesembolsodiretodasfamílias,poisseugastopotencialpode
serdivididoentreumconjuntodesegurados.
Desdefinsdadécadade1960,umnúmerocrescentedetrabalhadores
passouasercobertopelosplanosdesaúde,sejamedianteacelebraçãode
contratosindividuais,sejamedianteaadesãoaumcontratoempresarial
ouassociativo.Aassistênciaàsaúde,assim,setransformavaemumbem
deconsumo—umbemdeconsumomédico(Luz,1991)—noâmbitodo
mercadodetrabalho.
Anosmaistarde,entretanto,esperava-sequeaimplantaçãodoSistema
ÚnicodeSaúde(sus)naConstituiçãode1988pudessereverteremparte
essasituação,dadooacessouniversaldosseusserviços.Noentanto,osus
nãoforacapazdeatrairparaoseuinteriorasfamíliasquecompunham
onúcleodinâmicodaeconomia,fenômenoconhecidogrosso modocomo
universalizaçãoexcludente(FaveretFilhoeOliveira,1990).
Dentreasprincipaiscausasatribuídasaessefenômenoestariamaescas-
sezdaofertaeabaixaqualidadedosserviçosoferecidospelosistemapúbli-
co.Noentanto,seriapossívelmudaralógicadesseraciocínio?Nãoteriasido
odesfinanciamentopaulatinodosetorpúblicoumfatorpredominantepara
explicarasfraturasdosus,sobretudoaquelasrelativasàsuagestão?
Essaquestãonãofoidecertorespondida,masaindaassimtentou-se
compreenderumaspectocentraldadinâmicadomixpúblico/privado,ao
discutiropapeldoEstadonamobilizaçãoderecursosparacriaresustentar
omercadodeplanosdesaúdenasúltimasdécadas.
Esseenfoquepermite,deumaparte,explicarteoricamenteumprocesso
econômicoàluzdosconflitospolíticos,admitindoqueoEstadoassumea
organizaçãodeatividadesprivadas,porrazõesligadasaproblemasderen-
tabilidadedocapitaledelegitimação,seguindoalinhadeargumentação
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desenvolvidaporVogt(1980).Deoutra,ajudaarefutarapolíticadepriva-
tizaçãoeocontroleindiscriminadodecustospropostosaosus,comojáfoi
criticadoporCampos(1997:19).
Inicialmente,valeapenaverificarcomoarelaçãoentreEstadoemerca-
doéinterpretadapelaliteraturanoterrenodaeconomiapolíticadasaúde,
demodoanosesclareceracercadascausasdessarelação,considerandoos
sistemáticosincentivosgovernamentaisinduzidospelopadrãodefinancia-
mentopúbliconosetor(Ocké-Reis,1995).
Emparticular,sabe-seque,noBrasil,oEstadotemumafortetradição
comofinanciadordosetordesaúde.Issosedeupormeiodofinanciamento
direto,mastambémpordiversasformasdeatuação,como“(...)concessão
desubsídios,isençõesfiscaisouincentivos,resultandonobarateamentodos
custosdeatençãoàsaúdeparaapopulaçãoouparacertossegmentosdes-
ta”(Medici,1990:7).Aesserespeito,alémdotrabalhocitado,consultar
Sayd(2003),Andreazzi(1998)eAlmeida(1998).Assim,pareceimportante
examinaroargumentodeLewiseMedici,segundooqual,noBrasil“(...)o
governodesempenhou,dealgumaforma,mesmoquecomrelutância,um
papelfacilitadordosetorprivadodesaúde”(LewiseMedici,1995:374,tra-
duçãolivre).
Resumindo,tentou-seavaliarcomoatrajetóriadecustoscrescentese
compostosdomercadodeplanosdesaúde(Baumol,1993:17)exigiuo
apoiodoEstadoparagarantirsuaexpansãoeconsolidação,naausênciade
hegemoniadosetorpúblicodesaúdeedoprópriosus.
Depoisdedescreverascaracterísticasdessemercado,procurandocom-
preender—conceitualmente—comoseumodusoperandipareceexigir
umaarticulaçãoestruturalcomoEstado,identificamosasaçõesgoverna-
mentaisqueajudaramaconsolidarosplanosdesaúdenoBrasil.Nascon-
clusões,chamamosaatençãodoleitorparaacontradiçãoestabelecidaentre
opadrãodefinanciamentopúblicoeomercado,emespecialquandose
observa—hoje—queossubsídiosemfavordoconsumodeplanosdesaú-
de,viarenúnciadearrecadaçãofiscal,poderiamserdestinadosaosuspara
oprovimentodeassistênciamédicaaossegmentossociaismaisvulneráveis
dapopulação.
161C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
1.AS CARACTERíSTICAS DO MERCADO DE PLANOS DE SAÚDE
Segundoocânonetradicional,omercadodeplanosdesaúdesedistingue
porapresentarcaracterísticaseconômicasespecíficas:inelasticidadedade-
manda,informaçãoassimétricaefalhasdemecanismo(CutlereZeckhau-
ser,2000:576-589).Noentanto,alémdessaspropriedades,existemoutras
característicasmencionadascommenosfreqüêncianaliteraturarelativasà
tecnologia,àbaixamobilidadedosfatoresdeprodução,aosjuroseaoscus-
tosdetransação,quecontribuemparaaformaçãodeumtraçomarcantedo
mercadodeplanosdesaúde:oscustoscrescentes.
1.1 Demanda inelástica ao preço1
Naausênciadeserviçospúblicosdesaúde,paraseprotegerdoscustosasso-
ciadosaoriscodeadoecer,aspessoaspagamumacontribuiçãopréviaaos
planosdesaúde,cujossistemasprivadosdefinanciamentodacoberturade
riscosemsaúdeintermedeiamarelaçãoentreconsumidoreseprestadores
médico-hospitalares.
ComoassinalaPhelps(1997),taisplanosseguramcontraoriscoderiva-
dodeadoecer,istoé,contraoscustosdecorrentesdeumanecessidadede
usodosbenseserviçosdesaúde.Segundooautor,osgastosassociadosà
atençãomédicacriamoriscofinanceirocontraoqualoplanoédesignado
aproteger.Dessemodo,nãoseseguraa“saúde”,porqueessatecnologianão
estádisponível:paraseprotegercontraosriscosassociadosaosgastoscom
assistênciamédica,sepaga,antecipadamente,aosplanosesegurosdesaúde,
comvistasaumautilizaçãopotencial.
Namaioriadoscasos,nãohá,entretanto,umaescolhadeliberadapelo
consumodeserviçosdesaúde,esimumanecessidadeporatençãomédica.
Mesmoquandopodeserobservadaumaescolhapordeterminadoserviço
médico,elaestá,emúltimainstância,condicionadapelaexistênciadessa
necessidade(oudasuapercepção).Tendocomopontodepartidaessaintui-
ção,nãosepodenegarqueexistammotivaçõesextra-econômicasparaex-
plicaroconsumooriginadopelanecessidadedecura:independentemente
dopreçoedoriscopercebido,oconsumidorestariadispostoapagaroque
fosseprecisopararesolverouatenuaroseuproblemadesaúde.Nessalinha,
ademandaseria—potencialmente—inelásticaaopreço.
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Nãoéprecisoformalizarummodelodeequilíbrioparapostularqueo
princípiodademandainelásticaexplica,teoricamente,aexistênciade“pre-
çosdemonopólio”entreosbenseserviçosnaáreadasaúde.Asfamílias
desembolsam,regularmente,umaboaparceladeseusorçamentosparase
segurarcontraoscustosassociadosaoriscodeadoecer,quandonãosão
obrigadasafazerpesadosesforçosfinanceirosepatrimoniais.Emtaiscon-
dições,estáabertaaomercadoapossibilidadedearbitrarpreçosnãocom-
petitivos,comousemaintermediaçãofinanceiradosplanos.Deumponto
devistamicroeconômico,estariaassimconfiguradaumasituaçãotípicade
concorrênciaimperfeita,ondeospreçosapareceriamcomo“preçosdemo-
nopólio”,poisvendedorespoderiamfixarmaioreslucros.
