O “Novíssimo Cinema Brasileiro”

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    Cinmas dAmrique latine20 | 2012:

    Varia

    O novssimo cinema brasileiro.Sinais de uma renovao

    MARCELOIKEDA

    p. 136-149

    Traduction(s) :

    Le novssimo cinema brasileiro. Signes dun renouveau

    Rsums

    PortugusFranaisO cinema brasileiro passa por um processo de renovao, com o surgimento de uma gerao

    jovem que vem ganhando projeo nos cenrios nacional e internacional, designado por boa parteda crtica local como novssimo cinema brasileiro. margem do tpico modo de produo doaudiovisual local, baseado em leis de incentivo fiscal, esses filmes, de baixssimo oramento, forado Rio-So Paulo, (o principal eixo econmico do pas), possuem um arranjo colaborativo com ummodo de produo mais flexvel, em que o modo de constituio das equipes se afasta dashierarquias do set de filmagem de uma tpica produo industrial. Um exemplo so as produesdos coletivos Alumbramento (Cear), Teia (Minas Gerais) e Smio ou Trincheira (Pernam-buco).Realizados num entremeio entre a fico, o documentrio e as artes visuais,so exemplos de uma

    produo em que as relaes entre cinema e vida, como uma esttica da afetividade, extrapolamo prprio roteiro do filme e se instauram no prprio processo de produo da obra.

    Le cinma brsilien est entr dans un processus de rnovation, grce au rayonnement dunejeune gnration sur les scnes nationale et internationale que la critique locale dsigne commele novssimo cinema brasileiro*. En marge de lhabituel mode de production de laudiovisuellocal, bas sur des lois dincitations fiscales, ces films trs petits budgets, situs en dehors delaxe Rio-So Paulo, font appel une organisation collective avec un mode de production plusflexible dans lequel la constitution des quipes sloigne de la traditionnelle hirarchie du plateaude tournage dune production industrielle. Les films des collectifs Alumbramento (tat duCear), Teia (tat du Minas Gerais) et Smio ou Trincheira (tat du Pernambuco) en sont unexemple. Raliss mi-chemin entre la fiction, le documentaire, et les arts visuels, ils sontcaractristiques de ralisations o les relations entre le cinma et la vie, telle une esthtique delaffectivit, dpassent le propre scnario du film et sinstaurent jusque dans son processus deproduction.

    *On pourrait proposer la traduction franaise, le nouveau cinema novobrsilien qui renvoie aumouvement du cinema novo des annes 1960. [Note de la traductrice]

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    Entres dindex

    Mots-cls : cinma contemporain, cinma brsilien, novssimo cinema brasileiro, collectifscinmatographiques,Alumbramento, Teia, Smio Filmes, Trincheira Filmes, films petits

    budgetsPalabras claves : cinema contemporneo, cinema brasileiro, novssimo cinema brasileiro,coletivos cinematogrficos,Alumbramento, Teia, Smio Filmes, Trincheira Filmes, filmes de

    baixo oramento

    Texte intgral

    Um lugar ao sol(2009) de Gabriel Mascaro

    A a legria(2010) de Felipe Bragana et Marina Meliande

    O cinema brasileiro passa por um processo de renovao, com o surgimento de umagerao jovem que vem ganhando projeo nos cenrios nacional e internacional. O anode 2010 foi um ano-chave nesse movimento, cristalizado em dois momentos: aparticipao de A alegria, de Felipe Bragana e Marina Meliande, na Quinzena dosRealizadores, evento paralelo ao Festival de Cannes, e as premiaes de melhor filme edireo para O cu sobre os ombros, de Srgio Borges, no 43 Festival de Braslia doCinema Brasileiro. Ou seja, de um lado, com a presena no mais prestigioso festivalinternacional de cinema e, de outro, recebendo os principais prmios do mais

    tradicional festival de cinema no Brasil.

