O Mito Da Neutralidade Do Juiz Laercio Alexandre Becker

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® BuscaLegis.ccj.ufsc.br O Mito da Neutralidade do Juiz Laércio Alexandre Becker Mestrando em Direito Processual na Universidade Federal do Paraná Versão de monografia apresentada à disciplina "Origens Romano-Canônicas do Processo Civil Moderno", dos Professores Ovídio A. Baptista da Silva e Luiz Guilherme Marinoni, Curso de Mestrado, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, 1° Semestre de 1995. SUMÁRIO: 1. Apresentação; 2. Introdução à mitologia jurídica; 2.1. Mito da neutralidade científica; 2.2. Mito da neutralidade do direito; 2.3. Mito da neutralidade do processo civil; 2.4. Mito da neutralidade do Judiciário; 3. Neutralização política; 3.1. A tripartição dos poderes; 3.2. A concepção sistêmica; 3.3. Politização do juiz; 4. Neutralidade do juiz na aplicação da lei; 4.1. Legalidade e legalismo; 4.2. A garantia da imparcialidade: mito ou possibilidade; 5. Neutralidade do juiz na instrução; 5.1. O dogma do princípio dispositivo; 5.2. A face lúdica do processo civil; 5.3. Crítica da passividade judicial na instrução do processo; 6. Antecipação da tutela e neutralidade; 6.1. A ideologia do procedimento ordinário; 6.2. Origens romanas; 6.3. O problema da verdade na ciência; 6.4. O problema da verdade no processo; 7. Para concluir; 8. Bibliografia. 1. APRESENTAÇÃO "A venda sobre os olhos da Justiça não significa apenas que não se deve interferir no direito, mas que ele não nasceu da liberdade." Theodor Adorno e Max Horkheimer O presente trabalho tem por objetivo uma análise crítica da polêmica questão da neutralidade do juiz no processo civil. Se uma análise se pretende crítica, antes de tudo é preciso que ela ao menos se reporte à Teoria Crítica, de preferência à sua formulação original, qual seja, a que resultou das pesquisas sociológicas e filosóficas da Escola de Frankfurt. Por isso, nas páginas seguintes será possível encontrar várias referências a Max HORKHEIMER e Theodor W. ADORNO, que notoriamente lideraram o Institut fur Sozialforschung, e apresentaram mais afinidades entre si do que com outros grandes pensadores que, em determinados momentos, divergiram das origens frankfurtianas, como Walter BENJAMIN, Herbert MARCUSE, Erich FROMM e Jürgen HABERMAS. A par das referências à Escola de Frankfurt, será necessário, em algumas ocasiões, buscar esclarecimentos em autores de outras correntes do pensamento filosófico, como o estruturalismo (principalmente Jacques LACAN) e o pós-estruturalismo (se é que há condições de colocar este rótulo, ou qualquer outro, nas idéias de Michel FOUCAULT). Todas essas referências (Escola de Frankfurt, LACAN e FOUCAULT), acabam traduzindo o evidente esforço no sentido da interdisciplinariedade, já que a crítica à neutralidade não se fará somente com argumentos intrassistemáticos, mas também com aportes de autores que raramente figuram no discurso jurídico. Cuidou-se, entretanto, para que estes aportes externos à Teoria Crítica não lhe fossem incompatíveis, o que sem dúvida não é de todo difícil. Por um lado, as referências a conceitos lacanianos tendem a abrir a perspectiva psicanalítica sobre os pontos que se colocarão em questão, BuscaLegis.ccj.ufsc.br http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/16673-16674-1-PB.htm 1 de 46 01/02/2013 11:16

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O Mito da Neutralidade do JuizLaércio Alexandre Becker

Mestrando em Direito Processual na Universidade Federal do ParanáVersão de monografia apresentada à disciplina "Origens Romano-Canônicas do Processo Civil Moderno", dosProfessores Ovídio A. Baptista da Silva e Luiz Guilherme Marinoni, Curso de Mestrado, Setor de Ciências Jurídicas,Universidade Federal do Paraná, 1° Semestre de 1995.

SUMÁRIO: 1. Apresentação; 2. Introdução à mitologia jurídica; 2.1. Mito da neutralidadecientífica; 2.2. Mito da neutralidade do direito; 2.3. Mito da neutralidade do processo civil; 2.4.Mito da neutralidade do Judiciário; 3. Neutralização política; 3.1. A tripartição dos poderes; 3.2. Aconcepção sistêmica; 3.3. Politização do juiz; 4. Neutralidade do juiz na aplicação da lei; 4.1.Legalidade e legalismo; 4.2. A garantia da imparcialidade: mito ou possibilidade; 5. Neutralidade dojuiz na instrução; 5.1. O dogma do princípio dispositivo; 5.2. A face lúdica do processo civil; 5.3.Crítica da passividade judicial na instrução do processo; 6. Antecipação da tutela e neutralidade;6.1. A ideologia do procedimento ordinário; 6.2. Origens romanas; 6.3. O problema da verdade naciência; 6.4. O problema da verdade no processo; 7. Para concluir; 8. Bibliografia.

1. APRESENTAÇÃO

"A venda sobre os olhos da Justiça não significa apenas que não se deve interferir no direito,mas que ele não nasceu da liberdade."

Theodor Adorno e Max Horkheimer

O presente trabalho tem por objetivo uma análise crítica da polêmica questão da neutralidadedo juiz no processo civil. Se uma análise se pretende crítica, antes de tudo é preciso que ela aomenos se reporte à Teoria Crítica, de preferência à sua formulação original, qual seja, a que resultoudas pesquisas sociológicas e filosóficas da Escola de Frankfurt. Por isso, nas páginas seguintes serápossível encontrar várias referências a Max HORKHEIMER e Theodor W. ADORNO, quenotoriamente lideraram o Institut fur Sozialforschung, e apresentaram mais afinidades entre si doque com outros grandes pensadores que, em determinados momentos, divergiram das origensfrankfurtianas, como Walter BENJAMIN, Herbert MARCUSE, Erich FROMM e JürgenHABERMAS. A par das referências à Escola de Frankfurt, será necessário, em algumas ocasiões, buscaresclarecimentos em autores de outras correntes do pensamento filosófico, como o estruturalismo(principalmente Jacques LACAN) e o pós-estruturalismo (se é que há condições de colocar esterótulo, ou qualquer outro, nas idéias de Michel FOUCAULT). Todas essas referências (Escola deFrankfurt, LACAN e FOUCAULT), acabam traduzindo o evidente esforço no sentido dainterdisciplinariedade, já que a crítica à neutralidade não se fará somente com argumentosintrassistemáticos, mas também com aportes de autores que raramente figuram no discurso jurídico. Cuidou-se, entretanto, para que estes aportes externos à Teoria Crítica não lhe fossemincompatíveis, o que sem dúvida não é de todo difícil. Por um lado, as referências a conceitoslacanianos tendem a abrir a perspectiva psicanalítica sobre os pontos que se colocarão em questão,

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sem fechar a perspectiva crítica, e mais: colocando em relevo as mesmas e outras contradiçõesdaquilo que HORKHEIMER chama de "teoria tradicional". Por outro lado, se Michel FOUCAULTapresenta divergências em relação a HABERMAS, há que se ter em conta que as críticashabermasianas foram feitas após a Teoria do Agir Comunicativo - qual seja, quando HABERMAS jáhavia proclamado sua independência em relação às formulações originais da Escola -, e que acrítica de FOUCAULT é em muitos aspectos complementar à desenvolvida por ADORNO eNIETZSCHE.

No campo processual, as referências a CARNELUTTI, CHIOVENDA, CALAMANDREI eLIEBMAN se fazem por indispensáveis em qualquer escrito sobre processo civil. Caso hajadesconforto com relação à presença de LUHMANN, há que se lembrar que, embora sua concepçãosistêmica, enquanto justificativa conformista do estabelecido, mereça a crítica feita a partir do agircomunicativo, é necessário que se recorde aquilo que há eventualmente de pertinente em suasanálises, na medida em que é inegável que o processo civil ainda está marcado mais pelainstrumentalidade do que por Lebenswelt. Nos temas específicos, outros processualistas despontam,conforme a área em que suas contribuições mais se pronunciaram (principalmente BAPTISTA DASILVA, MARINONI, BARBOSA MOREIRA, DINAMARCO, CAPPELLETTI, etc). Não nos foipossível olvidar outros juristas não identificados com o Processo Civil (v.g., ZAFFARONI eFARIA), mas cujas contribuições em suas respectivas áreas foram de grande valia para uma críticado processo sob o prisma da sociologia da administração da Justiça.

O plano do trabalho desenvolve-se em cinco momentos distintos, interligados pela crítica àneutralidade. Num primeiro momento ("Introdução à mitologia jurídica"), faz-se uma exposição dosmitos de neutralidade que assolam a ciência, e por conseguinte, o direito, o processo civil e o juiz. Oque nos interessa mais diretamente é, se dúvida, o mito da neutralidade do juiz, cuja análise sedesdobra nos quatro momentos seguintes. No segundo momento é preciso averiguar de que formase operou a neutralidade política da função jurisdicional, o que sem dúvida nos remontaimediatamente à teoria da repartição dos poderes e à questão, mais do que polêmica, da viabilidadede um movimento de politização do juiz. Num terceiro momento, deve-se pesquisar de que formasopera-se a neutralização do juiz frente à aplicação da lei (qual seja, sua vinculação ao legalismo),sob o argumento de que há que se conservar sua imparcialidade diante da causa. O quarto momentoé reservado à verificação da neutralidade judicial no que tange à fase instrutória do processo:trata-se do desvendamento da face lúdica que o princípio dispositivo confere ao processo civil e dacrítica à passividade judicial diante das desigualdades entre os litigantes. Num quinto momento, épreciso denunciar a omissão judicial diante das possibilidades de antecipação da tutela, quando aessa omissão está subjacente o mito de que o juiz omisso é o juiz neutro, porque está serenamenteem busca da verdade. Para isso é preciso remontar às origens romanas dessa ideologia, além detraçar algumas linhas sobre os problemas que tem enfrentado a verdade, tanto na ciência em geralcomo no processo em particular.

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2. INTRODUÇÃO À MITOLOGIA JURÍDICA

Existe o juiz neutro? Se acreditarmos na neutralidade do juiz, precisamos acreditar naneutralidade do processo civil, do direito e da ciência. Hoje é difícil acreditar cegamente em todasessas neutralidades, sem incorrer em equívocos graves, e até certa ingenuidade. Veremos, portanto,que é impossível o juiz ser neutro, basicamente porque nem a ciência, nem o direito, nem o processocivil estão isentos de ideologia. Todas essas categorias foram dotadas de mitos, aperfeiçoadosenormemente pelo positivismo, donde costumam ser chamados "mitos positivistas da ciência". Ora,perguntaria alguém: como o positivismo pode desenvolver mitos, se ele próprio foi um movimentocontra os mitos religiosos que obstaculizavam o desenvolvimento da ciência? A resposta quem dá éADORNO: enquanto o positivismo critica a visão não-sistêmica, contraditória, da totalidade, comosendo metafísica, como "retrocesso mitológico, pré-científico, ele próprio mitologiza a ciência emsua luta permanente contra o mito".

Antes de mais nada, o que é mito? Comecemos com duas definições estruturalistas, uma nocampo psicanalítico, outra na antropologia, para então partirmos para uma definição semiológica.

Na psicanálise de orientação freudiana e método lingüístico-estruturalista (leia-se LACAN),considera-se mito "a tentativa de dar forma épica ao que se opera na estrutura". Nessa perspectiva,é o mito "que confere uma fórmula transmitida na definição da verdade, porque a definição daverdade não se pode apoiar senão em si mesma, e é enquanto a palavra progride que ela aconstitui". Já na antropologia, ainda dentro do movimento estruturalista, temos que ClaudeLÉVY-STRAUSS define o mito enquanto linguagem, "mas uma linguagem que tem lugar em umnível muito elevado, e onde o sentido chega, se é lícito dizer, a decolar do fundamento lingüísticosobre o qual começou rolando".

Luiz Alberto WARAT, já no plano da semiótica, e pretendendo afastar-se do estruturalismoantropológico e psicanalítico, faz uma brilhante síntese entre as categorias mito e ideologia: "o mitoé uma forma específica de manifestação do ideológico no plano do discurso"; é "esteriotipaçãosemiológica da ideologia".

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Com esta conceituação de mito, percebemos a importância da ideologia na elaboração dosmitos da neutralidade da ciência, do direito, do processo e do juiz. Para a abordagem desses mitos,não podemos nos furtar ao desvendamento ideológico que se fizer necessário, principalmente tendoem vista que "o ponto de partida do pensamento crítico vem a ser a questão da ideologia". A partirde agora, o esclarecimento do perfil ideológico desses institutos implica na derrubada dos mitos emque se erigiram suas pretensas neutralidades. Qual seja: é da pretensa desideologização dessesinstitutos que os juristas têm haurido os fundamentos para uma concepção politicamente assépticade direito, jurisdição e ciência, concepção essa que não passa de mito.

2.1. Mito da neutralidade científica

Ainda tendo em mente a conceituação de mito fornecida por WARAT, devemos insistir que odireito processual civil, por influência basicamente positivista, vem normalmente cercado de umasérie de mitos. O primeiro deles é o mito da neutralidade científica, qual seja: o mito de que aciência está livre de ideologias.

Por que a neutralidade científica é um mito? Há duas respostas, que interligadas representamduas faces da mesma moeda: 1) A neutralidade científica é um mito porque, como "não há ciênciapura, autônoma, e neutra", pode-se dizer tranqüilamente que "o mito está muito mais próximo daciência do que se poderia esperar". 2) A neutralidade científica é um mito porque no Ocidente oconceito de ideologia "dissolveu-se no desgaste do mercado científico, perdendo todo o seuconteúdo crítico e, portanto, a sua relação com a verdade". Cabe perguntar, então, em face daresposta n° 2: por onde entra a ideologia na ciência? Ou melhor: quais são as relações entre ciênciae ideologia?

