Rosângela Luz Matos*

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MODOS DE ENSINAR E CONHECER HISTORIA DA PSICOLOGIA Rosângela Luz Matos H RESUMO Este artigo parte do relato de uma experiência profissional na docência para problematizar o ensino de História da Psicologia na formação de psicólogos. O percurso argumentativo descreve as circunstâncias e os questionamentos que contribuíram para o desenvolvimento de metodologias fundadas na perspectiva genealógica de ensinar e conhecer psicologia. A análise da experiência enfatiza a potência ético-política presente nas atividades de ensino de História da Psicologia, no conjunto das práticas disciplinares dos currículos de graduação para formação de psicólogos. Palavras-chave: docência; práticas de ensino; história da psicologia; genealogia; ética. WAYS TO TEACH AND KNOW HISTORY OF PSYCHOLOGY ABSTRACT This article comes from the report of a teaching professional experience to examine the teaching of History of Psychology in the psychologist formation. The argumentative course describes the circumstances and the questions that contributed to the development of methodologies grounded in the genealogical perspective of teaching and knowing psychology. The analysis of the experience emphasizes the ethical politics potential in the activities of teaching psychology history, in the group of disciplinary practices presents in the graduation curriculum of psychology formation. Keywords: teaching; teaching practices; history of psychology; genealogy; ethics. H Psicóloga. Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente integra o grupo de pesquisa Observatório da Vida Estudantil, no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos e cursa o Pós-Doutorado em Estudos Interdisciplinares sobre Universidade - EISU na Universidade Federal da Bahia. Endereço: Universidade Federal da Bahia. Rua Barão de Jeremoabo, s/nº. PAF IV - Ondina. Salvador, BA - Brasil. CEP: 40170-115. E-mail: [email protected]

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  • Modos de ensinar e conhecer historia da PsicologiaRosngela Luz MatosH

    resuMo

    Este artigo parte do relato de uma experincia profissional na docncia para problematizar o ensino de Histria da Psicologia na formao de psiclogos. O percurso argumentativo descreve as circunstncias e os questionamentos que contriburam para o desenvolvimento de metodologias fundadas na perspectiva genealgica de ensinar e conhecer psicologia. A anlise da experincia enfatiza a potncia tico-poltica presente nas atividades de ensino de Histria da Psicologia, no conjunto das prticas disciplinares dos currculos de graduao para formao de psiclogos.

    Palavras-chave: docncia; prticas de ensino; histria da psicologia; genealogia; tica.

    Ways to teach and knoW history of Psychologyabstract

    This article comes from the report of a teaching professional experience to examine the teaching of History of Psychology in the psychologist formation. The argumentative course describes the circumstances and the questions that contributed to the development of methodologies grounded in the genealogical perspective of teaching and knowing psychology. The analysis of the experience emphasizes the ethical politics potential in the activities of teaching psychology history, in the group of disciplinary practices presents in the graduation curriculum of psychology formation.

    Keywords: teaching; teaching practices; history of psychology; genealogy; ethics.

    H Psicloga. Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Cear. Atualmente integra o grupo de pesquisa Observatrio da Vida Estudantil, no Instituto de Humanidades, Artes e Cincias Prof. Milton Santos e cursa o Ps-Doutorado em Estudos Interdisciplinares sobre Universidade - EISU na Universidade Federal da Bahia. Endereo: Universidade Federal da Bahia. Rua Baro de Jeremoabo, s/n. PAF IV - Ondina. Salvador, BA - Brasil. CEP: 40170-115.E-mail: [email protected]

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    Rosngela Luz Matos

    Fazer uma anlise da experincia de ensinar conhecer psicologia toman-do por referncia a trajetria acadmico-profissional traz sempre desafios. Um deles a quem se deve dirigir a narrativa? Outro, como a prtica profissional do exerccio da docncia pode ser narrada enquanto prtica de cultura? Como as prticas de ensino, pesquisa e extenso podem compor um texto que comunique a experincia do vir a ser a que todo experimento de docncia nos expe? Como dizer da docncia se sua pragmtica tambm ato de criao, de inveno e contingncia? E, como fazer texto daquilo que tambm valor? E, ainda, como dar forma ao texto de uma trajetria acadmica numa dada prtica de ensino? Como tornar visvel a potncia das descontinuidades para a produo de modos de ensinar conhecer Histria da Psicologia?

    Ocorre que a escrita tambm um experimento e, precisamente por isso, arrasta consigo algo de imprevisvel. Em certa medida, pode-se dizer que o texto diz daquilo que fomos ou fazemos no cotidiano de nossa profisso. Nesta pers-pectiva, o procedimento narrativo de tornar pblico aquilo que pertenceu a um grupo, a um lugar, em um dado tempo institucional , ao mesmo tempo, um expe-rimento de elaborao simblica do que foi praticado e vivido e um procedimento de liberao da potncia dessa experincia para outras aes, outras formas de ensinar e conhecer psicologia. E, numa perspectiva histrica, uma anlise da ex-perincia docente ganha valor na medida em que, ao ser deslocado de seu cotidia-no, formaliza-se como texto discursivo lanando essa histria no plano aberto da produo de sentidos das cincias e dos saberes modernos (MACHADO, 2006).

    1. fbrica de Perguntas

    No ano de 2001 eu encerrava meu curso de Mestrado na UFRGS1 e, ao mesmo tempo, iniciava a primeira experincia na docncia. A oferta que recebi era a de ministrar disciplinas de base2 no curso de Psicologia: Histria da Psicologia e Estgio Bsico I, o qual deveria oportunizar a integrao das aprendizagens de Histria, Epistemologia em Psicologia, Psicologia Cincia e Profisso e Metodologia da Pesquisa.