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    A crescente participao em festivais nacionais e internacionais comprova o caminhode amadurecimento dessa nova gerao, dando visibilidade a um conjunto de filmesainda pouco vistos, mas cujo potencial claramente perceptvel. Acredito que possveldizer que esses realizadores formam uma gerao, mais do que propriamente ummovimento. Trata-se de filmes com propostas estticas com diferenas significativasentre si, que surgem em diferentes contextos e regies geogrficas do pas. Por isso, oslimites que circunscrevem esse sentimento de renovao no so imediatamentereconhecveis: muitas vezes so tnues, movedios. No formam um bloco de filmeshomogneo, como se uma obra fosse meramente o prolongamento ou umacontinuidade direta de um filme anterior. Mas, apesar dessas diferenas, possvel

    traar alguns sinais em comum nesses filmes. Para identificar alguns desses sinais, preciso recuar um pouco no tempo, para descobrir as origens desse movimento derenovao.

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    No incio dos anos noventa, o cinema brasileiro passou por uma abrupta

    descontinuidade. O presidente Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleitopelo regime democrtico aps a queda do regime militar no pas, provocou mudanasradicais na economia interna, guiadas por um iderio de base neoliberal, com uma fortereestruturao do Estado, iniciando um agudo movimento de privatizaes e umagrande abertura comercial, abolindo as barreiras alfandegrias. Essas medidas, aliadasa uma forte restrio ao crdito, como tentativa de controle do processo inflacionrio,provocaram uma recesso de graves propores. No campo da cultura, o impacto foiimediato: o Ministrio da Cultura foi transformado numa simples secretaria degoverno. Atravs de um nico decreto, as principais instituies pblicas responsveispelo apoio ao cinema brasileiro foram extintas. As repercusses foram fulminantes: semo apoio estatal, o mercado cinematogrfico brasileiro foi completamente dominado pelo

    produto hegemnico estrangeiro. Em 1991 e em 1992, a participao do cinemabrasileiro no mercado interno foi inferior a 1%.

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    Aps o impeachmentdo presidente Collor, houve o restabelecimento de uma polticaestatal de promoo atividade cinematogrfica. No entanto, diferentemente doperodo anterior, nos anos setenta e oitenta, em que um forte rgo estatal aEmbrafilme S.A. atuava diretamente no mercado cinematogrfico, produzindo edistribuindo os filmes brasileiros, em meados dos anos noventa o modelo deinterveno estatal se baseou no fomento indireto, com uma partilha deresponsabilidades entre o Estado e o mercado, com o objetivo de recuperar umaparticipao de mercado. Com isso, desenvolveu-se uma poltica de incentivos fiscais,com a qual os projetos audiovisuais passaram a ser realizados a partir do aporte de

    recursos de pessoas fsicas ou jurdicas, que pode ser abatido, parcial ou integralmente,em sua respectiva declarao de imposto de renda. A Lei Rouanet (Lei n 8.313/91) e aLei do Audiovisual (Lei n 8.385/93), com seus diversos aprimoramentos e algunsmecanismos de incentivo complementares, tornaram-se a base do apoio pblico produo cinematogrfica brasileira. Os pressupostos desse modelo eram de base

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    A a lma do osso(2004) de Cao Guimares

    industrialista, prevendo a aproximao das empresas produtoras brasileiros cominvestidores privados, estimulando a competitividade de obras.

    Os motivos para que essa poltica no alcanasse plenamente seus resultadosdesejados so complexos e fogem ao alcance deste texto. O que procuro aqui apontar que, na ltima dcada do sculo passado, o cinema brasileiro ainda pemanecia sob oprocesso da retomada, assombrado pelos atos do Governo Collor que continuavam apairar pela classe cinematogrfica como um verdadeiro fantasma. Era como se cadaobra brasileira carregasse consigo o fardo da comprovao da necessidade de

    sobrevivncia de todo um cinema brasileiro. Alm disso, com esse modelo definanciamento, eram naturalmente privilegiadas obras que tivessem uma maiorexpectativa de retorno comercial, favorecendo o processo de captao de recursos,despertando o interesse dos gerentes de marketing das empresas privadas, que viam noaporte de recursos,uma oportunidade de exposio de suas marcas.