Há quem entenda que as relações entre ciência e ideologia decorrem de um elementoideológico subjetivo existente no momento da cognição e interpretação científicas. Nesse ponto éque, ao observar as relações entre ciência, magia (enquanto falsa ciência, ou ciência menor) ereligião (em conflito de verdade com a ciência), LACAN percebe que para o objeto da ciência,magia e religião seriam somente sombras, mas não para o sujeito da ciência. Já outros, como FEYERABEND, entendem que a ideologia que permeia a ciência provémda ligação entre ciência e Estado, e por isso chama de conto de fadas aquele pelo qual "se a ciênciaencontrou método que transforma concepções ideologicamente contaminadas em teoriasverdadeiras e úteis, a ciência não é [seria] mera ideologia, porém medida objetiva de todas asideologias." Ainda diante das relações entre ciência e Estado é que GUSDORF afirma a utilidade daneutralidade axiológica da ciência para o poder político de plantão: afinal, é justamente essaneutralidade axiológica da ciência que a torna predisposta a ser utilizada "pelo poder político paratodos os fins úteis ou inúteis, salutares ou nefastos".

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Para esclarecermos melhor a questão da neutralidade científica, devemos nos remeter aocélebre debate ocorrido entre Karl POPPER e Theodor ADORNO em torno das teses sobre a lógicanas ciências sociais. Embora nem POPPER se considerasse um positivista de carteirinha, não hácomo negar sua proximidade a certas conseqüências da concepção positivista da ciência. ParaPOPPER, a ciência se desenvolvia através de sentenças gerais nas quais se integram os fatosparticulares - o que é típico no direito. Para isso, haveria de respeitar a lógica formal (indução-dedução), privilegiando a dedução. No máximo, poderia acrescentar à lógica formal uma "lógicasituacional" (decorrente da "compreensão objetiva" de WEBER), segundo a qual os elementospsicológicos em questão sejam reduzidos ao exame da situação. A crítica, para POPPER, deveria selimitar a demonstrar erros de dedução, da montagem de hipóteses ou nos dados empíricos, pois osujeito do conhecimento não podia se envolver axiologicamente com o objeto de seu conhecimento- o que lhe garantiria neutralidade e objetividade científicas. Por essa ausência de juízos de valor, ocientista devia apreciar somente o ser, e silenciar quanto ao dever ser e ao poder ser.

ADORNO estabeleceu sua polêmica com POPPER por este privilegiar o método no processode conhecimento. ADORNO contesta a neutralidade e objetividade científicas, que se pretendeatravés do rigor metodológico. Contesta até mesmo a obtenção da verdade, pela preponderânciadada ao método. Para ADORNO, deve o teórico crítico não perder a perspectiva do todo, evitar ofragmentarismo da crítica nos moldes de POPPER, que é a mais freqüente entre os juristas: a críticados erros isolados, ainda dentro do paradigma, não a crítica do paradigma, feita "de fora paradentro". A crítica deve ser, então, "o elemento que permeia todo o processo de conhecimento, (...)sucitando uma atitude de desconfiança face ao conhecimento como tal", sempre guiada pelaperspectiva do todo e não da parte (fato isolado). As fissuras e contradições do mundo realsignificavam que nenhuma metodologia harmoniosamente concebida poderia ser adequada ao seuobjeto. As técnicas empíricas se limitam à apreensão de algumas verdades limitadas. "O todo podeser o 'falso', mas ainda é necessário combinar abordagens de forma a capturar suas dimensõesfragmentadas. A combinação, todavia, não poderia ser uma mediação uniformemente unificada deabordagens, mas uma mediação de campo de força ou de constelação que registrasse as tensõesnão-resolvidas, ocultas sob a fachada da harmonia." ADORNO defende, frente a POPPER, umaciência social politicamente comprometida. "Isso se explica porque, enquanto os popperianosafirmavam que os cientistas, numa 'sociedade aberta', poderiam engajar-se na busca da verdadecientífica (ou, mais precisamente, no falseamento do erro científico), ADORNO continuava ainsistir em que 'a idéia de verdade científica não pode ser separada da idéia de uma sociedadeverdadeira'." ADORNO não perdoa o positivismo por não refletir sobre "a origem histórica do seupensamento", e por aceitar implicitamente "a divisão de trabalho imposta pelas relações deprodução capitalista, refugiando-se em suas subáreas do saber" (que de per si configuram reflexosda divisão do trabalho), ignorando que atende a "interesses políticos específicos e que se presta àapropriação de poderes econômicos e políticos que desconhece", "ignorando as relações de troca eos interesses de lucro e dominação que condicionam e manipulam sua própria área de saber": aciência - exatamente o que ocorre no direito. Interessante notar o amplo leque de perspectivas quepoderiam abrir essa concepções de ADORNO sobre o problema do conhecimento científico e seumétodo, se projetados para o campo do processo civil - em especial, no que tange à cognição noprocesso.

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Pelo mito da neutralidade científica, busca-se evitar a consciência crítica dentro da ciência,sob a alegação de que crítica é subjetivismo. Entretanto, ciência sem espírito crítico não passa demera duplicação da Realidade no pensamento. Não há subjetivismo na crítica quando ela significar"o confronto da coisa com seu próprio conceito (...), e quem não compara as coisas humanas com oque elas querem significar, vê-as não só de uma forma superficial mas definitivamente falsa."

O conhecimento científico não é puro, livre de interesses externos, ao contrário do que sepretende pelo mito da neutralidade científica. Por isso é que HABERMAS fala no binômioconhecimento-interesse, encarando o interesse como guia do conhecimento: "a partir dasexperiências do dia-a-dia, sabemos que as idéias servem muitas vezes bastante bem para mascararcom pretextos legitimadores os motivos reais das nossas ações. O que e a este nível se chamaracionalização chamamos-lhe, no plano da ação coletiva, ideologia." Estando o conhecimento(científico) condicionado ao interesse, não há como esquecer a advertência de NIETZSCHE, paraquem "não há ciência incondicional; tal ciência é absurda, paralógica: a ciência supõe uma filosofia,uma fé que lhe dê direção, finalidade, limite, método, direito à existência," caso contrário estaráentregue tão somente às ideologias.

Ao contrário de todos os autores citados acima, para FOUCAULT a influência da ideologiasobre o discurso científico e o funcionamento ideológico das ciências não se articulam no nível desua estrutura ideal (ADORNO), nem no nível de sua utilização técnica em uma sociedade(HABERMAS, GUSDORF), nem no nível da consciência dos sujeitos que a constroem (LACAN),mas sim no nível em que a ciência se destaca sobre o saber. Assim, a questão da ideologia propostaà ciência "é a questão de sua existência como prática discursiva e de seu funcionamento entreoutras práticas".

Se a neutralidade científica em si já é questionável, quanto mais a neutralidade científica dodireito, cujo caráter científico também é questionável. Na verdade, já os romanos viam no direito aprudência em vez da jurisciência. Essa perspectiva a-científica de prudência e arte foi retomada,com maior vigor retórico, por KIRCHMANN, tendo passado inclusive por RIPERT, chegando aautores da atualidade, para se concluir, em recente estudo com base em FOUCAULT, que o direito ésaber destituído de real cunho científico, pois busca seus fundamentos em outras ciências, apesar deinsistentemente afirmar sua autonomia. Por outro lado, há que se considerar a advertência feita por José Eduardo FARIA, para quemo dilema "hamletiano" do direito, de ser arte ou ciência, deve ser posto da seguinte forma:direito-arte significa direito enquanto "tecnologia de controle, organização e direção social", ao

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passo em que direito-ciência deve significar direito enquanto "atividade verdadeiramente científica,eminentemente crítica e especulativa", que exige uma abordagem, entre outras coisas, "sobre anatureza ideológica de toda e qualquer ordem jurídica". 2.2. Mito da neutralidade do direito

O mito da neutralidade do direito caiu por terra no momento em que ficou bem claro seucaráter ideológico. O direito está tão eivado de características ideológicas que há autores que fazemuma completa identificação entre direito e idologia. Por exemplo, Roberto A.R. AGUIAR afirmacategoricamente que "falar de direito e ideologia é tautológico", pois o direito "é a expressão maisalta da tradução ideológica do poder", qual seja: "é a ideologia que sanciona, é a linguagemnormativa que instrumentaliza a ideologia do legislador ou a amolda às pressões contrárias, a fim deque sobreviva". Aliás, Luiz Fernando COELHO afirma ser fácil "verificar que a ideologia é opróprio direito, o qual se mantém como instrumento de ocultação daquela estrutura real e, maisainda, de manipulação do imaginário social no sentido de manter como legítima a distribuição dequotas de poder na sociedade". Também Antônio Carlos WOLKMER faz essa identificação, aodefinir o direito como "a projeção lingüístico-normativa que instrumentaliza os princípiosideológicos e os esquemas mentais de um determinado grupo social hegemônico".

Embora esses e vários outros autores tenham reforçado essa identificação entre direito eideologia, há que se ressaltar que a noção de ideologia não é unívoca, tanto que Raymond GEUSSfala em três sentidos de ideologia: descritivo, pejorativo e positivo. Tendo em vista essa pluralidadede sentidos da palavra ideologia, além da notória "anemia semântica" da palavra direito, JuanRamon CAPELLA diz que pode trazer equívocos "afirmar-se que o direito é ideológico", e épreocupado em evitar esses eventuais equívocos que o autor espanhol desenvolveu seu polêmicotexto.

Clèmerson Merlin CLÈVE prefere encarar o direito não como mero "instrumento ideológicoa serviço da dominação da classe dominante", mas sim, como espaço de lutas, entre a visão dodireito sob a perspectiva das classes dominantes e a das classes desfavorecidas. Entende que acompreensão do direito enquanto espaço de lutas serve a uma nova compreensão do jurídico. Énesse sentido que podemos entender a ordem jurídica enquanto espaço principal em que ocapitalismo busca nas teses contrárias elementos de reforço à sua resistência.

Por outro lado, enquanto o direito se utiliza da ideologia e vice-versa, a ideologia, enquantojustificação, se utiliza da categoria jurídica da justiça, na medida em que pressupõe "quer a

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experiência de uma condição social que se tornou problemática e como tal reconhecida mas quedeve ser defendida, quer, por outra parte, a idéia de justiça [grifo nosso] sem a qual essanecessidade apologética não subsistiria e que, por sua vez, se baseia no modelo de permuta deequivalentes".

2.3. Mito da neutralidade do processo civil

Se o direito não está livre de ideologias - isto é, se sua neutralidade não passa de mito -, omesmo pode ser dito do direito processual civil. A doutrina insiste em proclamar a "neutralidade do instrumento processual", o qual seria "ummecanismo que serve para chegar à verdade do fatos" e que "deve prescindir da qualidade daspartes" ou seja, "do tipo de sujeitos que estão em juízo." Entretanto, como diria MauroCAPPELLETTI, essas afirmações teriam sido compreensíveis e aceitáveis há um século atrás, masnão hoje.

Segundo Cândido DINAMARCO, a consideração de que o processo civil seria um meroinstrumento técnico e que o direito processual civil seria uma ciência ideologicamente neutra "é, narealidade, sobrecapa de posturas ou intuitos conservadores." Mas o próprio caráter instrumental doprocesso civil - objeto recorrente das considerações de DINAMARCO - presta-se à sua vinculaçãoa ideologias. Tanto assim se passa que CAPPELLETTI afirma que é justamente a instrumentalidadea grande porta por onde as ideologias penetram o processo civil.

A doutrina tem buscado soluções para que essa instrumentalidade não se traduza em tutelajurisdicional de quaisquer interesses - com o que se compararia à razão instrumental tão criticadapela Escola de Frankfurt, à qual contrapunha a razão emancipatória. Para tanto, a doutrina procuravincular o processo a escopos políticos e sociais, além do jurídico - basicamente, é a tese deDINAMARCO. Em que pese os méritos da difícil empreitada, podemos dizer, seguindoHABSCHEID que não é o suficiente, pois "o escopo do processo civil liberto de toda ideologia, nosentido de sua determinação formalista, ou, então, empírica, não oferece proteção alguma contraum abuso político do direito processual civil."

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2.4. Mito da neutralidade do Judiciário

Ninguém está imune à ideologia. Segundo Wilhelm REICH, mesmo numa perspectivapsicanalítica, ninguém estaria imune à ideologia porque é na família, célula ideológica da sociedade,que se transmite a ideologia patriarcal burguesa através do recalcamento sexual (dupla moral,Édipo, etc.), "um dos pilares das numerosas ideologias conservadoras". Não existe o juiz neutro, pois não está imune às ideologias. Conforme assinala ZAFFARONI,"o juiz não pode ser alguém 'neutro', porque não existe a neutralidade ideológica, salvo na forma deapatia, irracionalismo, ou decadência do pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém emenos ainda de um juiz." O magistrado João Baptista HERKENHOFF, com base em pesquisarealizada em Vitória e no interior do Espírito Santo, nos anos 70, afirma que "a ideologia dos juízes éassinalada por moderado conservadorismo, zelo pela ordem, senso de legalidade, preferência peloformal e solene". Nos capítulos subseqüentes trataremos mais detalhadamente do mito daneutralidade do juiz. Por enquanto, deter-nos-emos em questões preliminares que envolvem o PoderJudiciário.

Pode-se falar em ideologia do Judiciário? Segundo FOUCAULT, o "aparelho judiciário teveefeitos ideológicos específicos sobre cada uma das classes dominadas. Há em particular umaideologia do proletariado que se tornou permeável a um certo número de idéias burguesas sobre ojusto e o injusto, o roubo, a propriedade, o crime, o criminoso." "O tribunal, arrastando consigo a ideologia da justiça burguesa e as formas de relação entrejuiz e julgado, juiz e parte, juiz e pleiteante, que são aplicadas pela justiça burguesa, parece-me terdesempenhado um papel muito importante na dominação da classe burguesa. Quem diz tribunal, dizque a luta entre as forças em presença está, quer queiram quer não, suspensa; que, em todo caso, adecisão tomada não será o resultado deste combate, mas o da intervencão de um poder que lhesserá, a uns e aos outros, estranho e superior; que este poder está em posição de neutralidade entreelas e, por conseguinte, pode, ou em todo caso deveria, reconhecer, na própria causa, de que ladoestá a justiça."

