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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O NOVO IMPERIALISMO: TERRITÓRIO E FINANÇAS Angelita Matos Souza UNESP - Rio Claro [email protected] AS INTERPRETAÇÕES CLÁSSICAS Com os riscos inevitáveis de empobrecimento das interpretações dos autores, neste tópico iremos resumir o que nos parece ser o fator preponderante nas concepções clássicas acerca do imperialismo de Hobson, Kautsky, Luxemburgo, Hilferding e Lênin. Iniciaremos por Hobson e Kautsky, por ser possível identificar nos dois autores a ideia do imperialismo como uma das possibilidades do capitalismo, quer dizer, para os autores seria possível distinguir capitalismo de imperialismo. Em seguida resumimos a posição de Rosa Luxemburgo, enfatizando a relação entre espaços capitalistas e não capitalistas, encerrando com Hilferding e Lênin e o destaque ao domínio do capital financeiro. O pensamento de John Atkinson Hobson 1 não se situa no campo marxista, como os demais autores que abordaremos aqui, mas o autor é pioneiro em destacar o poder do setor financeiro no capitalismo moderno, compreendendo o imperialismo como um equívoco que traria mais dissabores que vantagens para o Império britânico, embora da perspectiva dos povos dominados pudesse proporcionar avanços civilizatórios. Para o autor a razão última do imperialismo encontrar-se-ia nos interesses da classe financista da City, que lograva convencer a Coroa das vantagens do expansionismo, quando seria mais produtivo a opção pelo aumento da demanda por bens industriais por meio da elevação dos salários dos trabalhadores ingleses. O problema seria o poder da fração parasitária, não sendo o imperialismo inevitável ou intrínseco ao sistema capitalista. Essa posição aparece em muitos autores – sendo Keynes o mais conhecido – que consideram possível impor limites ao domínio das finanças, incentivando a produção, a fim de que o capitalismo possa 1 Em Imperialism: a study, de 1902. 126

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O NOVO IMPERIALISMO:TERRITÓRIO E FINANÇAS

Angelita Matos Souza

UNESP - Rio Claro

[email protected]

AS INTERPRETAÇÕES CLÁSSICAS

Com os riscos inevitáveis de empobrecimento das interpretações dos autores,

neste tópico iremos resumir o que nos parece ser o fator preponderante nas concepções

clássicas acerca do imperialismo de Hobson, Kautsky, Luxemburgo, Hilferding e Lênin.

Iniciaremos por Hobson e Kautsky, por ser possível identificar nos dois autores a ideia do

imperialismo como uma das possibilidades do capitalismo, quer dizer, para os autores seria

possível distinguir capitalismo de imperialismo. Em seguida resumimos a posição de Rosa

Luxemburgo, enfatizando a relação entre espaços capitalistas e não capitalistas, encerrando

com Hilferding e Lênin e o destaque ao domínio do capital financeiro.

O pensamento de John Atkinson Hobson1 não se situa no campo marxista, como

os demais autores que abordaremos aqui, mas o autor é pioneiro em destacar o poder do

setor financeiro no capitalismo moderno, compreendendo o imperialismo como um

equívoco que traria mais dissabores que vantagens para o Império britânico, embora da

perspectiva dos povos dominados pudesse proporcionar avanços civilizatórios. Para o autor

a razão última do imperialismo encontrar-se-ia nos interesses da classe financista da City,

que lograva convencer a Coroa das vantagens do expansionismo, quando seria mais

produtivo a opção pelo aumento da demanda por bens industriais por meio da elevação dos

salários dos trabalhadores ingleses. O problema seria o poder da fração parasitária, não

sendo o imperialismo inevitável ou intrínseco ao sistema capitalista. Essa posição aparece

em muitos autores – sendo Keynes o mais conhecido – que consideram possível impor

limites ao domínio das finanças, incentivando a produção, a fim de que o capitalismo possa

1 Em Imperialism: a study, de 1902.

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seguir seu curso mais normalmente. Efetivamente, o capitalismo do pós-guerra - keynesiano

- esteve mais próximo do defendido por Hobson, mas nem por isso deixou de ser

imperialista/militarista. Em razão da capacidade de organização e pressão das classes

trabalhadoras assistiu-se à emergência de Welfare States avançados nos países

desenvolvidos, um capitalismo mais regulado emergiu, porém isso não implicou na

eliminação do movimento de conglomeração/monopolização econômica e, no contexto da

guerra-fria, as despesas militares não deixaram de se expandir.

Karl Kautsky também apreende o imperialismo como uma entre outras

possibilidades para a acumulação do capital, mas a relação estabelecida por Hobson entre

finanças e imperialismo perde importância na sua obra2. Para o autor, o imperialismo seria

produto fundamentalmente do desenvolvimento industrial em algumas nações, permitido

pela fase do livre comércio, nações que passaram a competir no mercado mundial com a

Inglaterra. O imperialismo estaria relacionado à problemática da superprodução e do

subconsumo3 e fundamentalmente ligado às disputas pelas regiões agrárias como

mercados para os produtos industrializados das potências, podendo levar às guerras mas

também aos meios menos conflitivos de gestão do capitalismo e resolução dos conflitos. Na

medida em que um número cada vez em menor de agentes econômicos – organizados em

trustes, cartéis – seria responsável pela gestão do sistema capitalista mundial, e à maioria

deles não interessaria a guerra, seria possível a conformação de um “ultra-imperialismo” no

qual operações cooperativas entre as grandes potências poderiam evitar a eclosão de

guerras, sendo o imperialismo substituído “por uma santa aliança dos imperialistas”4.

É certo que em vários momentos guerras foram evitadas por meio de acordos e

negociações, mas o imperialismo nunca viveu em paz, das duas guerras mundiais ao mundo

mais regulado saído de Bretton Woods até alcançar a etapa da mundialização do capital,

sendo que neste início de século o belicismo avançou como nunca desde o pós-guerra.

Como tem insistido Fiori em textos recentes5, retomando Hobbes, a guerra não precisa

ocorrer de fato, basta existir como possibilidade, é o que move a indústria bélica mundial e

o próprio imperialismo: a guerra como possibilidade. Daí que seja possível evitar guerras

efetivas, mas não distinguir capitalismo do imperialismo/militarismo, e alguma guerra é

2 O que não deixa de ser curioso, dado seu entusiasmo pela obra de Hilferding. Ver “Finance, Capital and Crises”. Disponível em https://www.marxists.org/archive/kautsky/1911/xx/finance.htm, acesso em 14/07/2014.

3 Ver Mazzucchelli, 2004.

4 Em Ultra-imperialism, de 1914.

5 Ver por exemplo José Luís Fiori, 2008.

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sempre oportuna à legitimação dos gastos militares que, sobretudo no caso

norte-americano, funcionam como uma espécie de keynesianismo bélico.