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    Dessa forma, os caminhos para que um cineasta estreante pudesse realizar seuprimeiro longa-metragem eram bastante restritos. A captao de recursos para projetoscom pouco apelo comercial era naturalmente lenta e ainda mais difcil por se tratar derealizadores estreantes. Esse processo fez com que diversos realizadores extremamentetalentosos demorassem mais de dez anos para que pudessem finalmente realizar seuprimeiro longa-metragem, mesmo com diversos prmios como curta-metragistas nocurrculo. Entre outros, podemos citar nesse contexto realizadores como GustavoSpolidoro, Paulo Halm, Eduardo Nunes, Camilo Cavalcante, Kleber Mendona Filho. Amaior parte desses realizadores apenas conseguiu realizar seu primeiro longa atravs deum edital especfico do Ministrio da Cultura, direcionado a filmes de baixo oramento.Ou seja, atravs de um edital que envolvia recursos diretos do ministrio e no acaptao de recursos atravs das leis de incentivo fiscal. Mas como esse edital premiavaapenas cinco projetos por edio, que no se realizava anualmente, era enorme ademanda de projetos por esses recursos naturalmente escassos.

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    Ou seja, de um lado as leis de incentivo fiscal foram responsveis pelo chamadoprocesso de retomada do cinema brasileiro, recobrando a produo cinematogrficanacional do coma induzido pelo Governo Collor. Atravs desse modelo definanciamento, foram produzidas obras seminais como Central do Brasil (WalterSalles), Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Ktia Lund), Carandiru (HectorBabenco) e Tropa de elite(Jos Padilha) que, entre outros filmes, projetaram o cinema

    brasileiro no exterior, atravs de sua participao em festivais internacionais deprestgio como o de Cannes ou Berlim. No entanto, por outro lado, as leis de incentivono conseguiam viabilizar um conjunto de projetos mais radicais que no atraam nemo interesse de investidores privados nem se enquadravam no perfil dos editais pblicos.Jovens realizadores com projetos mais arriscados no conseguiam se inserir na polticaoficial de financiamento.

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    No incio do novo sculo, esse cenrio apresentou paulatinamente algumasalternativas, apontando para a possibilidade de um outro modelo de produo,alternativo ao financiamento pblico. Essas alternativas esto diretamenterelacionadas difuso da tecnologia digital. A ampla disseminao do digitalpossibilitou no somente novos paradigmas para a produo de novas obras, mastambm, para a difuso das mesmas. Quanto produo, o digital permitiu arealizao de obras em vdeo mais baratas e com produo mais gil. Ou seja, alm depermitir a realizao de obras sem a necessidade de estruturar um projeto paraparticipar de editais pblicos, o vdeo permitiu que os filmes pudessem ser produzidosmediante um outro arranjo de produo. Tornava-se possvel, por exemplo, realizar um

    vdeo sem funes tcnicas definidas, ou ainda, que todo o processo fosse mais flexvel.Com o vdeo, o financiamento pblico passou a ser uma possibilidade, mas no a nicaalternativa para a produo de filmes no pas.

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    Avenida Br asilia Formosa(2010) de Gabriel Mascaro

    No entanto, quando esses novos vdeos eram realizados, havia um entrave para suaexibio, j que os festivais de cinema em sua grande maioria apenas exibiam obras empelcula cinematogrfica. A crescente profuso do vdeo acabou naturalmente levando

    busca de novos espaos de exibio, que pudessem refletir a variedade das novas formasde produo. A principal forma de escoamento dessa produo acabava sendo oscineclubes que, no incio dos anos 2000, comearam a ter um aumento expressivo.