Emcertamedida,essacaracterísticadademandapermiteque,emge-
ral,avariaçãodoníveldepreçosdosserviçosmédicos,hospitalaresede
medicamentossejamaiordoqueataxamédiadeinflaçãodaeconomia.
Éindispensável,entretanto,sublinhartrêsfatoresqueafetamademanda,
abstraindo-seopadrãodecompetiçãodomercadoeopapelreguladordo
Estado.Primeiro,arestriçãoorçamentáriadasfamíliasdáumafinitudeà
pressãodospreçosdemonopólio.Segundo,dadaapresençadeumconjun-
todeprodutosnomercado,osquaisapresentamdistintaselasticidadesda
demandaemrelaçãoaopreço,ograudeinelasticidadedeveserapreciado
individualmente.E,finalmente,apercepçãodanecessidadedesaúde—que
afetaoníveldademanda—variadeacordocomaeducaçãoeotipode
cultura:ofenômenodamedicalizaçãodasociedade,agorasobobastãoda
higiomania(aideologiadocorpoperfeito)(Nogueira,2001),favoreceriaa
submissãodeparcelascrescentesdapopulaçãoaosdesígniosdamedicina,
naexpectativadeatingirummelhorpadrãodevida.
Éplausívelpensarqueapresençadosplanosdesaúde—naqualidade
deterceiro-pagador—torneopacientemenossensívelaospreçoscobrados
pelosprovedores.Ademanda,então,setornariamenossensívelaopreço.
Dessemodo,
(...)osplanosacabamdeslocandoacurvadedemandaparaadireita,(...)colocandoumapressãocrescentesobreospreçosdosserviçosmédicos,aomesmotempoemqueelevamaquantidadedeserviçosdemandada.(Greenberg,1991:46,tradução,livre)
163C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
Noentanto,permaneceaindaumsérioproblemadeordemconceitual:
diz-sequeoconsumoéinelástico,emquepesearestriçãoorçamentáriadas
famílias.Noentanto,havendoopredomínioderelaçõesdecompraeven-
da,esseenunciadoparecenãocaptarquemesmoaquelesdemaiorpoder
aquisitivoestariamdesprovidosdoconsumodebenseserviçosdesaúde,na
ocorrênciadecustoscatastróficos.
1.2 Informação assimétrica, incerteza e externalidades:
a abordagem da imperfeição do mercado
1.2.1 Informação assimétrica
Osconsumidoresnãodetêmconhecimentosuficiente,tampoucoosmeios
paraidentificareresolverseusproblemasdesaúde.Porisso,elesprocuram
osserviçosdesaúde,namedidaemqueomédicopossuihabilidadesespe-
cíficasparadiagnosticarerecomendaraçõesterapêuticas.
Paradiscutiressetema,ofocodaanálisetradicionalbaseia-senospro-
blemasdeagênciadomercadodeplanosdesaúde,istoé,nosproblemas
relativosaosupplier-induced demandenosefeitosdaintroduçãodeme-
canismosdecompetiçãoeincentivosfinanceirosnacondutadosmédicos
(ScotteFarrar,2003:77).
Napresençadeinformaçãoassimétrica,asrelaçõescontratuaisentrese-
guradoras,prestadoresmédico-hospitalareseconsumidorespodemapre-
sentardesequilíbriosdecorrentesdosdenominadosproblemasdeagência.2
Diz-seque,narelaçãoentreoagente(planodesaúde)eoprincipal(pa-
ciente),oabusodosconsumidores(notocanteaosobreconsumoeaogasto
excessivo)eapresençadeseleçãoadversa(impossibilidadedediscriminar
aspessoassegundooriscodeadoecer)poderiamlevamaumamaiorutili-
zaçãodosserviçoseumaumentodosprêmios,sendo—emtese—fontes
deineficiêncianosentidodePareto,aoimpediraobtençãodamelhoralo-
caçãopossível(AndradeeLisboa,2001).
Cumpreassinalar,emparticular,queopedidoexcessivodeexames—
cujosresultadossãonegativos a posteriori—podederivardeoutrosfatores,
taiscomoométododeremuneraçãodosprestadores(Andreazzi,2003),a
precáriaformaçãoprofissional,abaixaremuneraçãoqueinduzomédico
ausarapoiodiagnósticoparareduzirotempodaconsultaeaausênciade
protocolosclínicos.Emespecial,apresençadesseúltimopoderiaatuarnas
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duaspontas,inibindooracionamento,mastambémoabusodeexames
complementares,aomenosdaquelesprocedimentospadronizáveisedaque-
lasaçõesdeprevençãodegrandeimpactosobreasaúdecoletiva.
Nessequadro,comooconsumidornãoé“soberano”nessemercado,Fi-
guerasdizqueemumcontextodecompetiçãoperfeita,
(...)ademandaéoresultadodepreçosequantidadesqueoconsumidorestádispostoapagar.Opreçoqueosprodutoresconseguemdependedoqueosconsumidoresgostariamdeconsumir,assimcomodosseusbenssubstitutos.Semdúvida,istonãoocorrenomercadodeserviçosdesaúde,ondeasfalhasdemercadosemultiplicam.Emprimeirolugar,aprincipaldemandadosrecursossanitáriosprovêmnarealidadededecisõesadotadaspeloprovedor(omédico).Emsegundolugar,osconsumidoresseencontrammuitolimita-dosparajulgaraqualidadedosserviços.Ademais,ademandacomque,mui-tasvezes,serequeremosserviçosdeurgênciarestringemaspossibilidadesdeumaescolhalivreeótima.(Figueras,1991:6,traduçãolivre)
Emalgunscasos,osmédicostendemtambémasonegarinformaçõesaos
pacientes,apesardocompromissoéticodacategoria.Nessalinha,tratando
dainformaçãoassimétricanocontextodarelaçãomédico-paciente,Phelps
alertaque“osimplesmotivodolucroentraemconflitocomtalcompro-
misso,oquepoderialevaromédicoatomardecisõesdiferentes.Emsuma,
omédicopoderiaenganaropacienteeganharmaisdinheirocomisso”
(Phelps,1997:7,traduçãolivre).Desuaparte,osconsumidores,emposse
dodiagnósticodasuadoença,poderiamemteseomitirsuascondiçõesde
saúde,quandocontratamumplanodesaúde.Daíaexistênciadeumsério
contenciosojurídicoacercadacoberturadedoençaspreexistentesentreos
órgãosdedefesadoconsumidor,asagênciasreguladoraseasoperadorasde
planosdesaúde.
1.2.2 Incertezas
SegundoaseminalpublicaçãodeArrow(1963:964-966),háincertezano
tocanteaosefeitosdotratamentodeumapessoaenferma,istoé,emrelação
aosresultadosdaintervençãomédica.
Emnossostermos,deumlado,nadagarantequeacondutamédicaado-
tadasejabem-sucedidaemdireçãoàcuradopaciente:odiagnósticopode
serequivocado,aterapiapodeserinadequada,oudeterminadacirurgiapode
tersidoumsucessodopontodevistaclínico,masopacientemorredurante
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acirurgia,pormotivosalheiosàcondutamédicapreestabelecida.Deoutro,
emrelaçãoàeficáciadeumtratamentoespecífico,háincertezaquantoaos
remédiosprescritos,aotipodeterapiarecomendadaouàvalidadedaintro-
duçãodenovastécnicascirúrgicas,comousemousodetecnologiassofisti-
cadas.Ademais,paraaquelasnosologiasemqueodiagnósticodecuraainda
nãofoidescoberto,sendoaexpressãomaiscrueldetaisincertezas,haveria
sériasimplicaçõesquantoaocustodotratamentoenvolvido.