Rosa Luxemburgo6 não concebe o imperialismo como uma opção entre outras

nem como intrinsecamente identificado ao capitalismo monopolista. O imperialismo é

entendido como inerente ao capitalismo, um mecanismo de expropriação típico da fase da

acumulação primitiva estudada por Marx e jamais superado. Por sua vez, são limitações no

campo do consumo que impelem ao imperialismo determinando a natureza

cosmopolita/universalista do sistema. O elemento fundamental à compreensão do

fenômeno seria a relação necessária e contraditória entre áreas capitalistas e não

capitalistas. Por certo que a autora não ignora o papel do capital financeiro, nem dos

Estados e do militarismo, ao contrário, mas sua definição de imperialismo está basicamente

ligada à ideia da necessidade de conquista de outros mercados, sem os quais a acumulação

ampliada de capital não teria como seguir em frente e o capitalismo alcançaria o seu limite

histórico. O que em tese haveria de ocorrer quando não existissem mais espaços não

capitalistas a serem explorados, processo não automático, a luta política revolucionária seria

essencial, porém a perspectiva da autora dá margem às críticas de economicismo. Como em

Kautsky, a definição de imperialismo encontra-se relacionada à problemática do consumo,

da demanda efetiva insuficiente à absorção da produção capitalista global, problema para o

qual a saída seria a internacionalização do capital e conquista dos espaços ainda não

dominados pelo capitalismo.

Hoje, mais que nunca, qualquer definição do imperialismo pelo viés do consumo

é bastante problemática e de difícil sustentação, na medida que, embora muito bem vindo,

o consumo não é o central ao processo de acumulação na etapa da mundialização

financeira. E a tese da fase da acumulação primitiva como uma constante na história do

capitalismo só dificulta a reflexão teórica e avanços na compreensão da transição social a

partir da articulação entre luta política revolucionária e desenvolvimento das forças

produtivas. De fato, aproxima-se do flerte com o pensamento conservador e teses da

história como eterna repetição - na linha do “tudo muda para que tudo fique igual” –

quando, do ponto de vista marxista7, é mais produtivo compreender a acumulação primitiva

como uma fase que termina na grande indústria, com avanços a partir daí da perspectiva

tecnológica e do processo civilizatório, contudo sem superação da face barbárie, intrínseca

6 Em A acumulação de capital, de 1913.

7 Cuja dimensão central é o par desenvolvimento das forças produtivas e revolução.

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ao capitalismo, que pode inclusive se acentuar como se deu nas últimas décadas e isso é o

capitalismo/imperialismo na sua maturidade: a combinação mais ou menos desequilibrada

entre civilização e barbárie. Quer dizer, os pressupostos centrais da análise de Rosa

Luxemburgo – consumo, necessidade de mercados externos e acumulação primitiva - não

parecem os mais elucidativos à compreensão da realidade atual.

A Rudolf Hilferding8 interessa o processo de concentração e centralização do

capital que resultou na formação do capital financeiro (não é diretamente o imperialismo

seu objeto de estudo). Como é conhecido, em meio à expansão do sistema de créditos

comandado pelos bancos dá-se a fusão entre capital bancário e capital industrial, sendo a

sociedade anônima o mecanismo por excelência para conformação do capital financeiro

moderno. Não interessa aqui a discussão sobre as formas de conformação do capital

financeiro – especialmente as diferenças entre o caso alemão e o norte-americano – e sim

destacar a transformação nas relações de propriedade, cada vez mais coletiva nos marcos

do sistema capitalista9, e a tendência à indistinção entre atividades produtiva e financeira do

ponto de vista da acumulação de capital, tendencialmente favorável ao primado da

atividade financeira.

O autor destaca a importância dos Estados para o expansionismo imperialista

liderado pelo capital financeiro, sendo que o desenvolvimento do capital financeiro

permitiria certo consenso entre as diversas frações das classes dominantes, pois o mercado

financeiro despontaria como mecanismo de convergência entre interesses de agentes

econômicos diferenciados10. No entanto, isto não eliminaria a competição capitalista

mundial entre os grandes monopólios, conferindo um caráter precário à convivência

relativamente harmoniosa entre capitais de origens e dimensões distintas. A atualidade do

autor está fora de dúvida, há espaço hoje para ações coordenadas, mormente as

relacionadas à defesa em bloco dos interesses financeiros mundialmente dominantes, mas

o crescente processo de concentração e centralização do capital, causa e efeito do próprio

avanço do capital financeiro, potencializa a competição intercapitalista e a tendência à

anarquia econômica, ficando a cargo dos Estados solucionar crises cíclicas cada vez mais

frequentes, geralmente em proveito das finanças tendo em vista a situação de ponto de

8 Em O capital financeiro, publicado em 1910.

9 Conforme Belluzzo, a tendência é a coletivização, sem que o sistema abandone os critérios privados de apropriação da renda e da valorização da riqueza, voltaremos ao tema mais adiante. (2013:103)

10 Diríamos que, da perspectiva do mercado financeiro seria possível apreender as classes dominantes à maneira trotskistas, como bloco monolítico.

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convergência no mundo da competição intercapitalista11.

Vladimir Illitch Ulianov12 retoma largamente o estudo de Hilferding e também as

análises de Hobson no seu texto célebre sobre a fase superior do capitalismo. Para Lênin o

imperialismo não diz respeito simplesmente às políticas de dominação das potências

capitalistas sobre o resto do mundo, tampouco deve ser visto como mera conquista de

mercados para contrabalançar as dificuldades de realização de valor ou saída para um

sistema econômico supostamente agonizante. O imperialismo é o capitalismo monopolista,

um desdobramento lógico do desenvolvimento capitalista, da sua natureza cosmopolita em

busca da valorização máxima do capital. Estágio que não eliminaria a competição

intercapitalista, liderada por monopólios gigantescos essa se tornaria mais intensa,

acirrando tendências às crises cíclicas, desproporções setoriais e o caráter anárquico da

produção, até porque os monopólios não se estabelecem por toda parte. O capital

financeiro, como em Hilferding, é produto e elemento propulsor da monopolização

econômica, sendo a exportação de capitais e a repartição do mundo entre grupos

capitalistas internacionais e grandes potências condição e resultado do predomínio do

capital financeiro, da sua assunção em força motriz do desenvolvimento capitalista em

escala mundial. Na crítica dirigida a Kautsky, fica clara a concepção do autor:

O imperialismo é uma tendência para as anexações; eis a que se reduz a parte

política da definição de Kautsky. Ela é correta, mas extremamente incompleta, pois no

aspecto político o imperialismo é, em geral, uma tendência para a violência e para a reação.

Mas o que neste caso nos interessa é o aspecto econômico que o próprio Kautsky introduziu

na sua definição. As inexatidões da definição de Kautsky saltam à vista. O que é

característico do imperialismo não é precisamente o capital industrial, mas o capital

financeiro. (...) O que é característico do imperialismo é precisamente a tendência para a

anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais industriais (...), pois, em

primeiro lugar, já estando concluída a divisão do globo, isso obriga, para fazer uma nova

partilha, a estender a mão sobre todo o tipo de territórios; em segundo lugar, faz parte da

própria essência do imperialismo a rivalidade de várias grandes potências nas suas

aspirações à hegemonia, isto é, a apoderarem-se de territórios não tanto diretamente para

si, como para enfraquecer o adversário e minar a sua hegemonia. (2011: 220-21)

11 Sobre a centralidade da competição intercapitalista desde o pós-guerra (e as crises recentes do capitalismo) ver Robert Brenner, 1999; e Luiz Gonzaga Belluzzo, 2013.

12 Em Imperialismo: etapa superior do capitalismo, publicado em 1916.

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Ou seja, o imperialismo implica num patamar superior de desenvolvimento

capitalista, no qual o expansionismo econômico e político-militar seria distinto de

imperialismos precedentes, a exportação de capitais seria o mecanismo decisivo nas

relações de dominação dos países mais fracos pelos mais ricos, meio pelo qual o capital

financeiro dos países dominantes buscaria estender seus domínios sobre o mundo

indistintamente – sobre regiões atrasadas e industrializadas. Na defesa dos interesses do

capital financeiro internacional, os Estados são cruciais, dominantes e dominados, da

perspectiva desses últimos o imperialismo deve ainda ser entendido tanto como obstáculo

ao desenvolvimento capitalista como seu elemento propulsor, desenvolvimento sempre

limitado pelas relações de dependência face aos Estados usurários.