    Na ocasio, a proposta pedaggica me pareceu desafiadora, pois no as-sentava somente na disciplina de histria o conjunto de discusses de base que fazem da psicologia um campo de saber. A estrutura curricular oportunizava o deslocamento e a circulao dessas questes noutras disciplinas, de modo tal que pensar a emergncia do campo de saber poderia ser feito por vrios percur-sos. Um deles, do ponto de vista dos objetos e mtodos de pesquisa que fundam o campo; o outro ,do ponto de vista das normas que instituem as condies de possibilidade para esse saber se instituir como verdade, como discurso sobre o homem; e o ltimo, sobre a circulao e transferncia das tecnologias psi para a esfera pblica, ou seja, os usos da psicologia.

    Sob este ponto de vista entendi que ensinar Histria da Psicologia poderia ser um experimento criativo e instigante, contudo esta no era a tnica no curso. Descobri, por exemplo, que havia poucos professores que tinham disponibilidade para ministrar essa disciplina e que um dos motivos estava diretamente relacio-

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    nado com a recepo que o alunado tinha dessa proposta pedaggica que toma a histria como dispositivo de fazer interrogar e situar a emergncia de um campo de saber no quadro da epistm moderna (FOUCAULT, 1999). Neste contexto, minha empolgao inicial foi contrastada com a contestao dos alunos acerca da utilidade de uma disciplina denominada Histria da Psicologia.

    De outra parte, havia um grupo de alunos que tinha interesse em conhecer a histria da psicologia, contudo faziam esta demanda numa perspectiva dogm-tica. Eles queriam uma histria que fosse verdadeira: a verdadeira histria da Psicologia. Mais ainda, esses alunos formalizavam a demanda por uma imagem precisa da forma de fazer psicologia: a verdadeira forma de praticar psicologia.

    Essas demandas me foraram a experimentar a elaborao de variados modelos de ensinar conhecer.3 Mas, bem antes de ter clareza de que estava elaborando modelos de ensinar-conhecer nos procedimentos didtico-pedag-gicos que propunha e praticava com os alunos, vivi intensamente os questio-namentos que a mim dirigiam. Num primeiro momento acreditei que eu teria de dar respostas a todas as suas recusas, transformando-as em aceitao, e, aos dogmatismos, transformando-os em dvidas. No preciso dizer que fracassei nessa empreitada. Tentar dar respostas a quem no fez perguntas encenar um monlogo; experimento de solido.

    Esta foi uma das primeiras aprendizagens que constru na atividade peda-ggica: a experincia de conhecer precisa da curiosidade do aluno, e esta no uma afirmao retrica. O semestre letivo seguia e outra forma de olhar para o problema do ensinar-conhecer tornava-se, ento, possvel. A prtica da docn-cia foi encontrando pontos de dilogo com a curiosidade dos alunos por meio de algumas interrogaes. Por exemplo: Quais linguagens poderiam ativar suas curiosidades quanto s histrias da psicologia? Ou, quais linguagens acionariam uma inquietao ativa nos alunos para estabelecer conexes entre a vida cotidiana e as psicologias do presente e do passado?

    Foi, ento, no esteio dessas interrogaes, que algumas linguagens do cam-po das artes passaram a integrar de modo complementar cada atividade de leitura, aproximao e construo de conceitos praticados no programa de ensino da dis-ciplina. Assim, literatura, msica, poesia e cinema foram usados como dispositi-vos para entretecer o dilogo com os fundamentos da psicologia.

    O poeta portugus Fernando Pessoa foi a mais presente referncia liter-ria. O poema Segue o teu destino,4 que trata do deslocamento da cultura grega para a moderna, em sua relao com o logos e com a conscincia de si, foi escolhido. Este poema est musicado por Sueli Costa e foi gravado por Nana Caymmi em 1985, o que permitiu a leitura e a reproduo do udio em sala de aula. O poema Autopsicografia um clssico e foi introduzido para compor as aprendizagens relativas descoberta do sentido, introduzida por Freud na constituio do saber psicolgico.5 Tits e suas msicas urbanas tambm foram referncias musicais. Entre elas, Comida, Alma Lavada e No Fuja da Dor. Nas linguagens cinematogrficas, vrias ofertas foram feitas. Por exemplo, Rain Man ,de Oliver Stone (1988), Laranja Mecnica , de Stanley Kubrick (1971),

    http://www.imdb.com/title/tt0095953/http://www.imdb.com/title/tt0095953/http://www.imdb.com/title/tt0066921/

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    Um estranho no ninho , de Milos Forman (1975) e, claro, o clssico Freud Alm dAlma , de John Huston (1962). Para introduzir uma perspectiva crtica hiptese repressiva freudiana, apresentou-se o filme Clamor do Sexo de Elia Kazan (1961), pelcula fiel a primeira interpretao da obra freudiana difundida no pensamento americano e refutada na genealogia da tica e nos estudos sobre a sexualidade desenvolvidos Foucault (2006). Charles Chaplin tambm foi re-produzido, com especial destaque para Tempos Modernos, de 1936, e os modos de subjetivar com o qual trabalho capitalista opera nos primeiros trinta anos do sculo XX. Outra referncia importante foi o filme Ns que aqui estamos por vs esperamos, de Marcelo Masago (1998). O diretor problematiza os discur-sos polticos e cientficos que fizeram a histria e as micro-histrias de homens e mulheres do sculo XX, por meio da colagem e reunio intencional de diferentes imagens (fotogrficas, filmogrficas, miditicas, televisivas), de textos, udios e documentrios. A psicologia apresentada pelo diretor como discurso con-temporneo e cuja significao est estreitamente ligada finitude do homem e s interrogaes que as empiricidades da vida provocam nos indivduos. Nas palavras de Foucault (1999), viver, trabalhar e falar so aqueles fenmenos que pem o homem no centro de toda cincia e saber modernos, mas a finitude que imprime em seu agir a potncia de inveno do presente.