Emumadimensãoeconômica,issotornariapoucoclaraaeficáciados
prestadoresnotocanteaoprovimentodobem-estardosconsumidores.
1.2.3 Externalidades
Sãooscasosemqueoconsumoouaproduçãodeumbemouserviçotêm
efeitospositivosounegativosmarginaissobreoutrosindivíduosquenão
aquelesdiretamenteenvolvidosnoatodeconsumirouproduzir.
Noepisódiodoscuidadosmédicos,existeumvalorsocialassociadoao
consumo:aoservacinado,porexemplo,ocidadãoevitariaqueoutraspes-
soasfossemcontaminadas,gerandoumaexternalidadepositivaparaaso-
ciedade.Issocaracterizaria,portanto,apresençadebenspúblicososquais,
aumsótempo,nãoexcluemdoseuconsumoumindivíduoemparticu-
lar(não-exclusividade)ouasuaquantidadedisponível(não-rivalidade).
É,igualmente,ocasodocontroledapoluição,docombateavetoresdedo-
ençasedasaçõesdevigilânciasanitáriaeepidemiológica.
Daóticadosplanosdesaúde,acoberturadebenseserviçosdessetipo
poderiaimplicarbenefíciosmarginaisparaaclienteladoplanoconcorrente
—free riders—semadesejávelcotizaçãodoscustos.Assim,afortepresença
deexternalidadesnãoajudariaosmecanismosdemercado,taiscomoos
incentivoseacompetição,naalocaçãoderecursosdamaneiramaisefi-
ciente:“Omercado,nãoavaliandoaexternalidade,fixariaumpreçomuito
altoparavacina(...)enãoseriaobtidaumasoluçãoeficiente(aquantidade
consumidaseriainferioràótima)”(Martín,1996:77).
1.3 A questão tecnológica
Aspossibilidadesdeavançodaprodutividadedotrabalhonosetordesaúde
sãorestritasemrelaçãoàsdemaisatividadeseconômicas.Aoseobservaro
tratamentoindividualcomooprodutodosserviços,aexpansãodoconhe-
cimentomédicoetecnológicopoderiasignificaradedicaçãodemaistempo
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detrabalhopor“unidadedeprodução”.Como,porsuavez,aqualidadedo
tratamentoestámuitasvezesrelacionadacomaquantidadedetrabalhoem-
preendida,haveriaumarelaçãoinversatantoentreconhecimentoeproduti-
vidadedotrabalhoquantoentreconhecimentoeefetividadedosserviços.
Baumolanalisaessefenômenoechegaadenominá-lo“doençadoscus-
tos”(Baumol,1993:19).Emparticular,dadaaexistênciadediferenciaisde
produtividadeentreossetoresdebensedeserviços,otrabalhoserelaciona
deformadiferentecomaprodução.Nocasodesetordebens,otrabalho
estariaincorporadoaoproduto.Jánosetordeserviços,otrabalhoseriao
produtoqueestariasendotrocado,dificultandoasubstituiçãodefatores.
Arigor,oprocessodetrabalhodosserviçosmédicoséapenasemparte
passíveldosprocedimentosusuaisdefragmentação.Pelocontrário,mesmo
nocasodosavançostécnicosobtidospormeiodamecanização,osequi-
pamentosgeramnovasespecializaçõescomplexasenãoasubstituiçãode
trabalhoqualificadoportrabalhosimples(BayereLeis,1986:121).
Vê-sequeadestruiçãocriativaschumpeteriananãoseaplicadeforma
genéricanasaúde(Ocké-Reis,2002:28).Porisso,senãobastassemosaltos
preçosdosinsumosproduzidospelocomplexomédico-industrialemum
regimeoligopolista,oscustosdecorrentesdasistemáticaincorporaçãotec-
nológicatendemacresceraolongodotempo,sobretudoemperíodosde
desvalorizaçãodocâmbio.Valemencionarque,comooprocessodeinova-
çãodocomplexomédico-industrial(Relman,1980)resideemumamatriz
biomédica,cadavezmaisosinsumostecnológicossãovistosenquantome-
canismoessencial,paraviabilizarosavançosclínicosnocampodiagnóstico
eterapêutico.
Daóticadademanda,existeumapropensãoaconsumirosserviçosde
maiorcomplexidadetecnológica,carosenemsemprenecessários.Essefe-
nômenotemorigemnocontraditóriopadrãodecompetiçãodomercado
deplanosdesaúde,que,aopromoverousodatecnologiamédicacomo
fatordegarantiadaresolutividadedosserviços,patrocina—igualmente
—problemasdeagênciaaoinduziromoral hazarddousuárioeaoestimu-
laraseleçãoadversa.
Emsuma,oscustosassociadosàincorporaçãodeequipamentos,alémdo
usocontinuadoecrescentedemedicamentos,contribuemparaatendência
decrescimentodosprêmios.Omodeloassistencialacentuatalincorpora-
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ção,estimulando,porexemplo,autilizaçãoindiscriminadadatomografia
computadorizadaedaimagemporressonânciamagnética,emparticular
quandonãoháumcontrolerigorosodaeficácia,incorporaçãoeutilização
datecnologiamédicanosistemadesaúde.
1.4 A existência de uma forma de competição restringida em
relação aos preços com fortes barreiras à entrada
1.4.1 O caráter restrito da competição
Advémdaprecáriamobilidadedosfatoresdeprodução,considerandoa
não-materialidadedaassistênciamédica(BergereOffe,1991:13):dadoque
elanãosematerializaemumprodutofísico,osresultadosdosserviçosde
saúdenãopodemsertransferidosnotempoenoespaço,istoé,nemestoca-
dos,nemtransportados,mesmocomoadventodatelemedicina(intercâm-
biotão-somentedeconhecimentoserotinasmédicas).3
Paraoconsumidor,oaumentodepreçosoriundodesseperfilnon-tra-
dablepoderiaserminimizado,casohouvesseaconcorrênciadeprodutos
comamplacoberturageográfica,apontodesuperararigidezdaofertade
prestadores.Contudo,alémdeessedeslocamentoserdeefeitoduvidoso
paraobem-estardousuário,issoimplicariamaioresprêmios,poiscontra-
tosabrangentesnosníveisnacionaleregionalsãomaisdispendiosos,dado
ocustoadministrativodesemanterumarededetalmagnitude.
Essaimobilidadeterritorialdosprestadoresacabariaassimforçandoas
operadorasdeplanosdesaúdeaatuaremdeterminadasregiõesdemaior
rendaper capitafamiliar.
1.4.2 Barreiras à entrada
Napresençadeumaestruturademercadooligopolista,omercadodepla-
nosdesaúdetendeasedesenvolverapartirdeumpadrãodecompetição
diferenciadoeconcentrado,seobservarmosesseramodosserviçosàluzda
tipologiaformuladaporPossas(1985),aqual,arigor,refere-seàanáliseda
indústria.Cabedestacarqueessacondiçãooligopolistajáseconstitui,no
seuprópriotermo,emumabarreiraàentrada,afetandoavariaçãodonível
depreçosdessemercadoemdireçãoaoaumentodovalorunitáriodospro-
dutos,istoé,dosprêmiosdosplanosdesaúde.
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Igualmente,omercadodeplanosésegmentadopornichos,asaber,pelo
tipodeocupação,pelaposiçãofuncionalepelarendadaspessoas(Teixeira
et al.,2002:30).Essadivisãoemsegmentosexigiria,portanto,aofertade
produtosheterogêneos—emespecial,nocasodosplanosdesaúdeempre-
sariais—cujaampliaçãosemanifestarápormeiodadiferenciaçãoeinova-
çãode“produtossubstitutospróximosentresi”,sendoesseúltimo,apenas
parailustrar,umpredicadojáexploradonaliteraturaeconômica,noqua-
droconceitualexplicativoacercadacompetiçãoimperfeita(cf.Robinson,
1953:579-580).
