O PAPEL DO ENSINO SUPERIOR INDÍGENA E SUA RELAÇÃO...

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DANIELLA CORRÊA ALVARENGA O PAPEL DO ENSINO SUPERIOR INDÍGENA E SUA RELAÇÃO COM A MANUTENÇÃO DA LÍNGUA INDÍGENA E DA CULTURA DOS POVOS IN- DÍGENAS EM MATO GROSSO SINOP - MT 2016 1

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DANIELLA CORRÊA ALVARENGA

O PAPEL DO ENSINO SUPERIOR INDÍGENA E SUA RELAÇÃO COM A MANUTENÇÃO DA LÍNGUA INDÍGENA E DA CULTURA DOS POVOS IN-

DÍGENAS EM MATO GROSSO

SINOP - MT2016

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DANIELLA CORRÊA ALVARENGA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentadoà Banca Examinadora do curso de Letras, daUniversidade do Estado de Mato Grosso –UNEMAT, Câmpus de Sinop, como requisitoparcial para a obtenção do título deLicenciatura Plena em Letras.

Orientadora: Dra. Neusa Inês Philippsen

SINOP - MT2016

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A meu pai que de longe vê o que fiz,e a minha mãe que ainda ao meu lado pode ver o que ainda serei.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, por sua capacidade de acreditar e investir em mim.

Mãe, seu cuidado e dedicação foi que deram, em alguns momentos, a esperança para seguir.

Pai, sua presença significou segurança e certeza de que não estava sozinha nessa caminhada.

À Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT pela oportunidade de graduação e por

estar sempre de portas abertas para receber e auxiliar seus acadêmicos.

A todos os professores do curso que foram tão importantes na minha vida acadêmica e no

desenvolvimento deste trabalho.

À professora Dra. Neusa Inês Philippsen, pela paciência na orientação e incentivo que

tornaram possível a conclusão deste trabalho.

Ao Grupo de Pesquisa Diversidade e Variação Linguística em Mato Grosso – DIVALIMT, e

às pessoas com quem convivi nesse espaço ao longo desses anos; a experiência de uma

produção compartilhada com profissionais e amigos nesse espaço foi a melhor experiência da

minha formação acadêmica.

À Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – Câmpus de Barra do Bugres, por

receber a mim e a minha pesquisa; em especial à professora Dra. Mônica Cidele Cruz, que, ao

conhecer, possibilitou-me acesso ao Câmpus, e de forma muito solícita disponibilizou

material e tempo para contribuir para essa pesquisa.

A todos os sujeitos da pesquisa, professores e estudantes-professores indígenas do 3º Grau

Indígena, que, com muita prontidão, receberam-me, permitindo-me pesquisar suas práticas e

assim contribuindo de forma magnífica para a base empírica deste trabalho.

Aos amigos e colegas, pelo incentivo e pelo apoio constante.

A todos aqueles que de alguma forma estiveram e estão próximos de mim, que direta ou

indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada.

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Erro de português

Quando o português chegouDebaixo duma bruta chuvaVestiu o índioQue pena!Fosse uma manhã de solO índio teria despidoO português

(Oswald de Andrade, 1925)

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ALVARENGA, Daniella Corrêa. O papel do ensino superior indígena e sua relação com amanutenção da língua materna e da cultura dos povos indígenas em Mato Grosso. 2016.Trabalho de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso.Câmpus Universitário de Sinop.

RESUMO: Conhecendo a carência de estudos sociolinguísticos sobre as minorias linguísticasmato-grossenses e levando em conta a conjuntura da educação indígena nesse estado, assimcomo as políticas públicas criadas, mais especificamente, a partir de 1995, este trabalho fazuma breve análise do papel e influência do ensino superior na manutenção da língua e culturados povos nativos de Mato Grosso, ensino este que surgiu a partir dos resultados obtidos coma conferência Ameríndia (1997). O lócus de estudo são os Cursos de Licenciatura Específicapara a Formação de Professores Indígenas da UNEMAT – Barra do Bugres – MT. Asentrevistas dirigidas aos sujeitos envolvidos, a análise sócio-histórica dos povos indígenas daregião, as atividades com a pesquisa, voltada ao ensino indígena, visaram apreender osmecanismos que levam à identificação do processo de formação e, consequentemente, doensino desses povos. Dentre os resultados obtidos, salienta-se que o ensino superior naformação de educadores indígenas tem influenciado não apenas para a manutenção dasrespectivas línguas indígenas dos estudantes-professores indígenas, mas também avalorização de suas culturas.

Palavras-chave: Sociolinguística. Diversidade e variação linguística. Manutenção da línguamaterna. Cultura indígena.

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ALVARENGA, Daniella Corrêa. The paper of indigenous higher education and itsrelation to the maintenance of the mother tongue and culture of indigenous peoples inMato Grosso 2016. Course Conclusion Paper. – UNEMAT – State University of MatoGrosso. University Câmpus of Sinop.

ABSTRACT: Knowing the lack of social and linguistic studies about the linguistic minoritiesmatogrossenses, and taking into account the environment of Indigenous education this state,so as to create public policy, more specifically, starting from 1995, this work makes a briefpaper and Influence Analysis Higher education in language maintenance and culture of MatoGrosso Native Peoples, teaching this that emerged from the results obtained with anAmerindian conference (1997). The locus of study are the Specific Degree Courses for theTraining of Indigenous Teachers UNEMAT - Barra do Bugres - MT. How Interviews directedto subjects involved a Socio-Historical Analysis of the Region's Indigenous Peoples, asactivities with the research, dedicated to indigenous education, aimed to grasp themechanisms that lead to the identification of the training process and, consequently, theeducation these people. Among results obtained, it is noted that this higher education inTraining Indigenous Teachers Influenced has not only paragraph Maintenance of maternallanguages of Indigenous Students-Teachers, but Also encouraged to your Cultures Valuation.

Keywords: Sociolinguistics. Diversity and linguistic variation. Maintenance of the mothertongue. Indigenous culture.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO..................................................................................................................................9INTRODUÇÃO........................................................................................................................101 INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA: o tratamento da variação e da diversidade......14

1.1 A sociolinguística e a diversidade na língua..............................................................171.2 A diversidade/variedade linguística e o preconceito linguístico.................................191.3 Contatos linguísticos: variação e preconceito.............................................................22

2 ESCOLA PARA ÍNDIO (A)..................................................................................................262.1 As dificuldades na luta por uma educação escolar diferenciada: propostas acadêmicas........................................................................................................................30

3 OS SUJEITOS DA PESQUISA: APONTAMENTOS ANALÍTICOS E RESULTADOS....363.1 Docência indígena em foco.........................................................................................413.2 Trunfo sobre o modelo tradicional..............................................................................443.3 Abismo entre real e desejável.....................................................................................473.4 Na ponta da língua......................................................................................................49

4 CONCLUSÃO.......................................................................................................................565 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................606 REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS.......................................................................................647 ANEXOS.…...........................................................................................................................66

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INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa no Brasil, desde muito antigamente, baseia-se no

ensino de leis gramaticais, ancorado quase que única e exclusivamente nas normas prescritas

pela gramática tradicional. Essa visão, geralmente, condena toda e qualquer realidade

linguística que não esteja de acordo com essas normas.

A proliferação de estudos na área da Sociolinguística, de forma mais pontual a partir

dos anos 1960, tem sido uma grande contribuição para que, por meio da construção de um

panorama das comunidades de fala existentes no Brasil, em especial as comunidades

indígenas, possa ser fomentada a desconstrução da ideia de homogeneidade linguística.

Faz-se importante mencionar aqui a diversidade das populações indígenas brasileiras,

que se apresentam em diferentes contextos nas relações com a sociedade envolvente; em

destaque as diferentes etnias presentes em solo mato-grossense e que fizeram parte da

pesquisa no tempo em que estivemos presentes na Faculdade Indígena Intercultural.

