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305 : V.3 N.2| P. 305 - 330 | JUL-DEZ 2007 6 I O Professor David Trubek concordou em receber a Revista Direito GV para esta entrevista em um domingo, logo após chegar ao Brasil de uma viagem do Egito. Sua ligação com nosso país, que remonta aos anos 60, inclui relações com a academia, o mundo político e a iniciativa privada. Por isso mesmo sabía- mos de antemão que sua agenda estaria repleta de compromissos, inclusive uma conferência na Escola de Direito da FGV de São Paulo. Por esta razão, o dia e as circunstâncias do encontro não provoca- ram nenhuma surpresa. O que sur- preendeu a todos naquele fim de tarde do dia 27 de maio de 2007 foi o entu- siasmo e o senso de humor que o entre- vistado demonstrou nas mais de duas horas da conversa que se seguiram. Ao deixarmos o hotel em que fize- mos a entrevista, além das respostas substantivas oferecidas a todas as nossas perguntas, ficou a certeza de que um dos principais meios de expressão de nosso entrevistado é a ironia. Não uma ironia negativa, de extração socrática, cujo objetivo é expor a ignorância do interlocutor, 1 mas uma ironia positiva que pretende explicitar as ambigüidades do mundo em busca de novas alternati- vas para resolver os problemas sociais. Como ficará claro ao longo da entrevista, especialmente na análise da posição do Banco Mundial, Trubek usa seu o olhar de jurista e sociólogo para apresentar as questões que o preocu- pam rente à ação e aos dilemas enfren- tados pelos agentes sociais. Seu esforço é fazer justiça às dificuldades do mundo prático sem reduzi-lo a regras univer- sais ou a teorias abrangentes, suposta- mente capazes de determinar completa- mente a ação em concreto. José Rodrigo Rodriguez (coordenação) Ana Mara Machado, Luisa Ferreira, Gisela Mation, Rafael Andrade, Bruno Pereira O NOVO DIREITO E DESENVOLVIMENTO: ENTREVISTA COM DAVID TRUBEK THE NEW LAW AND ECONOMIC DEVELOPMENT: AN INTERVIEW WITH DAVID TRUBEK 12_REV6_p305_330 11/9/07 9:34 PM Page 305

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IO Professor David Trubek concordouem receber a Revista Direito GV para estaentrevista em um domingo, logo apóschegar ao Brasil de uma viagem doEgito. Sua ligação com nosso país, queremonta aos anos 60, inclui relaçõescom a academia, o mundo político e ainiciativa privada. Por isso mesmo sabía-mos de antemão que sua agenda estariarepleta de compromissos, inclusive umaconferência na Escola de Direito da FGVde São Paulo. Por esta razão, o dia e ascircunstâncias do encontro não provoca-ram nenhuma surpresa. O que sur-preendeu a todos naquele fim de tardedo dia 27 de maio de 2007 foi o entu-siasmo e o senso de humor que o entre-vistado demonstrou nas mais de duashoras da conversa que se seguiram.

Ao deixarmos o hotel em que fize-mos a entrevista, além das respostas

substantivas oferecidas a todas as nossasperguntas, ficou a certeza de que umdos principais meios de expressão denosso entrevistado é a ironia. Não umaironia negativa, de extração socrática,cujo objetivo é expor a ignorância dointerlocutor,1 mas uma ironia positivaque pretende explicitar as ambigüidadesdo mundo em busca de novas alternati-vas para resolver os problemas sociais.

Como ficará claro ao longo daentrevista, especialmente na análise daposição do Banco Mundial, Trubek usaseu o olhar de jurista e sociólogo paraapresentar as questões que o preocu-pam rente à ação e aos dilemas enfren-tados pelos agentes sociais. Seu esforçoé fazer justiça às dificuldades do mundoprático sem reduzi-lo a regras univer-sais ou a teorias abrangentes, suposta-mente capazes de determinar completa-mente a ação em concreto.

José Rodrigo Rodriguez (coordenação)Ana Mara Machado, Luisa Ferreira, Gisela Mation, Rafael Andrade, Bruno Pereira

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THE NEW LAW AND ECONOMIC DEVELOPMENT: AN INTERVIEW WITH DAVID TRUBEK

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Seja no que se refere ao Direito eDesenvolvimento, seja quanto aos diver-sos problemas sociais que enfrentamos,Trubek não acredita em fórmulas pron-tas, capazes de resolver em abstrato eantecipadamente os problemas da vidacotidiana. Para ele, é preciso construirsoluções contextualizadas a partir de umcerto ponto de vista (sempre limitado eparcial) e refletir sobre elas na esperan-ça de alcançar respostas cada vez maiseficientes, legítimas e justas.

Nesse realismo desencantado quenão abre mão da sofisticação teórica emantém o olhar focado na singularidadedo mundo em concreto, acreditamosidentificar a influência de Max Weber,autor sobre o qual Trubek escreveu umartigo clássico, central para o estudo desua Sociologia do Direito.2

Como o leitor poderá perceber ao leresta entrevista, Trubek mostra que osdilemas do Direito e do Desenvolvimentonão podem ser resolvidos com passes demágica. Trata-se de um trabalho árduoque exige reflexões constantes, alimenta-das por dados sobre as práticas reais ecapazes de avaliar as soluções adotadas nabusca por novas possibilidades.Tudo isso,sem a garantia de verdades absolutassobre a relação entre Direito e oDesenvolvimento, eficiência e distribui-ção, igualdade e liberdade.

Ao escolher a ironia como forma deexpressão,Trubek nos remete a um uni-verso desencantado, órfão de respostasinequívocas e condenado a construir opróprio futuro sem qualquer garantia apriori. O sujeito (pós) moderno, premi-do pelas necessidades práticas, precisa

tomar decisões imerso em num mundomarcado pela diversidade de tradições,etnias, posições políticas, concepçõeseconômicas, etc. Num contexto comoesse, toda solução é parcial e temporá-ria, toda teoria é falível e necessita derevisão constante; nenhuma verdadepode se pretender universal e definitiva.

Adotar a ironia é uma decisão arris-cada, afinal, “No discurso irônico, todaposição solapa a si mesma, deixandoassim o escritor politicamente engajadonuma posição em que o discurso irônicopoderia começar a desconstruir sua pró-pria política”.3 Levar a ironia até o fimpode significar abrir mão da defesa dequalquer posição, solapar qualquercrença e entregar-se à indiferença quan-to aos rumos da humanidade.

No entanto, essa forma do discurso,a “linguagem ambígua dos temposmodernos”,4 aparece na voz de Trubekpara negar o dogmático, o unilateral,sempre acompanhada da crença naemancipação da humanidade. Para queseja possível abrir espaço para pensa-mentos novos, novas possibilidades,novas soluções, é preciso explicitar aambigüidade de argumentos e teoriasque inspiram autoridade e respeito5.Nesse sentido específico, a ironia seconfunde com o pensamento, sempreem busca do novo, do inaudito.

Mais de 30 anos após escrever seuúltimo texto sobre o assunto, o famosoScholars in self estrangement de 19746

(em co-autoria com Marc Galanter),David Trubek resolveu retomar o examedos problemas do Direito eDesenvolvimento e ajudar a reabrir esse

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campo de estudos. Para compreendermelhor a entrevista que se segue éimportante traçar, ainda que brevemen-te, sua trajetória intelectual até o livroThe new law and economic development lan-çado no final do ano passado. De fato,esta entrevista foi motivada, principal-mente, pelo lançamento do livro e pornosso interesse na discussão da relaçãoentre Direito e Desenvolvimento. Apósesta exposição, que nos ocupará pelaspróximas páginas, seguirá a transcriçãode seus principais trechos.7

IIÉ difícil descrever a trajetória intelectualdo Professor Trubek em poucas linhas.Em mais de 40 anos de vida acadêmicanosso entrevistado dedicou-se a váriosassuntos, como se pode perceber porsuas últimas publicações, que tratam deTeoria do Direito, Direitos Sociais e deDireito e Desenvolvimento.8 Para fugirda superficialidade, após uma rápidaexposição de sua formação, privilegiare-mos sua atuação no campo do Direito eDesenvolvimento, que inclui uma passa-gem pelo Brasil. Essas informações serãoúteis para que o leitor compreenda algu-mas passagens da entrevista, que seseguirá a esta breve apresentação.

David Trubek ocupa atualmente docargo de professor emérito daUniversidade de Wisconsin-Madison eé “Senior Fellow” do Centro deNegócios Mundiais e EconomiaGlobal9 da mesma universidade. Foiprofessor visitante do InstitutoInternacional de Sociologia Jurídica10

– Espanha, pesquisador visitante naLondon School of Economics –Inglaterra, na Maison des Sciences del'Homme – França, no InstitutoUniversitário Europeu11-Itália e naComissão da União Européia. Alémdisso, conduziu projetos de agênciasinternacionais em países como Rússia,Guiné Bissau, Cabo Verde e Brasil.

Seu trabalho acadêmico tem rele-vância internacional, como atestam doisprêmios que recebeu: o Harry KalvenPrize, da Law and Society Association,em 2002, e o Chevalier dans l’Ordredes Palmes Academiques, do Ministérioda Educação da França, em 2001. Boaparte de sua produção acadêmica con-funde-se com a ascensão, morte e atualrevitalização do campo de estudos“Direito e Desenvolvimento”.