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    Ou seja, uma transformao da tecnologia (ou da tcnica) despertava novaspossibilidades, mostrando um novo modo de produo, abandonando a dependnciade um certo modelo de financiamento, e apontando a necessidade de uma nova formade circulao dessas obras. O circuito fechado comeava a se abrir, a se ampliar paranovas perspectivas. O cineclube tornou-se no somente um lugar de exibio dessesnovos filmes mas, essencialmente, um ponto de encontro dessa nova gerao. Emparaelo, ao longo do sculo XXI, comearam a surgir festivais no Brasil que davamespao para as novas obras audiovisuais que eram produzidas nesse novo contexto eque no conseguiam abrigo nos mais tradicionais festivais de cinema do pas, ainda

    voltados para uma outra lgica de circulao, destacando-se como centros de refernciana difuso de novos formatos audiovisuais, como a Mostra do Filme Livre (RJ), aMostra de Tiradentes (MG) e o Festival CineEsquemaNovo (RS), entre alguns outros.

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    No mesmo perodo comeou a surgir uma nova gerao na crtica cinematogrfica,especialmente atravs da internet. Como um contraponto crtica estabelecida no pas,essa jovem gerao de crticos foi importante na renovao do esprito cinfilo, comespecial ateno para o surgimento de um cinema contemporneo. Atravs de sitescomo a Contracampo ou a Revista Cintica, importantes realizadores como Jia Zhang-

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    Ke, Naomi Kawase, Wang Bing, Claire Denis, Apichatpong Weerasethakul, LucreciaMartel, Carlos Reygadas ou Lisandro Alonso comearam a receber destaque pelainventividade de seus filmes. Alm do estmulo a um novo olhar para a cinefilia, essescrticos tambm se engajaram na curadoria de mostras e festivais de cinema, como aMostra de Tiradentes e a Semana dos Realizadores, que vm dedicando um importanteespao para um cinema brasileiro mais ousado. Alm de crticos e curadores, elestambm se envolveram na realizao de filmes. Esse o caso de Eduardo Valente, cujofilme de estreia,No meu lugar, foi exibido no Festival de Cannes, e de Felipe Bragana e

    Marina Meliande, do j citado A alegria, todos egressos do Curso de Cinema daUniversidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, e que escreveram para aspginas virtuais da Contracampoe daRevista Cintica .

    Surgia um cinema que acreditava na precariedade como potncia e via no processo, eno necessariamente no produto final, um dos pontos-chaves de uma nova forma deproduo, menos hierarquizada e mais flexvel, dialogando com o documentrio e coma videoarte, que via uma relao de cumplicidade entre o cinema e o mundo, entre acriao e a vida. Um cinema que surgia a partir de um certo inconformismo diante deum recente cinema brasileiro (e dos rumos do prprio pas) mas tambm encantadocom as possibilidades de testar os limites de algo que no se sabia bem o que era. Eramfilmes de descoberta, confusos, desiguais, que misturavam bitolas e refernciasdspares, num grande caldo de raiva e desejo, insatisfao e maravilhamento.

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    Ao longo destes dez anos a primeira dcada de um novo sculo , essa geraocaminhou para um amadurecimento de seus rumos, aprofundando seu processocriativo, de modo que hoje possvel afirmar que esta atitude constitui uma nova cena.Dos primeiros curtas-metragens em vdeo, foi crescendo a certeza de que tambm erapossvel fazer longas-metragens com o mesmo esprito criativo, com o mesmo modo deproduo. O tabu do primeiro longa para alguns realizadores foi quebrado. Nosltimos anos, um conjunto de longas-metragens foi produzido sem nenhumfinanciamento estatal ou com oramentos menores que R$200 mil (US$100 mil). Entreeles, podemos citar: Estrada para Ythaca, Os monstros e No lugar errado (GutoParente, Luiz e Ricardo Pretti, e Pedro Digenes), A fuga da mulher gorila (FelipeBragana e Marina Meliande), O cu sobre os ombros (Srgio Borges), Meu nome

    Dindi (Bruno Safadi), Sbado noite (Ivo Lopes Arajo), Pacific (Marcelo Pedroso),Acidente (Pablo Lobato e Cao Guimares), Um lugar ao sol e Avenida BrasliaFormosa(Gabriel Mascaro), Me e filha (Petrus Cariry), A casa de Sandro (GustavoBeck) e Chantal Akerman, de c (Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira), entre tantosoutros, com grande repercusso crtica nacional e com participao em importantesfestivais internacionais, como Cannes, Locarno ou Roterd.