    O uso dessas linguagens nas atividades de sala de aula desestabilizou parcialmente a fora dos dogmatismos acionados pelos alunos nos processos de conhecer psicologia. Foi por meio das linguagens artsticas que as posies dogmticas e retricas sobre os fundamentos da psicologia mostraram-se mais ligados a uma espcie de no saber formular perguntas do que com uma lgica instrumental estruturada. Pode-se dizer que desde este ponto de vista ocorria ali um encontro. As linguagens no acadmicas eram uma espcie de ponto zero, o lugar do em comum entre alunos e professor.

    Soma-se a esta dimenso da dissoluo das oposies platnicas a que alunos e professores esto posicionados na rede de relaes institucionais, a pro-ximidade com as linguagens artsticas, o que forava o processo de ensinar co-nhecer para uma relao mais ativa com os objetos do mundo, com os objetos de estudo das psicologias, com o cotidiano acadmico e seus ritos.

    A necessidade de estabelecer conexes entre uma narrativa feito imagem no caso do cinema e uma narrativa feito lngua escrita no caso de um texto acadmico os expunha a procedimentos de conhecer que os forava a formular interrogaes, introduzindo a dvida como condio de fazer cincia ou para seguir rigorosamente a posio na qual estamos situados epistemologicamente na modernidade, o fundamento de um saber em cincias humanas e sociais.

    A dvida, o no saber como pr-condio para a emergncia de um campo de conhecimento ou cincia foi a aprendizagem que este grupo de estudantes estruturou na disciplina de Histria da Psicologia6 e foi o que os conduziu re-cepo de textos de histria clssicos e contemporneos.7

    http://www.imdb.com/title/tt0073486/http://www.imdb.com/title/tt0055998/http://www.imdb.com/title/tt0055998/http://www.imdb.com/title/tt0055471/http://www.imdb.com/title/tt0027977/http://www.imdb.com/title/tt0206805/http://www.imdb.com/title/tt0206805/

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    Posso dizer que no foi tarefa fcil para os estudantes acolher a noo de que a psicologia no emergiu por um decreto ou genialidade de um sujeito indi-vidual, mas que ela um objeto de cultura, na forma de um discurso acadmico-cientfico, e que, enquanto tal, no est finalizada, pronta, concluda.

    Este foi um momento interessante do percurso, pois se a psicologia no est pronta o estudante em formao tambm passa a fazer parte desse processo de dizer o que a psicologia, onde esto as psicologias, quem so seus persona-gens ali, no lugar, na cidade em que ele est estudando.

    Com isso, a noo de historicidade acaba por se situar no presente vivido pelos alunos. E, esta noo, amplia-se para a experincia corprea quando eles passam efetivamente a ser sujeitos da produo de uma histria psi que existe nos lugares onde eles moram, estudam, divertem-se, trabalham, enfim, vivem.8

    Dito de outro modo, o exerccio de narrar histrias de um lugar, a partir das memrias que ali se apresentam disponveis, oportunizam ao praticante inscrever-se na dimenso do que fazer histria, memoriar, narrar e, por conseguinte, experi-mentar outros sentidos para as palavras Histria da Psicologia e seus fundamentos.

    Vale dizer, contudo, que esse feito ser e fazer histria no se deu de uma vez s nos alunos e em mim. Ensinar-conhecer, conhecer-ensinar so lugares mais para habitar do que posies de onde se emite uma informao, palavra ou gesto.

    Ademais, estamos falando aqui da micro-histria (LEVI, 1992), da histria que se escreve desde o mundo das empiricidades da vida; daquelas prticas coti-dianas, quase annimas, e suas infinitas repeties: ler um texto vrias vezes com as mesmas pessoas e com pessoas diferentes. Ler um texto conhecido e desconhe-cer o que nele est escrito. Conversar, falar sobre histrias h muito conhecidas e transmitidas pelas tradies orais e letradas, contudo, vir a saber, por um ouvinte ou novo leitor, que a histria est incompleta.

    2. os Paradoxos do fora

    De outra parte, neste mesmo ano, 2001, ministrei a disciplina denominada Estgio Bsico I e, conforme j disse, seu objetivo seria integrar o conjunto das aprendizagens disponibilizadas no eixo de quatro disciplinas: histria, epistemo-logia, psicologia: cincia e profisso e metodologia da pesquisa cientfica. Ocorre que no incio do segundo semestre letivo deste ano eu havia reunido um expressi-vo material produzido pelos alunos no ensino de Histria da Psicologia, destarte ainda no havia compreendido como eles poderiam tomar vida, fazer tambm sua histria no ensino da psicologia.

    Foi, ento, a atividade didtica de superviso de estgio que me permi-tiu avanar no desenho de uma metodologia de ensinar-conhecer psicologia, e cujo fundamento foi assentado na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso, sendo que a experincia desse estgio concentrou-se mais no des-locamento ensino pesquisa.