Desde sua graduação, pelaUniversidade de Wisconsin em 1957, e aformação em Direito pela Yale LawSchool em 1961, Trubek desenvolveu edirigiu diversos projetos acadêmicosenvolvendo o direito e os estudos interna-cionais. Seu interesse pela área do Direitoe Desenvolvimento começou cedo. Apóstrabalhar por um ano como auxiliar deJuiz (law clerk) num tribunal de apela-ção,12 em 1962 Trubek atuou como advo-gado consultor (attorney advisor) do depar-tamento de Estado norte-americano naAgência para o DesenvolvimentoInternacional.13 Alguns anos depois, teminício sua história em terras brasileiras:em meados da década de 60, nosso entre-vistado vem para o País trabalhar comoadvogado de toda a missão e, mais tarde,também do departamento de moradia e

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desenvolvimento urbano da USAID(United States Agency for InternationalDevelopment), no Rio de Janeiro.

No Brasil, Trubek encontra outrosjuristas, professores e advogados inte-ressados em repensar o ensino doDireito. Nesse mesmo período, umesforço do governo John F. Kennedy(“Aliança para o Progresso”) viabiliza-ria a cooperação entre os dois paísesem algumas áreas, entre as quais oDireito. Nesse contexto, trabalhandocomo um dos advogados da “Aliançapara o Progresso”, Trubek inicia as dis-cussões sobre um projeto, cujo objetivoseria revolucionar o ensino das univer-sidades brasileiras, com o suportefinanceiro do governo americano. Estasdiscussões culminaram em 1966 nacriação do Centro de Estudos ePesquisas no Ensino do Direito(CEPED), afiliado à Fundação GetúlioVargas, que deveria funcionar comoespaço para a experimentação de méto-dos de ensino inovadores a serem disse-minados pelo resto do País.

A influência do CEPED sobre acomunidade jurídica brasileira é umassunto polêmico,14 no entanto é lícitoafirmar que os métodos de ensinodesenvolvidos ali não tiveram o impactoesperado, o que limitou o alcance daexperiência. Com o fim do financiamen-to americano, o projeto não conseguiuse sustentar, a despeito de o CEPEDfuncionar até hoje junto à UniversidadeEstadual do Rio de Janeiro. De qualquerforma, nesta época, o centro formouuma geração de profissionais que ocu-pam até hoje posições de destaque no

cenário nacional. Além do CEPED, apassagem de Trubek pelo Brasil foi mar-cada por um período de docência nafaculdade de Direito da PontifíciaUniversidade Católica do Rio deJaneiro, momento em que publicou olivro Mercado de capitais e os incentivos fis-cais, em co-autoria com Jorge HilárioGouvêa Vieira e Paulo Fernandes Sá.

Dos diversos artigos escritos porTrubek sobre Direito e Desenvolvimento,além do livro co-organizado por ele,lançado no final de 2006, The new lawand economic development e do verbete“Law and Development”, publicado naprestigiosa International Encyclopedia ofthe Social & Behavioral Sciences, destacam-se: Max Weber on law and the rise ofcapitalism (cuja tradução foi publicadana Revista Direito GV número 5),Towardsa social theory of law e Scholar in self-estrangement, artigo polêmico, que fazcríticas severas ao movimento. Temos oprazer de publicar uma tradução destetexto neste número da Revista DireitoGV. Convidamos o leitor a lê-lo antes daentrevista, pois ele serviu de mote parao começo da conversa, além de ter sidoamplamente discutido por Trubek emsuas respostas.

Como já dito, de Scholars in self-estranglement até o livro de 2006, pas-saram-se mais de 30 anos sem queTrubek tocasse no assunto Direito eDesenvolvimento. Compreender asrazões para a retomada do tema foi umadas principais motivações para a realiza-ção desta entrevista, no contexto deuma visita de Trubek ao Brasil no ano de2007. Acompanhado por um grupo de

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14 professores estrangeiros, nossoentrevistado participou de eventos naFundação Getulio Vargas em São Paulo eno Rio de Janeiro, além da Faculdade deDireito da USP, não para falar do passa-do, mas para dar notícias de um campode estudos em plena renovação.

* * *

Após muitos anos, o senhor voltou aotema “Direito e Desenvolvimento”.Em seu último artigo sobre o assunto:Acadêmicos auto-alienados... (1974),15

escrito em conjunto com MarcGalanter, o senhor fez severas críticasa este campo de estudos. O artigoparecia afirmar que ele deveria serencerrado. Por que o senhor voltou aotema e por que o fez neste momento?

Em primeiro lugar, é preciso dizerque a intenção do artigo de 1974 nãoera, absolutamente, encerrar estecampo de estudos. Sua intenção eraconvencer todos os pesquisadores liga-dos a ele a transformá-lo mais em umprojeto acadêmico do que em um pro-jeto de assistência ao desenvolvimentopara torná-lo viável nas universidadesnorte-americanas. O projeto acadêmi-co (e uso a palavra “projeto” commuito cuidado) e não o campo doDireito e Desenvolvimento, nos EUAe na Europa das décadas de 60 e 70,estava estreitamente ligado aos proje-tos de assistência ao desenvolvimento,em sua maioria, patrocinados por fun-dações (fundações norte-americanas)e, em um grau muito menor, por agên-cias governamentais. Naquela época,

as instituições internacionais nadafaziam no campo do Direito.

Em segundo lugar, embora ocampo tenha sido encerrado poucotempo depois de nosso texto (risos),não fomos nós, necessariamente, acausa disso. Fomos, talvez, o vetordesse fato, mas, na verdade, outrosagentes o provocaram. Qual a causa dofim do campo? A questão é: por que ocampo foi encerrado como atividadecorrente nas universidades norte-ame-ricanas e européias?

É preciso compreender que a dis-cussão sobre Direito e Desenvolvimentono Brasil é contínua porque semprehaverá preocupação com esse problemano País. O que quer que se esteja fazen-do nas universidades de Cambridge,Massachusetts, etc, terá influência sobreos juristas e sobre a sociedade brasileira,pois aqui as pessoas se perguntam sedevem ou não realizar mudanças noDireito ou reformas nas instituições.

Mas, neste caso, estaríamos real-mente falando do estudo do Direito eDesenvolvimento nas universidades dospaíses desenvolvidos? Esta é a minhapreocupação no livro: o estudo deDireito e Desenvolvimento em univer-sidades estrangeiras. Este estudo desen-volveu-se nos Estados Unidos na déca-da de 70 e teve um fim tempos depois.Por quê? Bem, acho que tivemos umpequeno papel neste acontecimentoporque deslegitimamos muito do quehavia sido feito até então, mas estáva-mos prontos a oferecer alternativasquando o contexto mudou tremenda-mente. Como isso se deu?

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Primeiro: os financiamentos foramencerrados e não percebíamos o quantoo campo dependia deles. O governocomeçou a financiar estudos sobreDireito e Desenvolvimento no final dadécada de 60, mas tudo isso acabou porrazões bastante complexas. Parte dissofoi a desilusão com os projetos iniciais,pois alguns deles facilitaram a ascensãode governos autoritários, não-demo-cráticos; e aquela era uma época degrande preocupação com os direitoshumanos. Nos Estados Unidos houvereação nas universidades contra as polí-ticas de financiamento norte-america-nas em razão da guerra no Vietnã e umareação dos estudantes contra a partici-pação dos EUA em atividades no exte-rior. O sentimento era de que osEstados Unidos haviam cometido umterrível erro no Vietnã.

Assim, o campo terminou porvárias razões, e penso que... Bem, eleteria terminado mesmo sem o nossoartigo. Seja como for, nós ajudamos aexterminá-lo! Há uma categoria dedireito penal nos Estados Unidossegundo a qual se alguém rouba umbanco e uma outra pessoa, digamos,fornece aos ladrões as plantas do prédioou a agenda de troca da guarda, estapessoa pode ser condenada por “auxi-liar e fornecer meios”. MarcGallanter16 e eu talvez tenhamos feitoexatamente isto, mas não fomos os ver-dadeiros assassinos do campo de estu-dos, está bem (risos)?

Esta é a primeira pergunta: por queo campo terminou e o que estávamospretendendo? Tentávamos mantê-lo vivo,

mas provocamos, não intencionalmente,sua morte. Agora vem a segunda pergun-ta: por que vocês deixaram que issoacontecesse? Pessoalmente, voltei a meenvolver com este campo porque elecomeçou a ressurgir em universidadesnorte-americanas, e em outras partes doplaneta, como um campo acadêmico emuniversidades de países desenvolvidos.Ele começou a ressurgir e lá estava eu àdisposição, seu famoso assassino, mastambém seu criador.

Supostamente, eu era um de seuscriadores; também alguém acusado dematá-lo. Quando o campo começou aressurgir, não havia ninguém com expe-riência sobre o assunto, pois passáramosum longo período em que nada aconte-ceu; ninguém se aprofundou no assuntoe quase ninguém escreveu sobre paísesem desenvolvimento. Então, repentina-mente, os estudantes começaram a seinteressar e os professores mais jovensqueriam trabalhar na área e lá estava ovelho David Trubek. Alguns diziam:“Nós nos lembramos dele, vamos ver oque tem a dizer!”. Esta foi uma dasrazões por que voltei: porque as pessoasse lembravam de mim.

Em segundo lugar, uma das razõespelas quais o campo cresceu na décadade 60 e está ressurgindo agora foi agrande quantidade de dinheiro investidana reforma do Direito por agências deauxílio internacional; agências nacionaise bilaterais, como a USAID,17 aSEATO18 e agências canadenses, britâ-nicas, alemãs e holandesas. Estes orga-nismos criaram oportunidades para queinteressados de países desenvolvidos

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trabalhassem novamente em países emdesenvolvimento. Houve projetos,dinheiro e empregos. Fui convidado aliderar uma equipe de peritos no assun-to para estudar a Rússia no começo dadécada de 90. Não que eu entendessealgo da Rússia, mas eu sabia uma coisaou outra sobre auxílio e Direito inter-nacional e contratamos muitos peritosrussos. Assim, voltei à ativa.