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    Em contraposio ao modelo dos polos de produo grandes centros queconcentram uma infraestrutura cinematogrfica robusta, baseada em estdios deproduo , a acessibilidade das tecnologias digitais apontou para um modo deproduo baseado em redes, em que pequenos ndulos de produo so interligadosatravs de relaes fluidas. Existe, portanto, uma multiplicao de pequenos tomos deproduo, gerando uma descentralizao dos processos de produo. Enquanto ospolos se baseiam numa concentrao geogrfica, que geraria economias de escala e deescopo (Hollywood, Vera Cruz, Projac), as redes se estabelecem atravs de relaesdinmicas, de baixo custo e alta flexibilidade. Reduzindo enormemente os custos fixos,este modelo alternativo de produo se estrutura atravs da circulao dessas obras,possibilitada especialmente pela internet (youtube, vimeo) e pelos circuitos de difusono-comerciais (cineclubes, festivais, itinerncias). Diferentemente das bases de umcinema industrial, voltado para os segmentos de mercado tradicionais e com umaestrutura de produo rgida e basicamente fabril, surgia um cinema ps-industrial,cujo mote a flexibilidade e o dinamismo, apoiado nas redes da internet.

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    Dessa forma, no Brasil tem recebido destaque um conjunto de realizadores,chamados pela nova crtica de novssimo cinema brasileiro. Acredito que esse termooferece margem para muitos mal entendidos, por promover uma associao com ocinema novo brasileiro que est longe de ser imediata. De qualquer forma, seja qual for ortulo que se designe, ele aponta para a emergncia de um novo modelo de produo,que no se resume s duas principais metrpoles brasileiras (o eixo Rio-So Paulo) e

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    Estrada para Ythaca(2010) de Guto Parente, Luiz et Ricardo Pretti et Pedro Digenes

    com a nfase em processos colaborativos e com baixssimos oramentos, muitos delesrealizados sem leis de incentivo.

    Um exemplo o coletivo Alumbramento, sediado em Fortaleza, Cear, no Nordestedo pas. EmEstrada para Ythaca, os quatro realizadores exercem todas as funes deproduo, entre a direo, o roteiro, a fotografia, o som direto, a montagem, e sendo,inclusive, atores de seu prprio filme. Dessa forma, a rgida hierarquia do set defilmagem de uma produo tipicamente industrial, comandada pelo diretor ou peloprodutor, rompida, com uma forma de produo colaborativa, em que o processo

    criativo no se d mais pela organizao da diviso do trabalho em categorias tcnicasisoladas, mas sim, por um modo de produo mais flexvel, em que as decisescriativas so pensadas de uma forma orgnica. Ythacafoi integralmente produzido semfinanciamento pblico, com os recursos dos prprios realizadores, numa produo de

    baixssimo oramento, de menos de R$10 mil (US$5 mil). A partir da intensarepercusso na Mostra de Tiradentes de 2010, tornou-se quase um smbolo dessa novagerao de realizadores, pela maneira do seu processo de produo que reflete novos

    valores sobre a juventude e sobre a cinefilia. No filme, quatro amigos num bar resolvempegar a estrada para buscar os rastros de um quinto amigo, morto, que supostamenteestaria em Ythaca. No entanto, mais importante do que chegar a Ythaca est o prpriopercurso dessa viagem. O humor atpico que surge desse improvvel road movieacompanha com doses de irreverncia uma narrativa episdica, em que seu prprioprocesso aponta para a incompletude desse percurso. O importante que esses amigosesto juntos, e, enquanto juntos, vivem e evidentemente filmam. A precariedadedesse modo de produo revela-se como uma fora inesperada, como uma aposta emum radical projeto de amizade, em que filmar viver, e viver filmar.

