O olhar profissional

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texto sobre o olhar do profissional de fotografia

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O olhar profissionalde Joo Carvalho[footnoteRef:1] [1: Professor e Coordenador do curso de Tecnlogo em Fotografia do UniBH. Formado em jornalismo e com mestrado em mediaes pela Puc Minas. ]

A fotografia, assim como o campo da comunicao em geral, vive um momento de inflexo. A profuso de imagens, geradas pela revoluo tecnolgica dos ltimos 30 anos, levaram a mudanas profundas na sociedade e no mbito das profisses ligadas a comunicao. H uma verdadeira democratizao nos processos de produo e distribuio das imagens, que gera uma serie de incertezas sobre a fotografia enquanto lugar de profisso. Cada vez mais amadores podem produzir e compartilhar fotos de todos os momentos de suas vias. A fragmentao da vida, descrita por Sontag em seu clssico Sobre a Fotografia (2004) se tornou uma realidade mundana, onde o ordinrio, como o almoo do dia, pode se tornar uma foto compartilhada por milhares de pessoas, ou entre alguns amigos. Esse cenrio parece desafiar o fotografo profissional e seu lugar na sociedade.Esta convivncia entre amadores e profissionais no nova para o campo da fotografia, o fotografo profissional convive com o amador desde o surgimento do aparelho fotogrfico, na verdade ainda em meados do sculo XVIII, vrios amadores ajudaram a desenvolver novos processos de emulso e revelao. Fotografar era uma alquimia para entusiastas, que por conta prpria pesquisaram e desenvolveram as tcnicas e linguagens que conhecemos hoje. Esse processo culminou no surgimento da mquina Kodak em 1888, a partir deste momento, a fotografia estava ao alcance de todos (so as chamadas cmeras point and shoot), o processo de exposio estava automatizado, o que possibilitava que qualquer um, sem conhecimentos de tica e qumica, pudesse registrar um pedao do mundo. Surge o que Flusser denominou Caixa Preta, que produz em srie, no de produtos, mas smbolos. Caixa preta, pois seus modos de funcionamento, seu processo um mistrio para o fotografo amador, e que assim, usa o aparelho fotogrfico em sua programao automtica (Flusser, XXX), que produz fotos, que trabalham com o conceito bsico, ou primeiro, da linguagem fotogrfica: o registro de algo no tempo e no espao. Ou seja, aquela coisa, pessoa, acontecimento esteve l diante do aparelho que registrou a luz que refletiu diretamente daquela coisa, pessoa ou acontecimento. uma verdadeira mgica, ao alcance de cada um: congelar o tempo e registrar objetivamente o mundo! uma imagem que, supostamente, tira o fator humano, a subjetividade, de sua construo, sendo assim, seu produto adquire uma nova aura, como se a foto fosse um pedao do mundo, imagem que se confunde com o seu referente. Mas no apenas o fonema do ele esteve l (Barthes, XXXX) que as fotos comunicam. Desde os primrdios da fotografia uma srie de fotgrafos e movimentos usaram as tcnicas fotogrficas para falar do ldico, do inconsciente, do abstrato, do simblico e muito mais. Partindo das naturezas mortas de Thomas Richard Williams, como em Areias do Tempo, de 1885, onde a simbologia se faz presente e marcante atravs de alegorias sobre a morte, passando pelos movimentos dadasta, no incio do sculo XX, com suas colagens e montagens de cunho poltico em obras de Hannah Hch e John Heartfield; ou os surrealistas com suas montagens onricas que buscavam revelar o inconsciente, como em Man Ray e seu O violino de Ingres; at o hiperrealismo de Andreas Grusky que com suas manipulaes cria realidades impossveis, ou a fotografia de ps produo de Kim Joon e Anthony Aziz e a fotografia descontruda de Abelardo Morel, Adam Fuss ou Garry Fabian Miller que usam tcnicas antigas para questionar a transparncia da foto, chegando ao ponto de produzir fotos apenas com cores e formas, como em Saciando o olhar de vermelho & Azul, de 2004 ,apenas para citar alguns[footnoteRef:2]. [2: Para esses e outros exemplos Tudo sobre a Fotografia, de xxxxx editora xxxx ano]

Todos esses exemplos mostram como a fotografia uma tcnica complexa e diversificada que abre possibilidades amplas de comunicao, permitindo linguagens diversificas. Ou seja, o fotografo aquele que pode levar luz para as possibilidades de significao que a mquina fotogrfica traz, de acordo com um objetivo especfico. Ele pode ser chamado para registar uma festa em famlia, assim o hbil operador deve manipular a mquina para mostrar os acontecimentos e os valores e personalidades dos membros da festa, para em seguida esse mesmo fotografo ser chamado para construir uma imagem publicitaria que desperte o desejo, a emoo ou uma ideia ao consumidor, depois ele pode desenvolver um trabalho, pessoal, para dizer algo sobre o mundo, o inconsciente e o humano. Ou seja, usando os termos de Flusser, o verdadeiro fotografo aquele que joga luz na Caixa Preta do aparelho, que constri a significao, primeiro, atravs do seu olhar. Antes do clique, a foto acontece na mente de quem fotografa. Sendo assim, o ato fotogrfico, de Phillipe Dubois (XXXX), exige muito mais que uma tcnica apurada ou uma mquina automatizada, demanda uma construo, uma reflexo sobre o objeto. Reflexo e ideia que ir se resumir em uma, ou algumas imagens. Mesmo a corrente da transparncia fotogrfica, do registro ou do momento decisivo (nos termos de Cartier Bresson), o fotografo reage a uma realidade que ele deve previamente estudar, compreender, interpretar para tirar, de forma ligeira, as significaes daquele momento e lugar. A foto s tem sentido em funo do sujeito que a tira, que enquadra, ilumina, corrige e se relaciona com os objetos fotografados. Assim, apesar do aparelho ter se sofisticado a tal ponto, que a diferena entre as condies que uma mquina profissional e uma amadora conseguem fotografar diminuram, a construo de um olhar fotogrfico significativo se tornou um processo mais complexo de se construir em nossa sociedade contempornea. O fotografo profissional, deve ter conscincia do que diz imageticamente, dos limites tico, das possibilidades estticas, das referncias sociais, das relaes psicolgicas e pessoais que perpassam o seu clique. Para isso, acreditamos que uma formao universitria se faz necessria para lidar com todas essas variveis. Desta forma foi construdo a grade do curso de Tecnlogo em Fotografia do UniBH, buscando formar um profissional que saiba se colocar no mercado de forma a unir a tcnica com a reflexo, a cidadania e a esttica criando com isso um olhar fotogrfico prprio de cada discente. Isso far a diferena para o profissional que adentra um mercado mais competitivo, que pelas facilidades de se tirar e distribuir uma foto esperava-se uma retrao, mas que pelo contrrio tem demonstrado uma expanso das oportunidades. Elas so cada vez maiores, o que exige profissionais cada vez melhores. Afinal, se a foto se tornou parte umbilical de todos os momentos de nosso cotidiano, ela se torna tambm fundamental para construo de nossa narrativa de vida, o que faz com que as fotos no possam ser mais meros registros, elas precisam contar nossas histrias, transparecer nossos sentimentos e valores. E isso exige um verdadeiro fotografo por traz do aparelho.