As universidades começaram a orga-nizar conferências e se uma conferênciafosse organizada eu teria de estar pre-sente porque, no fim das contas, nãohavia muitos nomes à disposição e euestava fazendo um trabalho na Rússia emnome do governo norte-americano. Issome trouxe de volta e, conforme ocampo foi se desenvolvendo, fui sendopuxado cada vez mais para o centro detudo. Há um fato muito interessante deque vocês não sabem: decidimos que eranecessário realizar uma conferênciasobre o assunto em Harvard. O livro doqual estamos falando foi, na verdade,resultado dela. Vários textos foramencomendados e outros foram submeti-dos ao encontro. Os textos encomenda-dos, que deram a pauta do encontro,transformaram-se nos artigos do livro.O público foi muito bom: havia aproxi-madamente cento e cinqüenta pessoasna audiência, um sinal do crescente inte-resse no assunto.

The New Law and Economic Developmentafirma em sua introdução que oDireito e Desenvolvimento é uma áreainterdisciplinar que combinaelementos de Economia, Direito e do

estudo de Instituições. Estaformulação não é vaga demais paradar conta do papel específico doDireito e de seus acadêmicos nesteesforço de pesquisa? O senhor nãoacha importante pensar qual o papelespecífico do Direito nesta área deestudos, especialmente se a intençãofoi atrair acadêmicos de tradiçõesformalistas, que não são capazes derealizar trabalhos interdisciplinares?

Em primeiro lugar, é preciso deixarbastante claro que o livro fala da inter-secção entre Direito, Economia eInstituições, discute o que chamamos,no livro, de “doutrina do Direito eDesenvolvimento.” Não é Direito e nãoé Economia: é um tipo de empirismo; oempirismo das agências. Em outraspalavras, o livro trata daquilo que osenvolvidos na indústria do auxílio inter-nacional no Hemisfério Norte pensamque podem fazer para produzir desen-volvimento, seja lá qual for sua defini-ção para o termo.

Quanto à idéia das três esferas àsquais você se refere, sua intersecçãodeve ser compreendida como um esfor-ço para explicar de onde essas vêmidéias em diferentes momentos. Nolivro, nos concentramos em dois perío-dos, ou dois conjuntos de idéias. O pri-meiro é o começo da década de 60 e aprimeira idéia foi parte de uma práticaorganizada de assistência ao desenvolvi-mento, a que chamamos de “Direito doEstado em Desenvolvimento.” Esta foi aprimeira vez, no incipiente movimentodo Direito e Desenvolvimento, em quehouve consciência de que pensávamos

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em tal noção; não no papel do Direito naEconomia, mas na relação entre Direitoe Desenvolvimento. Se estudarmos teo-ria, vamos descobrir pensadores noséculo XIX falando sobre isso. Mas não éeste o assunto do livro.

Não estamos estudando o campointelectual do Direito e Desenvolvi-mento, embora isto seja, obviamente,parte do que estamos fazendo.Concentramos-nos no modo como asagências se apropriaram de idéias aca-dêmicas. É por isso que achamos tãoimportante incluir as agências. Hámuitas idéias sobre muitas coisas cor-rendo soltas nas universidades. Esta éuma característica maravilhosa da aca-demia, mas nem todas as idéias sobre arelação entre Direito e Desenvolvi-mento econômico tornam-se parte daspolíticas seguidas pelo Banco Mundialou pelo governo norte-americano. Umdos filtros aos quais as idéias são sub-metidas é a compreensão das agênciassobre suas prioridades. Neste campo,as agências dão mais importância aoque pensam os economistas do que aopensam os juristas.

Uma das razões pelas quais, a come-çar do fim da década de 80 e durantetoda a década de 90 até hoje, as agênciasde desenvolvimento investem tanto emDireito é que os economistas decidiram,na década de 80, que o Direito eraimportante. Isso não teve nada a vercom os juristas: eles sabem que oDireito é importante, mas ninguém osescutava. Somente quando os economis-tas, particularmente os economistas doBanco Mundial, decidiram que o Direito

era importante é que tudo começou. Éisso o que estamos estudando.

E quanto ao campo acadêmico? Oassunto do campo é: como o Direitoafeta a Economia, ou como se aumenta oalcance do Direito para que ele tenhaefeito sobre as relações sociais e outrasquestões que a Economia concebe demaneira restrita. É difícil imaginar quese possa efetivamente atuar como juristaneste campo se não se está, no mínimo,consciente das questões; ou se não se écapaz de debater determinados proble-mas com representantes dessas outrasdisciplinas. Assim, certamente existelugar para os juristas no campo, não épreciso ter experiência em economia,sociologia ou antropologia para fazerpesquisas na área. Mas é preciso sercapaz de dialogar com estas pessoas eentender argumentos para aperfeiçoarsuas teorias.

Portanto, a resposta à sua pergunta é:para realizar pesquisas, escrever e teori-zar sobre estas questões, é preciso ir alémdo formalismo. O formalismo passa a serum dos tópicos a serem estudados e não aferramenta por excelência para realizaros estudos. O formalismo é uma boaidéia? É uma má idéia? Ele realmente fazalgum sentido; o direito realmente fun-ciona como ele o descreve ou esta teoriaesconde a realidade? O que faz uma deci-são ser tomada? O raciocínio formalista ébom ou mau para o desenvolvimento?

O formalismo é um tema do livro eum tema no campo acadêmico doDireito e Desenvolvimento. Há muitadiscussão sobre isso. Para que se enten-da a discussão é preciso estudar história.

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O Direito e Desenvolvimento comocampo acadêmico do Hemisfério Nortecomeçou antiformalista. Dizia-se que oformalismo era um obstáculo ao desen-volvimento. Lembre-se que, quando usoos termos Direito e Desenvolvimento,falo de um campo acadêmico doHemisfério Norte; ou sobre as práticasdas agências e a inter-relação entre eles.

Por que o formalismo é um obstá-culo ao desenvolvimento? O propósi-to do Direito e Desenvolvimentodeveria ser a criação de regras jurídi-cas que facilitassem a efetivação daspolíticas econômicas. Presumíamosque elas fossem benéficas em si mes-mas, portanto raciocínios formalistasseriam um entrave por não levaremem conta os fins; não se preocuparemcom seus efeitos. Ora, para criar leis eaplicá-las para realizar objetivos eco-nômicos é preciso pensar instrumen-talmente, por isso, culturas jurídicasaltamente formalistas seriam umabarreira ao desenvolvimento.

Esse era o pensamento sobre o for-malismo no momento em que nosconcentrávamos em fortalecer oEstado como ferramenta para trans-formar a sociedade e promover odesenvolvimento. Este era, então, oobjetivo do campo: desenvolvimentolevado a cabo pelo Estado. Avancemosagora para o começo da década de 90,quando surge a visão neoliberal deDireito e Desenvolvimento. Para estavisão, “o Estado não é uma ferramentaque leva ao desenvolvimento, mas umobstáculo a ser removido. Precisamoslimitar seu papel para que ele não

atrapalhe o funcionamento da econo-mia”. Assim, neste momento, as idéiassobre Direito e Desenvolvimento – aque chamamos de segundo momento,no livro – visavam a restringir o papeldo Estado. Nesse contexto, algunscomeçaram a imaginar que o raciocí-nio formalista dos juízes poderia ser-vir para restringir a ação estatal.

Subitamente, o formalismo que sepensava ser algo ruim no primeiro movi-mento do Direito e Desenvolvimento,passava a ser bom. Alguns economistas,que não entendem nada de teoria dodireito, imaginaram que talvez o forma-lismo não fosse o problema, mas a solu-ção. Assim, o formalismo se torna, decerto modo, parte da visão da assistênciaao desenvolvimento da época. Evidente-mente, sempre há professores de direitoem todos os países do mundo que acre-ditam que o formalismo é a respostapara tudo.

Voltando à sua pergunta, gostariade deixar claro que o formalismo é algoa ser estudado no campo do Direito eDesenvolvimento. É uma variável a serexplorada. Quando se estuda o forma-lismo como uma variável para que sepossa discutir se mais ou menos forma-lismo é bom ou ruim para a economiabrasileira ou para a economia chinesa,percebe-se que já estamos em umcampo interdisciplinar. Olhamos o for-malismo de fora: um sociólogo da reli-gião não precisa acreditar em Iemanjá19

para estudar religiões afro-brasileiras.Ele sabe que Iemanjá é importante, masnão precisa acreditar nela para realizarseus estudos.

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Seu livro aponta um grandedescompasso entre as políticas e osestudos acadêmicos sobre Direito eDesenvolvimento. De maneirabastante amarga, o senhor diz que,no começo da década de 90,conversou com dirigentes do USAID esentiu que eles não haviam aprendidonada com as experiências passadas.O que explica esse descompasso? As entidades acadêmicas estãofazendo algo de errado? Seu papel éfornecer teorias para agências, comoo Banco Mundial?

Em primeiro lugar, é preciso dizerque a academia tem exercido muitainfluência no pensamento atual sobreDireito e Desenvolvimento, mas não asfaculdades de Direito. Parte do trabalhomais significativo sobre o assunto, signi-ficativo no sentido de ter influênciasobre o Banco Mundial e outras agên-cias, foi feita por economistas que nãoentendem nada de Direito. Eles sãoautores de estudos que provam exata-mente o que se queria que eles provas-sem. O Banco Mundial queria ouvir exa-tamente o que os estudos diziam e porisso os aceitou.