Mesmo a arquitetura do Forum pode ser uma decorrência da ideologia do Judiciário.Segundo FOUCAULT, até o final do século XVIII a arquitetura "respondia sobretudo à necessidadede manifestar o poder, a divindade, a força", e a partir de então, "trata-se de utilizar a organizaçãodo espaço para alcançar objetivos econômico-políticos". Nesse sentido, FOUCAULT refere-se atémesmo à "disposição espacial do tribunal, a disposição das pessoas que estão em um tribunal", que"pelo menos implica uma ideologia". Observe-se a imagem que a população faz do Judiciário - que não tem sido das melhoresprincipalmente no que se refere às diferenças de tratamento entre ricos e pobres. As pesquisas arespeito apresentam números eloqüentes. Senão, vejamos.

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Em pesquisa realizada no interior do Espírito Santo em 1975, 27,8% dos entrevistadosachavam que a Justiça nunca tratava ricos e pobres com igualdade. Esse número aumenta para61,4% quando a mesma pergunta foi feita na capital.

Vinte anos depois, em pesquisa feita pelo Instituto Vox Populi, na qual foram ouvidas 3.075pessoas distribuídas entre as cinco regiões do país, foi possível chegar a conclusões já esperadas,com relação à neutralidade do Judiciário. Apesar de já esperadas as conclusões, os númerosimpressionam: para 80% dos entrevistados, a Justiça é mais rigorosa para os pobres do que para osricos, e para 61%, é mais rigorosa para os negros do que para os brancos.

Por isso já dizia MENGER, há muito tempo, que não é de surpreender "que las clases pobresde todos los Estados civilizados miren con gran desconfianza la administración de la justicia civil.Paréceles ésta como un sistema de argucias jurídicas, en el cual el espíritu del individuo sencillo nopuede penetrar."

3. NEUTRALIZAÇÃO POLÍTICA

Até aqui, percebe-se que a preocupação fundamental do presente texto é com aneutralidade, e não com a imparcialidade do juiz. Juiz neutro, como vem sendo insistentementerepetido, não existe, pois não há como se desvincular das ideologias. Já a questão do juiz imparcialrefere-se ao favorecimento a uma das partes, e sem dúvida nenhum processualista sério poderiadefender a figura do juiz parcial. O fato do juiz não ser neutro não implica necessariamente em suaparcialidade diante da causa, mas muitas vezes hemos de convir que há relações. Qual seja, suaideologia acabará muitas vezes se refletindo na direção do processo e na decisão (em que aideologia de esquerda reflete uma maior condescendência com a parte economicamente mais fraca,e vice versa).

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Como a ausência de neutralidade muitas vezes implicará na parcialidade do juiz, é melhornão tratarmos das duas categorias, neutralidade e imparcialidade, separadamente, emboraprimeiramente analisaremos a questão da neutralização política do juiz.

A doutrina tradicional entende que a maior garantia de imparcialidade do juiz é a separaçãoentre o momento legislativo e o jurisdicional - a separação dos poderes. E isso por dois motivos: nomomento legislativo, o legislador obedece a critérios políticos sem ter como prever quais serão aspessoas prejudicadas ou beneficiadas pela lei (!); por outro lado, no momento jurisdicional, ao casoconcreto o juiz só pode aplicar a lei, sem modificá-la por motivos pessoais como simpatia ouhostilidade a qualquer das partes. É essa a justiça simbolizada com venda nos olhos.

Diante dessa exigência de imparcialidade, CALAMANDREI pergunta se é humanamentepossível ao juiz sentir-se imparcial diante de um litígio no qual se encontram os mesmos interessescoletivos da vida política da sociedade, da qual o mesmo juiz faz parte. Em outras palavras, comopode o juiz que, enquanto cidadão, participa dos conflitos políticos de sua sociedade, sentir-seimparcial diante de uma projeção in vitro desses conflitos, no caso individual que deverá julgar? Emais: reforçando observação semelhante de CAPOGRASSI, CALAMANDREI pergunta como podesentir-se imparcial o juiz diante de questões que envolvem a ordem, a propriedade, a vida e opensamento.

Diante dessas questões, o processualista italiano entende que a neutralidade e mesmo"imparcialidade política" do juiz é mais aparente que real. Quarenta anos depois, Márcio PUGGINA afirma que sob o pretexto de se exigir aimparcialidade do juiz, o sistema acaba por exigir dele uma postura não ideológica e apolítica. Naverdade, segundo o juiz do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, confunde-se imparcialidadena condução do proceso, com neutralidade política no exercício da função jurisdicional. Enquantocondutor do processo, deve ser imparcial, já no momento da sentença o juiz se parcializa, pois "asentença que dá pela procedência (total ou parcial) ou improcedência da ação é ato por excelênciade parcialização do Juiz frente à causa."

"Nenhum cientista político, com um mínimo de seriedade, ousaria afirmar que os membrosdo Poder Judiciário são apolíticos. Isto soaria tão absurdo quanto a ciência afirmar que os religiosos,aos quais se impõe o dever de castidade, são assexuados."

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Para Cláudio SOUTO, diante da exigência de neutralidade política, o juiz imparcial torna-se,"por um cruel paradoxo, o servidor fiel - embora freqüentemente inconsciente disso - dos interesesdos donos do poder econômico e do poder político," pois na verdade "não se pode pretender do juiz- ou de quem quer que seja - uma neutralidade ideológica absoluta, pois isso seria, paradoxalmente,ideológico."

O ius-sociólogo pernambucano vê a raiz do problema no ensino jurídico convencional, queem virtude de uma "cegueira secundum legem", conduz "a uma parcialidade real dos efeitos daatuação do poder judiciário. Já que a missão do juiz não era criar regras, mas aplicá-las, teria deaplicar regras que beneficiam, sem qualquer imparcialidade, muito mais aos detentores do podereconômico e do poder político que todas as outras pessoas da sociedade."

3.1. A tripartição dos poderes

Pode-se dizer que o mito da neutralidade do juiz pode ser situado tanto no Direito Romanoquanto na Revolução Francesa. Em Roma, o iudex apenas decidia, sem dar ordens às partes, poisesta era a função do praetor - esse assunto está abordado infra. No momento, referir-nos-emos àRevolução Francesa enquanto fato político determinador da idéia de neutralidade política do juiz, apartir do momento em que a Assembléia determinou que os juízes - do Rei - não poderiam julgar alegalidade dos atos revolucionários, o que acabou isolando politicamente o Judiciário.

Tércio Sampaio FERRAZ JR. entende que a neutralização política do Judiciário éconseqüência da divisão dos poderes e espinha dorsal do Estado de direito burguês. A teoriaclássica da tripartição dos poderes, com a finalidade de implodir o sistema mono-hierárquico doAncien Régime, acaba por garantir uma progressiva separação entre política e direito. Naconcepção de MONTESQUIEU, que na verdade não era de separação, mas de inibição de um poderpelo outro, coube ao Judiciário o papel com menor força política - por isso mesmo teria dito que"dos três poderes mencinados, o de julgar é em certo modo nulo".

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A partir de então, a neutralização política do Judiciário assume grande importância para aconsolidação do Estado burguês. Como frisa Tércio FERRAZ JR., tal neutralização política"assinalará a importância da imparcialidade do juiz e o caráter necessariamente apartidário dodesempenho de suas funções." Juntamente com a neutralização do Judiciário, ocorreu uma desvinculação entre o direito esuas bases sociais (pois passou-se ao privilégio da lei enquanto fonte de direito), como exigência daseparação entre direito e moral (KANT). Com esse legalismo é reforçada ainda mais a neutralidadepolítica do Judiciário, pois exige-se do juiz o método da subsunção, para aplicação da lei:"neutraliza-se para o juiz o jogo dos interesses concretos na formação legislativa do direito (se essesinteresses serão atendidos ou decepcionados não é problema do juiz, que apenas aplica a lei)."

Tércio FERRAZ JR., contudo, não vê a neutralização política do Judiciário como um tipo de"indiferença genérica", mas uma "indiferença controlada" às expectativas de influência. Logo, essaneutralização política não seria capaz de imunizar de fato o Judiciário às pressões políticas, postoque está direcionada tão somente ao nível das expectativas institucionalizadas. Na verdade, olevantamento da questão das expectativas revela o viés sistêmico adotado pelo ilustre jurista, comoveremos a seguir.

3.2. A concepção sistêmica

Pela construção sistêmica luhmanniana, cujo fiel seguidor no Brasil é Tércio FERRAZ JR.,diz-se que a jurisdição apresenta uma função instrumental, de aplicação de normas preestabelecidasabstratamente na lei, e uma função expressiva, de satisfação das necessidades concretas por meioda subsunção. Assim, para a concepção liberal, a combinatória das duas funções, instrumental eexpressiva, é garantida pelo papel instrumetal do juiz que, caracterizado pela neutralidade (distânciadas partes, imparcialidade, serenidade, posição dominante mas apartidária), torna-se o instrumentocapaz de realizar a divisão dos poderes. "Nesse sentido, o processo judicial deve ser funcional, enquanto um sistema capaz dedeterminar o futuro na medida em que o mantém incerto, isto é, os procedimentos jurisdicionaispermitem que os atingidos por decisões vivenciem um futuro incerto (a realização abstrata dasegurança jurídica), mas sentido-se seguros, desde o presente, por força dos procedimentos nosquais se engajam." Nesse passo, disse LUHMANN que o procedimento torna-se irrelevante se as decisõesconcretas e únicas existem e podem ser encontradas, pois "a certeza da decisão não depende daforma como foi alcançada. O procedimento, como sistema social, só tem um espaço de manobra dedesenvolvimento por motivo da existência da incerteza em questões de direito e de verdade e só namedida do alcance dessa incerteza."

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"Antes encarava-se o direito como uma expectativa ética de padrão de comportamento,predeterminado por valores-fins, donde o juízo como um ato da razão e a jurisdição como umaatividade decorrente da virtude da justiça; agora o direito é visto como um programa funcional,hipotético e condicional, donde uma certa automaticidade do julgamento, que se libera decomplicados controles de finalidades de longo prazo e se reduz a controles diretos, caso a caso. Sóassim é possível lidar-se, no Judiciário do Estado de direito burguês, com altos graus de insegurançaconcreta de um forma suportável: a segurança abstrata, como valor jurídico, isto é, como certeza eisonomia, é diferida no tempo pela tipificação abstrata dos conteúdos normativos e pelauniversalização dos destinatários, aparecendo como condição ideologicamente suficiente para asuperação das decepções concretas que as decisões judiciais trazem para as partes."

À teoria dos sistemas há várias críticas, entre as quais podemos elencar: "conservadorismoimplícito e dificuldade de conceptualizar os processos históricos; seu conformismo explícito, aopostular, como comportamento social mais adequado, aquele institucionalizado pelo sistema; seupositivismo disfarçado, ao atribuir ao que é, valor superior ao que deixou de ser, e poderia vir a ser"[grifos nossos]. Por hora é preciso frisar que a concepção luhmanniana tem por conseqüência umisolamento histórico do processo - bem como do direito - frente ao processo histórico global, o quepode denotar alienação tanto da ciência quanto dos cientistas. Diz LUHMANN expressamente que"para o caráter metódico do procedimento e sua relativa autonomia é significativo, que cadaprocesso tenha a sua própria história, que se difencia da história geral."

Se procuramos fazer uma abordagem crítica do processo, é óbvio que tal concepção nãopoderia escapar a, no mínimo, duas observações. A primeira pode ser encontrada emHORKHEIMER, e serve de advertência àqueles que pensam que um esforço crítico pode sersatisfeito com histórias individuais - como pretendeu LUHMANN, tempos depois. Para o fundadorda Escola de Frankfurt, "a tarefa da reflexão crítica não é simplesmente compreender os diversosfatos em seu desenvolvimento histórico - e mesmo isso tem implicações incomensuravelmentemaiores do que o escolasticismo positivista jamais sonhou - mas também ver através da noção dopróprio fato, em seu desenvolvimento e, portanto, em sua relatividade" [grifo nosso].

A segunda observação extraímos de Plauto Faraco de AZEVEDO, que ressalta asconseqüências da visão do direito como ser em si mesmo, isolado do processo histórico global.Segundo o professor do Rio Grande do Sul, tal visão confere ao direito e ao processo uma pretensãode neutralidade que é na verdade alienante, posto que se orienta "por uma ideologia que, no fundo,

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outra coisa não pretende além da manutenção do status quo, ainda que possa ele ser, ouefetivamente seja, insustentável." 3.3. Politização do juiz

É claro que, para solucionar a questão da neutralização política do Judiciário, costuma serproposta a politização do juiz. Em que pese as interessantes conclusões (embora de cunho conservador) sobre aneutralização política do juiz, a que chegou Tércio FERRAZ JR. por intermédio da teorialuhmanniana, o ilustre jurista permanece fiel a esse conservadorismo, ao negar validade àpolitização do juiz. Para ele, a neutralização política do Judiciário acaba sendo necessária paramantê-lo como um regulador do uso político da violência pelo Executivo. Outrossim, entende quecom sua politização, o Judiciário pode acabar enveredando pelas figuras odiosas do juiz-justiceiro edos tribunais de exceção, todos eles manipulados pelo "marketing das opiniões" e pelo jogo deinteresses.