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    Antes de iniciar essa descrio e discusso, talvez fosse prudente fazer uma considerao acerca dos alunos, sujeitos desta experincia de ensino- aprendiza-gem. Os estudantes que cursaram a disciplina Estgio Bsico I em 2001.2 foram os mesmos que anteriormente haviam estudado Histria da Psicologia, em 2001.1. Portanto, havia produo de consentimento para o exerccio da didtica do ensino para alm da sntese comunicacional que marca o padro didtico-pedaggico do ensino tecnicista difundido aps a reforma de 1968 no ensino brasileiro e que teve grande repercusso no ensino universitrio, e, mesmo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (BRASIL, 1996), este fundamento no foi questionado.

    preciso dizer, tambm, que o conflito estava presente nas relaes de ensinar-conhecer-ensinar. A desestabilizao provocada pela inscrio do sujeito estudante no processo de conhecer produzia muitas angstias, pois aqueles experimentos metodolgicos os aproximavam tambm das incertezas profissionais e dos discursos no hegemnicos, o que colocava em xeque a escolha profissional: fetiche do ensino de 3 grau no Brasil que desconsidera a produo de conhecimento no campo das cincias humanas e sociais e afirma esses sujeitos como praticantes de algum ofcio.

    Na disciplina de Histria, por exemplo, as desestabilizaes foram produ-zidas, sobretudo, pelo exerccio de no dar respostas e conduzi-los a formalizar perguntas, terem dvidas. A atividade didtico-pedaggica condizia-se, no mxi-mo, de modo a oferecer deslocamentos de linguagens de modo a deixar o alunado em condio de implicar-se na construo de suas aprendizagens. J no estgio bsico a proposta era a de lev-los a experimentar aprendizagens descentradas da sala de aula, oferecendo-lhes mobilidade com o fora. Mas a a pergunta pedag-gica que se apresentava era outra: o que seria o fora da sala de aula?

    Noutra dimenso, eu me perguntava: como mobilizar nos alunos desejo de ir a algum lugar que no fosse a sala de aula? Some-se a isso o trabalho pedag-gico realizado na disciplina de Histria, cujo objetivo foi precisamente provocar qualidade crtica nos modos de adeso dos estudantes as propostas didticas.

    O caminho que aos poucos foi se desenhando foi o de levar os alunos a transformar suas nsias por respostas rpidas sobre a psicologia em perguntas de pesquisa. Perguntas capazes de conduz-los ao mundo, aos lugares em que a psicologia e os psiclogos esto. Mas a ao didtica exigia agora fazer uma pergunta que provocasse inquietao suficiente para pr os estudantes em mo-vimento, para faz-los olhar para fora da sala de aula, para o bairro em torno da universidade; para faz-los querer localizar equipamentos pblicos e privados nos quais a psicologia estivesse presente.

    Aos poucos, fui conseguindo formular uma pergunta cuja forma de apresen-tao provocou mais pela impossibilidade de respostas (apriorsticas e retricas) do que pela imagem, representao ou conceito que enunciava. A interrogao era: o que pode a psicologia? Dar resposta a esta pergunta exigia inscrio tem-poral, contextual e pessoal num dado campo emprico. O que pode a psicologia em relao que? Quando? Em que circunstncias e contexto social, poltico,

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    econmico, arquitetnico etc.? O valor desta pergunta estava precisamente na orientao que conferia ao pensamento: ir para fora de si, buscar a resposta junto s prticas humanas vividas numa dada localidade, instituio, individualidade.

    Cada vez mais tenho compreendido que perguntar talvez o experimento que pode nos conduzir a constituir um saber sobre um objeto, um fenmeno ou uma experincia vivida. Sobremaneira preciso compreender que a potncia do pensamento no reside em alguma interioridade, seno que na ao de expandir-se. este sair de si, ir para fora que enreda o sujeito com o que h de vivo no mundo (DIAS, 2007). Ento, alm de formular uma pergunta capaz de pr o pensamento em ao seria preciso contar com o apoio de alguns instrumentos que auxiliassem nos procedimentos de registro das conversaes praticadas, das imagens capturadas, das informaes obtidas etc.

    Este foi o modo pelo qual conduzi a insero dos alunos do Estgio Bsico I em psicologia. O fora da sala de aula apresentou-se, inicialmente, na forma de uma pergunta paradoxal. No momento seguinte, apresentei um Plano de Ensino com algumas possibilidades de insero local, institucional, profissional, concei-tual ou paradigmticas. Logo a seguir, cabia discutir com eles as formas pelas quais se faria o estgio e seus dilogos com modos de fazer pesquisa.

    Este foi o momento em que aquela pergunta pedaggica retornou mais for-te: o que seria o fora da sala de aula? Um primeiro movimento com o pensamento indicava que esse procedimento, o de deslocar as aprendizagens para o fora da sala de aula, no criava problemas contundentes no currculo. Exigia, contudo, atores qualificados para compor a cena de aprendizagem fora da instituio de ensino. Isto posto, a ideia de aprendizagens construdas em polifonia (LAZZA-ROTTO, 2009) e por prticas de circulao na cidade (FREITAG, 2002; MAG-NANI, 2002), em instituies pblicas e privadas, movimentos sociais, hospitais, prises, entidades de classe, entre outros foi encontrando sustentao entre os professores e os alunos do curso.