Álvaro Santos escreveu um capítu-lo do livro sobre o “Projeto DoingBusiness”,20 um estudo em que teoriaseconômicas, sem qualquer participa-ção; sem qualquer envolvimento dejuristas, tiveram influência direta nobanco. “O Banco” significa o BancoMundial, está bem? Nesse campo deestudos, quando nos referimos aoBanco Mundial, não dizemos “O BancoMundial,” e sim “O Banco”. Se alguém

diz “O Banco Mundial” não se tem cer-teza de que esse alguém faz parte d’ “OClube”. “O Clube”, certo? (risos)

“O Banco” segue as idéias propostaspor economistas que se baseiam no estu-do de dados quantitativos. São estudosquantitativos que envolvem diversospaíses e nações, mas que têm um funda-mento empírico muito fraco. Chegam aconclusões que parecem justificar qual-quer concepção ultraneoliberal dedesenvolvimento econômico.

A academia teve grande influênciasobre o Banco, mas não as faculdades deDireito. Dessas faculdades, até agora,saíram apenas críticas. E há dois tipos decrítica, uma delas a que você mencio-nou, que é a crítica baseada em conhe-cimentos empíricos. Há muitos estudosno campo feitos por pesquisadores trei-nados nas ciências sociais, mas que tam-bém são juristas e entendem dos váriossistemas jurídicos. Estes estudos tratamdo funcionamento de algumas das refor-mas levadas a cabo pelos programas deDireito e Desenvolvimento. Na verda-de, quando se examinam os detalhes,vê-se que elas não funcionaram. Dequalquer maneira, este é um tipo de crí-tica; mas há também críticas baseadasem teorias. Adivinhe em qual categorianosso livro se encaixa?

As universidades, até agora, funda-mentalmente, fizeram críticas e forne-ceram pessoal para trabalhar nos proje-tos. Uma nova geração do HemisférioNorte adquiriu experiência nos siste-mas de Direito do Hemisfério Sulassim, seja lá o que se pense sobre aspráticas e as ondas de investimento que

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vimos nos últimos quinze anos, elas aomenos tiveram o efeito de fazer comque uma nova geração de estudiosos deDireito e Ciências Sociais pensassemna interação entre Direito eDesenvolvimento econômico. Há umtrabalho acadêmico, cujo volume érelativamente grande, que oferecealternativas claras para substituir asestratégias que vêm sendo criticadas,tanto a partir de um ponto de vistateórico, quanto baseadas na afirmaçãode que elas não funcionam.

O livro critica políticas uniformes,pensadas para todos os países doglobo, desenvolvidas por algumasagências e ressalta a importância da participação local de acadêmicose agentes governamentais para evitaretnocentrismo. O problema é: de umponto de vista operacional, isso épossível? As agências têm os recursoshumanos e uma compreensãoapropriada das peculiaridades dosdiversos países com que trabalhampara operar desta maneira?Considerando-se que as agênciasdesenvolvem projetos em váriospaíses, elas podem prescindir defórmulas gerais para suas políticas?

Boa pergunta. Essa é uma dasrazões pelas quais é tão difícil criticar,também uma das razões pelas quais asagências têm resistido tanto às críticas.Para seus objetivos internos, as agên-cias, precisam de idéias simples e fór-mulas universais. Se você está no BancoMundial... Nesse momento, posso usara palavra “Mundial!” (risos).

Se você é apenas um banco, o quevocê sabe do mundo? Alguém quer umempréstimo para, por exemplo, plantaramendoins ou para exportar aviões:você precisa apenas pensar “será que issovai dar dinheiro?” ou “será que vai darcerto?”. Não é preciso fingir que se sabemais do que aquele que está pedindo oempréstimo. Só é preciso saber se elessabem o que estão fazendo.

Mas, se você está no Banco Mundial,sua função é corrigir políticas equivoca-das. Não se esqueça de que o Banco émais importante (pelo menos tãoimportante) como fonte de idéias doque como fonte de recursos financeiros.Se olharmos o montante emprestadopelo Banco, particularmente aos paísesem desenvolvimento mais avançados,como Brasil, Índia, China, Rússia (ospaíses do BRIC),21, trata-se de umapequena parcela do capital estrangeiroque entra nestes países. Como estaquantia não pára de diminuir, há quemdiga: “Esqueça, isso é ridículo”. Há umagrande discussão sobre a necessidade deempréstimos para países como o Brasil;talvez o Banco devesse lidar somentecom países realmente pobres e, nessecaso, concederia bolsas já que estes paí-ses jamais poderiam pagar pelosempréstimos feitos.

Mas é preciso ver o Banco Mundiale outras agências tanto como fontes deidéias e políticas quanto como institui-ções financeiras. O Banco tem umgrande número de funcionários e pes-quisadores. Há dúzias de pessoas quenão fazem nada além de estudar as rela-ções entre Direito e Desenvolvimento.

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Se me perguntarem onde estão sendofeitas pesquisas sobre Direito eDesenvolvimento, muitas delas estãosendo realizadas no Banco, onde hádiferentes visões sobre o assunto: é issoque Álvaro Santos tenta mostrar emseu artigo.

O Banco é um tanto projeto acadê-mico tanto quanto uma fonte de dinhei-ro. É claro, ele liga seu dinheiro às suasidéias e é assim que ele se torna influen-te. Pense nas dificuldades que enfrentade uma agência como essa: há 190 paísesna ONU22 (ou coisa parecida), e há 30países na OECD.23 Portanto, se nãolevarmos em conta os países da OECD,restam 130 ou 140 países com os quais aagência poderia lidar. É razoável imagi-nar que o banco tenha 140 planos dife-rentes? Pensem no custo burocráticoenvolvido. É claro, neste caso, não seriapossível fazer viagens de avião paratodos os países envolvidos e ficar embons hotéis, como seus funcionáriosfazem atualmente, e dizer, “Vejam, é issoo que temos de fazer”. Afinal, eles nãosabem nada sobre o país!

Muita tensão cerca várias idéias quesaem da academia. As faculdades deEconomia são muito próximas das polí-ticas do Banco. No mundo acadêmico,juristas e economistas não falam unscom os outros em virtude da grandediferença ideológica entre eles: o forteneoliberalismo inerente à profissão deeconomista e a posição, digamos assim,“vagamente socialdemocrata de que sedeve ser bonzinho com os pobres”,muito comum entre os juristas (risos).Há um dilema real para que as idéias dos

juristas sejam aceitas. Mesmo que consi-deremos corretas idéias que exigem quese pense no contexto de cada país e queafastem fórmulas mirabolantes e unifor-mes, é muito difícil que elas sejam esco-lhidas e postas em prática.

Como o senhor vê a relação entre o Banco, as elites internacionais e as elites locais? A participação localna implementação de políticas dedesenvolvimento pode sobrepujar a aliança entre elites locais einternacionais, uma aliança que é,em parte, responsável pelos modelospolíticos e econômicos queperpetuam uma distribuição depoder e renda desigual na periferia?

Essa é uma pergunta difícil.Enfatizo muito a participação local e oque se chama de via do “stakeholder”.24

Uma das razões para isso é minha faltade confiança no conhecimento das ins-tituições dos países em desenvolvimen-to pelo Hemisfério Norte. Em outraspalavras, o que fizemos até agora foicriticar. Acho que os envolvidos nas ati-vidades relacionadas ao Direito eDesenvolvimento entendem as críti-cas, pois vão até esses países e colocamas mãos na massa. Embora possam pas-sar muito tempo em hotéis cinco estre-las e nos equivalentes locais dos“Jockey Clubs”, ou almoçar com os juí-zes da Suprema Corte, Ministros daJustiças e tudo mais, mesmo assim,sem falar com o povo das favelas, elesentendem que há uma tensão entresuas fórmulas universais e as peculiari-dades de qualquer país.

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Eles sabem disso. Apenas não sabemo que fazer com essa crítica que ameaçasua identidade, sua experiência e seupapel. Há consciência deste problema; épor isso que podemos ver atualmente,no Banco e em outras agências, o surgi-mento de discussões sobre os “stakehol-ders”. Hoje, já se reconhece que não fazmuito sentido voar pelo mundo, pensarque se sabe tudo e dizer às pessoas o queelas têm de fazer. Há o reconhecimentoda importância do conhecimento sobreos contextos locais. Se buscarmos dis-cernir as forças que estão na base domovimento que favorece a via do “stake-holder” – e esta não é, certamente, umaidéia apenas do campo do direito, naverdade ela é muito mais desenvolvidaem outras áreas – há três dimensões a seconsiderar. Uma delas relaciona-se coma legitimidade democrática, outra com oconhecimento e a última com o proble-ma da circulação das elites.

A questão de circulação de elites, aquestão que você levantou, é o aspectomais fraco deste assunto. As pessoas quegerenciam os projetos sabem o que háde errado e como é possível consertá-lo.Talvez eles não saibam sempre o que háde errado; podemos ajudá-los nisso. Noentanto, estão em melhor posição paraperceber como resolver este problema,pois conhecem todos os obstáculos docaminho e todos aqueles que devem terseus interesses levados em conta.

Há também o problema da legiti-midade democrática, levantado pelasONGs25 que criticam as políticas dedesenvolvimento e o modo como elastêm sido levadas a cabo. As ONGs têm

criticado fortemente as políticas tipo“peritos tecnocratas que almoçam noJockey Club”, e suas críticas transcen-dem as elites. São idéias que pressio-nam por uma visão mais ampla sobrequem deveria ser chamado a fazerparte dos projetos.