Destas, podemos mencionar: Umutina (margem direita do rio Paraguai, Mato

Grosso), Xavante (leste do estado de Mato Grosso, e São Paulo), Tapirapé (nordeste do

estado de Mato Grosso, e no Parque do Araguaia, na ilha do Bananal, no estado do Tocantins),

Paresi (Tangará da Serra, Conquista do Oeste, Barra do Bugres, Sapezal, Campo Novo dos

Parecis, Nova Marilândia e Diamantino), Matipu (porção sul do Parque Indígena do Xingu

sugiro tirar do itálico, porque o outro parque e demais informações não estão), Bakairi

(Nobres, Paranatinga e Cuiabá), Rikibaktsa (bacia do rio Juruena, no noroeste de Mato

Grosso), Bororo (várias áreas em Mato Grosso), Kayabi (Parque Indígena do Xingu, Mato

Grosso), Karajá (nos estados de Goiás, Tocantins, Pará e Mato Grosso), Tapeba (Mato

Grosso, mas predominância no Ceará), Manchineri (seringais no Acre, sobretudo no interior

da Reserva Extrativista Chico Mendes e outros pontos no Peru e Bolívia), Yawalapiti (Alto

Xingu), Waurá (Parque Indígena do Xingu),Suruí (ao norte do município de Cacoal em

Rondônia até o município de Aripuanã no estado de Mato Grosso), Mehinako (Alto Xingu),

Ikpeng (limites do Parque Indígena do Xingu), Cinta Larga (parte dos estados de Rondônia

e Mato Grosso), Terena ( Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo), Munduruku

(Pará (sudoeste, calha e afluentes do rio Tapajós, nos municípios de Santarém, Itaituba,

Jacareacanga), Amazonas (leste, rio Canumã, município de Nova Olinda; e próximo a

Transamazônica, município de Borba), Mato Grosso (norte, região do rio dos Peixes,

município de Juara)), Chiquitano (em Mato Grosso nos municípios de Vila Bela, Cáceres e

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Porto Espiridião. Na Bolívia, localizam-se no departamento de Santa Cruz, nas províncias

Nuflo de Chaves, Velasco, Chiquitos e Sandoval), Mebêngôkre (Mato Grosso e Pará),

Kalapalo (Alto Xingu), Kamaiurá (Alto Xingu), Kuikuru (região oriental da bacia

hidrográfica dos formadores do rio Xingu (Culuene, Buriti e Curisevo)), Trumai (Parque

Indígena do Xingu), Myky (município de Brasnorte), Apiaká (Mato Grosso e Pará),

Kaingáng (regiões de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo), Nambikwara

(Mato Grosso e Rondônia), Iranxe (município de Brasnorte), Suyá (Parque Indígena do

Xingu). Totalizando 32 etnias indígenas.

Algumas dessas já totalmente usuárias dos códigos simbólicos do ocidente, inclusive

da Língua Portuguesa (consideradas por muitos, então, não mais indígenas), outras mantêm

fortes suas expressões tradicionais de vida e costumes (muitas vezes erroneamente

denominadas de “índios puros”) e outras ainda vivem na fronteira entre esses dois polos.

Dessa forma, torna-se importante o processo de aprendizagem juntamente com o de

restauração das línguas.

Dentro deste contexto, na Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT,

Câmpus de Barra do Bugres, encontra-se instalada a Diretoria de Gestão de Educação

Indígena, onde também ocorrem aulas das etapas de estudos presenciais dos estudantes

indígenas.

As etapas têm por objetivo a execução dos Cursos de Graduação, com vistas à

formação em serviço de professores e profissionais indígenas. Além disso, a Diretoria também

é responsável por abertura de vagas nos cursos regulares de Pós-Graduação Lato Sensu e

Stricto Sensu, cursos de formação continuada e administração do Museu Indígena.

Com base nesse lócus de estudo e a partir do aporte teórico acima citado,

evidenciamos nosso objeto de estudo, ou seja, a busca pela identificação e compreensão dos

processos de variação e/ou preservação da língua materna indígena, levando em conta as

interferências sócio-históricas e culturais existentes entre os sujeitos da pesquisa. Buscamos

enaltecer também a importância da formação dos educadores como agentes do processo de

autonomia, da identidade profissional, a partir do desenvolvimento de conhecimentos e

saberes essenciais ao exercício da prática e da relação do ensino escolar bilíngue com a

definição de uma política linguística para cada etnia indígena presente na Faculdade. Como

parte dos resultados, apresentar-se-ão os mais significativos avanços e impasses no projeto da

educação escolar diferenciada entre os povos indígenas.

Entende-se ainda, que pesquisas sobre comunidades indígenas presentes em regiões

mato-grossenses, que buscam registrar não somente seus aspectos sociais e culturais, como

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também sua diversidade e multiculturalidade linguísticas, são praticamente inexistentes, daí a

importância da realização deste trabalho. Atualmente no Brasil estudos e discussões sobre as

línguas, culturas e espaços indígenas ainda se fazem, na maior parte, por pesquisadores,

professores e antropólogos de origem estrangeira ou de grandes centros brasileiros.

Dessa forma, urge a necessidade de nós, estudantes e pesquisadores de Mato Grosso,

realizarmos estudos que possam complementar a pequena gama já existente de projetos,

discussões e pesquisas na área da Educação Escolar Indígena. Vale ressaltar, uma vez mais,

que a pesquisa utilizou, como aporte teórico, a Sociolinguística Variacionista, sob a

perspectiva do contexto de Línguas em Contato.

A abordagem sobre esse assunto tem, dentre suas metas e a partir de seus resultados,

o propósito de incentivar debates com a comunidade educacional em geral e, em particular,

com os professores e futuros professores-alunos dos cursos de professorado indígena, sobre

aspectos de uma realidade tão próxima de todos nós e ainda tão desconhecida, que é a educa-

ção formal nas comunidades indígenas brasileiras, e mais especificamente, nesse estudo, nas

comunidades mato-grossenses. Para tanto, a questão que se destaca é: “Como a Universidade

e seus cursos de professorado indígena posicionam-se frente à educação escolar indígena e à

formação de professores indígenas?”

Nesse sentido, a intenção dessa pesquisa não foi somente buscar uma resposta para

essa pergunta, mas, sim, refletir e fazer refletir sobre ela, além disso, verificar como se efetua

o ensino indígena e se ele contribui ou não para a manutenção da(s) língua(s) materna(s) e a

valorização da cultura indígena.

No intuito de alcançarmos esses objetivos, o presente Trabalho de Conclusão de

Curso encontra-se dividido em três capítulos, além desta Introdução e de apontamentos

reflexivos, que não pretendem ser finais, na Conclusão.

No primeiro capítulo faz-se uma breve revisão de aspectos históricos da

Sociolinguística, sua conceituação, seu olhar à variabilidade, à heterogeneidade; assim como

procura-se mostrar como o preconceito linguístico pode influenciar de forma negativa o

ensino da língua materna em distintas culturas e etnias, em especial, às indígenas.

O ponto central do segundo capítulo é a questão legislativa, que amparou e ampara a

Educação Escolar Indígena, além de evidenciar o percurso percorrido pela UNEMAT no que

diz respeito à implementação do 3º Grau Indígena.

O eixo do terceiro capítulo encontra-se na perspectiva acerca do trabalho de

formação docente e das necessidades de inter-relacionamento dessa formação na educação

indígena. Evidenciam-se aspectos positivos e negativos no que diz respeito a como a

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educação escolar indígena tem sido proposta e praticada.

Dentre os resultados obtidos, destacamos os conflitos que estiveram e estão na base

dos contextos políticos e culturais no Brasil no que refere à formação da criança indígena,

mas que, ainda assim, mais recentemente, trouxeram avanços e estão contribuindo de forma

mais positiva para o ensino/escolaridade em distintas comunidades indígenas. Da mesma

forma, a Faculdade Indígena tem colaborado para a revitalização da(s) língua(s) e a

valorização da cultura indígena. Este capítulo, assim, a partir das vozes dos alunos e docentes

da Faculdade, que se depreendem nas entrevistas, traz os resultados da pesquisa, conforme o

olhar analítico dos sujeitos participantes.

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1 INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA: o tratamento da variação e da diversidade

Pretende-se, neste primeiro capítulo, apontar a importância que os estudos da

linguagem, em especial, os estudos sociolinguísticos, têm com relação às propostas de ensino,

fundamentalmente dos professores que atuam no Ensino Superior Indígena, nosso corpus da

pesquisa.

Procuramos nos atentar, principalmente, para a diversidade e mudanças que

acontecem na língua em dissonância com o ensino tradicional de língua materna, que

atualmente ganham cada vez mais novas possibilidades de atuação e metodologias diversas,

sobretudo, no que concerne às leituras, interpretações, análises e produções escritas. Bem

como as decorrentes dificuldades, e até mesmo ausência ou não de contato entre as

comunidades e o processo de manutenção e/ou revitalização da língua. Para alcançar tais

objetivos, a ancoragem teórica parte das abordagens da Sociolinguística Variacionista, e da

Variação Linguística relacionadas ao ensino de língua materna.

O termo “Sociolinguística” consolidou-se em 1964, em congresso organizado por

William Bright, realizado na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Encontro no qual

participaram vários outros estudiosos que trabalhavam a relação entre linguagem e sociedade,

como John Gumperz, William Labov, Einar Haugen, entre outros. A partir dos trabalhos e

discussões apresentadas, partiam da hipótese de que a Sociolinguística deve demonstrar a

covariação das variações linguísticas e sociais. De início, a proposta da área era identificar um

conjunto de fatores definidos socialmente, que estivessem de alguma forma relacionados com

a diversidade linguística, pois, como era defendido pelo grupo, era de extrema importância o

estudo de tais fatores, afirmando a relação existente entre linguagem, cultura e sociedade,

consideradas fenômenos inseparáveis (SALOMÃO, 2011).