Num breve balanço é possível afirmar que todos os aportes acima são em

alguma medida pertinentes, o imperialismo está intrinsecamente relacionado ao processo

de monopolização econômica, ao poder da classe parasitária (dos financistas). Não se trata

de uma opção que possa ser descartada e substituída pela preferência pela produção, mas

pode ser contido por força da luta política, como no pós-guerra, luta política que neste início

de século teria provavelmente que assumir uma dimensão muito mais internacionalizada. O

imperialismo não deixa de responder às determinações advindas da divisão internacional

do trabalho, entre nações industriais e agrárias, e disputas imperialistas decorrentes, por

sua vez a possibilidade de ações concertadas entre poucos agentes político-econômicos

dominantes é real e pode evitar guerras efetivas, além de propiciar alguma

organização/orquestração à produção capitalista. Contudo, sem eliminar a competição

intercapitalista e o caráter anárquico do sistema, assim como sem prescindir das guerras

como possibilidade (que em alguma dimensão sempre se realiza) e da preparação para

tanto. O imperialismo pode igualmente ser entendido como expediente mais ou menos

eficaz para os problemas ligados às insuficiências de consumo e avança expropriando

povos/territórios em processos que lembram a fase da acumulação primitiva. Dessa ótica, o

objetivo das grandes corporações multinacionais de controlar largas fatias dos mercados e

dos recursos naturais mundiais segue acintosamente, intensificado com a emergência

chinesa.

Não obstante, o elemento sobredeterminante, que sobrevive à prova dos

tempos, é o domínio do capital financeiro, domínio expressivo do patamar superior de

desenvolvimento do capitalismo que, nas últimas décadas, teria dado um novo salto, para

alguns analistas adentrando à etapa superior do imperialismo. E vale salientar que além do

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capital financeiro e articulados intrinsecamente a sua existência e poder mundial, outros

fatores precisam ser considerados na denominação de imperialista a uma nação, tais como:

moeda forte, poder militar, domínio do processo de inovação cientifico-tecnológico,

capacidade de determinar os rumos da economia mundial. Também não se deve entender

por imperialismo o oposto de hegemonia, ao contrário, os EUA são imperialistas e

hegemônicos (ou hegemônicos porque imperialistas), como antes fora a Inglaterra. Mas

atualmente a articulação entre estados e capital é sem dúvida maior. Os Estados das

economias centrais (mas não só) precisam zelar tanto pelos interesses de seus capitais

domésticos como pelos interesses do capital imperialista dominante devido, sobretudo, às

articulações do capital financeiro internacionalizado dentro de cada formação social. E isto é

imperialismo, mas também hegemonia, estão todos consentindo no poder dos EUA devido à

articulação de interesses intercapitalistas globais – liderada pelos interesses financeiros –

manifesta no interior de cada formação social.

Articulação de interesses que não elimina a competição intercapitalista mesmo

que estejam todos financiando os déficits americanos. E o consentimento também diz

respeito ao elemento força, seja por meio da participação ativa ou simplesmente pela

omissão/inação daqueles que poderiam conjuntamente se opor à força e não o fazem. Aliás,

o exercício mais agressivo da hegemonia norte-americana nas últimas décadas – elemento

central nas teses sobre o novo imperialismo identificado ao militarismo - pode ser até

conveniente para as demais economias dominantes, beneficiadas pela liderança

norte-americana, com movimentos e sentimentos anti-imperialistas concentrados sobre os

EUA13.

O NOVO IMPERIALISMO: TERRITÓRIO E FINANÇAS

Território

Vale insistir que destacamos nos autores que aparecem aqui a ideia que

entendemos como chave à compreensão do que seja imperialismo, o que não significa que

outros fatores sejam ignorados. No caso de David Harvey, em O novo imperialismo (2004),

13 Da nossa parte, discordamos que seja o militarismo o elemento determinante à compreensão do imperialismo atualmente, porém na ordem de importância deve vir em seguida ao domínio das finanças. Em O império da incoerência, Michael Mann (2006) faz um panorama interessante do poder militar norte-americano que permite relativizar a importância crucial que alguns autores conferem a dimensão militar a fim de definirem um suposto novo imperialismo. Não que o poder militar dos EUA não seja incomparável mas como defende Mann as guerras, contra os inimigos eleitos, são sempre países que ameaçam muito pouco o poder norte-americano.

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inspirado pela perspectiva de Rosa Luxemburgo, a relação necessária e contraditória entre

espaços capitalistas & espaços não capitalistas é o central, destacando mecanismos novos

de acumulação primitiva – ou mecanismos novos de acumulação por espoliação -

necessários à reprodução do capitalismo hoje como fora o processo de acumulação

primitiva à gênese do modo de produção capitalista. Evidentemente o autor confere

importância crucial à dimensão financeira14 - seria impossível não fazê-lo em meio à

financeirização global – e há mais espaço para pensar o papel dos Estados nacionais que em

Luxemburgo, mas na definição de imperialismo do autor a dimensão territorial constitui o

eixo central. Mais que tudo o novo encontra-se relacionado à exacerbação dos expedientes

de exploração dos espaços não capitalistas/periféricos.

A análise é bastante rica, discorrendo sobre formas novas de exploração

imperialista ou acumulação por espoliação, sendo que o livro contribuiu para recolocar o

imperialismo em discussão, ganhando ressonância nos movimentos sociais, na América

Latina em especial. Mas em que pese análise interessante sobre as formas novas de

acumulação via espoliação, a centralidade da relação necessária entre áreas capitalistas e

não capitalistas parece-nos de difícil sustentação. Relação agora ligada à problemática da

sobreacumulação, já que o autor contesta o fator consumo, como aparece em Luxemburgo,

na explicação das crises e do imperialismo, entendendo a necessidade de incorporação dos

espaços ainda não dominados pelo capitalismo como uma solução ao problema da

sobreacumulação.

O que não teria tanta importância se sua análise não deixasse a impressão de

que, ao final das contas, a solução é o que define o novo imperialismo. Quer dizer, se em

Rosa Luxemburgo é o consumo que fundamentalmente explica a relação necessária entre

espaços capitalistas e espaços não capitalistas, em Harvey a explicação gira em torno da

tendência à sobreacumulação. A expansão capitalista seria norteada pela necessidade de

encontrar áreas/negócios lucrativos à absorção do capital excedente, por meio da conquista

de novos mercados, promoção de novos produtos e modos de vida, novos instrumentos de

crédito, gastos estatais e endividamento público, monopolizações (fusões e aquisições entre

empresas), exportações de capital etc. Se nada for suficiente, a crise tende a se estabelecer,

produzida pelo excedente de capital tornado ocioso, movimento normalmente

acompanhado pelo trabalho ocioso. Assim, embora a dimensão financeira da dominação

14 Vale notar que o autor não concebe o predomínio das finanças como desvio de rota, mas sim como produto do desenvolvimento capitalista, no qual finanças e produção aparecem indissociavelmente articuladas.