A idéia de circulação de elites é amais difícil de todas: se as elites são oproblema e não a solução, é precisolivrar-se delas; ou ao menos superá-las,enfraquecê-las, transformá-las, ouobter, como se diz nos Estados Unidos,uma “mudança de regime”. Esta é aparte mais perigosa da idéia e também,infelizmente, como você chamou muitobem a atenção, talvez a mais importan-te, porque, às vezes, as elites perpetuamum regime que funciona como um eloem um sistema de hegemonia domésticae internacional. Em uma situação assim,trabalhar apenas com a elite não vairesolver o problema, vai agravá-lo. Estaé, atualmente, uma das discussões maisimportantes em pauta.

O capítulo de Kerry Rittich26 afir-ma que a discussão sobre participaçãoque ocorre no Banco (que faz parte daestratégia abrangente de desenvolvi-mento que ela analisa) é uma cortina defumaça para defendê-lo de críticas àesquerda. O Banco não estaria falandosério sobre participação porque isso émuito perigoso, além de difícil parafazer funcionar.

O Banco ainda é um banco, portantotem de fazer o dinheiro circular. Os ban-cos têm de fazer o dinheiro circular,senão para que eles serviriam? Se o Bancoconstatar que as elites são resistentes a

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verdadeiras mudanças, mas, mesmoassim, que elas querem emprestar dinhei-ro, ele entraria em conflito com seu pró-prio papel. Há um conflito inerente aopapel do Banco que deve agir, por umlado, como promotor de idéias e, deoutro, como um Banco que simplesmen-te empresta dinheiro.

A versão neoliberal de Direito e Desenvolvimento relacionadesenvolvimento com crescimentoeconômico. No período referido nolivro como o terceiro momento doDireito e Desenvolvimento, esteconceito foi expandido para queincluísse outros objetivos, tais comojustiça e distribuição de renda.O conceito de desenvolvimento,portanto, mudou com o passar do tempo. O atual conceito dedesenvolvimento é diferente do seu?

A idéia de um terceiro momentonão está muito clara para mim, emboraeu tenha escrito sobre ele. Há apenasdois momentos definidos, ou, na verda-de, três se contarmos “direito e socialis-mo” como segundo. O livro não dá ênfa-se a este momento, exceto no capítulode Scott Newton,27 pois nos EstadosUnidos essa não foi uma idéia muitoforte. Já na Inglaterra foi muito impor-tante, por isso Scott escreve sobre omovimento inglês de Direito eDesenvolvimento na década de 70.Naquela época, as idéias socialistas cir-cularam; houve um projeto de Direito eDesenvolvimento ligado ao governoAllende,28 além da publicação de mui-tos textos sobre socialismo.

O que no livro eu chamo de terceiromomento poderia ser dito o quartomomento, se considerássemos o momen-to do socialismo, mas não se trata pro-priamente de um momento: o termo éinapropriado. Quando falo em um“momento” estou me referindo a algocristalizado, relativamente consensual,amplamente aceito, com um núcleo rela-tivamente forte de idéias que foram utili-zadas amplamente. Isso não existe nosdias atuais. Estamos em um período depreocupações e idéias conflitantes. É pos-sível impedir a consolidação de ummomento neoliberal, pois o establishmentmundial que produz as idéias sobre polí-ticas econômicas – e algo assim certa-mente existe – aceitou uma visão maisampla de desenvolvimento que inclui aparticipação dos “stakeholders” e que vê opapel do Estado num registro diferentedo neoliberalismo.

No entanto, também é possívelencontrar neoliberais à moda antiga commuita influência, por exemplo, o proje-to “Doing Business”. Se você realmentequiser saber até onde o neoliberalismopode chegar, entre no site do BancoMundial e estude o projeto. Você preci-sará de apenas duas horas para entendê-lo, pois o site é excelente. Trata-se deneoliberalismo puro à moda antiga. Mashá outras áreas no Banco fazendo outrosestudos e outras atividades. Em suma,estamos em um período de grande fluxode pensamento. O momento atual nãodeveria ser chamado de “momento”.

Baseado em experiências passadas,o livro mostra como o conceito de

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desenvolvimento pode seretnocêntrico. Houve progressos neste ponto? Os atuais conceitos de desenvolvimento são menosetnocêntricos do que os conceitos passados?

Como acabei de dizer, não há umconceito único. Algumas idéias, queenfatizam mais o pensamento contex-tual, a participação dos “stakeholders” epolíticas de desenvolvimento pensadasde baixo para cima, são, por definição,menos etnocêntricas. No momentoatual, é possível encontrar teoriasmenos etnocêntricas; é possível encon-trar pessoas menos etnocêntricas; é pos-sível encontrar agências e práticasmenos etnocêntricas, mas também épossível encontrar várias idéias etnocên-tricas. Isso nos remete, mais uma vez, aolugar onde buscamos as idéias sobreDireito e Desenvolvimento.

Dizíamos: de um lado estão os paí-ses ricos e eles têm um sistema deDireito; aqui estão os países pobres eeles têm outro tipo de Direito... Assim,concluíamos, a resposta é: pegar asidéias e instituições de Direito dos paí-ses ricos, colocá-las em caixas e enviá-las aos países pobres; assim como envia-mos geradores de eletricidade e equipa-mentos para a construção de estradas.Não tínhamos computadores naquelaépoca, mas, se os tivéssemos, os tería-mos enviado. Na verdade, hoje em diaenviamos computadores!

Este tipo de pensamento etnocêntri-co foi uma reação a um completo vácuointelectual. Quando se começou a fazertal coisa, a idéia era de que isso poderia

fazer a diferença; e esta idéia mudavade acordo as circunstâncias. Mas o fatoé que não se sabia o que fazer e, éclaro, falava-se da necessidade de ape-lar para a sensibilidade das elites.Vocêsconhecem a expressão “elite compra-dora”? É uma expressão das teorias dadependência. Os “compradores” naChina eram os negociadores e os inter-mediários entre o Império chinês e oimperialismo ocidental do século XIX.Este termo foi utilizado pela teoria dadependência para se referir às elitesdos países leais ao sistema mundial;intermediários entre os interesses doscapitais globais e nacionais.

A “elite compradora” apreciava amodernização. Construía casas deópera, por exemplo. Sempre achei queum símbolo deste tipo de comporta-mento da elite brasileira é o fato de asmulheres mais ricas do Rio de Janeirousarem casacos de pele para assistir àópera. Não existe estação do ano no Riode Janeiro em que se possa usar um casa-co de pele. Mas, como as mulheres osusam nas óperas de Paris e a casa deópera do Rio é uma cópia da casa deópera de Paris, é preciso usar casacos depele no Rio. Se há uma casa de ópera, épreciso usar casacos de pele; assim comoé preciso haver instituições jurídicasfrancesas, italianas, alemãs e, mais tarde,norte-americanas.

A cumplicidade entre exportadorese importadores assemelha-se a isso. Aimportação de idéias recentes e moder-nas sobre Direito reforçava o poder daelite, pelo menos enquanto não resultas-sem nas mudanças que os exportadores

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queriam implantar. Pois os exportadoresnão apoiavam o domínio da elite, aomenos o pessoal técnico: talvez isso nãofosse verdade entre os tipos cínicos e ospolíticos. Este era um jogo complexo eatingia a todos.Achávamos que sabíamosquais eram as respostas e as elites sabiamque podiam importar estas instituições.Assim como os casacos de pele não eramnecessários, as instituições provavel-mente também não o fossem. Todo esseprocesso talvez fosse dar em nada, mastodos sentiriam que algo estava aconte-cendo; e se sentiriam mais importantesainda se conseguissem viagens para Parisou para a Inglaterra.

O senhor acha a visão procedimentaldo Direito pode ser útil para que sediscuta a organização institucionaldas agências de desenvolvimento? Faz sentido defender que seconstruam instituições capazes de ouvir tantas vozes quantas forempossíveis para definir a agenda do desenvolvimento?

Pensei que você fosse fazer uma per-gunta diferente, por isso respondereiprimeiro à pergunta que você fez, edepois, à pergunta que pensei que vocêfosse fazer. Não é preciso referir-se àteoria procedimental do Direito parafazer isso, pois temos a agenda da gover-nança que tem sido aplicada a projetosque envolvem o Direito. Esta é a doutri-na oficial do Banco. A via dos “stakehol-ders” é uma idéia sobre procedimentos,muito próxima da teoria procedimentaldo Direito, mas que não vem da teoriado direito, mas de uma discussão geral

sobre administração pública, e de qual-quer ponto de vista que enfatize que acapacidade técnica nunca é suficientepara criar novas instituições e resolverproblemas sociais complexos.

A capacidade técnica pode ser valio-sa, mas há conhecimento encarnado nosparticipantes. Nestes projetos, o partici-pante é o “stakeholder” que sabe como ascoisas funcionam. Talvez ele esteja apri-sionado no que os economistas chamamde “armadilhas de equilíbrio de baixodesempenho” e não consigam ver a saídapara seus problemas, no entanto ele sabequais são os problemas. Seu novoMinistro, Roberto Mangabeira Unger,29

escreveu sobre a desestabilização dosdireitos. Ele fala muito sobre este assun-to, pois acha importante desestabilizar osistema consolidado para liberar maispotencial democrático da base na dire-ção do topo. Agentes externos podemdesempenhar este papel.