    Assim, um conjunto de instituies locais9 foi acionado para acolher os jo-vens estudantes na condio de pesquisadores, perguntadores. Ainda, um gru-po de profissionais psiclogos e no psiclogos implicados com temas de sade pblica foram identificados e convidados a colaborar com os alunos, atravs de fruns denominados Dilogos. Esses encontros eram realizados via REDE atravs de uma pgina da internet e de e-mail de grupo, ou em situao presen-cial,10 ou, ainda, na participao em atividades acadmico-cientficas realizadas no perodo em que o estgio estava em vigncia.11A estrutura de acompanhamen-to do estgio se fez por meio de supervises coletivas, por grupos de trabalho - GTs (nome dado a cada tema, rea de atuao ou problemtica escolhida), de modo que, ao longo do primeiro ms de atividades, o alunado pudesse efetivar exerccios de reflexo, de construo de instrumentos de entrevista, sempre subsi-diados por bibliografia condizente e referenciados pela escrita como instrumento capaz de conter a proposio da experincia para a qual estavam se preparando.

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    Para todo artigo lido era solicitado um pequeno texto de quatro ou cinco pargrafos. Estes artigos eram lidos nos GTs e discutidos entre os alunos. Ao professor cabia remeter a escrita, por eles construda, a outro artigo que pudesse dialogar com a aprendizagem ali delineada.

    Ao longo do segundo ms de atividades de estgio os alunos passaram a se dirigir para as atividades de observao, acompanhamento ou entrevistas no campo escolhido para a prtica do estgio. A prtica da superviso neste perodo se ocupava com orientaes acerca das formas de registro daquilo que ia sendo observado, das prticas de acompanhamento e mesmo entrevistas em processo.

    No terceiro ms de atividades, os alunos passavam a se concentrar mais na reviso terica do tema, rea de atuao ou problemtica estudada, pro-curando reunir elementos para uma sntese compreensiva do aprendido. Nos encontros de superviso, as atividades se vinculavam discusso da bibliogra-fia consultada os conceitos e teorias, na estruturao dos textos produzidos pelos GTs sobre suas reas de estudo, no debate das questes emergentes, no cruzamento das informaes registradas na experincia de campo com aquelas encontradas na bibliografia consultada.

    Finalmente no quarto ms de atividades o alunado se dedicava a construir o documento chamado Relatrio de Estgio, e na prtica da superviso se prioriza-va a orientao da discusso construda pelo aluno no texto escrito, evidenciando a aprendizagem construda na perspectiva da tradio acadmica.

    Ao final do estgio, foi oferecida a possibilidade do aluno participar daqui-lo que foi chamado avaliao da aprendizagem construda. Disponibilizou-se um roteiro com algumas perguntas fechadas e outras abertas para que ele efetuasse a avaliao do processo de aprendizagem proposto ao longo do estgio. De um universo de 80 alunos que participaram da disciplina Estgio Bsico I, 49 se dis-ponibilizaram a participar do processo de avaliao.

    A avaliao realizada indicou que dos mtodos propostos aqueles que mais contriburam para o processo de construo do conhecimento foram: as atividades de sada a campo, entre elas, entrevistas, visitas e acompanhamen-to das atividades dos profissionais nos seus locais de trabalho (do total de 49 avaliaes um total de 33).

    Pode-se perguntar: qual o sentido desta avaliao? Qual sua potncia para a prtica da docncia? Qual a funo dessa avaliao num contexto de introduzir a dvida como fio condutor da ao de intervir em favor de um processo em construo?

    Sobremaneira a avaliao proposta orientava-se para afirmar uma dimen-so de valor acerca dos processos de aprendizagens vividos, praticados, corpo-rificados pelos alunos e pela professora. Pensar sobre o que faz aprender, refletir sobre a experincia, dar para isto palavra, verbo uma prtica de si no sentido que Foucault (apud PRADO FILHO, 2009) prope.

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    Ademais, a proposta de avaliar as aprendizagens construdas permitiria uma aproximao com o debate em torno da produo das subjetividades, de discursos e prticas sociais para os quais a psicologia deve estar atenta, ao menos na formao de profissionais psiclogos, ou isto que estou denominando de os paradoxos do fora.

    Regina Benevides de Barros (2005, p. 23) introduz este debate circunscre-vendo a separao entre clnica e poltica, presente na formao de psiclogos, como um dos modelos de ensinar-conhecer que deve ser questionado. Prope a retomada de algumas noes da clnica, para que se problematize o campo das prticas psi e da formao em psicologia. D especial nfase ao paradigma, cuja prtica discursiva, ora em voga, expressa-se pela afirmao: cincia e po-ltica so duas esferas separadas e de que as prticas psi ao se encarregarem do sujeito no devem tratar de questes polticas.

    A autora sublinha esta afirmao para explicitar que a consequncia des-sa separao est expressa na dicotomia interioridade/exterioridade, indivduo/social e que eles so apenas modelos, so modos formalizados por uma dada tradio, e podem ser questionados, podem ter seus fundamentos interrogados.

    Neste sentido, os paradoxos do fora ou estar no plano da subjetivao, como ela prope, seria um modo para a produo de sujeitos autnomos, criati-vos, crticos e afeitos a perguntao. Se houve a experincia do fracasso em al-guns momentos do processo de ensinar-conhecer, houve tambm esta descoberta de que ensinar-aprender se faz em espaos pblicos, pelo uso pblico daquilo que de todos ns: as prticas de cultura, inclusive as cientficas, as profissionais.

    O que mais interessa aqui destacar este aspecto de produo do sujeito, de um sujeito autnomo (Eirado; Passos, 2004) [...] E aqui j podemos enunciar que entendemos a experincia clnica como a devoluo do sujeito ao plano da subjetivao, ao plano da produo que plano do coletivo. O coletivo, aqui, bem entendido, no pode ser reduzido a uma soma de indivduos ou ao resultado de um contrato que os indivduos fazem entre si. [...] a que entendemos se dar a experincia da clnica: experimentao no plano coletivo, experimentao pblica (BENEVIDES DE BARROS, 2005, p. 22-23).