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    Os monstros, filme seguinte dos mesmos realizadores (Guto Parente, Luiz Pretti,Pedro Digenes e Ricardo Pretti), aprofundam a importncia do tema da amizade e doprocesso de produo como espelho da prpria obra. Levemente inspirado porA canoda esperana, de John Cassavetes, mostra o drama de quatro amigos msicos(novamente os prprios realizadores) que abandonam seus empregos para tentar viverde seu processo criativo. Apesar de rejeitados pelo pblico, a amizade surge comorefgio e aposta num processo mais ntimo de expresso pessoal. Desse modo, Osmonstros revelam-se quase como uma declarao de princpios sobre o papel daamizade, que no se limita ao roteiro da obra, mas que se torna a base em si de seuprprio processo de realizao.

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    Uma das caractersticas dessa nova gerao a forte presena do documentrio, ou18

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    ainda, em como os filmes exploram os limites fronteirios entre a fico, odocumentrio e as artes visuais. De fato, desde o processo de retomada do cinema

    brasileiro em meados dos anos noventa, o documentrio teve intensa repercusso, noapenas entre a nova gerao. Em Minas Gerais, houve o florescimento de um conjuntode filmes que dialogam com uma tradio da videoarte local, com artistas como derSantos, com um forte apelo visual. Entre esses, destaca-se o trabalho de CaoGuimares.A alma do osso poderia ser pensado a princpio como um documentriosobre Seu Dominguinhos, acompanhando sua rotina diria. No entanto, como esse

    personagem vive quase como um ermito, Cao Guimares oferece um mnimo deinformaes (apenas ao final sabemos, por exemplo, o nome de Seu Dominguinhos),transformando seu filme num entremeio entre o documentrio e o ensaio visual,livremente adaptando a vida interior desse personagem atravs de novos arranjosestticos, mesclando diversas bitolas (especialmente com o uso do Super8), buscandonovas texturas tanto na imagem quanto no som. Acidente, realizado em parceria comPablo Lobato, percorre vinte cidades do interior de Minas Gerais, formando, atravs dosnomes dessas cidades, um poema, cuja estrutura se faz visvel ao final do percurso. Damesma forma, o olhar dos realizadores por essas cidades interioranas no a da prosadocumental descritiva mas, um inventrio essencialmente potico, deixando-seperder pelas texturas das imagens e por seu tempo especfico, como seu prprio ttuloprenuncia. Mais do que informaes sobre o interior de Minas Gerais, os realizadorescompartilham um modo de viver, uma geografia ntima que desponta de umacombinao entre o acaso (o que o olhar descobre a partir do instante, sem umapesquisa prvia) e um forte rigor na composio dos planos e dos tempos, com umantida influncia das artes visuais. J Andarilho, exibido na Mostra Orizzonti doFestival de Veneza, acompanha a peregrinao de trs andarilhos, com uma oscilaoentre uma delicada observao dos passos desses personagens pela estrada e umadureza quase agressiva em registrar a radical opo desses indivduos, margem de umsistema.

    Em Minas Gerais, tambm destacam-se as obras da Teia, que junto com oAlumbramento, o mais representativo coletivo cinematogrfico dessa nova gerao.Marlia Rocha realizou trs longas-metragens de base documental. Aboio, cujo ttuloremete ao cntico particular que os vaqueiros utilizam para conduzir o gado, umpercurso pelas tradies das regies semiridas da caatinga. O prprio ttulo j apontapara um trabalho muito peculiar com os timbres sonoros, que evocam umamusicalidade ancestral, revisitada por um olhar potico. O papel da memria tambmest presente emAccio, promovendo uma ponte entre os traos culturais da Angola,de Portugal e do Brasil, atravs de um retrato ntimo das memrias de um casal deimigrantes, investigando como os rastros do passado ainda permanecem no presentedesses senhores atravs das imagens. Por fim, A falta que me faz, num ttulo de difciltraduo para outro idioma, observa, de forma bastante delicada, o cotidiano de umgrupo de mulheres na Serra do Espinhao, no interior de Minas Gerais, em que suas

    vidas comuns so embaladas por sonhos e incertezas, num registro ntimo de umcinema feminino regido pela lgica do afeto, pelo sbrio encantamento com odesvelamento da beleza simples de suas pequenas aes.