Temos a via do “stakeholder” e a pos-sibilidade de desestabilizar o que estáposto para criar novas idéias que surjamda base e sigam na direção do topo: nãoprecisamos de Günther Teubner30 paralevar essas idéias ao Banco Mundial,certo? (risos) Na verdade, é melhor nemmencionar tais teorias porque eles fica-riam confusos. Seria melhor falar sobrede idéias mais comuns, mais acessíveis.

No fim das contas, a pergunta quevocê fez é a seguinte: “estas idéiaspodem ser desenvolvidas?” Sim, é claro,porque germes delas já estão presentesna agenda da governança. Neste novomomento esta é uma das idéias quepodemos apoiar, quer a chamemos de

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visão procedimental do direito ou não:não é preciso usar este termo.

Seria possível pensar procedimental-mente a via do “stakeholder”. Nesse sen-tido, podemos perguntar: o que real-mente precisamos é de um direito anti-truste administrado por uma pequenaburocracia em Brasília, que aplica demaneira rigorosa regras altamente espe-cíficas e detalhadas, mas que chega aconsensos pela consulta a todos os even-tualmente interessados? Precisamos deum direito ambiental altamente detalha-do e específico e aplicado por uma gran-de burocracia? Em outras palavras, é pos-sível usar métodos participativos para sechegar a uma visão não-participativa doDireito, uma visão não-procedimental?

Por isso mesmo, há duas perguntasdiferentes: “Quais são os desdobramen-tos das idéias sobre Direito eDesenvolvimento, sejam elas de esquer-da ou de centro?” e “Por que ninguémprestou atenção à visão procedimentaldo Direito?”. Ambas são perguntas inte-ressantes e a resposta à segunda pergun-ta é: são idéias extremamente contesta-das nos centros de pensamento sobre odireito no Hemisfério Norte e, portan-to, não têm grande divulgação. Elas sãocomo um bom vinho: não se dão bemcom viagens. Apenas quando as idéias setornam mais ou menos aceitas é que elasconseguem correr o mundo.

Outra razão é que a mentalidadesobre temas de desenvolvimento estáultrapassada; é pré-moderna, é muitotradicional. Temos que mudá-la e, nesseprocesso, há um “nós”, há um “agente damudança” e há uma “visão.” O problema

é que os críticos tentaram deslegitimaralgumas idéias e os envolvidos no pro-cesso de deslegitimar as “cópias etno-cêntricas das instituições jurídicas doHemisfério Norte” não são necessaria-mente simpáticos à procedimentalizaçãoe à governança.

Essas pessoas costumam ter umavisão social-democrata do mundo e,portanto, tendem a alinhar-se comtodos aqueles que temem que a procedi-mentalização seja um disfarce para adesregulação, ou seja, para o desmontedo Estado de Bem-Estar Social noHemisfério Norte. Talvez por isso sejadifícil ver a articulação; a combinaçãoentre estas duas idéias. É fácil olhar paraa via do “stakeholder” e para a discussãosobre governança e dizer: “Isto é muitoparecido com a visão procedimental doDireito!”. No entanto, muitas destasconexões não foram feitas.

O que particularmente o estimulaneste compromisso com as questõesde Direito e Desenvolvimento?

Os programas de milhagem! (risos)Estou brincando. Continue!

Gostaríamos de saber se o senhor temuma agenda normativa pessoal; umconjunto de crenças que o motiva...

Vou lhe dar uma resposta honesta:faço-o em parte porque as pessoas que-rem falar sobre o assunto e, por acaso,eu tenho muito a dizer sobre ele.Quando você sente que tem algo a dizer,pois já fez uma série de trabalhos emque pensou sobre certa questão e hápessoas que querem aprender com você,

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não importa qual seja o assunto, vocêpercebe, a certa altura, que é muito gra-tificante falar sobre ele.

Por que me envolvi e ainda pensosobre o tema? Apesar de todas as críticase de todas as supostas verdades que bus-cávamos abarcar, pessoas como eu acre-ditavam nisso. Quando começamos nadécada de 60, o Direito eDesenvolvimento não era um campo deestudos. Inicialmente, foi criado porjuristas que acreditavam que o desenvol-vimento era uma causa justa. Nãoimportava saber que aquela não era umaboa maneira de ganhar dinheiro ou deconstruir uma carreira. Ninguém emseu juízo perfeito se envolveria nessaatividade. Eu me lembro de contar paraalgumas pessoas minha dúvida entreaceitar um emprego; uma oferta de WallStreet, ou trabalhar para o programa deajuda externa do governo dos EstadosUnidos. Todos me diziam: “Você estámaluco! É uma loucura! Vá trabalharpara o escritório em Wall Street!”.Naquela época, a questão não era odinheiro ou a carreira, era sobre comovocê construiria uma carreira.

Eu recusei a oferta de emprego deum escritório chamado Covington &Burling e de um outro, hoje muitoconhecido, chamado Cravath, Swaine &Moore. Um sócio deste último ganhamais ou menos um milhão de dólarespor ano e um professor de Direito emuma faculdade de Direito modesta ganhacento e cinqüenta mil por ano. É umagrande diferença. As pessoas que traba-lham em agências de desenvolvimentoganham menos ainda, portanto há duas

carreiras diferentes. Eu não sabia dissoquando tinha vinte e quatro ou vinte ecinco anos. Mas, olhando para o passa-do, de fato, havia duas carreiras. As pes-soas que sabiam disso diziam, “Nãodesista do Direito das Empresas. Vocêpode fazer o que quiser a partir dele,mas uma vez inserido no campo de tra-balho relacionado ao desenvolvimento,você jamais poderá voltar ao Direito dasEmpresas”. Eu respondia: “Tudo bem”,embora na época não conseguisse vertudo isso com clareza.

Entrei no campo do Direito eDesenvolvimento pela causa: libertar ospovos da opressão e da tirania. Haviaaspectos anticomunistas no projeto dedesenvolvimento da década de 60. Eleera alardeado como uma alternativa aosocialismo; como uma alternativa aocomunismo em uma época em que osEstados Unidos e a Europa Ocidentalestavam preocupados com a tomada doTerceiro Mundo e, mais tarde, da China,pelos soviéticos.

Achávamos que o risco era o autori-tarismo da esquerda. Descobrimos queo verdadeiro risco era o autoritarismoda direita. Mas éramos muito jovens eingênuos e não conseguimos ver isso.Queríamos lutar contra o autoritarismoe queríamos fazer algo contra a distri-buição desigual de recursos entre aseconomias de todo o mundo. Não usá-vamos a palavra “eficiência” naquelaépoca; este não era um termo comum,mas certamente sabíamos o que ele sig-nificava. Achávamos que a busca por“eficiência” era a maneira de chegaronde queríamos e pensávamos que um

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rápido crescimento econômico contri-buiria para a libertação política.

Sei que hoje, vocês olham para mime pensam: “Como você pôde ser tãoidiota!” (risos). Mas realmente pensáva-mos assim. E realmente pensávamosque, se conseguíssemos fazer com queas faculdades de Direito da AméricaLatina se parecessem cada vez mais comYale, contribuiríamos para o desenvol-vimento da região. Eram idéias queseguíamos com sinceridade. O Direito eDesenvolvimento era uma causa. Erauma causa, e as causas últimas eram aigualdade e a liberdade. Sem dúvida,tratava-se de uma visão emancipadora etodos os que a seguiram, compreenden-do-a por completo ou não, desistiramde carreiras lucrativas. Como opção nacarreira acadêmica, foi um erro terrívelter entrado neste campo na década de60 porque as pessoas envolvidas torna-ram-se líderes de um campo em colap-so e isso não é exatamente bom parauma carreira, exceto, talvez, trinta anosmais tarde, quando me dizem, “Oh,você é o cara que acabou com ocampo... eu sei quem você é, eu melembro de você!” (risos).

O desenvolvimento era uma causa, eera uma causa emancipadora. Pensáva-mos que a exportação de instituiçõesjurídicas ocidentais fosse libertadora.Pensávamos que o auxílio estrangeirofosse um empreendimento altruístico.Pensávamos que o crescimento econô-mico, por si mesmo, levaria àDemocracia e, portanto, não era neces-sário preocupar-se com a política. Nãoestou dizendo que alguém sentou e

escreveu artigos que diziam essas coisas.Esta é uma explicação para a prática queconsistia em concentrar-se na Economiae deixar de se preocupar com os direitoshumanos ou com a democracia.

Esta era a visão inicial. Passamosdepois por um período de grande apren-dizado. Aprendemos que o auxílio inter-nacional poderia ser uma ferramentademoníaca. Aprendemos que as institui-ções jurídicas ocidentais poderiam serimportadas e postas a serviço da opres-são e do autoritarismo. Aprendemos quea idéia mesma de exportar instituiçõespoderia servir à manutenção das elites eda dominação. Aprendemos o ladonegro do Direito e Desenvolvimento, eisso levou às críticas.

Eu confesso que, quando voltei a lero artigo de 1974, tive dificuldades deentender o que ele queria dizer. Era algocomo: “Temos de voltar às idéias básicase continuar com esta prática, mas temosde fazê-lo de modo a não incorrer emtodos estes erros”. Pois, é claro, comonão sabíamos como evitar aqueles erros,havia apenas certa de esperança...

Uma das missões mais difíceis, hojeem dia, e é isto que o grupo que escre-veu The new law and development deseja, édescobrir se há uma prática positiva.Quase todos os autores do livro estão noBrasil neste mês. Francamente, nãotenho certeza de que encontrarão o quequerem. É uma questão muito difícil; épreciso mais do que o auxílio interna-cional para desenvolver um país, atémesmo o Brasil. No Brasil, seria possívelatingir os objetivos em menos tempo,mas há muitas distrações, tais como a

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praia no Rio de Janeiro ... (risos) Dequalquer maneira, vamos ver o queresulta disso. De qualquer forma, há umesforço genuíno de manter a visão eman-cipatória, mesmo após todas as críticas.