    Apenas para reforar o alerta que Benevides de Barros (2005) nos faz, vale lembrar aqui que a interrogao do que est naturalizado por meio de aes de experimentao viva, emprica so um dos movimentos da proposio nietzs-cheana de Transvalorao de Todos os Valores, precisamente aquilo que o autor denomina de Reverso do Platonismo (NIETZSCHE, 1992, 1998).

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    3. dos Modos histricos de contar a historia da Psicologia

    Segundo a tradio, no h dvidas sobre o que vem a ser O Mtodo Histrico de uma dada prtica de cultura, ensinar-conhecer, por exemplo. Ocorre que esta pragmtica, a de ensinar-conhecer, se orientou mais pela no-o de gnese do que pela noo de finalidade, utilidade, significado a ser transmitido, saber a ser reproduzido.

    Reside a toda a diferena.Ensinar-conhecer foi praticado numa perspectiva genealgica, portanto,

    que interroga as origens,12 as verdades institudas, os fundamentos, os valores atribudos as prticas j em reproduo. Mas o faz na medida em que pe alunos, professor e profissionais psiclogos, em situao de experimentao, de empiria, de viver um dado modo de fazer histrias da psicologia. Psicologia esta local, re-gional e tambm universal, pois os praticantes desse fazer que falam, nomeiam, descrevem, historiam as psicologias em ao.

    Para Foucault (1999), as possibilidades de verdade e de produo de co-nhecimento se do de modos diferentes, no terreno das cincias e no dos sabe-res. Conforme explica Machado (2006), o desenho epistemolgico das cincias modernas permitiu a Foucault (1999) afirmar que as regies do triedro13 cobertas pelas cincias da vida, da natureza ou pelas filosofias so aquelas nas quais his-toricamente pratica-se uma epistemologia normativa e por meio da qual se busca garantir e conferir legitimidade e verdade ao conhecimento.

    Noutra condio de possibilidade, os saberes, queles que emergem das cincias humanas e sociais, tm seu modo epistemolgico prprio, dado que no esto alojados em nenhuma das regies visveis e/ou exteriores do triedro. Os saberes que gravitam em torno da questo do homem, diz Machado (2006), ocupam o volume interno do triedro, portanto localizam-se numa regio nebulosa do triedro dos saberes, arrastando consigo a impossibilidade de objetividade e de verdade, no sentido cientfico que as cincias da vida e da natureza objetivaram.

    Foucault (1999) vai denominar, ento, de Histrico o mtodo ou a epistm que orienta a produo de saberes no terreno das cincias humanas e sociais. O mtodo histrico seria este que conduz o pesquisador a esta zona nebulosa do triedro, regio em que os saberes histricos sobre o homem esto alojados sob diferentes combinaes e abertos para composies, para reescrever a histria.

    Nesta perspectiva, ensinar-conhecer Histria da Psicologia exigiria o inter-rogar-se sobre qual posio de lugar o professor praticante est a habitar no dese-nho epistemolgico das cincias modernas. Qual a historicidade de sua formao em psicologia? Qual a inscrio desse conhecimento no triedro dos saberes? Qual a funo desta historicidade para o presente das prticas psicolgicas? Quais suas formas de apresentao no cotidiano das relaes sociais, polticas, institucio-nais? Quais seus usos para a produo da vida dos homens?

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    Modos de ensinar e conhecer Historia da Psicologia

    A perspectiva de um mtodo histrico prprio s cincias humanas e sociais, como dito anteriormente, oportuniza aos saberes abrirem-se para o terreno da inveno ou composio. Dirigirem-se mais alm da transmisso e reproduo, arriscarem-se no plano da inveno. No s desconhecimento, mas tambm recobrimento, reordenamento e experimentao na pronncia dos sons ou lnguas que se conformam no encontro dos saberes que esto nessa regio do invisvel, na epistm moderna.

    No caso da psicologia, teramos aqui autorizao e legitimidade para orientar nossa pragmtica para o terreno da tica e das prticas de cultura, de modo que os discursos sobre o humano possam acolher uma analtica do valor. O valor da psicologia para os homens do tempo presente. Qual a potncia da psicologia para fazer avanar o valor da vida humana por sobre o valor do ca-pital econmico e a tica do capitalismo?

    Nas Polticas Pblicas, por exemplo, poderamos perguntar: como a psi-cologia pode criar espao para interrogar a falta como pressuposto que orien-ta a relao das instituies pblicas com as populaes a que assiste? Quais saberes a psicologia pode trazer para o cotidiano da formao de psiclogos com vistas a arriscar-se na arte de reinventar novos modos de fazer psicologia e resistir hegemonia das prticas disciplinares e de controle das subjetividades? Como afirmar a produo do saber psi em favor da liberao dos sujeitos de dogmatismos, misticismos de toda ordem e fetichismos capitais, entre eles o consumo da psicologia como mercadoria.

    Essas seriam algumas questes que o horizonte aberto por Michel Foucault pode nos trazer. importante referir que a analtica do autor oferece suporte para aquelas questes que tomam por referncia conhecer as psicologias orientadas para a problematizao do valor da vida, das prticas de cultura, sejam elas o trabalho, as artes, ou a vida cotidiana.