Nessalinha,alega-se,noplanoteórico,que,semprejuízosdasuaade-
rênciaaomundoreal,acabar-se-iafortalecendoasbarreirasàentrada.Na
medidaemqueadiferenciaçãodoprodutoéaprincipalformadeconcor-
rência,diz-seque
acompetiçãoempreços,emboranãoestejainteiramentedescartada,nãoérecursohabitual,nãosóporque,comoemqualqueroligopólio,elaporiaemriscoaestabilidadedomercadoeaprópriasobrevivênciadasempresas,mastambémporque(...)qualquermovimentoirregulardepreçosteriaumaincidênciaproporcionalmentegrandesobreoscustosindiretosunitários,quesãomuitoaltosdevidoàsdespesasdepublicidadeecomercialização,afetandoseriamenteasvendase/ouoníveldelucros.(Possas,op. cit.:186)
Alémdeissorevelarper seaexistênciadeummercadonão-competitivo,
decorreriadaí—grosso modo—que
anaturezadasbarreirasàentrada(...)nãoseprendenestecasoaeconomiastécnicasdeescalae/ouindivisibilidades(nemtampoucoaovolumemíni-modecapital),massimàschamadaseconomiasdeescaladediferenciação,ligadasàpersistênciadehábitosemarcaseconseqüentementeaoelevadoeprolongadovolumedegastosnecessáriosparaconquistarumafaixademer-cadoquejustifiqueoinvestimento(...).(Possas,op. cit.:p.187)
Dessemodo,especula-se,combasenoesquemadePossas,queaconcen-
traçãodomercadodeplanosdesaúde,emboraassociadaaumaescalamí-
nimaeficienterelativaaonúmerodeusuários,foiecontinuasendoalimen-
tada,emgrandeparte,pelosmecanismosdebarreiraàentradaderivados
daseconomiasdeescaladediferenciação(amarcadasgrandesempresas
deplanosdesaúde).Semlevaremcontafatoresinstitucionais—comoo
suseasmodalidadesdeautogestão—queinfluenciaramdealgumaforma
169C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
aconfiguraçãooligopolistadomercado,supõe-sequeaseconomiasdees-
calarelacionadasàdiferenciaçãoinibiriam,nomínimodamesmaforma,o
ingressodeumaoperadoranomercadodeplanos,quandosecomparaesse
ganhoconquistadopeladiferenciaçãocomoutrosfatoresligadosàscaracte-
rísticassocioeconômicasdosusuários,aoperfiltecnológicodosprestadores
hospitalaresemesmoaotamanhoótimodonúmerodeusuários.
Valedizer,aregulamentaçãopareceterprovocadoumaumentodoscus-
tos,tantoparaentrarnomercadoquantoparaexecutaragestãodeuma
operadoradeplanodesaúde,emfunçãodosseguintesrequisitos:cober-
turadegarantiasfinanceiras(capitalmínimoereservastécnicas);pressão
decustosadministrativoseinformacionais;ofertadeplano-referênciain-
dividualobrigatório;reduçãodosperíodosdecarênciaetc.Aonossojuízo,
aimplementaçãodessasmedidaseraabsolutamentenecessáriaparaaans
(AgênciaNacionaldeSaúdeSuplementar)garantirocumprimentodosseus
preceitosnormativosemrelaçãoaodireitodoconsumidor,àconcorrência
reguladaeaointeressepúblico.Emparalelo,aovisaràmelhoriadaqualida-
dedaatençãomédicadosetorprivadodesaúde,eratambémimprescindível
proibirooferecimentodeprodutossegmentados,nocontextodosnovos
planosindividuais.
Retomandootópicodasbarreirasàentradaaomercadodeplanosde
saúde,seexisteumaescalamínimaeficientedeusuáriosnecessáriaparao
funcionamentodeumaoperadora,deve-seadmitir,então,quedeterminado
níveldeconcentraçãodomercadoseriadesejável,poisalémdenãocausar
aumentodepreços,promoveriaemmelhorescondiçõesobem-estardos
consumidores,emboranemsempreissosejagarantido.
Contudo,nãoexiste—a priori—um“tamanhoótimo”denúmerode
usuáriosparatodaequalqueroperadoradeplanodesaúde.Essetamanho
tendeavariar—seateoriaaquiaplicadaestiverapontandoumpercurso
adequado—deacordocomaestratégiadeobtençãodelucrosdasempre-
sas,dadoopadrãodecompetiçãodomercado,nocontextodinâmicoda
economia.4Emoutraspalavras,cadafatiadomercadopossuiumaexpec-
tativadeauferirdeterminadataxamédiadelucro,e,poraproximação,cada
clusterdestesuportariaumquantummédiodeconsumidores,ajustadopor
critérioseconômicos,gerenciaiseassistenciais,emobservânciaaoequilí-
brioatuarialda“carteiradeusuários”,noambientedecustoscrescentes.
170 R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 10(1): 157-185, jan./mar. 2006
Emúltimainstância,poder-se-iadizerqueaescalaeficientedonúmerode
usuárioseseusefeitossobreopadrãodecompetiçãodomercadoseriam
correspondentes,emnaturezaegrau,aoporteeconômico-financeirodas
operadoraseaoseupadrãodeexpansão.
Seessaúltimaproposiçãoforverdadeira,àprimeiravista,ocrescimento
dasoperadorascujonúmerodeusuáriosémenordoqueasoperadoras
líderesnãoimpactariaopadrãodecompetição,apontodeafetarsignifi-
cativamenteoníveldepreçosdomercadooudeintensificarasbarreirasà
entrada,ouainda,delimitarasaçõesdaanspormeiodacaptura.Emque
pese,imagina-se,crescerememumritmomenordoqueosgrandesplayers,
asoperadorasdemédioportepoderiampreservarsuaparcelademercado,
desdequegarantamoequilíbrioatuarial,nobojodoacirramentodacon-
corrênciaoligopolista.
Mas,seriaplausívelreproduziroraciocínioacima,quandoanalisamos
adinâmicadasgrandesoperadoras,quebuscamolucroextraordinário,o
lucrodemonopólio,parausarumaterminologiaschumpeteriana?
Emparticular,asempresaslíderes,beneficiadasporsuasmarcasepelo
númerodeusuáriosdoseumercado,acabaminfluenciandoaconfigura-
çãodomercadodeplanosdesaúde.Elascompetem,principalmente,pela
carteiradeusuáriosdosplanosempresariaisrivais—naáreageográficade
atuação—visandoaocrescimentodoprêmiototaleàobtençãodeecono-
miasdeescalacomoaumentodonúmerodeusuários.Emgeral,recorre-
se,inicialmente,àpráticadodumping,arrancandodosempregadores,em
umsegundomomento,contratosmaisvantajosos.Apartirdaí,dadooalto
custodetransaçãoparaoempregadormudardeoperadora(seelequiser
migrarmantendoasmesmascondiçõeseconômicaseassistenciaisdoplano
original),acompetiçãoporpreçosseriabastanterestrita,abrindoespaço
paraaremarcaçãodepreços,dadaasuacondiçãooligopolista.
Essequadrosedeterioracomapresençadoscartéis,existindo,portanto,
umamargemmuitopequenaparaseofereceremmenorespreços,apesar
daaberturaparasereduziremoscustosdecontrataçãorelativosaospres-
tadoreseoscustosdofinanciamentobancário.Mas,emgeral,afórmula
sistematicamenteutilizadaoptaporexpulsaraseleçãoadversaeporracio-
nalizarautilizaçãodosserviçosdesaúde,nocontextodaconcorrênciaoli-
gopolista.