É muito difícil fazer isso; distanciar-se de fórmulas gerais supostamente uni-versais e caminhar na direção da via do“stakeholder”, da procedimentalização;reconhecer o problema das elites e sercapaz lidar com ele; entender que talvezhaja um papel para a intervenção exter-na, desde que não seja arrogante e secoloque em posição superior. Uma ajudaexterna que não queira dizer às pessoas oque elas devem fazer, mas que se propo-nha a ajudá-las a entender o que desejam.Agindo dessa forma, talvez ela possa serum fator de desestabilização, nos termosde Mangabeira Unger. Mas seu papel nãopode ser definir, em última instância, oque deve ser feito. O grupo que está noBrasil busca maneiras de continuar a prá-tica emancipatória. Está lutando para queisso aconteça em razão de todos os bene-fícios que estão ligados a esta visão.

O senhor sempre desempenhou umpapel ativo no movimento de Direitoe Desenvolvimento e sempre tevemuito contato com as agências dedesenvolvimento. Está satisfeito comseu trabalho pessoal e com suainfluência, até agora?

Sim. Próxima pergunta? (risos)

Tudo bem. Esta é uma respostaplenamente satisfatória! (risos)

Espere, espere! Vou responder…Influência sobre as agências: muito

pequena, decepcionante. Influênciasobre o meio acadêmico: muito satisfa-tória. O meio acadêmico terá maisinfluência sobre as agências no futuro?Espero que sim, mas é muito cedo paradizer. Estou muito satisfeito com o fatode que neste momento haja tanto inte-resse nas críticas. Mas estou mais satis-feito que haja tentativas de partir delaspara construir novas práticas. Nãoacredito que criticar seja suficiente.

Há quem diga que seu trabalho nãoé buscar caminhos novos a partir das crí-ticas. Não consigo aceitar isso, pois souum reformador social à moda antiga.Quero ir além das críticas para elaborarnovas práticas. Mas fazer isso é muitodifícil, pois, como acredito no procedi-mentalismo e na via do “stakeholder”,será preciso criar novas instituições einstituições novas não surgem do sonhode alguém sentado em uma bibliotecaem Paris, Londres, Nova York ouMadison, Wisconsin, mas de redes queinterliguem pessoas com diferentes pon-tos de vista.

A criação destas redes é um fato pro-missor. Uma das falhas no momento con-temporâneo do Direito e Desenvolvi-mento, assim como de todos os outrosperíodos, é a falta de qualquer informa-ção empírica sobre como os sistemas dedireito realmente funcionam e quais osefeitos das reformas realizadas. Há pou-quíssima pesquisa sobre isso. Este tipo depesquisa, os professores de Direito, for-malistas ou não; defensores do realismojurídico, do pós-realismo ou do pré-rea-lismo jurídico (risos), não sabem comofazer. Eles não são treinados para estudar

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como o Direito funciona. Não é umahabilidade que faça parte de sua especia-lidade, é uma habilidade interdisciplinar.

Há um movimento mundial de apoioe encorajamento a pesquisas interdisci-plinares. Nos Estados Unidos, o chama-mos de “Law & Society”, e outros paíseso chamam apenas de “Estudos Sócio-Jurídicos”.Teremos um grande encontroem Berlim31 neste verão que irá reunirestudiosos deste campo. É muito gratifi-cante ver que há muitos pesquisadores,tanto do Hemisfério Norte quanto doHemisfério Sul, escrevendo monografiassobre o Direito dos países em desenvol-vimento, auxílio estrangeiro e esforçosde reforma dos sistemas jurídicos; ouseja, há muita coisa acontecendo relacio-nada a todas as questões que discutimos.Há, atualmente, uma pequena, mas cres-cente comunidade de interessados noassunto com capacidade de estudarempiricamente o que está acontecendo.

Sessenta e oito brasileiros submete-ram monografias para esta conferência.Nem todos serão selecionados e muitosnão poderão ir por falta de financiamen-to. O Euro está muito forte e isso atra-palha, mas tenho certeza de que pelomenos trinta ou quarenta brasileirosestarão em Berlim, além de pessoas demais de setenta e nove países. Um terçodos participantes vem da América doNorte, um terço vem da Europa; outroterço dos países em desenvolvimento.Trinta e cinco da África do Sul e trinta eum da China.

Estou engajado neste processo eminha universidade está iniciando umgrande projeto para encorajar o

desenvolvimento de habilidades empí-ricas e sua aplicação a questões relevan-tes para a agenda do Direito eDesenvolvimento. Acabamos de contra-tar pessoas que pesquisam AméricaLatina, Oriente Médio, Rússia, China eÁfrica. Temos em Wisconsin, provavel-mente, o maior grupo de estudiososinterdisciplinares de Law & Society dedi-cados aos países em desenvolvimento.Acho que este projeto terá desdobra-mentos muito promissores e tenho tra-balhado muito para fazê-lo decolar.

O senhor escreveu um importanteartigo sobre Max Weber em 1972,Max Weber sobre direito e aascensão do capitalismo, que éclaramente um esforço para darconsistência teórica ao Direito eDesenvolvimento. Max Weber aindatem um papel a desempenhar nestecampo de estudos?

Há um interesse renovado em MaxWeber hoje em dia em que sua obratem sido utilizada negativamente, paradizer o que não se deve fazer. Há umartigo muito importante de ChantalThomas32 que trata do uso e do abusodas teorias de Max Weber sobre Direitoe Desenvolvimento por intelectuaisnorte-americanos nas décadas de 60 e70. Ela se debruçou sobre uma novaonda de estudos acadêmicos sobreWeber. O artigo não é especificamentesobre Direito, mas sobre estudos emgeral que se dedicam a Max Weber.Chantal critica o trabalho sobre moder-nização de sociólogos norte-america-nos que se basearam ostensivamente

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em Weber. Apesar disso ter ocorridotambém em outras partes do mundo,trata-se de um projeto eminentementenorte-americano. Estou me referindoao que se costuma chamar de “teoria damodernização”, um esforço de cientis-tas sociais norte-americanos para expli-car por que alguns países são ricos eoutros são pobres e o que o se podefazer sobre isso.

Adivinhe qual é a solução oferecidapor esta teoria? Ter instituições como asdos países desenvolvidos! Agora adivi-nhe quais instituições deveriam serreformadas? O Direito! Este projeto foidivulgado e apoiado pelo establishmentnorte-americano e notemos como eleera congruente com a política externanorte-americana: uma espécie de guru,um dos líderes entre os pensadoresdesse campo, cujo trabalho foi extre-mamente influente, foi o sociólogoTalcot Parsons,33 uma das grandesfiguras na história da sociologia norte-americana. Seu trabalho foi apropriadopelos esforços que visavam a promoverdesenvolvimento econômico, adminis-trativo e político nos países em desen-volvimento. A Teoria da Modernizaçãoera uma espécie de teoria geral damudança social e se apresentava comoalternativa ao socialismo.

Como eu já disse, a teoria era sobre“por que alguns países são pobres e o quepode ser feito em relação a isto”. Para ateoria socialista, eu garanto, a respostanão era copiar a Faculdade de Direito de Yale. Já a Teoria da Modernização leva-va inevitavelmente a esta conclusão.Parsons baseou seu pensamento no que

ele alegava ser um estudo sobre Weber.Seu ponto de vista é muito norte-ameri-cano: uma espécie de visão liberal oti-mista do mundo, que também funcionacomo uma ótima ideologia para umimpério incipiente.

Sabemos que Weber era um pensa-dor sombrio que dizia que o capitalis-mo e a modernidade eram projetosmuito frágeis. Então aparece Parsons,este norte-americano que simplifica otrabalho de Weber e descobre, aoestudá-lo, o projeto etnocêntrico aque se refere Chantal Thomas. Eudirigi um projeto por cinco ou seisanos em Yale chamado: “ProgramaDireito e Modernização”. O nome nãoé acidental. Atualmente, eu ministrouma disciplina chamada “Direito eModernização no Mundo emDesenvolvimento”. A única razão pelaqual ainda temos este título estúpidoé a burocracia de Wisconsin. É muitodifícil mudar o nome de um curso.Acredite se quiser: para fazer isso épreciso passar por toda a universida-de; por um comitê universitário.