Assim, a Sociolinguística surge como uma das subáreas da Linguística e estuda a

língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de

investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num

espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os

empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo; pois busca desvendar

as regras variáveis da língua, contextos linguísticos e sociais.

Nesse sentido, a variação é constitutiva das línguas humanas. Ter uma cultura é

identificar-se com as características de um determinado grupo, que representam o conjunto de

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“essências”, por assim dizer. As abordagens das áreas do conhecimento, desse modo, devem

ser críticas e reflexivas e considerarem o percurso histórico de cada povo, suas relações com o

Estado Nacional e com as diversas políticas públicas por ele implementadas (saúde, fundiária,

educação etc.). É necessário, nesse contexto, atentar-se à heterogeneidade linguística,

postulando que não há como estudar a língua sem estudar, ao mesmo tempo, a sociedade em

que esta é falada, evidenciando, dessa forma, a inter-relação entre língua e sociedade. “O

grande avanço da sociolinguística se funda basicamente na sua conceituação de língua como

sistema intrinsecamente heterogêneo, em que se entrecruzam e são correlacionáveis fatores

intra e extralinguísticos, ou seja, fatores estruturais e fatores sociais (como classe, sexo, idade,

etnia, escolaridade, estilo)” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 299).

Assim, a Sociolinguística, também conhecida como Teoria da Variação, preocupa-se

basicamente em fazer um estudo da língua em uso na(s) comunidade(s) de fala. Por

comunidade de fala podemos entender um conjunto formado por falantes que, antes de

compartilharem traços linguísticos semelhantes, compartilham atitudes e valores, normas

sociais. (SALOMÃO, 2011). Tal estudo considera a língua como algo social, que pertence a

todo e qualquer indivíduo de uma comunidade de fala, “a língua tal como usada na vida diária

por membros da ordem social” (LABOV, 2008, p. 13). A Sociolinguística, portanto,

compreende a língua como uma estrutura viva, em constante processo de mutação, variação e

diversificação, com base na região e/ou comunidades rurais e urbanas em que uma forma de

variedade linguística é observada, empregada, ou seja, possui um caráter totalmente

heterogêneo.

Vale ressaltar que a heterogeneidade não ocorre somente de uma comunidade para

outra, mas, como no caso de um país tão diversificado como o nosso, rico em diversidades

sociais e culturais, encontram-se, também, características linguísticas variantes dentro dos

próprios núcleos das comunidades de fala, entre os gêneros masculino e feminino, idade dos

falantes, forma de alfabetização, entre os considerados mais ou menos “letrados” ou “cultos”,

não apresentando, portanto, um comportamento linguístico homogêneo, como muitas vezes é

dito ser. É possível afirmar, ainda, que até entre os ‘falantes cultos’ há heterogeneidade, visto

que “não existe um comportamento linguístico homogêneo por parte dos ‘falantes cultos’,

sobretudo (mas não somente) no tocante à língua falada, que apresenta variação de toda

ordem, segundo a faixa etária, a origem geográfica, a ocupação profissional etc. dos

informantes” (BAGNO, 2002, p. 179).

Dessa forma, o universo da oralidade e mesmo o da escrita, comparados ao universo

das tradições gramaticais, revela fatores heterogêneos da língua. Conforme Bortoni-Ricardo

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(2005, p. 20), “a sociolinguística se ocupa principalmente das diversidades nos repertórios

linguísticos das diferentes comunidades, conferindo às funções sociais que a linguagem

desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão-somente aos aspectos formais

da língua.”

Assim, é possível dizer que a Sociolinguística permite analisar e compreender

aspectos linguísticos e sociais, e como estes se relacionam no que diz respeito à linguagem.

Para Labov (1972, apud MONTEIRO, 2000, p. 16-17):

a função da língua de estabelecer contatos sociais e o papel social, por eladesempenhado, de transmitir informações sobre o falante, constituem uma provacabal de que existe uma íntima relação entre língua e sociedade. Essa relação,porém, é muito mais profunda do que se imagina. A própria língua como sistemaacompanha de perto a evolução da sociedade e reflete de certo modo os padrões decomportamentos, que variam em função do espaço.

Nesse contexto, não se pode mais admitir a existência de uma única norma, como

nos quer fazer crer a gramática tradicional, mas, sim, normas linguísticas presentes nos grupos

sociais, devido aos distintos indivíduos que deles fazem parte e contribuem para seu

desenvolvimento, mudanças, trocas etc., revelando características identitárias por agregarem a

eles valores socioculturais. Cabe salientar, por sua vez, que os indivíduos de uma comunidade

de fala também se misturam, mesclam-se a outros e mais outros, e se influenciam

mutuamente, ou seja, são enredados ou “hibridizados” (FARACO, 2002). Portanto,

numa sociedade diversificada e estratificada como a brasileira, haverá inúmerasnormas linguísticas, como, por exemplo, a norma característica de comunidadesrurais tradicionais, aquelas de comunidades rurais de determinada ascendênciaétnica, a norma característica de grupos juvenis urbanos, a(s) norma(s)característica(s) de populações das periferias urbanas, a norma informal da classemédia urbana e assim por diante (FARACO, 2002, p. 38).

A língua, portanto, é intrinsecamente dinâmica e heterogênea, como uma atividade

social, sendo constituída em todo o seu cerne de diferenciações, variedades, diversidades

culturais, sociais, linguísticas. E é como uma, dentre muitas variedades, que é definida a

‘norma culta’:

A expressão norma culta deve ser entendida como designando a norma linguísticapraticada, em determinadas situações (aquelas que envolvem certo grau deformalidade), por aqueles grupos sociais mais diretamente relacionados com acultura escrita, em especial por aquela legitimada historicamente pelos grupos quecontrolam o poder social (FARACO, 2002, p. 40).

Ademais, não existe uma possibilidade de interação sem comunicação, por isso

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existe a necessidade e a importância de procurar entender a relação entre língua, cultura e

sociedade presente nas comunidades de fala, pois é através desta interação que ocorrem as

mudanças na língua. A esse respeito Hora (2004) diz que A Teoria da Variação opõe-se à

ausência do componente social e à concepção de língua que até então imperava na linguística

estrutural e gerativa. Situa-se, por outro lado, em relação ao conjunto língua e sociedade,

considerando a variedade das formas em uso como objeto complexo, que sofre influência de

fatores internos, próprios do sistema linguístico, e dos fatores sociais que interagem

principalmente no ato da comunicação.

São de fato os fatores sociais que mais contribuem no processo de mudança da

língua, uma vez que é por meio deles que informações são registradas no inconsciente dos

falantes, permitindo que as estruturas de fala (expressões, termos, colocações) se modifiquem

com o tempo, adequando-se à nova forma como a língua é usada. “Podemos compreender,

portanto, que o sistema linguístico não muda senão muito lentamente, e sob a pressão de

necessidades internas” (BENVENISTE, 1989).

1.1 A sociolinguística e a diversidade na língua

Dentro da área de estudos sociolinguísticos, especialmente, os de cunho

variacionista, uma temática tem a certo tempo sido alvo de estudos, pesquisas, e análises: a

diversidade linguística dos grupos sociais e o ensino de língua materna. A Sociolinguística

encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma qualidade

constitutiva do fenômeno linguístico, que influencia o processo de ensino-aprendizagem de

língua materna.

a língua não está registrada por inteiro nos dicionários, nem suas regras defuncionamento são exatamente (nem somente) aquelas que aparecem nos livroschamados gramáticas. É mais uma ilusão social acreditar que é possível encerrarnum único livro a verdade definitiva e eterna sobre uma língua (BAGNO, 2007, p.36).

No entanto, apesar dos avanços e diversos estudos e pesquisas nesta área de atuação,

sua aplicação empírica é ainda principiante. Assim, faz-se necessário, ainda, escrever sobre

essa temática, levá-la a diferentes níveis de divulgação, fazer com que chegue a maiores

núcleos, e a partir daí abranja novos níveis de construção e análise.

Partindo, então, do ponto de vista da Sociolinguística, é possível afirmar que nas

comunidades de fala, frequentemente, quando não sempre, existirão formas linguísticas em

variação. Dessa forma, toda e qualquer análise sociolinguística deve ser voltada para as

variações sistemáticas, concebidas como uma estruturada heterogeneidade.

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na contramão das crenças mais difundidas, a variação e a mudança linguísticas éque são o “estado natural” das línguas, o seu jeito próprio de ser. Se a língua é faladapor seres humanos que vivem em sociedades, se esses seres humanos e essassociedades são sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, heterogêneos,diversificados, instáveis, sujeitos a conflitos e a transformações, o estranho, oparadoxal, o impensável seria justamente que as línguas permanecessem estáveis ehomogêneas! (BAGNO, 2007, p. 37, grifos do autor).

Não existe, assim, um caos linguístico. Existe, pelo contrário, um sistema (uma

organização) por trás da heterogeneidade da língua falada.