171C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
1.5 Custos financeiros e custos de oportunidade
associados à remuneração dos juros
SegundoCosta,otipodecálculoatuarialaplicadoaosplanosdesaúdeé
“(...)maissimplesdoqueaqueleaplicadoàsáreasdaprevidênciaeseguros,
poisocálculoaplicadoàsaúdenãoapresentaorigorformaldamatemáti-
caatuarialclássica,maiscomplexaesofisticada,queéusadanessasáreas”
(Costa,1999:1).
Dopontodevistaatuarial,portanto,oprocessodeformaçãodepreços
dosplanospassapelosseguintesfatores:taxadejurosesperadanofuturo,
ramodaatividadeocupacional,idademédiaedistribuiçãodosexo,pro-
babilidadedeusodosserviçosmédico-hospitalares(istoé,aseveridadede
utilizaçãodetaisserviços,dadaaexperiênciapassadaouumautilização
esperadadamassadesegurados).
Emespecial,dentreessesfatoresdecálculodo“prêmioestatístico”,apre-
sençadealtastaxasdejurosexerceumapressãosignificativasobreonível
dosprêmios.Emperíodosdereajustes,agregam-seaissoasdespesasad-
ministrativasrelativasaocrescimentodoscustosmédicoseaopagamento
doscorretores.Emquepesetalpressãonoscustos,umaconfiguraçãooli-
gopolistadomercadopermitiriaaosplanosrepassarparaosprêmiossuas
ineficiênciasàsexpensasdoconsumidor.
Arigor,osplanosestãointeressadosemcontratarumamassadesegu-
radoshomogênea,porumlado,buscandoevitarasflutuaçõesaleatórias
detaisvariáveis(nãoaplicávelàtaxadejuros)e,poroutro,procurando
fugirdaocorrênciadecustoscatastróficos.Emgeral,osúltimossãoobser-
vadosemumacarteiraquecontacomapresençasignificativadecrônicos
eidosos.Pode-setentaraindadiluiresserisco,lançando-semãodecontra-
tosconhecidoscomostop loss,quefuncionamcomoumresseguro.Àguisa
deilustração,seumacirurgiacardíacaultrapassarumvalorpredefinidode
R$100mil,issopermitiriaqueasdespesasqueultrapassassemessevalor
fossemindenizadaspelaresseguradora.
Daóticaempresarial,emsuma,ospreçosdosplanosnãopodemsercon-
sideradosdeformaabsoluta,mascomoumasegundamelhoroportunida-
denãoaproveitada,emtermosmarshallianos.Seuscustos,então,acabam
sendoaferidospelaincorporaçãodomontantequedeixoudeserganhona
“segundaoportunidadenãoaproveitada”nomomentopresente,oumes-
172 R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 10(1): 157-185, jan./mar. 2006
monopassado.Emoutraspalavras,omontantequedeixoudeserganho
nomercadopormeiodeoutrasaplicaçõesmaisrentáveis.Nestesentido,a
pressãoaltistadoscustosfinanceirosedeoportunidadecontribuiparauma
tendênciadecrescimentodosprêmios.
1.6 Custos de transação associados à verificação da qualidade
Define-secomocustodetransaçãooefeitoexternodetodososcustosas-
sociadosàtrocaenvolvidosnarealizaçãodecontratosenaobtençãodein-
formaçõessobrepreços,quantidades,ambientesetc.(Williamson,1979).
Dessaótica,aliberdadedeescolhadoconsumidorébastanterestrita.
Constata-seaexistênciadecustosdetransaçãoassociadosàcorreta-
gem,carência,reputaçãodoprestadoretemponabuscadeumnovoplano.
Arigor,excetuando-seasituaçãohipotéticadacompetiçãoperfeita,acre-
dita-sequetalcustotenderiaasubiremoutrasestruturasdemercado,por
exemplo,deconfiguraçãooligopolista,dadososobstáculosparaverificar
—supondocondiçõespróximasdepreçoecobertura—prestadoresde
igualqualidadenacarteiradosplanosdesaúdeconcorrentes,sabendo-se
queomercadorelevanteéolocal.Dentrodecertasmargensdebarganha,
comoareputação(qualidade)daredecredenciadaéumcritériodecisivode
escolhadoplano,asuatrocarepresentariaumcustodetransaçãoproibitivo
paraoconsumidor.
Nessequadro,arealizaçãodeumnovocontrato—sobretudoquando
oseguradoécompelidoàmudança—podemesmosignificardispêndios
financeirosadicionais,perdadequalidadenaatençãomédicae,emcasos
extremos,sériosdanosàsaúdedoconsumidor.Emgeral,issoocorrecom
planosindividuais,masocorretambémcomplanosempresarias,queabran-
gemumasomadeindivíduosnãoorganizados,sempoderdebarganhaso-
breoscontratosrealizadospelapatrocinadora.
Apósdescrevermosascaracterísticaseconômicasdomercado,procuran-
docompreendercomoseumodusoperandipareceexigirumaarticulação
estruturalcomoEstado,dadaatrajetóriadecustoscrescentes,tentaremos
demonstrar,agora,comoasaçõesgovernamentaiscontribuíramparaex-
pandireconsolidaromercadodeplanosdesaúdenoBrasil.
173C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
2. A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O MERCADO DE PLANOS DE SAÚDE:
UMA PERSPECTIvA HISTóRICA
NoBrasil,ofuncionamentodeplanosdesaúde—parecidocomaquele
queconhecemosatualmente—coincidiucomainstalaçãodasindústrias
automobilísticasnoperíododogovernoKubistcheck.Issosedeveuàintro-
duçãodemecanismosdefinanciamentodesvinculadosdaprevidênciaso-
cial,ondeempresáriosetrabalhadorescustearamaassistênciamédicasoba
intermediaçãodasempresasdemedicinadegrupooudosserviçospróprios
desaúdedasfirmasempregadoras(Cordeiro,1984).
Emespecialdepoisdogolpemilitarde1964,asmudançasoperadas
nocontextodamedicinaprevidenciáriaacabarampromovendoumcres-
cimentodosplanosprivadosdesaúde.Emnovembrode1966,acriação
simultâneadoInstitutoNacionaldaPrevidênciaSocial(inps)edoSiste-
maNacionaldeSegurosPrivados(snsp)demonstrouclaramenteessanova
orientação.5
Essaunificação,quedeuorigemaoinps,estendeuacoberturaaostraba-
lhadoresurbanoscomcarteiradetrabalhoassinadanãoassistidospelosan-
tigosinstitutos.Noentanto,essaampliaçãosedeuprivilegiandoademanda
porserviçosprivados,dadoquenãohouveumaexpansãodaredepública
correspondenteaoprocessodeinclusãodosnovosgrupossociais,tampouco
umamelhoradaqualidadedaatençãomédicadosserviçosprevidenciários.
Deoutraparte,oarcabouçojurídicoreferenteaossegurosprivadosacabou
atendendoaossetoresnãosatisfeitoscomasconseqüênciasadversasdauni-
ficação,configurandoumtipodemodeloassistencialquefoidenominado,
segundoBarrosSilva(1983:28),médico-assistencialprivatista.
Emparalelo,acriaçãodoinpsprovocouaeliminaçãoprogressivada
gestãotripartiteentreUnião,empregadoreseempregadosdasinstituições
previdenciárias,despolitizandoaestruturadepoderconstruídaapartirda
Revoluçãode30.Ademais,promoveuumaacentuadacentralizaçãofinan-
ceiranasmãosdogovernofederal,dilatadacomoaumentodacontribuição
previdenciária,alémdeimpediraparticipaçãodostrabalhadoresnopro-
cessodecisórioacercadasuaassistênciamédica(FleuryeOliveira,1985).