"A neutralização política do Judiciário é que institucionaliza a prudência como uma espéciede guardião ético dos objetos jurídicos. Ora, com a politização da Justiça tudo passa a ser regido porrelações de meio e fim. O direito não perde sua condição de bem público, mas perde o seu sentidode prudência, pois sua legitimidade deixa de repousar na concórdia potencial dos homens, parafundar-se na coerção da eficácia funcional. Ou seja, politizada, a experiência jurisdicional torna-sepresa de um jogo de estímulos e respostas que exige mais cálculo do que sabedoria. Segue-se daíuma relação tornada meramente pragmática do juiz com o mundo. Pois, vendo ele o mundo comoum problema político, sente e transforma sua ação decisória em pura opção técnica, que devemodificar-se de acordo com os resultados e cuja validade repousa no bom funcionamento."

Até mesmo Mauro CAPPELLETTI mostra-se preocupado diante do que pode acontecer àsidéias tradicionais a respeito do juiz neutro e apolítico - qual seja, a respeito de suas virtudespassivas - quando se fala em politização e responsabilidade do juiz. Para o processualista italiano,não há como se negar o perigo emergente da hipótese de politização dos juízes, embora "ignorar oproblema equivaleria a fechar os olhos para a realidade, tal como fizeram e fazem ostradicionalistas, que só querem ver o aspecto técnico e formal do fenômeno jurisdicional."

Apesar de todas essas ressalvas, Tércio FERRAZ JR. não se mostra completamenteinflexível à questão da neutralidade política do juiz, principalmente em se tratando dos chamados"novos direitos". Entende mesmo que com o surgimento dos direitos coletivos, difusos e sociais

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(cujo caráter, para ele, não é meramente normativo, mas sim promocional prospectivo), cabe aoJudiciário ir além da responsabilidade condicional do juiz politicamente neutro (que apenas julga),partindo para uma responsabilidade finalística do juiz repolitizado, desneutralizado (que examina"se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à concretização dos resultadosobjetivados"), e que na verdade acaba assumindo uma função socioterapêutica.

Eugenio Raúl ZAFFARONI não discorda que o juiz não possa corresponder às ordens de umpartido político, o que seria anedótico numa sociedade democrática. Entretanto, entende que "éinsustentável pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de idéias,que não tenha uma compreensão do mundo, uma visão da realidade (...), por pífia e errada quepossa ser julgada."

"Um juiz não é parcial porque tenha uma filiação política, mas porque depende para suanomeação, permanência, promoção e demissão de um partido político ou de um grupo de poder."

4. NEUTRALIDADE DO JUIZ NA APLICAÇÃO DA LEI

4.1. Legalidade e legalismo

Como foi brevemente referido supra, o princípio da legalidade - a partir do momento em queestá inserido na problemática tripartição dos poderes - tem sido utilizado como argumento para agarantia de imparcialidade do juiz. Acontece que, segundo CALAMANDREI, para osprocessualistas, justiça tem significado, até hoje, tão somente legalidade: aos fatos determinadosconforme a verdade apurada, deve ser aplicada a lei, seja ela boa ou má. Com isso, querem dizerque os questionamentos relativos à eficácia social da lei e à sua eqüidade (se é justa ou injusta), nãosão passíveis de apreciação pelo processualista. Isso porque o processualista deve apenas estudar osmétodos de que o juiz se utilia para traduzir em verdade material a verdade abstrata da lei, contudo,tomando o cuidado de não se pronunciar sobre os valores sociais e humanos dessa vontadeabstrata. ... "se la imparzialità è un requisito inseparabile dall'idea stessa di giudice, non ugualmente èindispensabile, perchè si abbia un giudice, che esso sia chiamato a decidere secundum leges. Il

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giudizio secundum leges è uno dei modi, il più perfezinato e 'razionalizzato', di far giustizia."

Mas, conforme refuta o próprio processualista italiano, ainda que assim fosse, qual seja:ainda que o escopo do direito processual civil fosse tão somente o de traduzir as leis abstratas emlegalidade concreta, esse escopo jamais poderia projetar-se sobre os estudos dos processualistas,eclipsando as demais questões que ele deverá analisar. Ademais, no sistema da legalidade, se o juiznão é politicamente parcial, ao menos a lei o é, posto que configura normalmente a síntese de umaluta política, com o triunfo de uma corrente política.

Bom tempo antes, já se dizia na Escola do Direito Livre (frontal e notoriamente contra osrigores da legalidade) que a parcialidade não era fruto da má vontade dos juízes, mas sim do "purodesconocimiento de los hechos sociales y concepciones y de ingenuos prejuicios de clase queradican precisamente en aquel desconocimiento y que con él puden ser excusados." Por issoKANTOROWICZ entende que o lema do juiz deve ser: especialista dos fatos, não mago dasdisposições jurídicas. Nota-se que, com isso, a Escola refutava a legalidade enquanto método depreservação da imparcialidade do juiz, pois ele, enquanto "mago das disposições jurídicas", nãoteria como conhecer os fatos sociais e problemas de classe, e esse desconhecimento fatalmenteimplicaria em parcialidade.

Mesmo Tércio FERRAZ JR., ainda dentro daquela concepção sistêmica de que tratamossupra, admite que a vinculação do juiz à lei, base da sua neutralização, tem gerado "para o homemcomum um tipo de insegurança até então insuspeitado: a insegurança gerada pelo próprio direito!"

Hoje, superadas em parte as questões do desconhecimento ou má vontade(KANTOROWICZ), da insegurança jurídica (FERRAZ JR.) e do processo enquanto estudo dasubsunção (CALAMANDREI), há estudos que visam denunciar o caráter ideológico da exigênciade rigorosa legalidade na jurisdição como método garantidor da imparcialidade do juiz.

Nessa nova linha, temos atualmente que ao ficar adstrito à ordem jurídica, o juiz se limita a"aplicar a ideologia vigente, no máximo reinterpretando-a e atualizando-a". Ampliando a crítica deCALAMANDREI ao caráter falsamente apolítico da lei, pode-se perceber que "o juiz que abre mão

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de ditar a norma justa ao caso concreto, para aplicar lei injusta (...), abre mão da essência da funçãojudicante e submete-se ideológica e politicamente ao legislador." Com isso podemos concordar comMárcio PUGGINA que "nada mais longe da neutralidade do que o Juiz positivista". Também nessa linha, afirma Clèmerson Merlin CLÈVE que o discurso mistificador daneutralidade serve justamente para juízes camuflarem suas preferências, já que "na verdade,aplicam o direito tal como o compreendem, ajustando-o à sua professada ideologia, todaviaargumentando que o fazem com apoio unicamente na lei."

"Pior, todavia, do que o que pretende decidir ocultando a sua ideologia é aquele que decideideologicamente imaginando que age de modo neutro, imparcial e coerente com a verdade. (...) Estejuiz é perigoso, porque age ideologicamente, acobertando certos interesses com a plena convicçãode que não fez mais do que aplicar a lei. Mas, de que modo foi aplicada a lei? A compreensão literaldo texto normativo nem sempre significa plena compreensão do direito."

Exemplo eloqüente de juiz que se pretende neutro por se apoiar exclusivamente na lei, semconsiderar as conseqüências políticas de suas decisões, é o da recente chacina de posseiros emRondônia. O juiz Glodner Luiz Paoletto afirma ter "a consciência tranqüila", pois teria agido dentroda lei, e que não aceitava ser usado "politicamente, como bode expiatório". Com esse tipo deatitude, o eminente julgador não nota o caráter político de sua decisão, recusa-se a aceitar o nexocausal entre a "legalidade" da decisão e as suas conseqüências nefastas, e identifica suaresponsabilidade política com uma falsa condição de "bode expiatório" da mídia e da opiniãopública.

Nota-se, pela exposição supra, o caráter ideológico da tese de que só o legalismo podegarantir a neutralidade do juiz. Assim é que a afirmação de que a estrita vinculação à lei torna o juizneutro não passa de uma falácia, que a rigor serve basicamente para consolidar a estratificaçãosocial e seus desníveis, o modo de produção e os aparelhos repressivos do Estado, enfim: o statusquo.

4.2. A garantia da imparcialidade: mito ou possibilidade?

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Além do legalismo (supra), outra forma que a doutrina tradicional encontrou para torná-loimune às paixões e pressões no momento da aplicação da lei (não só na sentença, mas também nocurso do processo), é a garantia de sua imparcialidade. Mas a questão que podemos colocar - semperspectivas nítidas de resposta satisfatória a todos - é a seguinte: seria a imparcialidade mais ummito dentro do quadro geral de mitos que vem sendo exposto nesse trabalho? ou é possível garantirefetivamente sua imparcialidade? e como?

O problema da imparcialidade dos juízes foi objeto de preocupação de todas as épocas. NoDireito Romano Clássico, a solução foi buscada através da eleição do praetor e da escolha do iudexpelas partes. Caso o iudex agisse com parcialidade, lesionando dolosa ou culposamente uma daspartes - diziam os romanos: "fazendo sua a lide" -, havia uma ação específica de responsabilizaçãodo iudex: a actio si iudex litem suam fecerit.

Como lembra CALAMANDREI, historicamente a imparcialidade é a qualidade que tem-semostrado inseparável da própria idéia de juiz. Isso porque trata-se de um terceiro estranho à causa,inter partes, ou melhor supra partes. O interesse que o move, teoricamente é um interesse superior:"l'interesse a che la contesa sia risolta civilmente e pacificamente, ne ciues ad arma ueniant, permantenere la pace sociale."

Segundo José Eduardo FARIA, a raiz do problema da imparcialidade do juiz está no saber"tecnológico", que empresta a categorias vazias de conteúdo (como os estereótipos de que falaWARAT) uma aparência de sistematicidade, do que resulta a apriorização da linguagem jurídica, aneutralização do discurso jurídico e a universalização das normas. Assim, obtem-se categoriasdogmáticas, gerais e abstratas como o "fato jurídico", que na verdade serve para a "des-realização"do "fato social".

Esse movimento de des-realização do fato social, dentro do processo civil, na verdade estáinserido num movimento maior, de camuflagem ideológica dos problemas decorrentes dos desníveissociais característicos da sociedade industrial. É nesse sentido que Soveral MARTINS entende queo processo civil do sistema liberal-burguês foi ideologicamente concebido para "ocultar a própriaconflituosidade social, através de processamentos técnicos de valorações imparciais onde a luta declasses freqüentemente se transmuda em mero contraditório de partes que, pelo toque mágico dasua transmutação em sujeitos jurídicos, tal como gatas borralheiras, se tornam iguais, pelo menosenquanto não soarem as badaladas da meia-noite desmistificadora."

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Através desses artifícios (qual seja: apriorização da linguagem jurídica, neutralização dodiscurso jurídico e universalização das normas), "a administração da justiça acaba sendo reduzida auma simples administração da lei por um poder tido como neutro, imparcial e objetivo, ficando ointérprete/aplicador convertido num mero técnico do direito positivo." O que importa não é aexplicação, compreensão ou orientação do comportamento das pessoas, mas sim sua tipificaçãopara sistematizar as hipóteses normativas. Portanto, diz FARIA, ao agir tecnicamente - em tese,alheio à política e isento de juízos axiológicos -, o juiz não limita sua atividade à simples consecuçãodas garantias formais (como a certeza jurídica, a legalidade). Sua tendência é de ir além, na medidaem que busca mostrar competência e profissionalismo no exercício do cargo.

"Sua neutralidade e sua imparcialidade, conjugadas com uma hermenêutica positivista que oobriga a interpretações restritivas e objetivas dos códigos, convertem-se em condição básica para alegitimação de uma concepção específica de ordem e segurança. Trata-se, pois, de uma concepçãopassiva de instituição judicial, expressa pela postura formal conferida a um magistrado enquadradopor uma relação de dimensão exegética com a legislação em vigor e de contato distanciado com osfatos, sobre os quais faz incidir estritos juízos de constatação, excluindo quase por completo osdiferentes matizes de caráter histórico, ideológico e sociológico que particularizam o processo emjulgamento."

Já Eugenio Raúl ZAFFARONI entende que a causa principal do surgimento da idéia de juizimparcial (que ele chama de "politicamente asséptico") é o ambiente criado pelo Poder Judiciário demodelo tecno-burocrático - tal qual o brasileiro - que provoca uma "burocratização subjetiva"(deterioração burocratizante a nível pessoal) dos juízes, como mecanismo de fuga desse ambiente.Da burocratização subjetiva decorre: 1) a ritualização do comportamento (que consiste em "cumprirde modo reiterativo, obsessivo e submisso as mesmas formas, esquecendo ou relegando osconteúdos e objetivos da função"); 2) a fuga consciente ou inconsciente das decisões sucetíveis degerar conflitos (v.g., apelando para conflitos de competência ou questiúnculas procedimentais); 3) aprogressiva perda da originalidade e criatividade, de modo a assegurar que "o operador que chega àcúpula esteja completamente incapacitado para inovar". Há bom tempo que vem paulatinamente a doutrina criticando o dogma da imparcialidade.Assim é que já denunciava a Escola do Direito Livre, a imparcialidade do juiz supõe independência,da qual não se pode falar na medida em que sua carreira depende do governante político. Poucotempo depois, sob a influência (negada por ENGELS, KAUTSKY e STUCKA) das idéias marxistas,o jurista austríaco Anton MENGER vinha a entender que a parcialidade do juiz, no processo civil, érevelada na medida em que "el juez más justo decidirá en muchos casos injustamente con relación alos pobres, porque no saberá comprender e interpretar de un modo exacto sus internascondiciones".

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Também CARNELUTTI já havia notado o caráter paradoxal da exigência de imparcialidadede alguém que, pela própria condição humana, é parcial, e para resolver essa situação, exigia do juizuma "super-humanidade" - da qual, aliás, ZAFFARONI não compartilha, mesmo porque denota suaconcepção mais autoritária de processo, segundo ANDRINI, conforme será referido infra.

Segundo Mauro CAPPELLETTI, embora a secular garantia da imparcialidade do juiz temprovado ser importante conquista da civilização, trata-se de conquista por si só insuficiente efreqüentemente ilusória.