Conforme Bagno (2007, p. 38), “o objetivo central da sociolinguística, como

disciplina científica, é precisamente relacionar heterogeneidade linguística com a

heterogeneidade social”, visto que ambas as caracterizações variam em diferentes aspectos.

Uma das caraterísticas mais importantes das línguas humanas e mais relevantes à questão do

ensino da língua materna é, portanto, a diversidade linguística. Este é um ponto básico nas

pesquisas e teorias sociolinguísticas e, em princípio, não precisamos de nenhuma pesquisa

acadêmica formal para reparar na existência desta diversidade; essa se faz evidente pela

experiência de todos. Entretanto, em muitas sociedades, como é o caso da sociedade

brasileira, a representação sociocultural da língua de certo modo oblitera essa percepção,

fazendo crer que a língua não varia de verdade – ou, de uma forma idealizada, faz crer que a

língua não deveria variar.

A língua, assim, não é de forma alguma um fenômeno isolado, está relacionada a

fatores sociais, culturais e geográficos e, sendo assim, a variação da língua não é decorrente

apenas de fatores intergeracionais, mas também da interação com diferentes culturas e estratos

sociais. A língua, nesse contexto, reflete um sistema dotado de heterogeneidade sistemática,

um sistema em constante uso, sujeito a mudanças nas distintas comunidades de fala.

A língua é, portanto, uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido portodos os seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala ou daescrita (BAGNO, 2010, p. 36).

Ainda a respeito desta correlação entre língua e sociedade, William Labov acredita

que o novo modo de fazer linguística é estudar de forma empírica os falantes e suas

respectivas comunidades de fala, pois desse modo se poderá apreender “o estilo em que o

mínimo de atenção é dado ao monitoramento da fala” (LABOV, 2008, p. 208). Os estudos

empíricos, por sua vez, possibilitam maior aprendizagem e sistematização de usos, permitindo

propostas de ensino que tenham como propósito a ampliação das competências linguísticas do

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aluno à medida que se ampliam os papéis sociais e as redes sociais; um ensino de língua

sensível às diferenças socioculturais.

Esses estudos, portanto, detêm-se à compreensão das manifestações da língua no seio

da sociedade, considerando toda e qualquer prática social como influência concreta. Cabe,

ainda, aos estudos sociolinguísticos, investigar o nível de estabilidade ou mutabilidade das

variações linguísticas; o surgimento ou extinção de línguas, multilinguismos e mudanças.

1.2 A diversidade/variedade linguística e o preconceito linguístico

Se a língua portuguesa se impôs para praticamente toda a sociedade brasileira, ela

não se impôs de maneira igual por todo nosso território. Como a língua reflete também a

estrutura social da comunidade que a usa, não se torna difícil observar as desigualdades de

acesso à língua portuguesa formal no Brasil, e em como estas refletem nos distintos estratos

socioeconômicos da sociedade brasileira.

Conforme Aguilera (2008, p. 105), a “atitude linguística assumida pelo falante

implica a noção de identidade, concebida como o conjunto de características que permitem

diferenciar um grupo de outro, uma etnia de outra, um povo de outro”. Baseado nisto,

podemos afirmar que as variações de determinado grupo, sejam elas quais forem, não podem

ser compreendidas apenas como um emaranhado de formas linguísticas; elas também são um

emaranhado de valores socioculturais que acabam por se articular com determinadas formas

linguísticas.

Conforme nos aponta Bagno:

Ao contrário de um produto pronto e acabado, de um monumento histórico feito depedra e cimento, a língua é um processo, um fazer-se permanente e nunca concluído.A língua é uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por todos osseus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala ou da escrita(BAGNO, 2007, p. 36, grifos do autor),

Ao estudarmos a língua em uso numa comunidade de fala, defrontamo-nos com arealidade da variação. Os falantes têm características distintas e estas diferenças, identificadascomo fatores sociais ou externos, também atuam na forma de cada um se expressar. Porém,como vimos, a variação observada nos falares de uma comunidade nem sempre está ligadaapenas aos fatores externos. Fatores internos, inerentes ao sistema linguístico, tambémpressionam e possibilitam a ocorrência da variação.

Também salienta Faraco:

qualquer língua é sempre heterogênea, ou seja, constituída por um conjunto devariedades (por um conjunto de normas). Não há, como muitas vezes imagina osenso comum, a língua, de um lado, e, de outro, as variedades. A língua é em si o

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conjunto das variedades. Ou seja, elas não são deturpações, corrupções, degradaçõesda língua, mas são a própria língua: é o conjunto de variedades (de normas) queconstitui a língua (FARACO, 2008, p. 71).

Grosso modo, a diversidade linguística é, assim, decorrente mais das mudanças

ocasionadas no contato entre povos ao longo da história da humanidade do que em função de

um pretendido isolamento dos mesmos. A história das línguas, como há muito já sabemos, é

nada mais nada menos do que a série dos contatos/intercâmbios entre povos.

Ainda assim, a escola tradicional insiste em se apegar a metodologias extremamente

rígidas e tende a não reconhecer a diversidade e a variação linguísticas, fatores que tornam

cada vez mais importante a luta por uma educação diferenciada, em especial para nossos

alunos que lutam em prol do aprendizado de sua língua primeira, sua língua materna. É claro

que, nesse contexto, trabalhar a gramática e a ortografia, por exemplo, tem sim a sua devida

importância, mas isso não é tudo quando se trata do ensino da Língua Portuguesa. Ao afirmar

que existe variação na língua, já que a “heterogeneidade, ou variação, é inerente a todo

sistema linguístico e não é aleatória”, mas ordenada por restrições linguísticas e

extralinguísticas, Labov (1972, apud HORA, 2004) mostra que existem também variantes e

que são elas que levam o falante a usar certas formas e não outras quando faz uso da língua

falada.

Contudo, quando sujeitos utilizam variedades linguísticas que destoam da variedade

‘culta’, surge o preconceito linguístico que é, segundo nossas leituras, a agregação de valor

determinado pela sociedade para prestigiar ou estigmatizar alguém ou algum grupo,

atribuindo-lhes estigmas tais como ‘inferior’ ou ‘incapaz’ (geralmente para mulheres, negros,

indígenas etc.), uma variedade, um idioma, uma comunidade de fala, o que muitas vezes

culmina no famigerado discurso: os diferentes são portadores de defeitos. um fenômeno

social denominado: o preconceito linguístico.

Dar vida ao preconceito linguístico é julgar falantes ou grupos inteiros em uma

comunidade pelas formas linguísticas que empregam (e essas formas geralmente são as que se

afastam do padrão). O argumento é que há, em uma língua, construções corretas e incorretas,

melhores e piores, e que os falantes que “erram” em suas escolhas ao falar e ao escrever são,

consequentemente, também imperfeitos, pessoas que ou desprezam ou que têm dificuldade

em atingir o nível em que só se empregam as construções aceitáveis/corretas. A aceitação

dessa ideia, e da noção de erro no uso linguístico que está por trás dela, autoriza a exclusão

social gerada pelo preconceito linguístico – uma exclusão que, em muitos casos, é bastante

dura:

20

essa é uma questão que a gente sempre trabalha na escola, porque a gente mora emum município pequeno, e eles tinha que aprender pelo menos alguma coisa da gente,mas lá eu vejo muito discriminação. Quando a gente tá falando a nossa língua, elesfalam assim “fala direito!” Claro que eu tô falando direito, tô falando a minha línguanativa. (Sujeito 21, etnia Tapirapé, 24 anos. Região de Santa Terezinha – MT).

Atualmente, os estudos e análises linguísticas e sociolinguísticas evidenciam cada

vez mais a estreita ligação entre o preconceito linguístico e o preconceito social,

especialmente por causa da valorização do português padrão. Conforme Bagno,

a grande massa de alunas e alunos das novas escolas públicas falava (e fala)variedades linguísticas muito diferentes das variedades urbanas usadas pelascamadas sociais prestigiadas, e mais diferentes ainda da norma-padrão tradicional,modelo de língua “correta” que o ensino tentava (e em boa parte ainda tenta)transmitir e preservar (BAGNO, 2007, p. 32).

Assim, a maneira diferenciada de uso da língua, que nem sempre obedece às regras

da gramática normativa, por exemplo, variedades enunciadas por indivíduos que tiveram

pouca escolarização ou que pertencem às classes sociais menos favorecidas geralmente estão

fadadas ao preconceito social, e, por conseguinte, à estigmatizarão linguística. Tal estigma

pode muitas vezes acabar por materializar a concepção de que a simples presença de sujeitos

que não se adequam/encaixam nos padrões de comportamento apreciados socialmente pode

corromper a “ordem social”, causando, assim, a marginalização social e linguística.

Segundo Bagno:

o problema está em achar que a variação linguística é um “problema” que pode ser“solucionado”. O verdadeiro problema é considerar que existe uma língua perfeita,correta, bem-acabada e fixada em bases sólidas, e que todas as inúmerasmanifestações orais e escritas que se distanciem dessa língua ideal são como ervasdaninhas que precisam ser arrancadas do jardim para que as flores continuem lindase coloridas (BAGNO, 2007, p. 37).