Nessecontexto,areformaadministrativaimplementadapormeiodo
Decreto-lei200de1967sedimentouoterrenonocampolegislativoàcon-
trataçãodeempresasprivadasnaexecuçãodeprogramaseprojetossoba
não
con
sta n
a b
iblio
gra
fia
174 R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 10(1): 157-185, jan./mar. 2006
responsabilidadedoEstado.Daóticadaintermediaçãodofinanciamento
dosserviçosdesaúde,acaricaturamaisvisíveldessainflexãofoiacriação
doconvênioinps/empresa,articuladoentreEstadoefirmasempregadoras,
quepermitiuageneralizaçãodacontrataçãodosplanosdesaúde:
Oconvênio-empresapreviaarestituiçãopeloinpsàempresadeumvalorfixomensal,porempregado,correspondentea5%domaiorsaláriomínimovigente,reservando-seàqueleodireitodefiscalizarospadrõesdeatendi-mento.Aempresaobrigava-seadaratendimentointegralaosfuncionários.(Andreazzi,1991:133)
Em1974,oMinistériodaPrevidênciaeAssistênciaSocial(mpas)criou
oPlanodeProntaAção(ppa),quepreviaauniversalizaçãodoatendimento
deemergência,abrindoumanovafronteiradeacumulaçãoparaosplanos
desaúde:
Oppapromoveuaampliaçãodoacessoaosserviçospelapopulaçãodasáreasmetropolitanas,tornandoeconomicamenteviáveisasempresasmé-dicasemergentes.Aconcorrênciadosinteressesdegruposmédicoscomosdasgrandesempresasindustriaisecomerciaisfacilitouodesenvolvimentodosconvênios-empresaedasorganizaçõesdemedicinadegrupo,quenãopararamdecrescer.(WerneckVianna,1989:20-21)
Namesmaépoca,promovidopelaCaixaEconômicaFederal,ofinan-
ciamentodiretoajurosnegativosparaaconstruçãodehospitaisprivados
eaaquisiçãodeequipamentos,pormeiodoFundodeApoioaoDesen-
volvimentoSocial(fas),acaboubeneficiandoasempresasdemedicinade
grupo:“Aspolíticasdecompradeserviçosdesaúdeàiniciativaprivadaeo
acessoafinanciamentossubsidiadosjuntoaofaspermitiramumaacelera-
daexpansãodacapacidadeinstaladadaAmil”(Bahia,1991:70).
Umpoucomaisadiante,noiníciodosanos80,osprimeirossinaisda
recessãoeconômicaeacrisefinanceiradaPrevidênciaanunciaramumpro-
cesso,quevaiseaprofundarnofinaldadécada,de
(...)desaparecimentoprogressivodoInstitutoNacionaldeAssistênciaMé-dicadaPrevidênciaSocial(Inamps)enquantofinanciadoreprestadordaassistênciamédicadostrabalhadores,devidoàreduçãodaqualidadedosserviçospeloesmagamentodospreçospagosaosetorprivadocontratadoeàextinçãodosconvêniosInamps/empresaeInamps/sindicato.(Medici,1992:9)
175C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
Emoutraspalavras,adeterioraçãodosvaloresdosserviçoscusteados
peloInamps—oquenãoerasurpresadiantedoperíododealtainflação
—permitiuumarupturaunilateraldeváriosconvêniosecontratosdehos-
pitais.
SegundoViannaet al.(1998),paracompensaressareduçãodosvalores
pagospeloInamps,asfirmasempregadorasforamestimuladasapagaruma
espéciedecontribuiçãomonetáriaadicionalaosprestadoresmédico-hospi-
talaresligadosaoInamps.Inicialmente,em1980,porintermédiodaporta-
riampas2.079,permitia-seacobrançaadicionalporinstalaçõesdepadrão
superioraosdaenfermaria.Depois,em1982,pormeiodaPortaria2.837,
oInampspassouapermitirqueoshospitaiscobrassemumaquantia(por
fora)dosseguradosedasfirmas,quandoessesrequeressematendimento
especialadicional,cujovalorvariavaematé8,3vezesatabeladaAssociação
MédicaBrasileira(amb)edaAssociaçãoBrasileiradeOdontologia(abo).
Finalmente,em1986,tornou-selivreacomplementaçãodehonoráriose
serviços,mastalpráticafoidefinitivamenteproibida,apartirde30deou-
tubrode1991(PortariaInamps283).
Noentanto,ofimdoconvênio-empresanãoimpediuofortalecimento
deumnovomecanismoinstitucional.Nassucessivasreformasfiscaisreali-
zadas,paulatinamente,foiabertaapossibilidadedesededuziremdespesas
comsaúdedoimpostoderenda(WerneckVianna,1994:26-32).
Nessequadro,segundoOcké-Reis(2000:142-143),desdefinsdadécada
de1960,osprincipaisincentivosgovernamentaisdirigidosaosplanosde
saúdeforam:
Diretos:
(a)financiamentoajurosnegativosparaaconstruçãodeinstalações
hospitalareseparaacompradeequipamentosmédicos,comlongo
prazodecarência,quebeneficiousobretudoasempresasdemedici-
nadegrupo;
(b)algunsplanosquedesempenhavamatividadeslucrativasforamcon-
sideradosestabelecimentosfilantrópicos,implicandoumasériede
privilégiosnocampofiscaleprevidenciário.
Indiretos:
(a)permissãoàsfirmasparadescontaroudevolverpartedacontribui-
çãoprevidenciária,principalmenteapartirdosconvênios inps-
176 R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 10(1): 157-185, jan./mar. 2006
Inamps/empresa,osquaisdefiniamqueosatendimentosmaiscaros
deveriamserprestadospeloEstado;
(b)estabelecimentodenormasqueabriram,nocampojurídico,umes-
paçofavorávelàsuaexpansão.
Demodoresumido,emmeadosdadécadade1980,então,dadaadete-
rioraçãodosserviçosprevidenciários,houveumcrescimentodademanda
deserviçosmédicosdiferenciados,emespecialpelosoperáriosqualificados,
assalariados,executivoseprofissionaisliberais.Doladodaoferta,dadaa
presençasistemáticadeincentivosgovernamentais,houveumfavorecimen-
todoEstadoaosistemaprivadodesaúde,voltadoparaacoberturadaspes-
soasinseridasnomercadoformaldetrabalho.Apartirdadécadade1990,
apesardacriaçãodosus,aconvergênciadessesfatorespermitiuaconsoli-
daçãodosplanosdesaúde.
Dequalquermaneira,afirmar—hoje—queoEstadocontinuasusten-
tandoomercadodeplanosdesaúdeébastantepolêmico,adespeitodapre-
sençadarenúnciafiscaledaresistênciadasoperadorasemressarciraans
pelosserviçosprestadospelosusàclienteladamedicinaprivada.
Pode-seargüirque,decertaforma,oconsumodeplanosdesaúdeé
patrocinadopeladeduçãodoimpostoderenda.Essarenúnciapermite,por
umlado,quepartedosgastoscomplanosdesaúdesejaabatidadoImposto
deRendasobrePessoaFísica(irpf)e,poroutro,queasdespesasoperacio-
naisdasfirmasempregadorasemassistênciamédicasejamreduzidasdo
montantedolucrolíquido,diminuindoototalsoboqualincideoImposto
deRendasobrePessoaJurídica(irpj).
Segundodadosrecentesdaans,o faturamentodessemercadoéde
R$27bilhões.Natabela1nota-sequeovalordarenúnciadestinadaao
consumodeplanosdesaúdealcançaria,aproximadamente,10%,istoé,
R$2,8bilhõesem2005.Ademais,seriaútilsaberaparticipaçãorelativa
darenúnciaseacomparássemoscomolucrolíquidodomercado,ouain-
da,emnívelinternacional,opercentualnotocanteàrentabilidadedospla-
nosdesaúde.
Contudo,seemtermospercentuaisessamagnitudeparecepequena,ao
olharmosparaosvaloresabsolutos,omontantesuperaemR$1bilhãoos
gastosdoMinistériodaSaúdecomocontroledetodasasdoenças–exceto
dst/aids–em2004(tabela2).