O direito a um juiz imparcial corresponde à garantia da independência da magistratura frenteao poder político. "Isso não significa que o juiz deva ser um sujeito inerte e passivo. Na realidade, épreciso distinguir entre imparcialidade e passividade. O juiz deve ser imparcial em relação aoconteúdo [grifo no original] da controvérsia, mas não quanto à relação processual propriamentedita." Afinal, inexiste o juiz neutro, "ideologicamente indefinido, distanciado das realidades e dosvalores sociais. O juiz é homem de seu tempo, vinculado às circunstâncias históricas de sua época.Nem seria bom juiz aquele imune às vicissitudes humanas, cadinho de onde pode haurir otemperamento de seus instintos e o lavor de sua personalidade."

LIEBMAN, por sua vez, obviamente não concorda com afirmação supra, deCAPPELLETTI, para quem o juiz deve ser imparcial em relação ao conteúdo da lide - qual seja,"rispetto all'azione e quindi rispetto al diritto fatto valere ed all'atto (demanda, eccezione) di farlovalere" - mas que não pode ser passivo "rispetto al processo, né, tanto meno, rispetto al giudizio,ossia rispetto alla giustizia della decisione". Em resposta a essa afirmação de CAPPELLETTI,LIEBMAN anota que, com relação ao processo, o julgamento não será correto, nem a decisão justa,se o juiz for parcial; com relação à ação, "il domandare e l'eccepire sono attività rispetto a cui non sipuò porre un problema d'imparzialità del giudice". Diante do exposto, conclui que a imparcialidadeé exigível do juiz em todas as etapas e todos os momentos do processo.

Segundo Cândido DINAMARCO, "o juiz moderno compreende que só se lhe exigeimparcialidade no que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e recusa a estabelecerdistinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras de preferências personalíssimas. Não se lhetolera, porém, a indiferença" [grifos no original]. Para DINAMARCO, imparcialidade não pode

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significar indiferença axiológica ou insensibilidade social.

Eugenio Raúl ZAFFARONI entende que o juiz imparcial acaba sendo marginalizado pelasociedade, "asséptico", ou como diria GRIFFITH, um "eunuco político, econômico e social". Ojurista argentino entende que as diferentes interpretações das normas jurídicas, quando causadas pordivergências ideológicas entre juízes, não constituem uma "patologia institucional", mas obedecem"a uma certa coerência necessária e saudável entre a concepção do mundo de cada um e a suaconcepção do direito (que é algo que 'está no mundo')."

Segundo ZAFFARONI, os sistemas autoritários preferem a parcialidade dos juízes, eincomodam-se com sua imparcialidade, embora proclamem o contrário; por isso a preocupação coma imparcialidade é algo que só interessa aos regimes democráticos. Nesse passo, entende que aúnica condição de imparcialidade decorre da pluralidade: só com um Judiciário plural (em pessoas eopiniões) e democrático é que se pode obter imparcialidade. "Em oposição à imparcialidade garantida pelo pluralismo ideológico dentro da magistratura,a única coisa que se oferece como alternativa é a falsa imagem de um juiz ideologicamenteasséptico, o que não passa de uma construção artificial, um produto da retórica ideológica, umhomúnculo repelido pela sociedade. (...) Se a estrutura judiciária estiver muito deteriorada e já nemsequer tratar de produzir juízes assépticos no sentido burocrático, mas homens completamentesubmetidos aos desígnios do poder de plantão, com o conseqüente efeito corruptor, a 'assepsia'passa a ser a máscara ou o pretexto para os comportamentos mais incofessáveis."

Como foi dito no início deste capítulo, há algumas conclusões possíveis, embora deaceitabilidade restrita às tendências críticas dentro da processualística. Eis algumas delas: 1)nenhum processualista pode defender, em sã consciência, a parcialidade do juiz; 2) a passividadejudicial não é garantia de imparcialidade; 3) o legalismo não é garantia de imparcialidade; 4) aindiferença política diante do conflito não é garantia de imparcialidade. Então trata-se de um mito?Se a imparcialidade for pensada somente em termos de passividade, legalismo, indiferença e inércia,é um mito.

Para a desmitização da imparcialidade, é preciso: 1) romper com a idéia de queimparcialidade se consegue através desses atributos negativos elencados supra; 2) romper com aidéia de que a neutralidade do juiz é condição sine qua non da imparcialidade, senão seriaimpossível o juiz imparcial, da mesma forma que não existe o juiz neutro; 3) pensar numa forma deefetivar a independência do juiz frente ao governante que o nomeia (em especial nas instâncias

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superiores), eliminando a odiosa figura do juiz comprometido politicamente com o poder político deplantão; 3) enfrentar o tabu da politização do juiz, de modo que, se encarada em termos depluralidade democrática dentro do Judiciário e responsabilidade judicial frente às causas e frente àsociedade, possa tornar-se não um problema, mas uma solução.

5. NEUTRALIDADE DO JUIZ NA INSTRUÇÃO

5.1. O dogma do princípio dispositivo

Podemos dizer tranqüilamente que o principal fundamento de toda a ideologia daneutralidade do juiz na fase instrutória é o princípio dispositivo. Entretanto, há que se ressaltar queo princípio dispositivo, na prática, não se acha completa e absolutamente aplicado - aliás, nem oprincípio inquisitório -, já que só em termos meramente abstratos é que podemos "conceber o juizcomo investido de todos os poderes necessários para descobrir a verdade (princípio inquisitório) oucomo constantemente sujeito à iniciativa da parte (princípio dispositivo)".

Para tratar do princípio dispositivo, CARNELUTTI faz uma distinção entre fonte de prova emeio de prova. Nesse sentido, fonte de prova é o fato diverso do fato a provar (objeto da prova),que serve ao juiz para deduzir o fato que há que provar (v.g.: a testemunha, o documento). ParaCARNELUTTI, em relação às fontes de prova, o poder do juiz está limitado pela iniciativa daspartes, não podendo de per si buscar testemunhas ou documentos, posto que deve limitar-se àstestemunhas e documentos indicados pela parte. Meio de prova é a atividade, de percepção oudedução, pela qual o juiz conhece o fato. Para CARNELUTTI, em relação aos meios de prova, opoder do juiz é ilimitado: "una vez puesto ante el hecho que debe conocer, el juez es enteramenteindependiente de las partes en lo que atrañe al ejercicio de su actividad perceptiva y deductiva".Portanto, em face da distinção carneluttiana entre fonte e meio de prova, na aplicação do princípiodispositivo em matéria de prova documental, teríamos que o juiz não poderia buscar o documento,mas quando este estivesse em suas mãos, não haveria limites para o seu exame.

De forma semelhante à distinção carneluttiana no que concerne à instrução da causa,CHIOVENDA distingue a atividade de seleção e declaração dos fatos.

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Quanto à seleção dos fatos, CHIOVENDA observa que, mesmo que seja inadmissívelimaginar-se um juiz "fechado nos limites da vontade dominadora das partes", deve-se considerar, aomenos, uma questão de ordem prática: "que as partes são os melhores juízes da própria causa e queninguém pode conhecer melhor que elas, quais fatos deve alegar e quais não." Além disso, "asesferas do juiz e do advogado devem estar nitidamente separadas porque existe uma verdadeiraincompatibilidade psicológica entre o ofício de julgar e o de buscar os elementos de defesa daspartes." Qual seja, CHIOVENDA entende que, ao investigar os fatos, o juiz estará assumindo opapel de advogado da parte, e assim acabará violando o princípio da igualdade das partes.

Na verdade, o processualista italiano considera realmente inadmissível é que o juiz assumaum fato não alegado como base de sua decisão. Por outro lado, admite que "si en un caso concretoaparece notoria una deficencia en la defensa", pode-se discutir se o juiz pode, e em que limites,"proveer a ella con oportunos interrogatorios, de un modo compatible con la naturaleza delprocedimiento".

Quanto à declaração dos fatos, embora ninguém seja melhor juiz que a parte a respeito dasprovas de que pode dispor, na defesa de seus interesses individuais, "no puede desconocerse que laactitud pasiva del juez en la formación de las pruebas puede aparecer menos justificada que en laselección de los hechos porque, fijados los hechos a declarar, la manera de declararlos no puededepender de la voluntad de las partes, siendo la verdad una sola."

Além dos argumentos de que "a parte é o melhor juiz da própria causa" no que diz respeito àsprovas de que pode dispor, e de que é preciso preservar a isonomia processual e a imparcialidade, odiscurso de defesa do princípio dispositivo se faz também mediante denúncias do passadoantidemocrático do sistema inquisitório. A própria palavra "inquisitório" tem toda uma cargahistórica, que remete à Santa Inquisição e Torquemada, além das versões mais modernas dessesmesmos exemplos.

Nesses termos é que se percebe a crítica de CALAMANDREI ao sistema inquisitório,quando critica-o como reflexo do autoritarismo, em que as partes não passam de elementos

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figurativos necessários "per render più spettacoloso il rito", mas o juiz é tudo e sua vontade é única,e a sentença não é o produto final elaborado do encontro dialético das vontades contrapostas, mas éo arbítrio solitário de uma só vontade, "che inscena il processo come un artificio che dia unaillusoria giustificazione retrospettiva a una decisione già presa." Nesse passo, CALAMANDREIafirma que hoje, em respeito ao contraditório e à dialética do processo, "la volontà del giudice non èmai sovrana assoluta, ma sempre condizionata alla volontà e al comportamento delle parti, cioè allainiziativa, allo stimolo, alla resistenza o all'acquiescenza di esse."

Para LIEBMAN, o mais sólido fundamento para o princípio dispositivo é o seguinte: quandose controverte em torno de relações jurídicas da plena disponibilidade da autonomia privada, éinevitável que - para deixar o juiz na sua posição de rigorosa imparcialidade - seja conferido àspartes o ônus e a inteira responsabilidade de fornecer ao processo os elementos de juízo, porquenesses casos o Estado, enquanto ordenamento jurídico, não se sente suficientemente interessado noresultado final do processo. É o contrário do que ocorre quando as relações jurídicas controvertidassão de ordem pública, pois então o Estado não pode desinteressar-se do modo com o qual se fará ainstrução da causa, "dovendo sempre restar fermo il divieto per il giudice di assumere funzioniinstruttorie attive, à costretto a far intervenire nel processo un suo organo apposito": o MinistérioPúblico.

LIEBMAN entende que as restrições ao princípio dispositivo, aliadas ao aumento dospoderes instrutórios do juiz, significam na verdade uma atenuação na distinção entre funçãojurisdicional e função administrativa e 'introdurre nel processo una tendeza paternalistica che nonmerita alcun incoraggiamento", e por isso mesmo admite expressamente o inegável caráter "liberal"do princípio dispositivo.

Bem longe de ser uma "arcaica reminiscência os ordenamentos primitivos", como querGUASP, LIEBMAN afirma que, na verdade o princípio dispositivo constitui uma necessáriagarantia do correto funcionamento da jurisdição, assim como esta deve ser modernamenteconsiderada. Ainda segundo LIEBMAN, o reexame profundo do problema dos poderes do juiz nainstrução do processo (tanto civil quanto penal e administrativo) deve levar em conta que"l'imparzialità del giudice è il bene prezioso che deve essere preservato in ogni caso, anche colsacrificio dei poteri d'iniziativa istruttoria del giudice (sebbene possano talvolta, da altri punti divista, apparire utili e convenienti), con la conseguenza che dove il principio dispositivo non si adattial tipo di processo o alla materia controversa, quei poteri debbano essere piuttosto conferiti a unapposito e distinto organo pubblico requirente ed inquirente": o Ministério Público. (Veremos infraum desdobramento dessa tese, quanto à infervenção do Ministério Público, em que AfrânioJARDIM defende essa intervenção de forma mais ampla, justamente para mitigar a disparidade dearmas entre as partes, entretanto, preservando ainda a inércia judicial.)

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Fiel aos ensinamentos de LIEBMAN, a Escola de São Paulo segue dizendo que, emboradiante de uma concepção publicista do processo não seja mais posível "manter o juiz como meroespectador da batalha judicial", a regulamentação dos poderes do juiz no processo não pode perderde vista "o mais importante dogma relativo ao juiz, que é o zelo pela sua imparcialidade".

Já SILVA PACHECO, para reforçar a idéia de que os poderes instrutórios do juiz podemofender a sua imparcialidade, lança mão do argumento da experiência. Assim, mesmo admitindoque o juiz deve ter poderes para instruir o processo - pois "a prestação jurisdicional consiste emrealizar o Direito, para que o ordenamento jurídico seja mantido incólume" -, afirma que "aexperiência tem ensinado que toda vez que ao juiz se atribui todos os poderes, liga-se ele àpretensão de uma das partes, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente a ela." Oargumento da experiência, a par de um discutível valor retórico, não subsiste, pois modernamente jáse sabe que em geral se presta à consolidação das posições conformistas - da tradição, do hábito,dos bons costumes, etc.

Mesmo José Renato NALINI, em trabalho recente, inobstante afirme que o distanciamentodo juiz em relação à causa não contribui para o acesso à Justiça, e que nem a indiferença peloresultado da demanda é pressuposto de uma decisão justa, observa que é justificável o receio de queo juiz produtor da prova pode perder a serenidade e imparcialidade.

5.2. A face lúdica do processo civil

O principal pensador ocidental a cogitar do caráter lúdico do processo foi o historiadorholandês Johan HUIZINGA, para quem o processo "é extremamente semelhante a uma competição,e isto sejam quais forem os fundamentos ideais que o direito possa ter". Segundo HUIZINGA, esselado agonístico está longe de caracterizar tão somente o processo primitivo - já que começou comocompetição -, mas é conservado até hoje, pois as partes continuam apresentando um irrefreáveldesejo de ganhar a causa (o jogo).