Para desmitificar tal “problema” é preciso combatê-lo e, como aponta a

Sociolinguística, é necessário estudar as distintas variedades linguísticas, reconhecê-las e

constatar que elas precisam ser consideradas. A respeito desse assunto ainda, Bagno afirma

que

parece ser mais interessante (por ser mais democrático) estimular, nas aulas deLíngua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedadessociolinguísticas, para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local para o

1 Os depoimentos obtidos através das entrevistas, todas realizadas na Faculdade Intercultural Indígena,localizada em Barra do Bugres, foram numerados e os sujeitos indígenas identificados a partir da sequência dosnúmeros naturais: Sujeito aluno 1, Sujeito aluno 2, Sujeito aluno 3, Sujeito aluno 4, Sujeito aluno 5, Sujeitoaluno 6, Sujeito aluno 7, Sujeito aluno 8, de acordo com a ordem em que foram realizadas as entrevistas. Optou-se por essa metodologia para preservar as suas identidades. Ressalta-se, também, que as transcrições foram feitasrespeitando-se as variantes e variedades utilizadas por cada sujeito.

21

espaço exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme numlaboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos(BAGNO, 2002, p. 32).

Não se trata, contudo, de substituir uma variedade por outra arbitrariamente, mas

reconhecer bem como respeitar as demais modalidades expressivas existentes e, de tal

maneira, conseguir diminuir as atitudes preconceituosas advindas de se considerar a variedade

culta/padrão como única, imutável, correta.

1.3 Contatos linguísticos: variação e preconceito

Nossa cultura tem já há algum tempo desmerecido, quando não ignorado, a

multiplicidade de línguas faladas na sociedade brasileira. Somos, sem dúvida alguma, um país

multilíngue. Centenas de variações em nosso idioma podem ser muito facilmente encontradas.

Destacam-se, dentre as mais numerosas, as línguas indígenas (cerca de 180) e dezenas de

línguas advindas do processo de imigração, além dos remanescentes de línguas africanas.

Apesar disso, erroneamente dissemina-se a ideia de um país com uma língua somente, o que

ocasiona, muitas vezes, preconceito relativo ao uso “incorreto” dessa língua. Há que se

refletir, dessa forma, também acerca da noção de erro. Em se tratando de língua, o que seria

de fato considerado erro?

Em seu livro Nada na língua é por acaso, Marcos Bagno esclarece que

No primeiro modo de ver as coisas, isto é, na perspectiva das ciências da linguagem,não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um sistema de sons esignificados que se organizam sintaticamente para permitir a interação humana, todae qualquer manifestação linguística cumpre essa função plenamente […] (BAGNO,2007, p. 61, grifos do autor).

Dessa forma, enquanto na concepção normativa tradicional o “erro” é visto como

uma distorção, desvio da norma culta, nos estudos sociolinguísticos ele é observado como um

uso inadequado à situação. Esse mesmo autor também afirma que:

Em relação à língua escrita, seria pedagogicamente proveitoso substituir a noção deerro pela de tentativa de acerto. Afinal, a língua escrita é uma tentativa de analisar alíngua falada, e essa análise será feita, pelo usuário da escrita no momento de grafarsua mensagem, de acordo com seu perfil sociolinguístico (BAGNO, 1999, p. 126).

Outra reflexão importante a se fazer é sobre o que duas pessoas, cada uma falando

22

uma língua diferente, podem fazer para se comunicar? Nessa situação de comunicação,

percebe-se que o interesse em tentar aprender a língua do outro é proporcional ao interesse

nos frutos da interação com o outro.

Assim, quando duas línguas entram em contato, de modo geral, uma acaba

assumindo a função de língua do grupo dominante (geralmente menor), imposta como veículo

de comunicação ao grupo dominado, e a partir da qual se constitui o léxico da variedade que

pode se formar na situação de contato com a língua do grupo dominado (geralmente o de

maior número), ou seja, esta recebe a contribuição lexical da língua do grupo dominante.

(SOUZA, BATISTA, MÈLO, 2013). Sobre esta constatação, vale ressaltar parte da narrativa

do sujeito 5, índio da etnia Munduruku, quando diz que:

ainda sofremos muito preconceito, existem vários termos na Língua Portuguesa quesão a partir da discriminação das línguas indígenas [...] vocês também deveriamtentar aprender nossa língua materna, inclusive é um tema que eu abordo em minhaspalestras, eu chego no meio do público e digo pra eles e digo “Bom dia” no idiomada minha etnia e ninguém me entende, mas logo depois, quando eu falo GoodMorning, todos respondem e a partir daí eu pego esse contexto, se aprende umidioma lá do outro lado do mundo, mas não aprende um idioma que é daqui [...](Sujeito 5, etnia Munduruku, 31 anos. Região de Alto Tapajós – PA).

Nesse sentido, não se pode negar que há grande carga de estigma circunscrita a

algumas representações linguístico-culturais. Dessa maneira, vários segmentos da nossa

população sofrem preconceito, e mesmo exclusão social, em razão do modo como falam a

língua portuguesa; outros, ainda, são prejudicados/estigmatizados, porque, embora cidadãos

brasileiros, não têm o português como sua língua materna. Tal transtorno pode ser observado

no relato do sujeito 1, da etnia Umutina, estudante da Faculdade Intercultural Indígena,

localizada em Barra do Bugres:

Não se pode ensinar o português do Brasil para um falante nativo ignorando aquiloque ele já sabe – a sua língua mãe –, nem ignorando a diversidade de usos que acerca [...] (Sujeito 1, etnia Umutina, 27 anos. Margem direita do rio Paraguai – MT).

Assim, a partir dessas constatações, é possível afirmar que o ensino que temos dado a

nossos estudantes acaba por não oferecer as condições para se transitar com segurança por

entre as variedades do português e as diversidades linguísticas que existem em nosso país.

Compreender esses pontos de discussão torna-se aqui extremamente importante, pois, sem

isso acaba se tornando cada vez mais difícil ampliar, avançar as discussões no que diz respeito

às questões linguísticas educacionais.

Para Werneck (2010, p. 13),

23

o cuidado ao lidar com essas pessoas que têm saberes e produzem cultura, embora seexpressem de modo pouco familiarizado com a gramática de nossa língua, deve serestimulado. Não há justificativa para transformar a linguagem popular em chacota erisos porque seria um desrespeito às pessoas que não tiveram oportunidades paraaprender bem.

Por sua vez, o contato entre línguas ou entre variedades regionais e/ou sociais,

favorece a variação e a mudança linguísticas. No entanto, esse fato não é fator de

degeneração, e sim de diversificação, e deve ser discutido e trabalhado não só na academia,

mas, principalmente, em sala de aula. “A variação linguística não entrava nos planos de

ensino – ela era invisível e inaudível, relegada ao submundo do “erro”. De um momento para

o outro, no entanto ela passou a se apresentar de forma muito concreta e muito eloquente”

(BAGNO, 2012, p. 33).

Ter o conhecimento e a capacidade de interpretar os usos orais e escritos de

determinada língua, e ser capaz de participar desses usos de acordo com o contexto

sociointeracional, mostra o importante papel da escola no que tange ao ensino e aprendizagem

da linguagem, ainda que não seja a escola a única responsável por este processo, que requer

mudanças não só na concepção de ensino, mas de atitudes socioculturais.

A educação escolar em terras indígenas é, hoje, um desses espaços em que se

defrontam concepções e práticas sobre o lugar do indivíduo indígena na sociedade brasileira.

Onde leis inovadoras se defrontam com práticas arcaicas, em que os povos indígenas têm

buscado o exercício de uma educação diferenciada que assista a todas as respectivas etnias de

maneira adequada, onde o mais importante é o aluno saber quando e como usar a língua, e não

ter uma regra estabelecida pela escola que venha desconsiderar tudo que foi assimilado por

ele em sua comunidade de fala.

No ensino da língua materna em suas interações orais, faz-se necessário levar em

consideração todos os aspectos a que o falante esteja exposto, além de vários outros fatores

relevantes. Sendo assim, é preciso amoldar as escolas para que ensinem verdadeiramente a

língua e suas diferentes possibilidades de uso.

É assim que, paulatinamente, um novo papel está sendo desenhado para as escolas no

país, em especial, aqui na Faculdade Intercultural Indígena. O protagonismo desse processo

está com professores indígenas e suas comunidades, cabendo-lhes definir o perfil dessa escola

ideal para cada comunidade.

O escopo do próximo capítulo é a questão da educação diferenciada, com maior

atenção às contribuições da Sociolinguística e as possíveis dificuldades encontradas no

24

processo de formação de indivíduos aptos a atuar com a mesma desenvoltura dentro e fora de

suas comunidades, por meio dos instrumentos de conhecimento da sociedade majoritária.