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    O j citado O cu sobre os ombros um exemplo paradigmtico do criativo trabalhocoletivo dessa nova gerao de realizadores, com uma grande nfase em novosprocessos de produo. Apesar de ser dirigido por uma nica pessoa (o realizador SrgioBorges), em sua equipe de produo existe a presena de outros realizadores, comoClarissa Campolina (assistente de direo), Ricardo Pretti (montagem) e Ivo Lopes

    Arajo (fotografia), sendo que os dois ltimos so membros do j citadoAlumbramento. Dessa forma, a separao entre funes tcnicas apenas aparente, jque esses membros so tambm realizadores, e no meramente tcnicos que contribuemisoladamente para a elaborao da obra. Dessa sinergia, surge um processocolaborativo, que une realizadores de regies geogrficas distintas, fora do eixo Rio-SoPaulo. Se os dois coletivos j trabalhavam de forma cooperativa, O cu sobre os ombrosinaugura uma estreita parceria entre os dois mais representativos coletivos do cinemacontemporneo brasileiro.

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    O cu sobre os ombros acompanha a rotina de trs personagens incomuns: a21

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    O cu sobre os ombros(2010) de Srgio Borges

    Me e filha(2011) de Petrus Cariry

    transsexual Evelyn, o hare krishna Murari e o escritor de origem africana Lwei. Noentanto, nada no filme parece procurar o suposto exotismo desses personagens. incrvel como o filme se equilibra entre uma encenao sbria, precisa e econmica, euma grande intimidade no desvelamento dessa rotina. Sua estratgia de abordagemoscila entre a fico e o documentrio, quando, a partir do conhecimento das histriasde vidas desses personagens, Srgio Borges, com a ajuda de uma roteirista, criousituaes narrativas para que essas experincias pudessem ser vivenciadas na tela. como se esses personagens representassem a si mesmos, e, com isso, passassem a

    vivenciar novamente suas prprias vidas. As relaes entre representao e vidatornam-se, dessa forma, difusas, menos triviais.

    Alm de Fortaleza, outra cidade do Nordeste que conta com uma vigorosa cena local Recife, com filmes de produtoras/coletivos como a Smio Filmes e a Trincheira Filmes.Gabriel Mascaro realizou Um lugar ao sol, colhendo depoimentos de moradores decoberturas de luxo em trs cidades brasileiras, compondo um painel crtico seja de umaalta classe social, cuja presena no documentrio brasileiro bastante restrita, seja doprocesso de verticalizao urbano tpico das grandes metrpoles brasileiras. Emseguida, deixou os claustrofbicos lares da classe alta para se voltar para o modo de

    vida de um bairro da periferia de Recife em Avenida Braslia Formosa. A arquitetura

    peculiar desse bairro se revela uma geografia humana atravs de uma mise en scneinventada, mas que convive com os personagens. Os limites entre fico edocumentrio se esgaram: a partir de uma pesquisa com moradores locais, Mascaroelaborou um roteiro ficcional, selecionando pessoas para que vivessem as situaespara a cmera. Dessa forma, em muitos momentos, o filme segue uma decupagem mais

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    Um lugar ao sol(2009) de Gabriel Mascaro

    Table des illustrations

    prxima da fico, apesar de possuir um despojamento tipicamente documental.Marcelo Pedroso realizou uma contribuio muito original ao documentrio brasileiro

    contemporneo com o polmico Pacific. O filme acompanha alguns hspedes de umcruzeiro martimo de final de ano, entre Recife e Fernando de Noronha. No entanto,Pedroso no filma um nico plano: ele se utiliza das imagens produzidas pelos prprioshspedes do Pacific. A apropriao dessas imagens caseiras, realizadas por amadores,aponta para uma autorrepresentao do sentido da prpria viagem para os seuspassageiros. Com isso, atravs de uma montagem meticulosa, Pedroso produz uma

    curiosa oscilao entre uma crtica futilidade de um modo de vida burgus e um certofascnio diante de uma possibilidade de alegria despretensiosa, de viver a vida comuma leveza sem culpas. Por isso, no seria exagero afirmar que se trata do maiscontundente retrato da classe mdia brasileira realizado nos ltimos anos.