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Nas culturas primitivas, a jurisdição pode ser considerada: um jogo de azar (vontade divina,destino, sorte, sortilégio, oráculos, ordálias, prova de fogo), uma competição (aposta, corrida), ouuma batalha verbal (dos concursos de ultrajes até os primórdios da oratória jurídica), pois o que lhesinteressa não é tanto o problema abstrato do bem e do mal, mas sim a idéia pura e simples de ganharou perder. "Dada a esta fraqueza dos padrões éticos, o fator agonístico vai ganhando imenso terrenona prática judicial à medida que recuamos no tempo."

Naquele tempo, conforme observa CALAMANDREI, "il giudice si confonde col sacerdote ocoll'aruspice, che chiede aiuto e ispirazione alla superstizione e alla magia: e lègge la motivazionedella sua sentenza nel volo degli uccelli o nelle viscere papitanti della vittima immolata." Suaimparcialidade era garantida justamente pelo fato de que não era ele quem decidia, mas "forzesuperiori ad ogni calcolo umano e ad ogni cura terrestre, come la indifferenza degli dei o la sortecieca". Em suma, a decisão estava nas mãos de Deus - que, como observa ZAFFARONI, era nadamenos do que o máximo da imparcialidade possível -, "e os juízes limitavam-se a garantir ascondições de que não houvesse interferência nesta decisão, para a qual necessitavam da devidaindependência das partes".

Com o estoicismo, entratanto, teve início uma tendência a depurar a oratória jurídica do seucaráter agonístico, balizando-a agora com os severos padrões de verdade e dignidade, tipicamenteestóicos. Observa HUIZINGA que o primeiro romano a tentar pôr em prática essa nova orientaçãofoi Rutilius Rufus, que perdeu a causa e foi obrigado a exilar-se.

O importante é frisar que, se num primeiro momento o juiz mantinha sua imparcialidade àscustas do juízo divino, depois essa mesma imparcialidade passou a apresentar novo fundamento: alei. A lei deixou de ser tão somente o guardião da regra do jogo judicial; o juiz deixou desimplesmente assistir à instrução sem poder decidir, já que quem decidia era Deus, ou a sorte, ou adestreza. O juiz passou a decidir, mas também a fundamentar suas decisões na lei - "sucessora" deDeus. As decisões secundum leges precisavam de reforço à garantia de imparcialidade na faseinstrutória, e chegou-se a um princípio dispositivo de caráter lúdico: na instrução, as próprias partesdisputavam seus direitos, e o juiz simplesmente assistia, de sua posição privilegiada - como um juizde duelo. Assim é que, sob o pretexto de se manter sua neutralidade, e com o argumento doprincípio dispositivo, o sistema processual na verdade perpetuava o caráter lúdico que lhe écaracterístico desde as ordálias.

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Essas analogias entre o processo e o jogo, feitas por HUIZINGA, foram apreciadas eelogiadas por CALAMANDREI (em "Il processo como giuoco") e questionadas por CARNELUTTI(em "Giuocco e processo"). Tais diferenças entre os famosos processualistas, segundo ANDRINI,refletem suas concepções de juiz: enquanto CALAMANDREI continua fiel a uma concepção maisliberal de processo, em que o juiz apresenta-se como "guardião das regras", CARNELUTTI seressente de uma concepção mais autoritária, que desemboca no juiz enquanto "personagemmetafísico", dotado da "super-humanidade" com a qual não concordava ZAFFARONI, conformereferido supra.

Esse caráter lúdico do processo, cujo modelo é o de vencedor/vencido, segundo JoséEduardo FARIA tende a ser ultrapassado por uma concepção moderna, em que "os juízes deixam deser meramente reativos e passivos, no sentido de se limitar a dizer o direito aplicável ao objeto emlitígio, passando, em várias situações, a estimular os fatos e a organizar o procedimento para facilitaro encontro de soluções viáveis e factíveis."

5.3. Crítica da passividade judicial na instrução do processo

Dentre os filósofos que se preocuparam com o fenômeno jurídico, destaca-se HEGEL quedizia que "o processo dá às partes as condições para fazerem valer os seus meios de prova e motivosjurídicos e ao juiz as de conhecer o assunto". A princípio poderíamos até pensar que HEGEL estariasendo guiado pelo princípio dispositivo, pois fala em dar condições às partes para fazerem valerseus meios de prova, mas a ressalva com relação ao juiz (que teria condições de conhecer oassunto) é tão significativa, que o filósofo alemão a reforça em seguida, afirmando que "a direçãodo conjunto do processo, da investigação e de todos aqueles atos jurídicos das partes que são elesmesmos direitos, bem como o julgamento jurídico, cumprem sobretudo ao juiz qualificado" [grifosnossos]. Não se vê nessas idéias hegelianas qualquer crítica direcionada aos defensores do sistemaacusatório, nem uma defesa incisiva do sistema inquisitório, mas sem dúvida podemos entender suaposição como mais compatível com o segundo.

Até mesmo CHIOVENDA, que se dispôs a defender o princípio em questão, no que tange aoque chama de "seleção dos fatos", não se mostra completamente isolado da crítica à passividadejudicial, chegando inclusive a identificar a passividade do juiz com as formas do processo escrito.Aliás, entendia que a tendência mais moderna, já à sua época, era a de aceitação mais ampla do

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princípio da oralidade, enquanto reação contra o princípio dispositivo e a favor da iniciativa do juiz.

Não se pode confundir a crítica que é feita ao princípio dispositivo com o que se fala arespeito do princípio da demanda. Nesse sentido é que MENGER critica o primeiro mas reconhecea importância do segundo. Segundo o polêmico civilista austríaco, o juiz não poderia obrigarninguém a defender seus interesses privados, "pero cuando el interesado ha presentado al Juez unademanda manifestando así la voluntad de defender su derecho, parece que éste debía aplicar todoslos meios legales para hacer triunfar el derecho lesionado." Contudo, lucidamente MENGER admiteque os tribunais não têm aplicado todos os meios legais para fazer triunfar o direito lesionado, comopretendia.

"El Tribunal, según la legislación procesal civil vigente en todos los Estados civilizados, aundespués de iniciado el litigio, debe ser impulsado particularmente a realizar todos los actos másimportantes, como el mecanismo de un reloj."

Apesar dos protestos dos autores marxistas, não há como negar o cunho socialista da críticade MENGER às conseqüências da radicalização do princípio dispositivo, na medida em que eleentende que elas "son cómodas y beneficiosas para las clases ricas, porque cultas como son y bienacondicionadas, si hace falta, pueden tomar oportunamente la iniciativa. En cambio las pobres, quepara defender su derecho tropiezan con un mecanismo tan complicado como es el procedimiento,sin consejo e malamente representadas, deben recoger de la pasividad judicial gravísimosperjuicios."

Na Áustria, a discussão a respeito do princípio dispositivo não se restringiu a MENGER, jáque foi assunto presente nos debates em torno da elaboração do CPC de 1895, anteprojeto de FranzKLEIN - que, aliás, reconhecidamente concebia o processo civil como um instituto para o bem estarsocial (Wohlfahrtseinrichtung). Durante esses debates chegou-se à conclusão de que "laimparcialidad del juez no chocaba con un directo y activo contacto suyo con las partes en eldesarrollo del juicio" (lembre-se a relação entre princípio dispositivo e oralidade, notada porCHIOVENDA e referida supra), sem que com isso o Código tenha ofendido o princípio dademanda. Nesse mesmo sentido é que Mauro CAPPELLETTI vem afirmando que "semcomprometer em nada a importância essencial da imparcialidade do juiz, é perfeitamente admissívele até necessário que o julgador, diante da parte indefesa ou mal assistida, ao invés de permanecerpassivo e até complacente diante dos erros, omissões, deficiências de tal parte, assuma um papelativo."

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Ressalte-se, nesse momento, a posição de Afrânio JARDIM, processualista brasileiro queprocura um meio termo entre a concessão de poderes instrutórios ao juiz e a passividade judicialfrente à disparidade de armas. Esse meio termo é a tese de que os defeitos do princípio dispositivonão devem ser solucionados com o aumento dos poderes do juiz, mas sim com a maior participaçãodo Ministério Público no processo civil.

Para chegar a essas conclusões, Afrânio JARDIM primeiramente destaca que a premissa quefundamenta o princípio dispositivo é falsa, pois quando a parte não exercita uma faculdadeprocessual ou não se desincumbe de um ônus, isso ocorre freqüentemente "mais em razão de suadebilidade econômica ou cultural do que em razão de aceitação de uma situação que lhe é adversa."

"Não basta que se dê igualdade de oportunidade às partes, é preciso que se criemmecanismos processuais que venham mitigar a sua desigualdade substancial, patente e evidente emmuitos processos cíveis. A boa decisão estatal não pode ficar dependente do preparo dosprofissionais contratados pelas partes ou mesmo da malícia destas."

Segundo o autor, o aumento dos poderes instrutórios do juiz não é a melhor solução, poisacarretaria um processo inquisitorial, condenado historicamente em face das concepções maisdemocráticas de jurisdição. Além disso, entende que "ao juiz não deve caber a relevante missão deprocurar a verdade real dos fatos alegados pelas partes, pois, se assim o fizer, poderá comprometerseriamente a sua neutralidade". Assim, para evitar a iniqüidade da aplicação radical do princípiodispositivo, sem com isso afetar a imparcialidade do juiz, os poderes instrutórios suplementaresdeveriam ser delegados não ao juiz, mas ao Ministério Público, de modo a compatibilizar a busca daverdade com a indispensável imparcialidade do juiz, já que este poderia ficar comprometido com acausa, na medida em que se vinculasse psicologicamente aos interesses em litígio.

Apesar da interessante tentativa Afrânio JARDIM, de solucionar a questão da pretensaincompatibilidade entre imparcialidade e poderes instrutórios do juiz, com ela não concorda oprocessualista brasileiro que mais vem se dedicando ao tema: José Carlos BARBOSA MOREIRA.Se tomarmos em conta o que disse este eminente jurista em diversas oportunidades (contamos, no

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mínimo, seis delas), a tese de Afrânio JARDIM não tem cabimento porque não há incompatibilidadeentre imparcialidade e poderes instrutórios. O ilustre processualista apresenta, em resumo, cincorazões para essa afirmação:

1) À alegação de que a iniciativa probatória do juiz pode comprometer sua imparcialidade ebeneficiar uma das partes, BARBOSA MOREIRA responde que, ao determinar a realização de umaprova, o juiz ("não dispondo de bola de cristal, nem sendo futurólogo") não pode prever comsegurança o resultado dessa prova nem a quem ela vai beneficiar. Pode conjecturar sobre isso, masjamais terá certeza. Ademais "é claro que o resultado da prova vai beneficiar alguém, mesmoporque, se não beneficiasse ninguém, ela teria sido inútil..." Mas a não produção da prova tambémvai beneficiar um dos litigantes. Diante das duas hipóteses, BARBOSA MOREIRA prefere serparcial atuando do que se omitindo, porque ao menos estaria tentando aproximar-se da verdadereal.

2) Se a iniciativa probatória oficial realmente ofendesse a imparcialidade do juiz, "as leisdeveriam proibir de modo absoluto quaisquer iniciativas oficiais em matéria de prova, o queprovavelmente jamais ocorreu e não é propugnado sequer pelos mais radicais representantes do'dispositivismo' na ciência processual civil" - aliás, como já notara CHIOVENDA, citado supra.

3) Supor que a iniciativa probatória ex officio implica na parcialidade do juiz, significariareconhecer que o juiz é parcial nos processos em que essa atividade judicial é admitida. Porexemplo: no processo penal é possível a inciativa probatória ex officio, e nem por isso se diz que ojuiz prescinde de sua imparcialidade.

4) Ao juiz não importa quem vença o litígio, se A ou B, mas deve importar que vença quemtem razão, e nesse ponto "não há neutralidade possível": "sua 'neutralidade' não o impede de quererque sua sentença seja justa". "Ao juiz, como órgão do Estado, interessa, e diria que a ninguéminteressa mais do que a ele, que se faça justiça, isto é, que vença aquele que efetivamente tenharazão" - e este será o beneficiado pela prova determinada pelo juiz.

Com relação a esse argumento, em favor dos poderes instrutórios do juiz, de que o juiz deve

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ter "interesse" na justiça da decisão, LIEBMAN responde que o juiz "non ha altro 'interesse'nell'esercizio della sua funzione, all'infuori di quello di sentirsi in tutti i sensi veramentedisinteresato." DINAMARCO interpreta que "desinteressado", nesse contexto, não significaaxiologicamente neutro, mas imparcial: "o juiz, ser vivente na sociedade de onde vêm os fatos epretensões em exame, há de ser o porta-voz dos sentimentos que ali preponderam e, portanto,interessado em soluções condizentes com eles" [grifo nosso]. BARBOSA MOREIRA vê nessamentalidade que preconiza a preservação da imparcialidade do juiz através da omissão judicial emface da instrução do processo, a propaganda de uma espécie de distanciamento que se confunde"com a mais gélida indiferença pelo curso e pelo resultado do pleito".

5) Há que se distinguir o juiz que, movido pela consciência de sua responsabilidade, procurasentenciar conforme o direito no caso concreto, do juiz que, movido por interesses pessoais,beneficia deliberadamente um dos litigantes. De fato, há o risco do juiz se utilizar de poderesinstrutórios para beneficiar uma das partes. Mas o risco da parcialidade ronda o juiz durante todasas fases do processo, e não é sua omissão na fase instrutória que servirá de garantia deimparcialidade - mesmo porque, se quiser beneficiar uma das partes, poderá fazê-lo até mesmo nasprovas requeridas pelas partes. É, sim, através: da observância do contraditório na instrução doprocesso e do exame objetivo dos fatos, não importando quem traga as provas aos autos; éproibindo-o de levar em conta qualquer elemento probatório colhido sem que se dê oportunidade àparticipação das partes na sua colheita e à manifestação sobre seus resultados; é obrigando-o amotivar suas decisões, mediante a apresentação da "análise cuidadosa da prova produzida e aindicação das razões de seu convencimento acerca dos fatos"; é através da aplicação do direito afatos efetivamente verificados, sem se deixar influenciar por outros fatores que não os seusconhecimentos jurídicos. Fora essas hipóteses, a única forma de eliminar completamente o risco deparcialidade seria "confiar a uma máquina a direção do processo".