25

2 ESCOLA PARA ÍNDIGENA

Segundo Matos e Monte (2006, p.72), no Brasil, como na maioria dos países

americanos, a educação escolar foi, e ainda é, empregada como um recurso, quase sempre

extremamente eficaz, de destruição da diversidade. Inúmeras iniciativas de civilização e

integração forçada à sociedade nacional foram implementadas pela coroa portuguesa, pelo

império e também pela república, para que tal propósito fosse alcançado. Mesmo assim,

recorrendo a diversas formas de resistência, as sociedades indígenas tentaram “domesticar” a

escola ou, quando isso não era possível, tornaram-se totalmente refratárias a ela.

Considerando tais observações, o que se verifica é que a escola, inicialmente imposta aos

povos indígenas, hoje é reivindicada por eles como “um modelo de escola mais respeitoso à

diversidade e aos direitos coletivos assegurados mais tarde na Constituição brasileira”

(MATOS; MONTE, 2006, p. 72).

Desta forma:

[…] olhando, retrospectivamente, temos uma história de longa duração, na qual ospovos indígenas sempre foram vistos como um problema, e a única resposta que seconseguiu foi a formulação de políticas para que deixassem de ser o que eram […](Sujeito professor 4², idade não declarada, Região de Rondonópolis - MT).

Com o processo de redemocratização do país, os povos indígenas passaram a ter um

papel mais ativo na formulação da política indigenista, por meio de organizações

representativas. No espaço de 20 anos, entre 1980 e 2000, foram criadas cerca de 183

organizações indígenas, só na região amazônica, entre as quais se destacam as associações de

docentes indígenas (ALBERT, 2001).

Para esses povos, a escola foi, durante séculos, um instrumento de opressão, o que

está registrado atualmente na memória oral de muitos povos e foi até mesmo incorporado em

alguns de seus mitos (FREIRE, 2001 b). Nesse sentido, depoimentos de docentes indígenas de

vários estados do Brasil confirmam o papel histórico da escola como devoradora de

identidades (FREIRE, 2002).

Segundo Grupioni,

[…] impondo-se por meio de diferentes modelos e formas, cumprindo objetivos efunções diversas, a escola esteve presente ao longo de toda a história derelacionamento dos povos indígenas com representantes do poder colonial e,posteriormente, com representantes do Estado-nação (GRUPIONI, 2006, p. 43).

___________________________2 Além dos sujeitos indígenas-alunos entrevistados, os docentes encarregados pelas aulas também contribuíramcom entrevistas faladas, gravadas e transcritas, sendo aqui classificados como Sujeito professor 1, Sujeitoprofessor 2, Sujeito professor 3, Sujeito professor 4, conforme a ordem das entrevistas.

26

As condições começaram a mudar recentemente, quando, em 1988, foram criadas as

bases legais para a construção de uma nova escola indígena em substituição ao modelo

colonial da velha escola para indígenas. Várias dessas bases tiveram atuações decisivas nos

trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, conquistaram aliados de peso e conseguiram

que a Constituição promulgada em 1988 reconhecesse, em um capítulo denominado “Dos

Índios”, “a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos

originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (Artigo 231).

A partir de então, gradualmente, a escola destinada aos povos indígenas começa a

alcançar conquistas importantes. A Portaria Interministerial do Ministério da Justiça (MJ) e

Ministério da Educação (MEC) nº 559/913, reforçando as disposições da Constituição Federal

(CF) de 1988, trata da garantia de oferta da educação escolar indígena de qualidade,

diferenciada e laica, do ensino bilíngue, da criação de órgãos normativos para o

acompanhamento e desenvolvimento da educação indígena, dos recursos financeiros, da

formação de professores capacitados, do reconhecimento das instituições escolares, da

garantia de continuidade dos estudos em escolas comuns, quando estes não forem oferecidos

nas escolas indígenas, da garantia de livre acesso ao material didático e da determinação da

revisão da imagem do índio, historicamente distorcida, divulgada nas redes de ensino.

Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº

9.394, de 20/12/96, trata da oferta do ensino regular para os povos indígenas:

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agênciasfederais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programasintegrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue eintercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação desuas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorizaçãode suas línguas e ciências;

II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso àsinformações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demaissociedades indígenas e não-índias.

No art. 79, a LDBEN4 dispõe sobre o desenvolvimento dos programaseducacionais indígenas:

A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino noprovimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendoprogramas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades

3 A Portaria nº 559/91 estabelece a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (NEIs) nas SecretariasEstaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas e com atuação naEducação Escolar Indígena. Define como prioridade a formação permanente de professores índios e de pessoaltécnico das instituições para a prática pedagógica, indicando que os professores índios devem receber a mesmaremuneração dos demais professores. Além disso, são estabelecidas as condições para a regulamentação dasescolas indígenas no que se refere ao calendário escolar, à metodologia e à avaliação de materiais didáticosadequados à realidade sociocultural de cada sociedade indígena.4 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) define e regulariza a organização da educaçãobrasileira com base nos princípios presentes na Constituição.

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indígenas.§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos no Plano Nacional

da Educação, terão os seguintes objetivos:I – fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada

comunidade indígena;II – manter os programas de formação de pessoal especializado, destinado

à educação escolar nas comunidades indígenas;III – desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os

conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;IV – elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e

diferenciado.

Na sequência, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena

foram aprovadas em 14/09/1999, por meio do Parecer 14/995 da Câmara Básica do Conselho

Nacional de Educação. O Parecer apresenta a fundamentação da educação indígena,

determina a estrutura e funcionamento da escola indígena e propõe ações concretas em prol da

educação escolar indígena. Em 17/11/1999 a Resolução 3/996, preparada pela Câmara Básica,

do Conselho Nacional de Educação, que fixa diretrizes nacionais para o funcionamento das

escolas indígenas, foi publicada no Diário Oficial da União. Importantes definições foram aí

inscritas e regulamentadas, no sentido de serem criados mecanismos efetivos para a garantia

do direito dos povos indígenas a uma educação diferenciada e de qualidade. Algumas destas

definições merecem ser destacadas.

Art. 1º - Estabelecer, no âmbito da Educação Básica, a estrutura e ofuncionamento das escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas comnormas e ordenamento jurídico próprios e fixando as diretrizes curriculares doensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povosindígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica.

Art. 2º - Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura eo funcionamento da escola indígena:

I – sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, aindaque se estendam por territórios de diversos estados ou municípios contíguos;

II – exclusividade de atendimento a comunidades indígenas;III – ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas,

como uma das formas de preservação da realidade sociolingüística de cada povo;IV – a organização escolar própria.Parágrafo único. A escola indígena será criada em atendimento à

reivindicação ou por iniciativa de comunidade interessada, ou com a anuência damesma, respeitadas suas formas de representação.

[…]Art.10. O planejamento da Educação Escolar Indígena, em cada sistema

de ensino, deve contar com a participação de representantes de professoresindígenas, de organizações indígenas e de apoio aos índios, de universidades eórgãos governamentais.

5 Dividido em capítulos, o Parecer nº 14/99 da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação, aprovado em14.09.99, apresenta a fundamentação da educação indígena e determina a estrutura e o funcionamento da escolaem terras indígenas.6 A Resolução n°3/99 do Conselho Nacional de Educação define escola indígena como estabelecimentolocalizado em terras habitadas por comunidades indígenas, que dê exclusividade de atendimento a essascomunidades. Além disso, o ensino deve preferencialmente ser ministrado nas línguas próprias dascomunidades atendidas e ter uma organização escolar autônoma. Essa mesma Resolução estabelece que asescolas indígenas deverão ser regularizadas administrativamente “como unidades próprias, autônomas eespecíficas no sistema estadual”.

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Art.11. Aplicam-se às escolas indígenas os recursos destinados aofinanciamento público da educação.

Parágrafo único. As necessidades específicas das escolas indígenas serãocontempladas por custeios diferenciados na alocação de recursos a que se referem osarts. 2º e 13° da Lei nº 9.424/96.

Art.12. Professor de escola indígena que não satisfaça às exigências destaResolução terá garantida a continuidade do exercício do magistério pelo prazo detrês anos, exceção feita ao professor indígena, até que possua a formação requerida.

Em 2001 ocorreu a promulgação do Plano Nacional de Educação (PNE),

reafirmando a responsabilidade legal dos sistemas estaduais de ensino pela educação indígena

de qualidade, respeitando a diversidade e cultura de cada povo e com o propósito de garantir a

regularização das escolas indígenas a partir dos parâmetros traçados pela Portaria

Interministerial nº 559/91 e pela LDB.