177C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
Tabela 1: Projeção gasto tributário por função orçamentária,
segundo modalidade do subsídio – 2005
Saúde Valor corrente
(em milhões de R$)(%)
Despesas médicas – IRPF 2,056 39,1
Ass. médica, odontológica e farmacêutica a empregados – IRPJ 770 14,6
Entidades sem fins lucrativos – assistência social 1.376 26,2
Medicamentos 1.058 20,1
Total 5.260 100
Fonte: Coordenação-Geral de Política Tributária / Secretaria da Receita Federal.
Tabela 2: Ministério da Saúde: execução orçamentária em 2004, por agrupamento de programas*
Dot. inicial Autorizado Liquidado% Exec. 2004
(Líq./aut.)% Exec.
1ºsem./2004
a Atenção à saúde 22.108,1 22.694,5 22.098,9 97,4 49,5
b Saneamento 1.061,4 950,6 648,2 68,2 2,7
cControle de doenças exceto DST/AIDS
1.850,4 1.824,3 1.742,6 95,5 42,9
d Controle de doenças DST/AIDS 762,1 824,2 809,8 98,2 37,4
e Atividades administrativas 3.586 4.078,3 3.987,4 97,8 44,5
f Inativos e pensionistas 2.614 3.034,1 3.019,4 99,5 50,2
g Dívida 708,3 708,3 485,8 68,6 36,3
h Vigilância sanitária 196,8 196,3 183,8 93,6 32
i Transferência direta de renda 801,5 881,5 818,8 92,9 50,5
jQualificação de recursos humanos do SUS
465 377,8 320,2 84,8 13,9
kAssistência farmacêutica e insumos estratégicos
1.706,9 1.998,9 1.796,3 89,9 36,4
l Demais programas 668,4 647,9 624,7 96,4 32,1
Ministério da Saúde 36.528,9 38.216,6 36.535,8 95,6 45,4
Fonte: COFF-PRODASEN. Elaboração: DISOC/IPEA.
*No exercício de 2004, a subfunção 846 – Encargos Especiais expandiu-se consideravelmente, integrando todas as ações que
não sejam de “atuação direta” do governo federal. No caso do Ministério da Saúde, tal modificação atingiu mais da metade da
sua execu
178 R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 10(1): 157-185, jan./mar. 2006
Casosequeira,portanto,fortalecerosus,aescassezderecursospúblicos
(tabela3)permitiriaproblematizarapermanênciadarenúnciafiscal,queé
nitidamenteineqüitativadaóticadadistribuiçãodogastopúblicofederal.6
Alémdocaráterineqüitativodessegastotributário,porquetaisrecursos
nãosãoalocadosaosus,emprogramasmédico-assistenciaisvoltadosaos
crônicoseidosos,justamenteossegmentosmaisestigmatizadospelasele-
çãoderiscopraticadapelasoperadorasdeplanosdesaúde?Tudoindicaque
essasituaçãotendeasereproduzir,pois,deumlado,oefeitodarenúnciade
arrecadaçãofiscalsobreadinâmicadomercadodeserviçosdesaúdeparece
nãosertrivial,emboranãotenhasidomensuradominuciosamente.Deou-
tro,asclassesmédias,quebuscamumtipodeatençãomédicadiferenciada
nomercado,estãovendoasuarendamédiaper capitacair(tabela4)simul-
taneamenteaoaumentodepreçodosprêmios,eporissoseconstituemem
umfortegrupocominteressenamanutençãodessesubsídio.
Finalmente,apósacriaçãodaleidaregulamentaçãoem1999,nãofoi
Tabela 3: Gasto nacional em saúde: percentual do PIB, por habitante e participação público e privado, 2001
País % PIB Per Capita* Índice** Público / Privado (%)
Alemanha 10,8 2.820 492 74,9 25,1
Brasil 7,6 573 100 41,6 58,4
Espanha 7,5 1.607 280 71,4 28,6
EUA 13,9 4.887 853 44,4 55,6
Reino Unido 7,6 1.989 347 82,2 17,8
Fonte: OMS (2004). Elaboração: DISOC/IPEA.
* Em dólares internacionais, segundo o critério de Paridade de Poder de Compra (PPP)
** Base 100 = Brasil
Tabela 4: Regiões metropolitanas: rendimento médio real das pessoas ocupadas – 1997-2004
(base: julho de 1994 = 100)
Ano Média (índice)
1997 129,27
1998 128,69
1999 121,62
2000 120,86
2001 116,13
2002 112,06
2003 94,11
2004 94,34
Fonte: IBGE (PME) Elaboração: IPEA/DIMACObs.: Até nov./2002, dados da PME Metodologia Antiga; a partir de dez./2002,
dados de rendimentos efetivamente recebidos segundo a Nova PME,
com encadeamento simples a partir da variação dez./2002 / nov./2002.
179C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
possívelgarantiracomercializaçãodeplanosindividuaisdesaúdesemcláu-
sulasrestritivasnotocanteàcoberturaintegral.Emquepeseaobrigato-
riedadedaofertadoplano-referência,boapartedasdoençaspreexistentes,
dosserviçosdealtocustoedascirurgiasdealtacomplexidadecontinua
sendoprestadapelosetorpúblico.Porisso,nãoressarcirosuspelosservi-
çosprestadosaosusuáriosdeplanosdesaúde—desdequeprevistosnos
contratos—revelaaposturareativadasoperadorasdeplanosembancar
orateiodoseucustoefetuadopelosetorpúblicodesaúde.Indiretamente,
issoacabaseconfigurandoemmaisumincentivogovernamentaldestinado
àsoperadoras.
Nessesentido,torna-sepossívelafirmarahipótesedequeopadrãode
financiamentopúblicocontinuaráatuandoenquantoelementodesustenta-
çãodosplanosdesaúde,emsuadimensãoeconômica.
3. CONSIDERAÇõES FINAIS
NoBrasil,nosúltimosquarentaanos,pode-sesugerirqueosplanosde
saúdeseexpandiramcontandocomoapoiodopadrãodefinanciamento
público,pormeiodosincentivosgovernamentais.Subsistem,atualmente,
ossubsídiosfiscais,quepoderiamrepresentarumaumentoderecursosdes-
tinadosaosus.
Àprimeiravista,admitindoa trajetória de custos crescentes e compostos,
essaarticulaçãoeconômicaentreEstadoemercadoéexplicada—masnão
sejustifica—medianteopapelcumpridopelaspolíticasdesaúdenasocie-
dadecapitalista,notocanteàreproduçãodaforçadetrabalho.Comotais
políticassãorelevantesdopontodevistapolíticoesocial,emespecialos
serviçosprestadosaostrabalhadoresdomercadoformaldetrabalho,que
compõemparcelasignificativadapopulaçãoeconomicamenteativa(pea),
oEstadoagiria,pormeiodofundopúblico,favorecendoascondiçõesde
rentabilidadedosplanosdesaúde,resolvendo,emparte,apressãopelores-
tabelecimentodepreçosinacessíveisnomercado.
Dessemodo,oEstadoseria—estruturalmente—prisioneirodoseguin-
tedilema:oupublicizaosistema(radicalizandoseupapelintervencionista)
oumantémaformaprivadadeatividadessocialmenteimportantes,apli-
candomecanismosdesubvençãoestatal(incentivosgovernamentais).
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Dequalquermodo,édifícilantevercomoaentradadocapitalfinanceiro
eaconcentraçãodomercadorepõemessedilema.