A idéia dominante na época era a deDireito e Modernização. No início doDireito e Desenvolvimento tentávamosdesenvolver o que podemos denominarde “Teoria do Direito e Desenvolvimento”estudando a literatura sobre Moderniza-ção. Achávamos que teríamos que nosencaixar nesta literatura porque ela era anarrativa mestra da Academia Liberalnorte-americana da década de 60. Estoume referindo à Teoria da Modernização eaos estágios do crescimento econômicode Rostow.34 Estas duas idéias foram

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combinadas e o Direito e Desenvolvi-mento foi construído neste universo,caracterizado também pelo anticomunis-mo da Guerra Fria e pela política externanorte-americana, marcada pela Aliançapara o Progresso.35

Assim, o que temos atualmente sãoestudos sobre Weber que buscam obterrespostas para os problemas do Direito eDesenvolvimento, mas que percebemque ele não as tinha e que as respostasencontradas por alguns são interpreta-ções questionáveis de seu trabalho.Duncan Kennedy,36 um dos autores nolivro The new law and economic develop-ment, escreveu um artigo absolutamentebrilhante37 que trata do lado sombriode Weber. Weber compreendia a críticaao formalismo tão bem quanto qualqueroutro estudioso de seu tempo. Esta crí-tica teve início na Alemanha mais oumenos ao mesmo tempo em que Weberescrevia seu livro sobre sociologia.38

O artigo de Duncan é absoluta-mente brilhante, leitura imprescindí-vel para os interessados em Weber eem Direito. Foi publicado no livro queeditei, mas também é acessível naHarvard Law Review, que se pode obteron-line. Gostaria de dizer o seguinte:vocês são capazes de perceber a dife-rença entre o seu aprendizado doDireito e as condições que eu encon-trei no Brasil há trinta anos, quando fuiapresentado a Roberto MangabeiraUnger, ainda estudante no Rio deJaneiro? Ele tinha, em casa – não seicomo ele conseguia, sendo um estu-dante de Direito – uma coleção detrinta anos da Harvard Law Review, além

de todos os grandes tratados europeusde Teoria do Direito. Já o estudante deDireito médio não conseguia encontrarnada, certo? Sem muito esforço, eraimpossível obter qualquer informaçãosobre o que acontecia fora do Brasil.Hoje, basta estar sentado em casa, depijamas, acessar a internet e obter tudoo que foi publicado nas revistas jurídi-cas norte-americanas desde 1845.

A possibilidade de um diálogoNorte-Sul genuíno aumentou substan-cialmente nos últimos vinte anos em vir-tude de melhorias no aprendizado doDireito em instituições como a FGV.Isto não está ocorrendo em todo o Brasile ou na América Latina, mas, mesmoassim, há possibilidades promissoras,potencializadas pela tecnologia da infor-mação e pela tremenda redução nos cus-tos de comunicação.

Quando estive na embaixadanorte-americana no Rio de Janeiro nadécada de 60 não era fácil fazer umachamada telefônica. Tratava-se de umprojeto de grandes proporções.Tínhamos nossos próprios troncostelefônicos, afinal, o governo dosEstados Unidos nos apoiava, mas nin-guém mais as tinha. Hoje, o fato de euter dito “vocês não precisam deTeubner” e vocês terem rido do meucomentário significa que vocês sabemdo que estou falando. Este é um sinalde incrível sofisticação, impossível hátrinta anos. A possibilidade de um diá-logo genuíno, em vez da via de mãoúnica que promovíamos, aumentoubastante, ao menos no que diz respei-to a suas possibilidades materiais.

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NOTAS

1 Søren Kierkegaard, O conceito de ironia, SãoPaulo:Vozes, 1991.

2 Max Weber sobre direito e ascensão do capitalis-mo, Revista Direito GV 5, t. 3 v. 1, p. 151-186, 2007; pub-licado originalmente na Wisconsin Law Review,1972(3):720-753.

3 Tori Moi, Sexual/textual politics, London/NewYork: Methuen, 1985, p. 40.

4 Mikhail Bakhtin, Speech genres and other lateressays, Austin: University of Texas Press, 1986, p. 132.

5 Sigmund Freud, Jokes and their relation to theunconscious, London: Penguin Books, 1976.

6 Marc Galanter; David Trubek, Scholars in selfestrangement, 1974: 4, Wisconsin Law Review 1062, cujatradução é publicada nesta edição da Revista Direito GV.

7 A transcrição completa desta entrevista foi pub-licada nos Cadernos Direito GV n.19 (Setembro 2007), jun-tamente com o original em inglês, disponível on line nosite www.direitogv.com.br.

8 The new law and economic development: a criticalappraisal (2006): organizador com Álvaro Santos; MaxWeber at the millennium: economy and society for the 21st cen-tury (2005): organizador com Charles Camic e PhilipGorski; além de Governing work and welfare in a new econo-my: European and American experiments (2003): organizadorcom Jonathan Zeitlin.

9 Center for World Affairs and the Global Economy.

10 International Institute for the Sociology of Law,em Onati.

11 European University Institute, em Florença.

12 US Court of Appeals, 2nd circuit.

13 Agency for International Development.

14 Para este ponto, ver James A. Gardner, Legalimperialism. American lawyers and foreign aid in LatinAmerica, Madison: University of Wisconsin Press, 1980.

15 David Trubek; Marc Galanter, Acadêmicos auto-alienados: reflexões sobre a crise norte-americana da disci-plina sobre direito e desenvolvimento, Wisconsin Law Review,p. 1062, 1974.Traduzido nesta edição da Revista Direito GV

16 Marc Galanter é John and Rylla Bosshard Professor

of Law e professor de estudos sul-asiáticos da Faculdade deDireito da Universidade do Wisconsin.

17 United States Agency for InternationalDevelopment – Agência Norte-Americana para oDesenvolvimento Internacional.

18 Southeast Asia Treaty Organization –Organização do Tratado do Sudeste Asiático.

19 Um orixá importante para muitas religiões afro-americanas; originalmente da religião Yorubá.

20 Álvaro Santos,The world bank’s uses of the “ruleof law” promise in economic development, In: David M.Trubek; Álvaro Santos,The new law and economic develop-ment: a critical appraisal, Cambridge, 2006, p. 253-300.

21 BRIC é um termo usado para se referir conjun-tamente a Brasil, Rússia, Índia, e China.

22 Organização das Nações Unidas.

23 The Organization for Economic Co-operationand Development – Organização para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômico.

24 Literalmente “pessoas interessadas”. O termooriginalmente concerne ao mundo dos negócios, mas temsido usado para se referir a políticas que levam em contaos interessados como sujeitos ativos que precisam ter suavoz ouvida pelos mecanismos de tomada de decisão .

25 Organizações não-governamentais.

26 Kerry Rittich, The future of law and develop-ment: second-generation reforms and the incorporationof the social, In: David M.Trubek; Álvaro Santos, The newlaw and economic development: a critical appraisal.Cambridge, 2006, p. 203-252.

27 Scott Newton, The dialectics of law and deve-lopment, In: David M.Trubek; Álvaro Santos, The new lawand economic development: a critical appraisal, Cambridge,2006, p. 174-202.

28 Salvador Allende (1908-1973) foi o presidentesocialista do Chile entre 1970 e 1973, morto em 11 desetembro de 1973 durante um golpe de Estado de extre-ma-direita levado a cabo pelos militares.

29 Professor da Faculdade de Direito de Harvard, umdos fundadores do movimento Critical Legal Studies e impor-tante teórico social. Foi indicado para ocupar o cargo deMinistro das Ações de Longo Prazo do Governo Lula.Autor,

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entre outros, de O direito na sociedade moderna (1977), Thecritical legal studies movement (1986), O direito e o futuro dademocracia (2004), Política: os textos centrais (2001).

30 Professor de Direito Privado e Sociologia doDireito, Universidade de Frankfurt/Main, e CentennialProfessor, Faculdade de Economia de Londres. Autor deO direito como sistema autopoiético (1993); Direito, sistema epolicontextualidade (2005); editor ou co-organizador deContractual networks (2007), Paradoxes and inconsistenciesin the law (2006), Transnational governance and constitutio-nalism (2004).

31 Encontro anual da Law and Society Association(LSA) e do Research Committee on Sociology of Law(RCSL of ISA) – Comitê de Pesquisa sobre Sociologia doDireito, Universidade Humboldt, Berlim, de 25 a 28 dejulho de 2007.

32 Chantal Thomas, Max Weber, Talcott Parsonsand the sociology of legal reform: a reassessment withimplications for law and development, 15 MinnesotaJournal of International Law, p. 383, 2006.

33 Talcot Parsons (1902-1979), prof. em Harvard,sociólogo muito influente, especialmente durante asdécadas de 50 e 60. Autor de A Estrutura da Ação Social(1937) e O Sistema Social (1951).

34 Walt Whitman Rostow (1916-2003) foi um eco-nomista norte-americano e teórico político que serviucomo Assistente Especial para Assuntos de SegurançaNacional. Proeminente por seu papel na formação daspolíticas norte-americanas no Sudeste asiático durante a

década de 60, foi um fiel oponente do comunismo, e eraconhecido por sua crença no Capitalismo como empreen-dimento livre. Autor de The stages of economic growth: anon-communist manifesto (1960). Publicado no Brasilpela ed. ZAHAR

35 Movimento iniciado em 1962 pelo entãoPresidente norte-americano John F. Kennedy, que visavaestabelecer cooperação econômica entre a América doNorte e a América do Sul para combater a ameaça comu-nista na região.

36 Duncan Kennedy é Carter Professor de TeoriaGeral do Direito na Faculdade de Direito de Harvard. Umdos criadores e figura-chave dos Critical Legal Studies, éautor de The rise and fall of classical legal thought (1975), Acritique of adjudication [fin de siècle] (1998), Legal educationand the reproduction of hierarchy (2007) e Three globaliza-tions of law and legal thought: 1850-2000, In: David M.Trubek; Álvaro Santos, The new law and economic develop-ment: a critical appraisal, Cambridge, 2006, p. 19-73.

37 The disenchantment of logically formal legalrationality, or Max Weber's sociology in the genealogy ofthe contemporary mode of Western legal thought, 55Harvard L. J., p. 1031 (2004), republicado in: CharlesCamic; Philip Gorski; David Tubek, Max Weber's economyand society: a critical companion (2005).

38 Trubek refere-se, aqui, a autores como Rudolfvon Ihering (1818-1892), Georg Jellinek (1851-1911) eao austríaco Eugene Ehrlich (1862-1922), que integraramelementos sociológicos ou adotaram uma visão sociológi-ca ao estudo do Direito.

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