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    Outros realizadores e filmes dessa gerao ainda podem ser citados, embora sejammenos conhecidos, por no terem sido exibidos em festivais internacionais, como Osangue segue sua boca(Dellani Lima),Mulher tarde(Affonso Uchoa),Morro do Cu(Gustavo Spolidoro), Vigias (Marcelo Lordello), Estado de stio (projeto coletivorealizado por oito diretores mineiros), Harmonia do inferno (Gui Castor), Lngua debrincar(Gabriel Sanna), O quadrado de Joana(Tiago Mata Machado). Outros filmespodem ser includos nessa cena, apesar de contar com uma maior estrutura deproduo, contemplados em editais pblicos, como Trabalhar cansa(Juliana Rojas eMarco Dutra), Belair (Bruno Safadi), Girimunho (Helvcio Marins Jr. e ClarissaCampolina), Estrada real da cachaa (Pedro Urano),Ainda Orangotangos (GustavoSpolidoro), O gro (Petrus Cariry), Os residentes (Tiago Mata Machado) e Histriasque s existem quando lembradas(Julia Murat), entre outros.

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    Os filmes dessa nova gerao ainda permanecem pouco vistos, restritos ao circuito demostras e festivais de cinema, j que o lanamento comercial no mercado de salas decinema extremamente concentrado, onde trs ou quatro filmes ocupam mais dametade do circuito exibidor do pas, dominado pelos multiplexes. Ainda assim, em2011 vrios desses filmes comeam a ser lanados no circuito comercial brasileiro,despertando o interesse de distribuidoras alternativas, em especial a Vitrine. Dessemodo, a visibilidade desses filmes comea a aumentar, apontando para o vigor dessanova cena. possvel afirmar, portanto, que, mesmo j contando com um conjuntonotvel de filmes, o novssimo cinema brasileiro est apenas comeando.

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    Titre Um lugar ao sol(2009) de Gabriel Mascaro

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    Titre A alegria(2010) de Felipe Bragana et Marina Meliande

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    Titre A alma do osso(2004) de Cao Guimares

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    Titre Avenida Brasilia Formosa(2010) de Gabriel Mascaro

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    Titre Estrada para Ythaca(2010) de Guto Parente, Luiz et Ricardo Pretti et

    Pedro Digenes

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    Titre O cu sobre os ombros(2010) de Srgio Borges

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    Titre Me e filha(2011) de Petrus Cariry

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    Titre Um lugar ao sol(2009) de Gabriel Mascaro

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    Pour citer cet article

    Rfrence papier

    Marcelo Ikeda, O novssimo cinema b rasileiro. Sinais de uma renovao , CinmasdAmrique latine, 20 | 2012, 136-149.

    Rfrence lectro nique

    Marcelo Ikeda, O novssimo cinema b rasileiro. Sinais de uma renovao , CinmasdAmrique latine[En ligne], 20 | 2012, mis en ligne le 18 avril 2014, consult le 03 juillet 2016.URL : http://cinelatino.revues.org/597

    Auteur

    Marcelo IkedaProfessor do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal do Cear. Mestre emcomunicao pela Universidade Federal Fluminense. Realizador de diversos curtas-metragens, como O posto(2005), hoje(2007) e Carta de um jovem suicida (2008). Crtico decinema, especialmente na internet, mantendo o blog www.cinecasulofilia.blogspot.com. Autordo livro Cinema de garagem: um inventrio afetivo sobre o jovem cinema brasileiro do sculo

    XXI. Curador da Mostra do Filme Livre.

    Droits dauteur

    Cinmas dAmrique latine est mis disposition selon les termes de la licence CreativeCommons Attribution - Pas d'Utilisation Commerciale - Pas de Modification 4.0 International.

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