    Dito de outro modo, a psicologia pela posio e condio de sua emergn-cia no desenho da episteme moderna traz consigo a possibilidade de fazer visvel o devir dos sujeitos; o vir a ser especular, visvel na imagem que as cincias da vida, da linguagem e do trabalho, bem como as cincias da natureza e as filoso-fias, projetam sobre o homem no volume interno do triedro dos saberes. Mais ainda, a psicologia em dilogo com uma dessas cincias potencializa a noo de autoria, de autonomia ou resistncia dos sujeitos na constituio de sua experin-cia psicolgica, social, poltica, tica, moral.

    notas1 Departamento de Psicologia Social e Institucional, Curso de Psicologia. Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social e Institucional Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    2 Centro Universitrio Franciscano - UNIFRA, 2001.3 Se tomarmos o mundo grego como referncia para afirmar a emergncia de uma educao superior orientada como prtica pblica destinada formao de cidados vamos encontrar diferentes modelos de ensinar e conhecer por eles desenvolvidos. A Paidia, o Gymansium e o Lyceum expressam formalizaes de diferentes modelos elaborados para a educao de crianas, jovens e adultos no mundo grego de diferentes perodos. A educao por meio de jogos, a educao espiritual ligada as musas, a educao do corpo e a educao moral desenvolveram-se conformando

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    nveis de ensino. A educao superior tributria do perodo socrtico, mas sua organizao em ginsios e liceus tem em Plato e Aristteles seus mais conhecidos representantes. O fundamental consiste em que a educao superior no caracterizada como uma relao mestre-aluno, na qual a transmisso e a aprendizagem de uma tcnica ou ofcio so o objetivo. Ao contrrio, a educao superior voltava-se para o ato de conhecer, entre os quais pode-se destacar a prtica de dilogos e a escrita peripattica. Para conhecer mais sugere-ser: LEducation Athnienne de Paul Girard e Historia da Filosofia da coleo Os Pensadores.

    4 Este poema de autoria do heternimo Ricardo Reis.5 Sobre esta afirmao ver Foucault, 2002.6 Curso de Psicologia da UNIFRA. No curso, era prtica, o professor ter mais de uma turma de uma mesma disciplina. No caso, eu ensinava um grupo de alunos no noturno e outro do matutino.

    7 Os textos clssicos eram aqueles difundidos na obra de Schultz, D. e Schultz, S. (1981), em especial as tradues dos manifestos ou artigos cientficos que fundaram os diferentes projetos de psicologia. Os textos contemporneos disponibilizados foram os de Figueiredo (1991; 1995; 1996; 2000; 2002). Sobre histria da psicologia no Brasil foi disponibilizada a produo do grupo Clio-Psych, coordenado pela profa. Heliana de Barros Conde Rodrigues e Ana Maria Jac-Vilela (1999), da UERJ, e que quela poca j haviam publicado um livro cujo ttulo Histrias da Psicologia no Brasil,.

    8 A cidade-sede da instituio de ensino, Santa Maria, est localizada no centro do estado do Rio Grande do Sul, a 286 km da capital, Porto Alegre, e com populao estimada em 250 mil habitantes. Sua constituio est ligada com as colnias italianas instaladas na regio no inicio do sculo XX. Costuma-se dizer que esta a 3 colnia italiana no Estado. Posteriormente, a cidade ganha importncia pela localizao privilegiada e instalao da rede ferroviria nacional, por meio da qual a produo de toda a regio escova, nos idos do primeiro perodo de industrializao do Brasil e expanso da ferrovia para o abastecimento dos grandes centros urbanos. Ao mesmo tempo, a cidade tem importncia pela tradio na formao de jovens brasileiros no servio militar, e entre os anos 1940 e 1950 transformou-se no mais importante plo para a formao e a carreira no servio militar brasileiro. Posio esta modificada, somente aps o golpe militar de 1964. A tudo isto somado, nos anos 1960, uma universidade federal (UFSM) ali instalada e somente em 1997 o curso de psicologia inaugurado. A instituio de ensino, objeto deste artigo, uma instituio catlica, de uma das congregaes que ali se instalaram com as colnias italianas. Tem tradio no ensino fundamental e mdio e nos anos 1990, com a expanso do ensino superior, inicia a oferta de vrios cursos de graduao, entre eles o de Psicologia no ano de 2000. O alunado desta instituio, em sua maioria, provinha de classes mdias, de toda a regio e cuja riqueza originalmente esteve assentada na produo rural da regio, em especial agricultura de extenso e agropecuria, entre essas o plantio de soja, arroz, e gado de corte de alto padro. Havia, ainda, alunos cuja origem era a de famlias ligadas as profisses que o servio militar de carreira mantinham na cidade. O curso de Psicologia tambm registrava alunos cujas famlias estavam ligadas ao setor servios, em fase de expanso nos anos 1990 e 2000, em vrias regies do Brasil. Alm desses, a cidade recebi alunos oriundos de famlias ligadas as carreiras pblicas, tais como servidores da educao, agricultura, sade e outros segmentos ali instalados.

    9 Secretaria Municipal de Sade, 4 Coordenadoria Regional de Sade, Conselhos Municipais de Sade, de Entorpecentes, do Idoso, dos Direitos da Criana e do Adolescente e Conselhos Tutelares de Santa Maria. Hospital Universitrio UFSM/ Turma do Ique, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, PACTO Pastoral do auxlio comunitrio ao toxicmano, PROAME Programa de apoio a meninos e meninas, FEBEM e Fundao CASA.