Deumlado,asseguradorasespecializadasdesaúde—cujasholdings
detêmaçõesnomercadodecapitais—possuemclarasvantagenseconômi-
caseadministrativasparasecontraporàdinâmicadoscustoscrescentes,e
parecemexigiraintroduçãodomanaged care
(...)paraaorganizaçãoprodutivadosetorsaúde,naqualestecapitalcriariamecanismospararetirardomédicoaquelaprivatizaçãodosespaçosmicro-
decisórios,alterandoomododeagregartecnologias.(Merhy,2002:65)
Deoutro,atendênciaàconcentraçãodomercadodeplanossecons-
tituiráemumfatornãosóparaexplicaroaumentodepreços,maspara
tornarcrívelaameaçadecapturadaanspelosgrandesgruposeconômicos,
emumcontextoondeseapostaquetalconcentraçãoseriaumapeça-chave
pararesolverainsolvênciadepartedasoperadorasdepequenoedemédio
portes.
Restariasabercomoofundopúblico—alémdossubsídiosfiscais—irá
searticularcomomercadoapartirdessenovocenário.Aparentemente,a
ansestudaaaberturadeduaslinhasdecréditoparasocorrerasoperadoras
deplanosdesaúde:umaadministradapeloBancodoBrasil,voltadaparao
capitaldegirodasoperadorasdeplanosdesaúde,eoutraasergeridapelo
BancoNacionaldeDesenvolvimentoEconômicoeSocial(bndes),voltada,
exclusivamente,parafinanciaraquisiçõesefusõesdeempresas.Masserá
queesseposicionamentogovernamentalrepresentariaumnovomecanis-
modepatrocínioaosetorprivado?Nãoháindíciosclaros,masaomenos,
dopontodevistateórico,algunsautoreschegamaespecularquenacompe-
tiçãooligopolistaatual“(...)ofundopúblicoseriadecisivonaformaçãoda
taxamédiadelucrodosetoroligopolista,epelonegativo,pelasuaausência,
namanutençãodecapitaisecapitalistasnocircuitodocapitalconcorrencial
(...)”(Oliveira,1988:14).
Nocasobrasileiro,independentementedoaparecimentodessanovacor-
relaçãodeforçaentreEstadoemercado,mesmoseosplanosdesaúdefos-
sem,defato,suplementaresaosus,seriaproblemáticodelimitar,emtermos
socioeconômicos,asfamíliasquepoderiamounãoteracessoaomercadode
planosdesaúde(Ocké-Reiset al.,2003:884).Sabendo-sedatendênciacres-
181C. O. Ocké-Reis, M. F. S. Andreazzi e F. G. Silveira – O mercado de planos de saúde...
centedoscustosedaocorrênciadecustoscatastróficos,doladoeconômico,
daincertezaidiossincráticadoriscodeadoeceredasdúvidasquantoàefi-
cáciadaintervençãomédica,doladomédico,tão-somenteoconsumodos
capitalistas—aogostodaconceituaçãokaleckiana—suportariacomfaci-
lidadeapressãoaltistadosprêmiosdosplanosdesaúdenolongoprazo.
Emumquadrodepobrezaabsolutaedesigualdadesocial,precisamos
indagar,então,quaisseriamossetoressociaismaisprejudicadosnessare-
laçãoestabelecidaentreopadrãodefinanciamentopúblicoeomercado
deplanosdesaúdenoBrasil:deumaparte,oEstadonãoconsegueres-
ponderaosproblemasdecorrentesdaprecáriacoberturapúblicadaatenção
médica,emumquadroderestriçãoorçamentária,impedindoonecessário
fortalecimentodosusedeixandoespaçoparaaatuaçãodomercadooligo-
polista.Deoutro,omercadodeplanosdesaúdeapresentaumatrajetóriade
custoscrescentes,emumcontextodebaixossaláriosdaeconomiabrasileira,
exigindoaampliaçãodesubsídiosregressivoseexpulsandoaclientelade
altorisco,semnenhumplanejamentopréviodosus.
Nessecontexto,nãosepodeignorarqueumadasviasparaseconsoli-
darosusestarámarcadapelacapacidadedepromoverauniversalização,
incorporando,aumsótempo,osconsumidoresdebaixarendaeasclasses
médias,medianteoaumentodogastopúblicoemsaúdeeamelhoriada
qualidadedogasto.Ahistóriajádemonstrouqueaconsolidaçãodepolí-
ticassociaisuniversaisemdiversospaísesdomundodependeuafinalde
coalizõespolíticasentreclassesegruposheterogêneos(Esping-Andersen,
1996:256-267).
Paraaprofundarareflexãodesenvolvidanestetrabalho,seriaimportan-
te,entretanto,superaralgumasdassuaslacunas,apartirdarevisãodete-
masjáexploradosnaliteraturanotocanteaomercadodeplanosdesaúde.
Énecessário,porexemplo,conhecermelhoraestruturaeadinâmicadas
diversasmodalidadesdepré-pagamentocomooseguro-saúde(Derengo-
wskieFonseca,2004),amedicinadegrupo(Medici,1991),ascooperativas
médicas(Duarte,2001)eosplanosdeautogestão(CostaeCastro,2004),
ou,ainda,examinaropróprioprocessodeconcentraçãodasoperadorasque
estáemcurso(Nitão,2004).Igualmente,faltoufundamentar,empiricamen-
te,atrajetóriadecustoscrescentesnocorpodotrabalho,emboranãohaja
muitacontrovérsiasobreaexistênciadessefenômenoentreosanalistasde
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políticadesaúde(Zucchi,DelNeroeMalik,1998:143)esimsobreassuas
causas,oumelhor,ahierarquiadasmesmas.Enfim,seriamesmoprofícuo
discutirastesesaquiapresentadascomacomunidadecientíficainteressada
eminvestigarastendênciaseosdesafiosdomixpúblico/privadodosistema
desaúdenoBrasil.
NOTAS
1. Aselasticidadesrepresentamavariaçãopercentualocorridaemumavariávela,aqualestárelacionadacomavariaçãopercentualdeumaoutravariávelb.
2. Nota-sequeacontrataçãocoletivadeumplanocriaumproblemadeagênciaadicional,poisarelaçãoentreoconsumidorfinal(trabalhador)eoplanodesaúdeéintermediadaporum“quartoagente”:adireçãodafirmaempregadora,odepartamentoderecursoshumanos,osindicatodacategoriaetc.Curiosonotarque,paraoutrosautores,umquartoplayerhojemaisdecisivoequepro-duzmaisincertezaparaoconjuntodosistemaseriaosetortecnológico,emparticularomedical research enterprise(Gelijnset al.,2001:923).
3. Nocasodasteleconsultas,emespecialnocampodatelemedicinacardiológica,exige-se,primeiro,acessãodeumeletrocardiógrafoportátilaopaciente,paraentãoseprocederalaudoseexameson-line,semoacompanhamentodeumcardiologista.Aforaosquestionamentosdecaráterclínico,poder-se-iaafirmarque,semdúvida,essaoperaçãoseconstituiemummecanismoquevisasupe-raraimobilidadedofatortrabalho.
4. AlógicacapitalistadasdecisõesdasempresasnotocanteàapropriaçãodoslucroséumdosprincípiosbásicosdefinidosporPossas(op.cit.,p.181)paraerguersuatipologiaarespeitodasestruturasdemercado.
5. OinpsfoicriadopormeiodoDecreto-lei72,unificandoosseisInstitutosdeAposentadoriaePensão–iaps.Deoutraparte,osnspfoicriadopormeiodoDecreto-lei73,modificandoalgunsdispositivosdaLeiOrgânicadaPrevidênciaSocial(lops)relativosàsprestaçõeseaocusteiodosistema.
6. Apermanecertalrenúncia,podia-seaomenosdiscutirapossibilidadedeelaseralocadaparaaclientelademaiorrisco(osidosos),paraosprocedimentosdealtocusto(tratamentoscirúrgicosintensivos),ouainda,deoutroângulo,dequeelafuncionassecomoummecanismoindutorparafomentarumprogramadereformainstitucionaldomercadodeplanosdesaúdeemdefesadoconsu-midor,daconcorrênciareguladaedointeressepúblico(Ocké-Reis,2005:316).
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