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imperialista não seja em hipótese alguma menosprezada por Harvey, a ideia de espoliação

dos espaços não capitalistas a fim de fazer frente aos problemas da sobreacumulação tende

a predominar no conceito de imperialismo do autor.

De nossa parte, discordamos da ideia da relação necessária entre áreas

capitalistas e áreas ainda não dominadas pelo capitalismo como central à definição do

imperialismo. O imperialismo não deve sua existência à necessidade dos espaços não

capitalistas para a acumulação seguir em frente. São as anexações/espoliações que

prosseguem no imperialismo ou capitalismo monopolista, assumindo natureza distinta das

formas anteriores devido à forma financeirizada agora dominante. A articulação entre

espaços capitalistas e não capitalistas menos que necessária é decorrente, um elemento

subordinado na definição do imperialismo. Por sua vez, se, conforme entendemos, a fase da

acumulação primitiva terminou na grande indústria, o que Harvey destaca é a barbárie que

se acentuou nas últimas décadas, mas isso é apenas capitalismo, consolidado e avançado15.

E não seria descabido imaginar que espaços não capitalistas possam desaparecer do mundo

sem que isto implique no fim do capitalismo (e, por suposto, da barbárie), a não ser que o

desenvolvimento das forças produtivas combinado à luta política revolucionária leve a este

fim.

Em síntese, diríamos que o foco em Harvey – como em Rosa - é mais a

problemática dos mercados, recursos naturais e mão de obra barata em meio à relação

necessária e contraditória entre espaços capitalistas e não capitalistas. O imperialismo,

menos que à etapa superior do capitalismo, está identificado às políticas de exploração das

nações imperialistas sobre as regiões periféricas. Uma verdade evidente, mas que não deixa

de inverter a ordem dos fatores causais, em prejuízo da compreensão do imperialismo, à

época de Rosa e Lênin e mais ainda hodiernamente. Agora, para a luta política, a perspectiva

é mais motivadora que a identificação do imperialismo à fase monopolista do capitalismo

como o principal, cuja destruição exigiria o fim do capitalismo, passando pelo

desenvolvimento do próprio capitalismo/imperialismo.

15 Como escreveu João Manuel Cardoso de Mello: “Tudo se passa como se as tendências fundamentais do capitalismo reemergissem com intensidade redobrada. O desenvolvimento monstruoso do capital financeiro revelou uma verdade incontestável. Ou, por outra, verdade bem conhecida de Marx e Keynes, de Braudel e Polanyi – nós é que andávamos meio entorpecidos pelas décadas de capitalismo domesticado, esquecidos de que o capitalismo é um regime de produção orientado para a busca de riqueza abstrata, da riqueza em geral expressa pelo dinheiro. Esta abstração destrutiva aparece com toda sua força nua e crua no atual rentismo especulativo. (...) O desemprego estrutural, a precarização do trabalho, a intensificação da disparidade dos rendimentos, a heterogeneidade do mercado de trabalho e o agravamento da pobreza estão aí para quem quiser ver, e reconhecer enfim no capitalismo o que ele sempre foi, uma gigantesca máquina de produzir desigualdade.” (1998: 23-24)

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Para concluir, vale destacar a relação de contradição e complementaridade entre

duas lógicas, a lógica do Estado – “a política do Estado e do Império” – e da acumulação

privada - “processos moleculares de acumulação do capital no espaço e no tempo”. Por

certo a ideia de complementaridade entre as duas lógicas tende a predominar nas

considerações de Harvey acerca da acumulação por espoliação no contexto do novo

imperialismo, mas o fator contradição é produtivo por conceber Estado e economia como

esferas separadas e autônomas:

Com a primeira expressão [política do Estado e do império] desejo acentuar as

estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um Estado

(ou por algum conjunto de Estados que funcionam como bloco de poder político)

em sua luta para afirmar seus interesses e realizar suas metas no mundo mais

amplo. Com a última expressão [processos moleculares de acumulação do

capital no espaço e no tempo], concentro-me nas maneiras pelas quais o fluxo

do poder econômico atravessa e percorre um espaço contínuo, na direção de

entidades territoriais (tais como Estados ou blocos regionais de poder) ou em

afastamento delas mediante as práticas cotidianas da produção, da troca, do

comércio, dos fluxos de capitais, das transferências monetárias, da migração do

trabalho, da transferência de tecnologia, da especulação com moedas, dos

fluxos de informação, dos impulsos culturais e assim por diante (HARVEY, 2004:

31).

Acreditamos que não há necessidade de se recorrer a ideia de Império, que não

deixa de transformar o imperialismo numa opção política (numa política de Império)16, mas à

análise da realidade, mormente no campo da geopolítica, metodologicamente, parece

bastante produtivo analisar como operam as duas lógicas, à luz da ideia de autonomia

estatal e buscando nas conjunturas concretas elucidar os limites a tal autonomia, tendo

como cenário as relações internacionais, as disputas intercapitalistas e a luta entre classes

antagônicas no interior de cada formação social. Tarefa nada fácil, mas Harvey tem tentado

esse caminho de forma instigante.

Finanças

A opção por discutir imperialismo e finanças partindo da obra de François

Chesnais se justifica por ser o autor um dos primeiros a apontar transformações na ordem

16 E ainda que se possa imaginar a formação de um Império decorrente do desenvolvimento futuro do capitalismo, é cedo para abusar da ideia, como fizeram especialmente Negri e Hardt em Império e, em menor dimensão, Harvey em A condição pós-moderna.

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capitalista mundial, com ênfase à dimensão financeira, introduzindo termos como

“mundialização do capital” e “financeirização”. Seu livro A Mundialização do Capital, publicado

em 1997 (2ª edição ampliada), constitui um marco no debate sobre a internacionalização do

capital facilitada pela desregulamentação dos fluxos de capitais e pelos avanços nas áreas

de comunicação e transportes das últimas décadas. Para o autor, não eram as relações

comerciais o fundamental à compreensão das transformações em curso, mas sim a

internacionalização ou mundialização do capital em suas formas industrial e financeira,

destacando fusões-aquisições que elevaram o processo de concentração a níveis

inimagináveis17. No que mais interessa aqui, o autor é pioneiro ao chamar atenção para o

papel do endividamento público norte-americano na configuração do

capitalismo/imperialismo atual, isso antes da emergência decisiva da China na economia

mundial, daí a ênfase sobre a “tríade” América do Norte, Europa, Japão.

Conforme Chesnais (2001), a mundialização do capital longe de eliminar a

importância dos Estados nacionais e as relações políticas de dominação e dependência

entre países centrais e periféricos reforçava os fatores de hierarquização – entre a tríade,

seus sócios mais próximos e seus domínios. No âmbito da tríade e dessa para com o resto do

mundo acentuou-se o peso dos Estados Unidos: “(...) não somente pelo fato do

desmoronamento da União Soviética e da posição militar única deles, mas também em

razão de uma posição inigualável no domínio financeiro” (2001: 14). A partir do

desmoronamento do sistema de Bretton Woods, em 1971, do choque dos juros e medidas

de liberalização e desregulamentação financeiras empreendidas a partir de 1979, os Estados

Unidos reafirmariam drasticamente seu poder mundial, apesar ou graças ao crescimento

muito rápido da dívida pública americana a partir de 1980-1982:

Os Estados Unidos mostraram que eles são o único país capaz de contrair uma

dívida pública tão elevada sem sofrer imediatamente a '“sanção dos mercados”.