    10 Entrevistas via Internet: Departamento de Psicologia Social e Institucional e departamento de Psicanlise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da UFRGS, em especial os professores Analice de Lima Palombini, Edson Luiz Andr de Souza, Sergio Antonio Carlos e Gislei Lazzarotto. Eliane Jover, Educardo Pelliccioli e Laura Lamas Gonalves, Acompanhantes Teraputicohttp://www.psicologia.ufrgs.br/departamentos/depto_social/programa_acompanhamento_terapeutico.pdf.Luiz Ziegelman, Coordenador do Servio de Sade Integral do Hospital Estadual Nossa Senhora da Conceio (GHC), de Porto Alegre. Rosa Mayer Escola de Sade Pblica/RS. Fernanda Kerbes PMPOA. Fernanda Bocco, estagiria do Projeto CORAG/UFRGS qualificao de jovens e adolescentes em situao de risco social para empreendimentos autogestionrios.Entrevistas presenciais: Aline P. Schaurich - Febem/Santa Maria/RS, Bernadete dos Santos Pereira e Carlos Nascimento Coordenadoria de Saude Mental na regio, Csar Brid Centro de

    http://www.psicologia.ufrgs.br/departamentos/depto_social/programa_acompanhamento_terapeutico.pdfhttp://www.psicologia.ufrgs.br/departamentos/depto_social/programa_acompanhamento_terapeutico.pdfhttp://www.psicologia.ufrgs.br/departamentos/depto_social/programa_acompanhamento_terapeutico.pdf

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    Modos de ensinar e conhecer Historia da Psicologia

    Sade Mental do Cento Social Urbano, Cesimari Antunes Santa Casa de Misericrdia Alegre/RS, Edenir Teixeira e Patrcia Ilha Hospital de Caridade Astrogildo Azevedo, Ivone Fontanella Hospital Santo Antonio So Sep/RS, Mara Helena Ribeiro Souza Assessora Ministrio da Sade para atuao dos psiclogos em Hospitais.

    11 Atividades acadmico-cientficas: JORNADA DO PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PUCRS, Porto Alegre 2001; CICLO DE PALESTRAS CONHECENDO DIFERENTES EXPERINCIAS E IN(TER)VENES EM GRUPOS E COLETIVOS, Santa Maria - UNIFRA, 2001; 1 SEMANA DE PSICOLOGIA APRENDENDO O FAZER PSICOLGICO: CAMINHOS E DESAFIOS. Santa Maria, UNIFRA, 2001; III JORNADA DE SEXUALIDADE da UFSM, 2001; VIII SEMANA GACHA EM SANTA MARIA CONTRA O USO INDEVIDO DE DROGAS, UNIFRA, 2001; I CONFERNCIA INTERMUNICIPAL E MICRORREGIONAL DE SADE MENTAL de So Pedro do Sul/RS, 2001; V ENCONTRO NACIONAL DO MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL, 2001; 2 CONFERNCIA MUNICIPAL DE SADE MENTAL, Santa Maria, 2001; III JORNADA DO NCLEO PSICANALTICO de Santa Maria, 2001. Trabalhos apresentados em congresso aps a concluso das disciplinas: 1. ZANINI, G.; MATOS, R. L. Idoso e a institucionalizao da sade mental. In: XXI ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO, 2001, Florianpolis. www.abrapso.org.br e 2. BELTRAME, B.; GRAPEGGIA, J.; GEORG, R. MATOS, R. L.. Como os Psiclogos tratam hoje da loucura. In: XXI CONGRESSO NACIONAL DA ABRAPSO, 2001, Florianpolis. www.abrapso.org.br.

    12 Conforme Castro (2009, p. 306), interrogar as origens de algum objeto ou prtica consiste em pr em dvida a essncia exata das coisas em sua identidade imvel. Nietzsche aqui a inspirao de Foucault. A essncia das coisas, nada mais do que mscaras; atrs de cada coisa h outra ou outras coisas (CASTRO, 2009, p. 306). O genealogista operaria seus exerccios de anlise na direo do externo e do acidental, para as diferenas e para as peripcias (CASTRO, 2009, p.306). Este autor tambm refere que um dos argumentos para esta diferenciao consiste na anlise etimolgica da palavra arqu de uso cuidadoso na obra de Nietzsche e a partir da qual Foucault orienta sua proposio de genealogia. Ele ope Ursprung origem a Herkunft provenincia e Entstehung emergncia. Uma referncia para esta problematizao pode ser encontrada em O Nascimento da Tragdia ou Helenismo e Pessimismo de Nietzsche (1992) e Nietzsche, Freud e Marx. Theatrum Philosoficum de Foucault (1980).

    13 Foucault (1999) apresenta as cincias e os saberes que conformam a epistm moderna numa figura geomtrica denominada Triedro dos Saberes. Numa das faces do triedro encontrar-se-iam as filosofias e a teologia, noutra as cincias da natureza e, na terceira face desta figura, as cincias da vida, do trabalho e da linguagem que se conformaram no sculo XIX. As cincias humanas e sociais, neste desenho, teriam sua emergncia possvel desde os efeitos de relao entre os diferentes domnios do saber, representados nas diferentes faces do triedro. Dessas relaes emergiriam as cincias humanas e sociais, com caractersticas e objetivos ligados aos domnios de saber que a elas deram origem. Seu lugar no triedro seria o dos interstcios entre um e outro saber, na medida em que uma relao de produo entre eles se estabelecesse. Para maior detalhamento, ver o captulo As Cincias Humanas e Sociais da obra referida.

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    Recebido em: 07 de setembro de 2010Aceito em: 14 de setembro de 2011