Esses documentos redesenharam uma nova função social para a escola indígena,

detalhando o direito de suas comunidades a uma educação bilíngue, intercultural, comunitária,

específica e diferenciada. Essa nova escola, cujo objetivo principal é o reconhecimento das

diversidades cultural e linguística, pretende valorizar os saberes indígenas, com seus

complexos sistemas de pensamento, recuperando suas memórias históricas e reafirmando suas

identidades, para construir, a partir dessa base, uma ponte que ligue os povos indígenas a

outras experiências históricas diferentes e facilite o seu acesso aos conhecimentos técnico-

científicos da sociedade nacional (MEC, 1998).

Para Fleuri (2003), ao reconhecer e valorizar as diferenças étnicas e culturais, ocorre

a ressignificação da própria identidade indígena, desconstruindo a ideia de estabilidade e

fixidez natural. Ao materializar o gênero, a etnia, os valores e as condições sociais, os

indígenas afirmam os significados do lugar que ocupam nas relações sociais que os

constituem. Desta forma, podemos dizer que os povos indígenas vêm articulando suas

identidades étnicas ao longo de todo o processo histórico tenso e conflituoso no qual têm

vivido:

logo no começo muitos deles falavam que a língua não era para ser ensinada naescola, “escrever pra quê? Eles são falantes, a escola é extra comunidade, extraaldeia, extra cultura. É algo que vem de fora.”, eles são povos orais, então nãonecessitavam da escrita a seu ver. Hoje, devido até a própria faculdade, quase 15anos de faculdade, com os professores discutindo linguística mesmo vãoconvencendo essas pessoas que é importante sim, é preciso sim, eles têm queregistrar a língua deles também e hoje eles têm isso, geralmente fazem tudo nas duaslínguas, porque se o pai manda a criança para a escola ele quer que aprenda a línguaportuguesa, pra quê? Pra “se defender do branco”. (Sujeito professor 4, idade nãodeclarada, Região de Rondonópolis – MT).

Segundo Cohn (2001, p.41), “a articulação feita deixa claro que os indígenas estão

recuperando-se e construindo-se e seus signos de identidade indígenas são reconhecidos pela

29

sociedade nacional”. Vale destacar que entendemos, por identidade cultural, algo dinâmico,

que se ressignifica conforme a conjuntura e a situação histórica.

Contudo, a questão da escola diferenciada ainda gera bastante dúvida por parte dos

docentes indígenas, se de fato há uma chance de acontecer com plenitude como preconizam as

diretrizes. Tal dúvida se deve, também, ao vigor da ideologia civilizatória que presidiu a

nossa contraditória formação histórica, visto que ainda há dificuldades no reconhecimento de

uma sociedade multiétnica, multicultural e plurilinguística.

Atualmente, os grupos que fazem parte dos projetos de pesquisa e implementação da

educação diferenciada batem, também, nessa mesma tecla, com discussões sobre edificação

das diferenças, reconhecimento da língua materna, valorização das práticas das culturas

tradicionais, dentre outros problemas nada recentes no cenário educacional brasileiro.

Como pontuou um de nossos sujeitos,

Há anos se tem buscado implantar uma legitimação e uma escola com currículo,tempo, processo pedagógico específico de cada cultura de cada comunidadelinguística. (Sujeito professor 1, 42 anos. Região de Luciara -MT).

A implementação desses avanços, por sua vez, é um processo em curso e que exige

vontade política e medidas concretas para sua efetivação. No plano governamental, ainda são

tímidas as iniciativas que garantem uma escola de qualidade que atenda aos interesses e aos

direitos dos povos indígenas em suas especificidades diante dos não índios e em suas

diversidades internas (linguística, cultural e histórica). Mas, há caminhos seguros que vêm

sendo trilhados pela atuação conjunta de grupos indígenas e assessores não indígenas, ligados

a organizações da sociedade civil e a universidades.

2.1 As dificuldades na luta por uma educação escolar diferenciada: propostasacadêmicas

A Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) tem, mais recentemente,

contribuído para o fortalecimento da educação escolar indígena, específica e diferenciada, no

estado de Mato Grosso e, por consequência, teve destaque como pioneira em nível nacional

adotando práticas com o objetivo de oferta de educação superior para povos indígenas.

Essa contribuição inicia-se, mais especificamente, no ano de 2001, quando é

implantado oficialmente o Projeto de Formação de Professores Indígenas – 3º Grau Indígena,

30

com a realização de vestibular e o início das aulas no mês de julho, para as primeiras turmas

dos Cursos de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas7.

Já no período compreendido entre 2002 e 2004 foi ofertada uma especialização Lato

Sensu em Educação Escolar Indígena, que contou com a participação de professores indígenas

já graduados, além de diferentes profissionais que atuavam e/ou ainda atuam na questão

indígena.

Em junho de 2006, as primeiras Turmas concluíram as atividades dos Cursos, sendo

realizada a Colação de Grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 acadêmicos

indígenas. Em agosto de 2007, considerando a necessidade de fortalecer as ações

desenvolvidas pela UNEMAT em prol da Educação Superior indígena em Mato Grosso, o

Projeto 3º Grau Indígena foi transformado no Programa de Educação Superior Indígena

Intercultural - PROESI.

Durante o II Congresso Universitário da UNEMAT, realizado em dezembro de 2008,

foi aprovada a criação da Faculdade Indígena Intercultural, incorporando as ações

relacionadas à Educação Superior Indígena. A Faculdade tem por objetivo a execução dos

Cursos de Licenciaturas Plenas e de Bacharelado, com vistas à formação em serviço e

continuada de professores e profissionais indígenas, abertura de vagas nos cursos regulares de

Pós-Graduação Lato Sensu e Stricto Sensu, cursos de formação continuada, e

acompanhamento de acadêmicos indígenas nos cursos de graduação.

A formação dos professores, neste contexto, compreende etapas de estudos

presenciais no Câmpus da UNEMAT em Barra do Bugres, a 150 km de Cuiabá, e etapas

intermediárias (equipe pedagógica e professores visitam as aldeias para acompanhar os

estudos acadêmicos (Estágio, atividades da etapa intermediária, TCC, pesquisa), realizadas à

distância. Intensiva, a fase presencial se realiza durante as férias escolares, nos meses de

janeiro/fevereiro e julho/agosto e no tempo restante o professor deve exercer atividades de

ensino e pesquisa em sua própria aldeia.

A proposta pedagógica desse projeto, desde o seu surgimento, está baseada na

7 Informações retiradas de http://indigena.unemat.br/index.php/historico. Acesso em 01/07/2015. Os Cursos deLicenciaturas Específicas para a Formação de Professores Indígenas da Faculdade são uma iniciativa doGoverno do Estado de Mato Grosso, concretizada por meio de uma parceria entre a Secretaria de Estado deEducação de Mato Grosso - SEDUC/MT, a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia - SECITEC/MT, aUniversidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT e a Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Conta, também,com o apoio da Prefeitura Municipal de Barra do Bugres/MT, que disponibiliza as instalações para alojamentodos cursistas durante as Etapas de Estudos Presenciais, e de instituições como a Fundação Nacional de Saúde -FUNASA, a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso - SES/MT e o Ministério da Educação - MEC. Há,também, o aval do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso - CEE-MT, do Conselho Estadual deEducação Indígena de Mato Grosso - CEI-MT e da Organização dos Profissionais da Educação Escolar Indígenade Mato Grosso - OPRIMT.

31

valorização da cultura indígena, por meio de um currículo intercultural, que permita uma

aliança entre a educação formal e o ensino da história e a apreensão dos saberes tradicionais

dos povos indígenas. É prevista, também, a interação ativa dos professores indígenas em prol

do seu aperfeiçoamento (UNEMAT, 20158).

desde que eu comecei, melhorei bastante e estou aprendendo muito e levando esseconhecimento para a comunidade, que sempre foi esperado pela comunidade e hojeeu vejo o quanto eu tô colaborando, porque nós vemos em um professor, um aluno,um acadêmico, uma referência, quando tem alguma dificuldade eles vão na gentesaber como faz, como funciona, e me sinto orgulhosa por ter estudado, participado eaté hoje permanecendo, porque muita gente desiste, mas hoje eu continuo por causado meu povo e da minha comunidade [...] aqui onde estamos temos várias etnias, maseu vejo isso como um jeito que me fortalece de eu vê, vendo as outras culturas.Quando a gente tá aqui, nós leva muitas coisas, vivendo com essas outra etnias, agente leva muito conhecimento. (Sujeito aluno 2, etnia Tapirapé, 24 anos. Região deSanta Terezinha – MT).

A Faculdade dispõe, como supracitado, de uma proposta pedagógica, também da

oferta de cursos, mas, tem, atualmente, apresentado dificuldades com as instituições parceiras,

fundamentalmente, por causa da carência de políticas públicas que intercedam pela

transformação do projeto em um programa permanente de formação. Para tanto, é preciso que

se façam investimentos não só em estrutura física, mas em toda a logística necessária ao

funcionamento e manutenção do programa.