Ainda melhor, eles puderam dar aos bônus do Tesouro americano o estatuto de

ativo financeiro que representa o “valor refúgio” por excelência. (...) Bem antes

que Wall Street levantasse vôo, esta dívida atraiu para os Estados Unidos os

fundos líquidos em busca de investimentos financeiros, não somente rentáveis

mas completamente seguros. Estes fundos financiaram o programa militar da

“guerra nas estrelas” que assentou definitivamente a predominância militar dos

Estados Unidos e acelerou a crise da ex-União Soviética. A presença deles no

17 Muito mais que A mundialização do capital utilizamos aqui o texto “Mundialização: o capital financeiro no comando”,revista Outubro, n. 05, 2001.

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nível da remuneração da qual se beneficiaram (8% de taxa de juro real durante

vários anos a partir de 1982) permitiram igualmente aos mercados financeiros

americanos adquirir sua dimensão e sua sofisticação únicas. Este processo foi,

em seguida, consolidado e confortado pela existência de fundos de pensão e de

investimentos financeiros coletivos. (2001: 14-15)18

Processo que não pode ser entendido de forma desarticulada da expansão da

dívida pública nos Estados em geral19, e muito especialmente nos Estados periféricos, que,

em meio à crise da dívida dos anos 1980 promoveram uma inversão no fluxo de capitais

para o centro capitalista, submetidos aos pacotes de ajustes do FMI dos anos 1980:

(...) uma espetacular inversão de fluxos. Entre 1980 e 1983, houve primeiro uma

diminuição brutal das entradas líquidas de créditos privados para os países em

desenvolvimento, que passaram de 26 a 1,6 bilhão de dólares. Depois, a partir

de 1984, o fluxo simplesmente passou a correr em sentido contrário,

tornando-se uma transferência líquida de 2,5 bilhões de dólares aos bancos

credores. (CHESNAIS, 1996: 256)

O afluxo de capitais para os EUA a partir do choque dos juros em 1979 que

precipitaria a crise da dívida na periferia contribuiu decisivamente para o novo ciclo de

crescimento da economia americana, impulsionada por investimentos tecnológicos de

ponta e desenvolvimento de produtos novos, com a Terceira Revolução Industrial

espalhando-se pelas demais potências econômicas, acompanhada inclusive por países da

periferia asiática. A monopolização econômica avançaria com as transformações

científico-tecnológicas em curso, em especial as transformações no setor de

telecomunicação-informatização elevariam a um patamar novo o domínio das finanças.

Surpreendentemente os EUA vão assumindo dianteira entre os países devedores, passando

a exercer um domínio financeiro-militar sem precedentes, sendo que: “(...) os governos de

todos os países onde o capital financeiro é desenvolvido estão comprometidos com os

Estados Unidos. (...) A mundialização contemporânea não é ‘americana’. Ela é capitalista e é

como tal que ela deve ser combatida” (CHESNAIS, 2001:16).

Klagsbrunn (2008) chama a atenção para a crescente contraposição entre as

18 Não iremos abordar o papel dos fundos de pensão e de investimentos financeiros, que teriam passado a maior importância que os bancos, mas esse é um aspecto importante na análise do autor.

19 “O ‘poder das finanças’ foi construído sobre o endividamento dos governos, que permitiu a expansão ou, mesmo empaíses como a França, a ressurreição dos mercados financeiros. É uma das fontes da força econômica e política imensa adquirida pelas instituições financeiras que é comum a todos os países da OCDE, praticamente sem exceção”(CHESNAIS, 2001: 17).

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esferas produtiva e financeira em textos mais recentes de Chesnais, textos nos quais

predominaria a relação de exterioridade das finanças propriamente ditas em relação à

produção, exterioridade expressa na forma da estreita dominação da esfera produtiva pela

financeira20, com o capital produtivo tornado “refém” da ação do capital financeiro,

interpretação que alimentaria propostas [no mínimo ingênuas] de combate à especulação e

ganhos exagerados na esfera financeira de forma a resolver os problemas centrais do

capitalismo contemporâneo. Conforme Klagsbrunn, a concepção de uma esfera financeira

exterior, dominando nocivamente a esfera produtiva, é exatamente o que Marx em O

Capital quer evitar e criticar:

Embora seja essa a visão superficial, muitas vezes externada por capitalistas

industriais, sobretudo quando a taxa de juros se apresenta mais elevada, para

Marx, o desenvolvimento do crédito, do capital bancário, das ações e demais

instrumentos de crédito e de participação de lucros é uma necessidade lógica do

capital, pois esses elementos permitem uma fantástica expansão da demanda e

da produção, além de permitir a necessária circulação de dinheiro pela

transferência e criação de depósitos, sem passar pela forma de dinheiro vivo. É

preciso, portanto, ir além das aparências pontuais e dos sentimentos de frações

do capital e partir do papel do crédito como altamente impulsionador da

acumulação do capital. (...) o desenvolvimento das categorias referentes ao

sistema de crédito em Marx tem o grande mérito de explicar por que seu

aparecimento e expansão são uma grande vantagem para todos os segmentos

do capital, e para o sistema capitalista como um todo, configurando uma lei

geral do sistema. A função do crédito, de qualquer tipo, não é negativa e

contrária à acumulação, mas uma fantástica alavanca para a acumulação em

todos os segmentos do capital. (KLAGSBRUNN, 2008: 45)

Afinada com a perspectiva acima é o estudo de Belluzzo (2013), com o qual

prosseguiremos21. A partir da leitura do autor, elegeremos como elemento central à

definição da fase superior do capitalismo, identificada ao domínio do capital financeiro,

justamente a tendência do sistema capitalista de “coletivizar” todas as formas de existência,

tendência acentuada nas últimas décadas pela expansão do dívida pública e socialização

pelos Estados nacionais da apropriação por poucos da riqueza coletiva. Conforme

entendemos seriam dois níveis de determinações: num nível fundamental

20 Klagsbrunn (2008) destaca texto de A finança mundializada (2005).

21 O objetivo de Klagsbrunn (2008) é a leitura crítica da obra de Chesnais, não diretamente o capitalismo contemporâneo, objeto do livro de Belluzzo O capital e suas metamorfoses (2013).

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(sobredeterminante) a dimensão financeira (que subordina a territorial) e, no seu interior, a

tendência à coletivização.

Belluzzo retoma vários autores – Hobson, Hilferding, Lênin, Keynes –, mas é em

Marx que encontra os fundamentos para o entendimento da dominância da forma

financeira no mundo contemporâneo. A forma financeira em Marx já seria praticamente

tudo o que afirmado depois por autores diversos, guardadas as devidas contextualizações

históricas. As do pós-guerra e especialmente as mais recentes serão analisadas por Belluzzo

rechaçando qualquer hipótese de exterioridade ou descolamento entre a economia real e a

economia monetário-financeira. E nem seria o capital industrial propriamente enfraquecido

nem a concorrência arrefecida com o desenvolvimento do capital financeiro22.

Conforme Belluzzo o que se passou nas últimas décadas foi o “desenvolvimento

das formas avançadas, isto é, mais socializadas e contraditórias de geração do valor e de

avaliação da riqueza” (2013: 123), cuja ideia de descolamento não é capaz de elucidar. Na

visão do autor (ou na sua leitura do Marx), o capitalismo não pode ser definido apenas pela

existência da propriedade privada, “mas como um sistema que tende a ‘coletivizar’ todas as

formas de existência” (2013: 103) e que “apenas utiliza a capacidade de trabalho para

acumular riqueza abstrata”, não podendo ser reduzido “às trivialidades da produção de

mercadorias por meio de mercadorias” nem “à extração de mais valor mediante a

exploração da força de trabalho” (p.64, nota 5).