Sobre a necessidade de fundamentação, enquanto instrumento sugerido por BARBOSAMOREIRA para evitar a parcialidade dos juízes, CALMON DE PASSOS se mostra cético:"Estamos todos acostumados, neste nosso país que não cobra responsabilidade de ninguém, ao dizerde magistrados levianos, que fundamentam seus julgados com expressões criminosas como estas:'atendendo a quanto nos autos está fartamente provado...', 'à robusta prova dos autos', 'ao quedisseram as testemunhas...' e outras leviandades dessa natureza que, se fôssemos apurardevidamente, seriam, antes de leviandades, crimes, irresponsabilidade e arbítrio, desprezo àexigência constitucional de fundamentação dos julgados, cusparada na cara dos falsos cidadãos quesomos quase todos nós." Aliás, o próprio BARBOSA MOREIRA também lembra que não basta usaressas fórmulas ritualísticas, que configuram uma "homenagem puramente formal que se presta aodever de motivação, sem nenhum alcance concreto". Márcio PUGGINA entende que no momentoda sentença o juiz inevitavelmente se parcializa, e "não obscurece esta parcialidade sequer o deverde fundamentação, ao contrário, o julgamento, quanto mais fundamentado, mais se solidifica nobeneficiamento do vencedor". Arruda CAMPOS mostra-se mais intolerante, e numa crítica quebeira a leviandade, afirma que os juizes que fundamentam a sentença acórdãos, brocardos latinos("que, regra geral, não entendem") e citações de autores estrangeiros ("que nada sabem da realidadebrasileira"), o fazem por simples vaidade - sabe-se, todavia, que a não fundamentação da decisão éque realmente dá margem ao arbítrio.

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Hoje, a crítica da passividade judicial na instrução do processo também continua sendo feitado ponto de vista político - seguindo, e de certa forma superando, a linha de MENGER. Nessesentido é que Lédio Rosa de ANDRADE critica os problemas sociais perpetuados pelo magistradoque, no ânimo de garantir sua imparcialidade e pretensa neutralidade, na fase instrutória limita-se aefetuar o levantamento dos fatos para adequá-los às normas vigentes. Ainda dentro desse prisma, oprof. Luiz Guilherme MARINONI afirma que "na ideologia do Estado Social o juiz é obrigado aparticipar do processo, não estando autorizado a desconsiderar as desigualdades sociais que opróprio Estado visa a espancar. Portanto, e isto de certa forma soará curioso àqueles que nãocostumam ligar a teoria do processo à ideologia, o juiz imparcial de 'ontem' é exatamente o juizparcial de 'hoje'."

6. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E NEUTRALIDADE

6.1. A ideologia do procedimento ordinário

Tem-se a idéia falsa de que o juiz omisso é um juiz neutro. Na verdade, a omissão judicialdiante de uma situação em que deve conceder uma liminar e não o faz, não configura qualquerindício de que tenha sido neutro. Ao contrário: sua omissão, nesse caso, denota justamente sua faltade neutralidade e de sensibilidade para exercer a jurisdição.

Segundo o prof. Ovídio BAPTISTA DA SILVA, a antecipação da tutela é vista com mávontade pela doutrina tradicional porque é fundada em juízo de verossimilhança. O procedimentoordinário, fundado no juízo de certeza que se busca justificar na neutralidade do juiz, oculta aideologia "dramática e perversa" subjacente à glorificação da ordinarização do processo civil.

Referindo-se a GADAMER, o prof. Ovídio BAPTISTA DA SILVA observa a verdadeira

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"aversão que a ciência processual tem por todas as formas de juízos fundados em simplesverossimilhança". Tal aversão "é fruto da herança cartesiana, com sua conhecida desconfiançacontra toda e qualquer espécie de 'prejuízos', contra a autoridade e a tradição. (...) O juiz doprocedimento ordinário pretende ser um Juiz sem qualquer 'prejuízo', ou compromisso prévio comalguma das versões que lhe sejam postas em causa", e com isso acaba conservando o status quoante, na demora das suas investigações (juízo de certeza).

Segundo o prof. Luiz Guilherme MARINONI, há que se atentar para o fato de que um dosfundamentos da proibição dos juízos de plausibilidade é o princípio da nulla executio sine titulo, namedida em que dá sustentação à separação entre processo de conhecimento e de execução. Qualseja: enquanto a doutrina tradicional sustenta essa separação entre processo de conhecimento e deexecução - mediante o argumento da nulla executio sine titulo -, está simultaneamente impedindo autilização de medidas executivas e mandamentais durante a cognição, sob o pretexto de que essamistura pode prejudicar a neutralidade do juiz. Como essa colocação de medidas executivas emandamentais durante o processo cognitivo está associada aos procedimentos especiais - querespondem à necessidade de tutelas diferenciadas conforme o direito material a ser tutelado -, ficaclaro que a defesa da separação entre conhecimento e execução corresponde a uma tendência deordinarização do processo civil. Nota-se, portanto, que a ordinarização do processo civil reflete overdadeiro descaso com que é tratada a necessidade de adequação do processo às diversas e novassituações carentes de tutela jurisdicional, e que essa universalização do procedimento ordinário naverdade é conduzida pela ideologia da neutralidade do processo em relação ao direito material.

A tendência à universalização do procedimento ordinário, segundo MARINONI, écomprometida com a visão legalista da atividade jurisdicional - enquanto atividade de merasubsunção -, na medida em que "o mito que dá suporte à figura do juiz como bouche de la loi, semqualquer poder criativo ou de imperium, é o da neutralidade, supondo de um lado ser possível umjuiz despido de vontade inconsciente, e de outro ser a lei - como pretendeu MONTESQUIEU - umarelação necessária fundada na natureza das coisas."

MARINONI também ressalta que, além do legalismo subjacente à ordinarização do processocivil, é possível encontrar um certo preconceito contra os juízos de verossimilhança, porqueentendia-se que o julgamento com base em juízo de verossimilhança dá margem ao subjetivismo dojuiz, sendo portanto incompatível com a neutralidade do julgamento - "o que evidencia uma nítidarelação entre 'busca da verdade' e 'neutralidade'." É justamente devido a essa articulação entrebusca da verdade e neutralidade que, após um breve interlúdio versando sobre as origens históricasda neutralidade em face da antecipação da tutela, teremos de verificar a questão da busca daverdade - primeiro em termos filosófico-científicos, depois em termos de processo civil.

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6.2. Origens romanas

Como bem nota FOUCAULT, o legislador romano, juntamente com o sábio grego e o profetajudeu, "são sempre modelos que obsecam os que, hoje, têm como ocupação falar e escrever". Defato, o Direito Romano acaba tornando-se uma referência quase que obrigatória para asinvestigações dentro da assim chamada "ciência do direito". E por isso não podemos nos furtar aoexamine desse modelo.

Pode-se dizer que o mito da neutralidade do juiz hodierno tem origens no direito romano,mais especificamente no iudex. Para se fazer essa afirmação, é preciso recordar a bipartição defunções entre o praetor e o iudex: enquanto o praetor (eleito pelo povo) dá ordens (ato volitivo), oiudex (escolhido pelas partes) declara direitos (ato intelectivo); enquanto o praetor exerceimperium, o iudex exerce jurisdição. Enquanto o sistema common law parece ter adaptado a figurado praetor, nos países que seguiram o sistema da Europa continental o juiz se assemelha mais àfigura do iudex, a princípio inclusive desvinculado da execução (de competência de funcionáriosadministrativos) e de qualquer medida mandamental - tanto que LIEBMAN dizia que não é funçãodo juiz expedir ordens às partes, mas só declarar a situação entre elas e o direito aplicável.

Note-se que essa neutralidade está mais declarada a nível de mandamentalidade dos atos doiudex, já que no campo probatório, como afirma SURGIK, vigorava a livre apreciação da prova,inclusive no sentido de ônus da prova. Assim, considera-se pouco provável que no período clássicoos romanos formulassem um princípio geral, como necessitas probandi incumbit illi qui agit, aliás,de fonte pós-clássica.

É de se lembrar a ressalva feita por SURGIK, de que o imperium do praetor decorria do fatode ele era eleito, e que por isso tinha legitimidade para exercer seu poder. Seria interessante deixarem aberto, então, a seguinte questão: que legitimidade teria um juiz do sistema europeu continental,nos moldes do iudex, porém não escolhido pelas partes, para exercer imperium nos moldes dopraetor, sem ter sido sequer eleito, como este era! Pode-se argumentar facilmente com alegitimidade decorrente do sistema de concurso público, de caráter marcadamente tecno-burocrático, mas não é argumento suficiente para tirar o desconforto da questão.

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A pandectística não reconhecia no interdito um processo, mas medida administrativa, fase daactio. Com a evolução do direito romano, houve a perda da imperatividade da jurisdição, que foi setornando arbiral: o juiz somente exorta, recomenda que se cumpra a sentença. A absorção dos interditos pela actio se deu, no período justinianeu, pela ampliação doconceito de obrigação - tanto que "a cada direito corresponde uma obrigação": onde antes umdireito impunha um dever, por força de lei passa a impor uma obrigação (ex lege). O direitocontinental preservou a actio (para preservar a divisão entre cognitio e executio) e suprimiu osinterditos (que implicavam em ordens do pretor).

Para a doutrina dominante, a ordem não é conteúdo do ato jurisdicional, mas efeito. Issodecorre da separação do mundo dos fatos e do mundo normativo, dentre outras classificações - fatoe direito, jurisdição e poder, ser e dever-ser, substância e forma, etc. Podemos enumerar, dentre asconseqüências dessa separação, a dificuldade na introdução da atividade executiva (mundo dosfatos) na órbita da jurisdição (FOSCHINI chegava a afirmar que o juiz não devia se imiscuir naexecução "odiosa", mas tão somente no direito puro); a resistência às categorias de açõesmandamentais (v.g.: BUZAID e SCHÖNKE) - já que a ordem é efeito; e a concepção carneluttianade que só há jurisdição na sentença declaratória.

Tendo em vista a bipartição de funções entre praetor e iudex, poderíamos dizer que nocontexto do direito romano só o julgamento da actio, pelo ordo iudiciorum priuatorum, seriajurisdicional, sendo impossível considerar que os interditos configurassem jurisdição, mas simexercício de imperium. Entretanto, diz MURGA que a qualificação dada aos interditos, de atosmagis imperii quam iurisdictionis é "ambígua e pouco feliz", não querendo indicar que os interditos"sejam de natureza especial e distinta, mas simplesmente que neles se manifesta mais aqueleaspecto de mando que constituía como que a base genética de todo ato político" [grifos nossos].

Diz a doutrina tradicional que: se a definitividade do interdito depende da outra parte(LUZZATTO); e se o interdito depende da discricionariedade do pretor, que só examina ascircunstâncias - sem o escopo da busca da verdade (BONFANTE) -, não há julgamento e não sepode falar em jurisdição.

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Com relação à polêmica divisão entre a esfera pública e a privada, diz-se que os interditosnormalmente se aplicavam a questões de ordem pública (de ordem privada: na posse). Porconseqüência, DE MARTINO entende que o interdito não é jurisdição pois só há um vínculo dedireito público com o pretor - entretanto, não se pode esquecer que é absolutamente criticável aexpressão ius publicum em Roma, visto que àquela época nem se podia falar em Estado. O direitoprivado não diz "eu te ordeno" ou "eu te proibo de fazer isso": o direito privado diz "eu reconheçoem ti a existência desse poder". Esse reconhecimento é a jurisdição. Em conseqüência dessadesvinculação entre o interdito e a esfera privada, temos hodiernamente que o mandado desegurança ainda não se estende às relações jurídicas de direito privado.

Para encerrarmos esse interlúdio histórico, seria interessante lembrar a quem interessou areativação do Direito Romano, e em conseqüência, também a reativação dessa separação entrecognição e medidas executivas, na forma de uma corruptela do ordo iudiciorum priuatorum.Segundo FOUCAULT, essa ressurreição, realizada no século XII, significou o ressurgimento de "umdos instrumentos técnicos e constitutivos do poder monárquico autoritário administrativo efinalmente absolutista". Através dessa revigoração do direito romano, diz GRAMSCI, "o direitoromano foi manipulado pelas novas classes dominantes, a ponto de transformar-se de técnica emcódigo de normas, a serviço da propriedade burguesa".

"... os estudos jurídicos, renascidos pela necessidade de dar ordem às novas e complexasrelações políticas e sociais, voltaram-se, é verdade, para o direito romano, mas rapidamentedegeneraram na casuística mais minuciosa, justamente porque o direito romano 'puro' não podeordenar a nova complexidade das relações: na realidade, através da casuística dos glosadores e dospós-glosadores formam-se as jurisprudências locais, nas quais tem razão o mais forte (o nobre ou oburguês) e que é o 'único direito' existente: os princípios de direito romano foram esquecidos ousuperpostos pela glosa interpretativa, que, por sua vez, passa a ser interpretada como um resultadofinal, no qual de direito romano não havia mais nada a não ser o princípio puro e simples dapropriedade."

6.3. O problema da verdade na ciência

Como o proceso de conhecimento tem por escopo a solução do conflito de interesses "combase num denominado 'juízo de certeza', derivado daquilo que alguns processualistas costumamchamar de busca da verdade", é preciso averiguar o problema da verdade na ciência e no direitoprocessual civil - quer ele seja ou não ciência. Mesmo porque, como já foi mencionado supra, existe

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uma nítida relação (de cunho ideológico, é claro) entre busca da verdade e neutralidade do juiz.

Desde o início desse trabalho, estamos falando das questões epistemológicas relativas àquiloque se convencionou chamar de "ciência do direito", justamente para enquadrar o problema daneutralidade do juiz num quadro geral de mitos positivistas da ciência.