É interessante destacar aproximações entre a análise do autor e o

estruturalismo francês na leitura de O capital (embora nenhum autor ligado à corrente seja

mencionado), mas sem descurar da história, afinal “a análise marxista dos modos de

produção tem como objetivo explicitar o conteúdo histórico e concreto das relações de

propriedade e de dominação” (p. 73). Belluzzo salienta que o objetivo de Marx nunca foi

fazer uma simples tipologia dos modos de produção e sim demonstrar a especificidade do

modo de produção capitalista: “(...) uma separação entre o político e o econômico de tal

modo que a propriedade atinge uma ‘natureza’ puramente econômica, diferente, portanto,

22 “A mobilização dos capitais impulsionada pelo sistema de créditos se transforma em uma força do capital industrial na medida em que promove a supressão das barreiras tecnológicas e de mercado, nascidas do próprio processo de concentração – em particular daquelas que decorrem do aumento das escalas de produção, com imobilização crescentes de grandes massas de capital fixo. As instituições financeiras que participam da constituição e gestão das grandes empresas ao estimular a ‘concorrência’ promovem centralização do capital e, portanto, reforçam o caráter monopolista dos empreendimentos capitalistas. Na verdade, ao estimular a conquista de novos mercados, provocam o acirramento da concorrência entre blocos de capital e impulsionam a internacionalização crescente da concorrência capitalista”. (BELLUZZO, 2013: 96)

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do conteúdo que assume nos demais modos de produção” (p. 73).

Domínio do econômico que revelaria sua essência com a subordinação real

promovida pela grande indústria: “À relação formal de apropriação passa a corresponder

uma relação real, o trabalhador isolado dá lugar ao trabalhador coletivo, de tal maneira que

o capitalista e o trabalhador passam a se constituir em simples suportes de uma relação

mais ampla de dominação” (p. 74, grifos nosso). O regime do capital enquadra trabalhadores

e capitalistas e no papel de sujeito encontramos o próprio capital, não “o capitalista

individual senão o próprio capital e o trabalho coletivo como sua extensão” (Idem). Por sua

vez, a relação mais ampla de dominação é tão opressiva que fica difícil vislumbrar a

transição social e não fazemos nenhuma crítica, o foco é mesmo a reprodução, sobre luta de

classes e socialismo encontramos apenas o básico e fundamental:

Marx não acreditava na transformação da sociedade produzida pelas leis

automáticas e “naturalizadas” – visão que o fetichismo da mercadoria, do

dinheiro e do capital pretende impor aos homens -; mas, para ele, tal mudança

só podia ser feita por meio da luta social a partir do que havia sido construído

pela história até então. O que mais irritava Marx era o socialismo utópico dos

que pretendiam reinventar o mundo ou fazê-lo regredir a formas de convivência

primitivas (p.19, grifo nosso).

Em meio ao processo sem sujeito de desenvolvimento do capitalismo - ou no

qual se sujeito houver é esse sujeito abstrato chamado capital -, a forma financeira vai

impondo sua dominância. Daí o volume III de O Capital, ser o que mais interessa ao autor:

“(...) as análises da concorrência, do crédito e, portanto, do processo de concentração do

capital se constituírem na parte mais rica e substantiva da investigação marxista sobre a

dinâmica do sistema capitalista e suas metamorfoses” (2013: 88). Análises amplamente

utilizadas por Belluzzo na reflexão sobre o desenvolvimento do capitalismo monopolista,

que, além de não eliminar a concorrência - “mais generalizada quanto mais desenvolvido o

capitalismo” (2013: 99) -, engendra negócios e formas de enriquecimento que pretendem a

independência “das leis da produção de mais-valia e das normas de reprodução e

acumulação do capital produtivo” (2013:108).

Por sua vez, a expansão o sistema de créditos comandado pelos bancos e a

fusão de interesses entre capital bancário e industrial vão promovendo o domínio das

finanças e a socialização da propriedade do capital. Conforme Belluzzo: “Criatura da

centralização do capital promovida pelo capital a juros, isto é, pelo capital replicado sob a

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forma de capital-propriedade, a sociedade anônima supõe necessariamente a transferência

de poder do capital industrial para o capital financeiro” (2013: 98). Como no mundo do

trabalho, a tendência é a coletivização, sem que o sistema abandone os critérios privados de

apropriação da renda e da valorização da riqueza. “(...) O capital assume uma forma social

nos marcos da propriedade privada” (2013:103) ou “(...) nas palavras de Marx (1966), a

‘abolição da indústria privada capitalista dentro do próprio regime capitalista de produção’”

(2013: 107). E “Marx fala claramente que essa forma desenvolvida [coletiva] de existência do

capital dá origem ao monopólio, às formas mais escandalosas de controle político e à

submissão do Estado aos ditames da finança” (Idem).

Enfim, se compreendemos bem, Belluzzo aponta à intensificação das

características centrais do capitalismo já identificadas por Marx e objeto de estudo em

autores posteriores. O desenvolvimento do capital financeiro executa as leis de movimento

do modo de produção capitalista, cujo dínamo é o processo de competição generalizada

determinando a tendência à expansão ilimitada. Todavia é preciso entender como “os

processos especulativos e de criação contábil de capital fictício”, antes “práticas ocasionais e

‘anormais’”, adquiriram caráter universal, dominante e ao que tudo indica permanente

dentro do sistema de acumulação consolidado nas últimas décadas (2013: 105).

Não é possível responder se as leis de movimento do modo de produção

capitalista chegariam a esse mesmo resultado independentemente dos processos políticos e

decisões tomadas no âmbito dos Estados nacionais - quer dizer, se de todo modo se imporia

o domínio das finanças em suas formas mais especulativas. É possível apenas apontar para

processos e decisões políticas que contribuíram neste sentido, talvez acelerando seu curso.

Nesse sentido, à luz dos estudos de Chesnais (1997, 2001), destacaríamos três decisões

políticas: a revogação em 1971 do sistema de Bretton Woods, o 1º choque do petróleo em

1973 e a decisão do governo dos Estados Unidos de em 1979 subir drasticamente a taxa de

juros.

A decretação unilateral dos Estados Unidos da inconversibilidade do dólar em

1971 representou uma primeira vitória da finança concentrada que abriria caminho para as

medidas de liberalização e desregulamentação financeiras a partir de 1979. Para os EUA a

passagem para o regime de taxas flexíveis de câmbio significaria o reforço da

predominância do dólar frente a todas as outras moedas, predomínio fomentado pelo

crescimento da dívida pública americana a partir de 1980-1982 (CHESNAIS, 2001:14)23. O

23 Embora, como escreveu Belluzzo (2013:160): “O mundo não convergiu para o regime de taxas flutuantes. Muito ao

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primeiro choque do petróleo e decorrentes petrodólares serviriam ao financiamento de

políticas econômicas na periferia do sistema, ao passo que o choque dos juros

norte-americanos em 1979 levaria os países devedores à beira da bancarrota, promovendo

a inversão dos fluxos do capital dos países devedores para o centro capitalista, numa

conjuntura de incertezas e desaceleração econômica mundial que atrairá capitais de todo o

mundo para os EUA24.

Como já apontado, a economia estadunidense foi impulsionada por

investimentos tecnológicos de ponta e desenvolvimento de produtos novos, o processo de

monopolização econômica avançaria com as transformações científico-tecnológicas em

curso, em meio à revolução nos assuntos militares norte- americanos (Revolution in Military

Affairs, RAM) e ao próprio fim da divisão bipolar do mundo. As transformações no setor de

telecomunicação-informatização elevariam o domínio das finanças, alterando as formas de

articulação com a produção de mercadorias e de espoliação das nações mais pobres pelas

mais ricas. Politicamente, a potência hegemônica passou a exercer um domínio

financeiro-militar sem precedentes graças à condição de maior devedor do mundo.

Atualmente, seus credores principais são China, Japão e outros países do leste asiático, mas

praticamente todos os países capitalistas têm acumulado reservas em dólar, em parte

aplicadas em ações, obrigações e títulos americanos. Como escreveu Mann:

(...) Isso significa que os países mais pobres subsidiam a economia dos EUA,

muito mais do que jamais chegam a receber como auxilio americano ao

desenvolvimento. Os Estados Unidos são a maior nação devedora, sinal não de

fraqueza, mas de força, o que lhe dá um grau inigualável de liberdade financeira.

O setor financeiro, que parece tão multinacional enquanto gira pelo mundo, usa

na verdade um passaporte americano. (MANN, 2006:73)

Eis o ponto central da articulação entre o Estado norte-americano e o capital

financeiro internacional: precisamente, sua posição de maior devedor do mundo, no interior

de cada formação social a articulação de interesses intercapitalistas globais –

contrário: a coexistência entre regimes de taxas de câmbio flutuantes e taxas administradas ou fixas tornou-se a marca registrada da economia mundial”.

24 Belluzzo (2013) descreve como vai se constituindo e se expandindo por toda parte uma engrenagem financeira nova- o “autodesenvolvimento do sistema financeiro” (p.158) - em torno da dívida estadunidense. Por exemplo: “Carregados de ativos podres latino-americanos e de outros países da periferia, os bancos substituíram em suas carteiras as dívidas dos periféricos por títulos do governo mais poderoso de mundo. A emissão de nova dívida pelo governo norte-americano foi importante para impulsionar o desenvolvimento dos mercados de capitais, ou seja, da securitização e dos derivativos. Os títulos norte-americanos, por sua liquidez e segurança, estimularam a expansão das operações de credito ‘securitizadas’.” (p.139)

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fundamentalmente financeiros - passa em maior ou menor grau pelo financiamento dos

déficits americanos. Como vem salientando Fiori (2008, 2009), os EUA decididamente se

tornaram o centro financeiro do mundo, com o Federal Reserve System administrando a

emissão da moeda de circulação internacional por meio das taxas de juros do próprio FED e

dos títulos emitidos pelo tesouro estadunidense, que passaram a servir de lastro ao padrão

dólar-flexível, num sistema no qual os EUA estipulam a taxa de juros da própria dívida

externa. E isto é imperialismo: o domínio do capital financeiro assumindo formas antes

inimagináveis: dominar devendo, a exportação de capitais segue crucial mas ocorreu certa

inversão de sentido.

A AMÉRICA LATINA ANTE O NOVO IMPERIALISMO

Para nós o que tem sido denominado de novo imperialismo é o velho

intensificado, que dispensa conceitos novos, mas sem rigor usamos a expressão a fim de

operar com a ideia de intensificação. Neste tópico, faremos comentários rápidos sobre a

ascensão e crescimento da economia chinesa reforçando a dimensão territorial do

imperialismo ligada à exploração de recursos naturais, ao mesmo tempo em que a

dimensão financeira se impõe desbragadamente sob a égide dos EUA. Não que tenha

amainado o objetivo das grandes corporações norte-americanas de controlar mercados e

recursos naturais mundiais, pelo contrário, segue acintoso, como demonstram estudos de

Harvey, Foster e outros que destacam a dimensão territorial recente da exploração

imperialista. Entretanto é possível afirmar que a “concorrência amistosa”, como definiu o

presidente Obama, entre EUA e China, implica numa articulação entre espoliação territorial

e espoliação financeira sob a égide da segunda. Conforme Belluzzo: “(...) o chamado ‘modelo

asiático’ tem uma relação simbiótica com as transformações financeiras e organizacionais

que deram origem as novas formas de concorrência entre as empresas dominantes da

tríade desenvolvida, Estados Unidos, Europa e Japão” (2013: 132).

As novas formas de concorrência caracterizar-se-iam pelo avanço da

centralização do controle por meio das fusões e aquisições desde os anos 1980

simultaneamente à descentralização da produção manufatureira, transferida para países de

mão de obra barata, com destaque para a China, que soube utilizar em favor do seu

desenvolvimento o estreitamento das relações com os EUA, anterior às reformas capitalistas

que supostamente explicariam seu sucesso, cuja integração à economia mundial foi

amplamente facilitada pelas transformações da terceira revolução industrial.

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Conforme Fiori (2013), analistas diversos costumam salientar o papel das

políticas liberalizantes de Deng Xiaoping, considerado o pai do “milagre econômico chinês”.

Entretanto, a história seria mais antiga, remetendo às relações com a União Soviética e, no

contexto da guerra-fria, com os EUA. A inimizade com a URRS seria fundamental à

compreensão do milagre chinês, pois teria levado à associação com os Estados Unidos e ao

desenvolvimento de uma indústria bélica chinesa. Associação que se tornará cada vez mais

estreita a partir de meados dos anos 1970 quando uma nova estratégia militar e econômica

encerraria a Revolução Cultural (1965-1974) e promoveria a centralização e o fortalecimento

do Estado. Essa pré-história seria fundamental ao entendimento da ascensão mundial do

gigante asiático:

A URSS era definida como a principal ameaça à segurança chinesa, e deveria ser

contida através de uma política militar de “defesa ativa”, e de uma estratégia

política-diplomática “ofensiva”, de reaproximação com os EUA. (...) [em 12/1971]

chegou à Casa Branca, em Washington, a mensagem do primeiro-ministro, Chou

en Lai, que deu início a uma das transformações geopolíticas mais importantes

do século XX. Em nome da nova estratégia, na reunião presidencial de 1972,

entre os presidentes Mao e Nixon, Mao Tse Tung colocou entre parêntesis as

divergências dos dois sobre a questão de Taiwan, e propôs ao presidente Nixon

uma “linha horizontal” de contenção da URSS, que passava pelo Oriente Médio, e

chegava até o Japão. (FIORI, 2013)

Tendo servido aos interesses norte-americanos de enfraquecimento da URSSS, a

parceria EUA-China se estreitaria após o fim da URSS (embora a China também tenha se

aproximando da Rússia). E mais que enfraquecer/ameaçar a hegemonia norte-americana, o

casamento China-EUA tem fortalecido a posição de potência mundial dos EUA, financiando

seus déficits e promovendo o barateamento da produção de mercadorias por meio da

transferência de unidades produtivas para a Ásia e da entrada de produtos manufaturados

baratos no mercado americano (FIORI et al, 2008). A abertura do mercado norte-americano

aos produtos chineses foi por sua vez decisiva para o denominado milagre chinês, assim

como a ancoragem da sua moeda ao dólar25.