A questão da verdade no processo civil também não poderia deixar de figurar dentro dessapreocupação epistemológica, tanto que é ineludível a importância da questão da verdade para a"neutralidade" do cientista. Para LACAN, "la verdad no es otra cosa sino aquello de lo cual el saber no puede enterarsede que lo sabe sino haciendo actuar su ignorancia." Segundo LACAN, a verdade para a ciência nãopassa de objeto de um jogo de valores, que lhe retira sua potência dinâmica. É essa a forma desustentação da ciência na lógica. Através do discurso da lógica proposicional - aliás,fundamentalmente tautológico - são ordenadas proposições "compostas de maneira tal que elassejam sempre verdadeiras, seja qual for, verdadeiro ou falso, o valor das proposições elementares."Pergunta LACAN nesse passo, se "não será isso livrar-se do que chamava há pouco de dinamismodo trabalho da verdade?"

A verdade tem origem grega, em alhqeia - termo, aliás que mereceu toda a especulação deHEIDEGGER. Como lembra LACAN, o termo hebreu, emet, "tem, como todos os usos do termoverdade, origem jurídica", tanto que ainda hoje, à testemunha é solicitado dizer a verdade - emboraLACAN entenda ser impossível dizer toda a verdade, posto que o que é de fato procurado "notestemunho jurídico, é do que poder julgar o que é do seu gozo."

HORKHEIMER observa que a divisão da verdade em ciências físicas e humanas configuraum produto da organização das Universidades e das escolas filosóficas de RICKERT e WEBER,principalmente. "O chamado mundo prático não tem lugar para a verdade, e portanto a divide emfrações para conformá-la à sua própria imagem: as ciências físicas são dotadas da chamadaobjetividade, mas esvaziadas de conteúdo humano; as humanidades preservam o conteúdo humano,mas só enquanto ideologia, a expensas da verdade."

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HORKHEIMER questiona a possibilidade de se determinar o que é ciência e o que éverdade, se o próprio fato de se determinar isso pressupõe a existência prévia de métodos dealcançar a verdade científica. Essa mesma questão é colocada em relação à observação: quando sepergunta a um positivista por que a observação é a garantia adequada da verdade, ele apelanovamente para a observação, descrevendo como esta funciona, sem atentar para o automatismo dapesquisa, "os mecanismos de localização, verificação e classificação de fatos, etc. e refletir sobre oseu significado e relação com a verdade". Tudo isso sob a incrível justificativa de que "não é da suacompetência justificar ou testar o princípio de verificação". É fácil transportar essa questão para oprocesso, pois da mesma forma o processualista tradicional prefere fazer uma descrição detalhadado procedimento e suas filigranas, a ter de criticar o método de cognição do processo civilbrasileiro.

Já para FOUCAULT, a passagem (poderíamos dizer jurisdicional!) da verdade/prova àverdade/constatação não se trata de efetiva passagem, pois a verdade/constatação não passa de umcaso particular de verdade/prova na forma do acontecimento, que ademais pode ser semprerepetido. Essa passagem forma um ritual instrumentalizado de produção de verdades, queprogressivamente vai recobrindo as outras formas de produção da verdade, impondo sua formacomo universal. "A história deste recobrimento seria aproximadamente a própria história do saberna sociedade ocidental desde a Idade Média: história que não é a do conhecimento mas sim damaneira pela qual a produção da verdade tomou a forma e se impôs a norma do conhecimento," eque acompanha as mutações essenciais das sociedades ocidentais ("emergência de um poderpolítico sob a forma do Estado, expansão das relações mercantis à escala do globo, estabelecimentodas grandes técnicas de produção").

6.4. O problema da verdade no processo

Como foi visto supra, com relação ao conhecimento científico, a questão da verdade temsido apresentada normalmente em relação ao método e à neutralidade do sujeito. Por isso é de seressaltar que CALAMANDREI articula a questão da verdade no processo não com seu método,mas com seus escopos. Assim, se o processo devesse servir somente para garantir a paz social,acabando a todo custo com o litígio, mesmo com uma solução de força, qualquer procedimento comcerta solenidade pode servir a esse escopo: até o juízo de Deus, o sortilégio, ou o método do juiz deRABELAIS, que solenemente pesava as petições dos litigantes, dando ganho de causa à petiçãomais pesada. Mas se o escopo do processo for a decisão segundo a verdade e a justiça, o interessedo processo se concentra nos métodos da pesquisa da verdade, e sem mais se contentar com asformas externas, procura investigar os meandros lógicos e psicológicos da lide. Embora CALAMANDREI admitisse que o escopo do processo não é somente a busca daverdade, mas também a justiça da qual a verdade seria uma premissa, aqui podemos notar o quantoo célebre processualista prezava a verdade em detrimento do escopo da pacificação social (mesmoporque se tratava de premissa), quando hoje temos exatamente o contrário, em face dos conflitos da

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sociedade industrial e da emergência dos novos direitos, sem que com isso o processo civil se valhade ordálias e juízos de Deus, mas sim promova sua deformalização e celeridade. Hoje podemosdizer que a verdade não é premissa para a decisão justa, não só porque a decisão mesmo com basena verdade pode chegar atrasada e não ser justa, como também é possível obter decisões justas combase em simples verossimilhança ou probabilidade. CALAMANDREI entende que é preciso tornar a considerar o processo como instrumento darazão, e portanto, como método de conhecimento da verdade, e não como árido jogo de força edestreza. Essa visão instrumentalista do processo poderia ser objeto da mesma crítica que a Escolade Frankfurt fez à instrumentalidade da razão, mas infelizmente não há espaço para digreções sobreesse assunto no momento.

Para CALAMANDREI, a crise do proceso é substancialmente a crise da verdade (no queconcorda com CAPOGRASSI), e que é preciso voltar a "crer na verdade", habituar-se novamente alevar a sério a idéia de verdade. De fato, trata-se de uma crise que devastou o campo filosófico -como já vimos, supra - e penetrou o direito processual. O eminente autor italiano identifica a tendência a se colocar num mesmo plano sistemático oprocesso de conhecimento e o de execução forçada, com essa tendência filosófica, que invadiu oprocesso, de se privilegiar a vontade em detrimento da inteligência, e a autoridade em detrimento darazão. Quanto à crença na verdade, embora seja um slogan bonito, pode trazer suas conseqüências -entre as quais, a inviabilização dos juízos de verossimilhança e de probabilidade, e por conseguinte,as tutelas de urgência - como já referido supra. Quanto à vinculação entre filosofias de caráterautoritário e o colocar num mesmo plano sistemático o processo de conhecimento e a execuçãoforçada, parece-nos um equívoco devido à ideologia da separação entre cognição e execução - oque impede a utilização de medidas executivas no curso do processo de conhecimento, e ordinarizatodo o procedimento.

Segundo LUHMANN, a posição central do valor verdade e do conhecimento orientado paraele tem raízes antigas na história. Especificada a verdade no contexto da ciência, e vinculada arígidos pressupostos metodológicos, acabou fundamentada em torno dos processos de decisão. Comisso tornou-se difícil discordar de que "o conhecimento verdadeiro e a verdadeira justiça constituemo objetivo e conjuntamente a essência dos procedimentos juridicamente organizados (...). Segundoesta opinião, um procedimento constituiria, entre os outros papéis sociais, uma estrutura separada,com relativa autonomia, em que seria acionada uma comunicação com o objetivo de decisão certa(orientada para a verdade, legítima, justa)."

Para LUHMANN, é impossível "negar ao problema da verdade qualquer sentido prático parao procedimento jurídico ou contestar à verdade o seu valor. O que falta é uma teoria que possa pôrem dúvida o problema da verdade, tal como acontece no procedimento e que não aceite, a priori,que o procedimento preste serviço à verdade." Segundo a teoria sistêmica luhmanniana - cujagrande e reconhecida colaboração no campo sociológico está na categoria da complexidade -, a

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função da verdade no sistema social seria justamente a transmissão de reduzida complexidade.Nessa função, nenhum procedimento pode prescindir da verdade, sob pena de perder-se "num poçosem fundo de possibilidades sempre diferentes."

Paulo de Tarso Ramos RIBEIRO questiona a possibilidade da concepção luhmanniana"garantir a verdade das decisões judiciais em um contexto de grande complexidade das relaçõessociais, intensa reflexividade das normas e um número não quantificável de demandas de origemmultifária, que precisam ser decididas ou pelo menos encaminhadas, de sorte a que o sistema não seveja interrompido em sua dinâmica funcional". O autor adverte, nesse passo, que "a necessidade degarantir a possibilidade das decisões não pode chegar ao ponto de inviabilizar a obtenção simultâneada verdade das opções".

Como a verdade e a certeza são conceitos absolutos, DINAMARCO afirma categoricamenteque é impossível ter-se a segurança de se atingir a verdade, e de se obter a certeza em qualquerprocesso. "O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto aoconteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção destes nas categoriasadequadas. No processo de conhecimento, ao julgar, o juiz há de contentar-se com a probabilidade,renunciando à certeza, porque o contrário inviabilizaria os julgamentos. A obsessão pela certezaconstitui fator de injustiça, sendo tão injusto julgar contra o autor por falta dela, quanto julgarcontra o réu [grifos do autor]." Observe-se que o alto grau de probabilidade exigido porDINAMARCO no processo de conhecimento não se confunde com o juízo de probabilidade,característico das tutelas de urgência - caso contrário, seria incoerência do autor, aqui defenderjuízos de probabilidade (característicos das tutelas diferenciadas), e em outra obra, defender auniversalização do procedimento ordinário de conhecimento, sob o argumento de que osprocedimentos especiais são incompatíveis com a modernidade, posto que correspondem a "açõesprocessuais substancializadas". Trata-se de argumento intrassistemático (qual seja, absorto dentrodo sistema processual civil, destituído de qualquer fundamento ou justificativa social, ou quecorresponda a um efeito social favorável, posto que fundado apenas na necessidade - discutível - dese dar autonomia científica ao direito processual), preocupado apenas com a teorização eivada deartificialismo que é a utopia de uma ação processual única (em termos de rito procedimental) eabstrata para quaisquer tipos de conflitos.

Com relação à obsessão pela certeza, de que fala DINAMARCO, completa José EduardoFARIA afirmando que se trata de preocupação típica das cúpulas judiciais, porém preocupaçãoinsuficiente para atingir largas parcelas da população, dando origem a uma simbiose perversa entrelei e arbítrio, "em que o Estado de direito retrocede para o estado da natureza, em que a lei acabavalendo para alguns segmentos sociais mas não para todos, em que o Judiciário não se mostra capazde universalizar a aplicação dos mais elementares direitos humanos e sociais."

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O magistrado Lédio Rosa de ANDRADE entende que a busca da verdade não passa de umpretexto de que o juiz se utiliza para não decidir desde logo, enquanto "vai moldando a provasegundo seu desejo", já prevendo a decisão que tomará. Por isso, os meios de prova não seriamjamais idôneos para a busca da verdade, "bem como não existe a possibilidade dos fatos seremreconstituídos da forma como se deram no passado, sem qualquer interferência de conceitospessoais."

A busca da verdade, no processo civil, é um mito que tem se prestado à obstaculização demedidas de antecipação da tutela (quando aliada ao mito da neutralidade do juiz e do processo). Agrande contradição da doutrina tradicional tem sido a seguinte: por um lado, defendem o mito dabusca da verdade quando se trata de inviabilizar as tutelas de urgência; por outro lado, defendem oprincípio dispositivo, em detrimento da busca da verdade, que é a grande bandeira do princípioinquisitório.

É preciso dizer, então, que sendo mito, não há que se falar mais em busca da verdade. Logo,abre-se a possibilidade das tutelas de urgência, com base em verossimilhança e probabilidade. Issonão deve significar, no entanto, que deve-se manter o princípio dispositivo em matéria probatória.Só é preciso dizer que a possibilidade de medidas instrutórias ex officio não têm mais porfundamento a busca da verdade, mas sim um maior grau de verossimilhança na decisão.

7. PARA CONCLUIR

Disse Walter BENJAMIN que, enquanto existir um único mendigo, existirão mitos, e que sóa desaparição do último mendigo significaria a reconciliação do mito. Se existe uma idéia que tenha atravessado todo esse trabalho, essa idéia é a do mito. Oassunto obviamente era a neutralidade, mas encarada como mito, e inserido num quadro geral demitos positivistas da ciência, relacionados à neutralidade em seus vários aspectos. Esse prisma deestudo, que privilegia o aspecto mítico da neutralidade, teve a vantagem de permitir uma análisecrítica - no caso, crítica stricto sensu, já que com constantes aportes da Teoria Crítica da Escola deFrankfurt - e tendente à multidisciplinariedade - justamente na medida em que promoveu essesaportes. Ao finalizar um trabalho, a tendência é a de apresentar soluções. Não iremos, agora, retomarponto por ponto, e sequer resumiremos em poucas linhas todas as soluções apontadas pela doutrina,topicamente, a cada um desses pontos. Soaria descontextualizado, artificial, além do que seria umaredundância terrível.

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Então teríamos de apresentar soluções gerais? Não. Além de ser impossível imaginá-las demodo a serem aplicáveis às diversas situações que se apresentaram - o que violaria suasparticularidades, em nome de um princípio de identidade diversas vezes atacado pelosfrankfurtianos -, soaria extremamente demagógico. Entretanto, isso não é justificativa para o silêncio. E, por hora, basta uma só consideração:BENJAMIN está certo. Mendigos e mitos. A reconciliação do mito parece cada vez mais distante, ea solução obviamente não está no processo civil. Isso significa que, mais do que nunca, é impossívelabandonar agora as tarefas que nos foram postas pela Teoria Crítica. Ao menos a essas tarefas opresente trabalho, com todas as suas limitações, permaneceu fiel até o fim.

8. BIBLIOGRAFIA

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Arquivo retirado do endereço: http://fdir.uerj.br/rqi/arq/01/arq1.html

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