Para a América Latina, a ascensão chinesa foi providencial, pois a demanda por

commodities movimentou a economia da região, além dos investimentos diretos chineses

também terem aumentado significativamente. Mas gerando uma situação muito favorável

25 A China é o maior credor dos EUA e possui reservas que ultrapassam os U$$ 3,5 trilhões em torno de 70% estão aplicados em dólar.

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às exportações de produtos primários latino-americanos e importações de produtos

manufaturados chineses, que preocupa, pois tende a promover desindustrialização (ou não

industrialização) e especialização produtiva. Além disso, para o Brasil, do ponto de vista dos

mercados externos, a expansão chinesa em países nos quais empresas brasileiras atuam

tem significado perda de mercados face ao país asiático, na medida em que este pode

promover parceria/financiamentos mais atrativos que o Brasil. Contudo a expansão chinesa

também abriu oportunidades de negócios e investimentos à economia brasileira nos

últimos anos. Neste sentido vale retomar as recomendações de Barros de Castro (2011)

numa de suas últimas entrevistas, para quem tratava-se de aproveitar a bonança das

commodities para investimentos em:

(...) setores protegidos pela especificidade dos nossos recursos naturais, por

costumes, estrutura industrial e demanda. (...) Não proponho uma volta ao

agrário. O agrário é uma trégua para você, por exemplo, construir uma indústria

ligada ao pré-sal, de satélites, de novos materiais, de aços especiais. É aplicar os

conhecimentos existentes para desenvolver coisas próprias e originais. A

química do etanol permite desenvolver plásticos verdes. A indústria

automobilística chinesa deseja vir para cá? Vamos fazer um acordo para em dez

anos os plásticos serem todos verdes; nós garantimos a evolução do produto. É

usar a China como mercado. É possível mudar os tratores para que eles se

adaptem às necessidades do Brasil. Não é pegar o americano e fazer outro um

pouco mais sofisticado. É fazer máquinas adaptadas às condições tropicais de

solo, clima.26

Entretanto precisaria ser eficaz e rápido, o que um país emaranhado nas teias da

dependência externa, ao qual na atual fase do capitalismo foi reservado o papel de paraíso

dos juros, talvez seja impossível. E por tudo que foi dito acima, acerca do que seja o

imperialismo, é difícil sustentar que o Brasil seja um país imperialista, mesmo que em

dimensão regional, sendo possível apontar apenas para práticas imperialistas, porém o

imperialismo é muito mais que um conjunto de práticas. Temos a mesma impressão quanto

à China, numa situação evidentemente muito mais elevada que o Brasil e cuja articulação

com os EUA pode garantir mais poder inclusive comparativamente a outros países da tríade

desenvolvida/imperialista.

26 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1104201109.htm, acesso em 14/07/2014.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto procuramos resumir o debate clássico sobre o imperialismo, entre

autores que concebem o imperialismo como uma política expansionista a fim de superar

problemas ligados ao processo de acumulação e expandir o poder dos Estados dominantes

e aqueles que identificam o imperialismo sobretudo ao domínio do capital financeiro e

etapa superior do capitalismo. Deve estar clara nossa concordância com a última

perspectiva, segundo a qual o imperialismo não designaria meramente a política de

dominação e conquista de mercados externos pelas potências hegemônicas ou uma opção

de política do capital financeiro internacional. O imperialismo é intrínseco ao capitalismo,

mas, mais que isso, é o próprio capitalismo na etapa monopolista, produto do

desdobramento lógico das leis de movimento deste modo de produção, cujo dínamo é o

processo de competição generalizada e a tendência à expansão ilimitada que, nas últimas

décadas, promoveu a entrada em cena de um novo jogador: a China. Finalmente, quis a

política que a execução das tendências imanentes ao desenvolvimento do capitalismo

reafirmasse não apenas o predomínio das finanças mas levasse às suas formas mais

especulativas, sem que tenha diminuído o apetite das grandes corporações por mercados e

recursos naturais. Ao contrário, com a emergência econômica da China intensificou-se a

articulação entre espoliação territorial e espoliação financeira, como demonstra recente

especulação sobre preços de commodities. Finalmente, não é possível ainda falar numa

nova teoria do imperialismo, o que denominam novo imperialismo vem, de fato, sendo

analisado por meio de conceitos repaginados, portanto, talvez falar em

desenvolvimento/aprofundamento das características do velho imperialismo seja mais

acertado.

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O NOVO IMPERIALISMO: TERRITÓRIO E FINANÇAS

EIXO 1 – Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições

RESUMO

O artigo se divide em três tópicos, no primeiro retomamos teorias do imperialismo clássicas; em

seguida tentativas de teorizações recentes; por fim arriscamos comentários sobre a situação

latino-americana, entre o velho e o novo imperialismo. Após exposição breve das teorias de

Hobson, Kautsky, Luxemburgo, Hilferding e Lênin, abordaremos teorias recentes, buscando

apontar para o que haveria de supostamente novo no imperialismo atual. O objetivo é a reflexão

sobre a retomada da problemática do imperialismo no debate acadêmico das últimas décadas,

com destaque aos estudos de David Harvey e François Chesnais. Interessa abordar tanto a

dimensão territorial das práticas imperialistas atuais como o imperialismo como etapa superior.

Para nós a última dimensão é sobredeterminante, mas em tentativas de teorização recentes a

primeira dimensão tem predominado: o imperialismo como conjunto de práticas ligadas à

exploração dos países pobres pelos países ricos, cuja característica central seria a espoliação de

territórios. Dimensão crucial, que, todavia, deve ser analisada como subordinada à definição

leninista, do imperialismo como etapa superior do desenvolvimento do capitalismo. Como é

conhecido, em meio à expansão do sistema de créditos ocorre a fusão entre capital bancário e

industrial, sob a égide do primeiro, sendo a sociedade anônima o mecanismo por excelência para

conformação do capital financeiro moderno. A tendência é para a coletivização da propriedade do

capital sem abolição da apropriação privada da renda e mecanismos de valorização da riqueza. É

essa fase superior do capitalismo marcada pela socialização da propriedade do capital nos

marcos do regime da propriedade privada que define o imperialismo, à luz dos estudos de Lênin e

de Hilferding. Patamar superior de desenvolvimento capitalista que distinguirá os países

imperialistas dos subordinados no sistema mundo e que faria do imperialismo capitalista algo

distinto das práticas imperialistas transhistóricas. Dessa ótica, teria pouco sentido denominar o

Brasil de imperialista e as práticas expansionistas recentes de empresas brasileiras precisam ser

analisadas sob outro prisma. Mais difícil é a análise do caso chinês, sobre o qual apenas

arriscaremos comentários a partir dos autores/textos aos quais recorremos. Em resumo, o objetivo

principal é refletir sobre o lugar do espaço-território nas teorizações recentes e nas clássicas, de

forma articulada ao que constituiria a essência do imperialismo: o domínio do capital financeiro. A

ascensão e crescimento da economia chinesa reforçou a dimensão territorial do imperialismo,

ligada à exploração de recursos naturais, ao mesmo tempo em que a dimensão financeira se

impõe desbragadamente sob a égide dos EUA. É essa articulação entre espoliação territorial e

espoliação financeira (mormente dos Estados, outra forma de socialização & apropriação privada

da riqueza) que pretendemos abordar rapidamente na última parte, da ótica da periferia

latino-americana. A metodologia envolve sobretudo a pesquisa baseada em fontes secundárias,

fontes primárias serão utilizadas a título de ilustração dos apontamentos teóricos.

Palavras-chave: imperialismo, território, finanças.

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