Conforme a afirmação abaixo:

Atualmente, se tem presenciado um momento de pouco investimento e poucaatenção dos órgãos responsáveis pela oferta da educação superior para indígenas. Osórgãos de competência do Estado, da própria UNEMAT, precisam ter essa atençãoum pouco mais destacada, e, desta forma, a educação indígena se configura comouma área de especial atenção no Estado de Mato Grosso, onde podemos encontrarum considerável número de comunidades indígenas. (Sujeito professor 3, 45 anos.Região de Tangará da Serra -MT).

Vale frisar, também, as declarações do sujeito professor 2 que estava dirigindo as

etapas presenciais em Barra do Bugres no momento da entrevista, pois, segundo ele, a

instituição não possui uma rubrica, um orçamento direcionado especificamente para manter a

Faculdade Intercultural Indígena, e reitera não somente as dificuldades acima mencionadas,

mas ainda que está mais do que no momento oportuno para que seja proposta pela

Universidade a implantação desse programa como permanente. E, também, que precisa haver

uma maior sensibilidade por parte de gestores, não somente neste contexto, mas no que diz

respeito à educação escolar indígena em geral.

8. Informações retiradas da página UNEMAT - Diretoria de Gestão de Educação Indígena. Disponívelem<http://indigena.unemat.br/>, acesso em 01/03/2016.

32

Além disso, as representações e cidadanias nas diversas comunidades sociais, as

distintas formas de ideologias e movimentos sociais, a organização indígena, como caminho

para a autodeterminação, a gestão territorial e o desenvolvimento étnico, são pontos e temas

de estudo que poderiam contribuir para o processo de autonomia9 dos cursistas, pontos esses

ainda cobrados e que precisam ser implementados.

Nós ainda temos tão poucos materiais, a falta de materiais específicos é muitogrande para poder ajudá-los, isso me entristece e muito. Nós encontramos apenas nalíngua portuguesa, e não há materiais mesmo na língua portuguesa que indiquemcaminhos para a gente [...] como no meu caso, que trabalho com mais de cinquentaprofessores indígenas, de mais de trinta etnias em uma sala de aula, cada um ou doisfala uma língua, e eu tenho que trabalhar com a língua portuguesa e fazer todas essasadaptações não sendo indígena. Imagine como era esse processo antes dasformações existirem, simplesmente inimaginável, a passos curtos, a meu ver,estamos caminhando […] (Sujeito professor 2, idade não declarada, Região deMaringá -PR).

Nesse sentido, para que as dificuldades possam ser sanadas e as implementações

aconteçam efetivamente, não só na Faculdade Indígena, mas no ensino como um todo,

destacam-se, por sua vez: a definição de políticas mais eficazes para as escolas indígenas, que

enfrentam sérios problemas, como os acessos com destino e no interior dos territórios

indígenas; garantia de segurança, alimentação de qualidade nas escolas, de acordo com os

hábitos alimentares de cada comunidade; cursos de formação e capacitação de professores

bilíngues (falantes) e de professores indígenas (não falantes), uma vez que atualmente estão

sendo contratados professores “bilíngues” que ministram aulas em português; e que as

universidades que não possuem o Termo de Cooperação com a FUNAI para apoio aos

estudantes indígenas busquem fazê-lo, ou criem políticas específicas de acesso e permanência

destes estudantes nas universidades, de acordo com a Lei 12.416/2011.

Outras propostas a serem observadas, ainda, referem-se ao acompanhamento

rigoroso das inscrições para os vestibulares, mestrados e doutorados destinados aos povos

indígenas, e, também, as que propõem projetos de iniciação científica, específicos para os

estudantes indígenas em suas comunidades e que as horas de estágio sejam reconhecidas pelas

universidades.

Vale ressaltar, contudo, que até 1998, data de edição do Referencial Curricular

Nacional (RCN) para as escolas indígenas, a maior parte dos professores nessas escolas eram

índios da própria comunidade, mas que não possuíam formação convencional do magistério.

Dispunham dos conhecimentos culturais do seu povo, mas seu conhecimento acerca da língua

9 Por autonomia entende-se o exercício de cooperação e criatividade, práticas de intervenção e transformaçãocom base na realidade social, implica poder, conhecimento, sensibilidade, desejo e responsabilidade exercida noe com um coletivo (LARANJEIRA, et alli, 1999).

33

portuguesa e das demais áreas consideradas escolares era precário. Assim, a atual proposta da

educação intercultural em que se baseia a educação indígena tem sido profícua para qualificar

esses professores, ainda que melhorias precisem ser acrescidas, como vimos, as legislações e

programas vigentes.

Ainda como possibilidade de implementações, poder-se-ia pensar na construção de

escolas unificadoras, que atendessem aos padrões do conhecimento universal, partindo para

ações que considerassem os saberes mais relacionados diretamente com o grupo e a realidade

local, valorizando-os, numa negação ao processo de homogeneização incrustado no modelo

da escola de postura tradicional. Este modelo de escola, por sua vez, enalteceria o

reconhecimento da diversidade dos povos indígenas e da sua busca por autodeterminação,

com políticas de formação de professores focadas nas licenciaturas e no magistério

interculturais, assim como na produção de materiais didáticos e paradidáticos específicos.

Além disso, primaria pela ampliação da oferta de educação básica nas escolas indígenas e

pelo fortalecimento da interlocução institucionalizada e informada de representantes indígenas

com os gestores e dirigentes do MEC e dos sistemas de ensino.

Todas essas reflexões e implementações políticas na educação escolar indígena,

contudo, devem ter como principal propósito levar os povos indígenas a compreenderem a

sociedade ocidental não mais como uma sociedade que tenha que se sobrepor ao modo de

vida deles, mas que prime pelo desenvolvimento pleno dos sujeitos, respeitando os interesses

dos alunos, estimulando a pesquisa, a criatividade, a interculturalidade, o diálogo entre as

culturas, ou seja, o intercâmbio positivo e enriquecedor entre as diversas sociedades. E, claro,

que encontrem o apoio necessário para que isso ocorra.

Dessa forma, a educação escolar indígena específica e de qualidade está começando

a ser edificada, está se começando a pavimentar um caminho com base nas reflexões,

discussões e experiências que vêm sendo implementadas em diferentes regiões do país.

O capítulo seguinte, e último, mostrará como se deram os métodos e os

procedimentos usados para a pesquisa e, na sequência, trará a análise realizada com o público-

alvo, baseada na fala dos sujeitos entrevistados. Também serão complementadas as noções de

educação diferenciada e diretrizes governamentais, que pretendem dialogar com os resultados

analíticos que irromperam do corpus de pesquisa, o qual procurou apreender a atuação do

ensino superior indígena, na instituição acadêmica, lócus de investigação e sua transformação

na instituição escolar em que os sujeitos alunos atuam. Cabe ressaltar, uma vez mais, que toda

34

a tessitura de análise foi feita com base nas contribuições da Sociolinguística, aporte teórico

que ampara todo este estudo.

35

3 OS SUJEITOS DA PESQUISA: APONTAMENTOS ANALÍTICOS E RESULTADOS

A Sociolinguística laboviana dispõe de uma metodologia de pesquisa de campo

bastante criteriosa para conduzir os estudos sobre variação e mudança linguísticas. Não é

propriamente o indivíduo que interessa ao pesquisador sociolinguista, mas o grupo social no

qual ele vive e com o qual ele interage. É muito importante, por essa razão, que os

informantes selecionados para serem entrevistados sejam representativos da comunidade de

fala a que pertencem. Nesta parte do trabalho, salienta-se a importância da observação in

loco, descrição e análise das entrevistas feitas com os sujeitos pesquisados.

Diante da situação de conflito, quanto ao papel da escolha e valorização das duas

línguas envolvidas na pesquisa – Língua Portuguesa e Língua Materna –, buscamos entender

como se dá tal relação no contexto de escolarização formal da Faculdade Intercultural

Indígena, que se localiza em Barra do Bugres - MT.

A referida investigação foi feita através da aplicação de questionários com docentes

das etapas presenciais (todos não índios) e discentes (cada um de uma respectiva etnia

indígena), como demonstram as tabelas a seguir:

DENOMINAÇÃO SEXO IDADE ETNIA REGIÃO

Sujeito professor 1 Masculino 42 anos Não indígena Luciara - MT

Sujeito professor 2 Feminino -- Não indígena Maringá - PR

Sujeito professor 3 Feminino 45 anos Não indígena Tangará da Serra - MT

Sujeito professor 4 Feminino -- Não indígena Rondonópolis - MT

Tabela 1: identificação dos sujeitos professores.

DENOMINAÇÃO SEXO IDADE ETNIA REGIÃO

Sujeito aluno 1 Masculino 27 anos Etnia Umutina Margem direita do rio Paraguai - MT

Sujeito aluno 2 Feminino 24 anos Etnia Tapirapé Santa Terezinha - MT

Sujeito aluno 3 Masculino 31 anos Etnia Munduruku Região de Alto Tapajós - PA

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Sujeito aluno 4 Masculino 37 anos Etnia Paresi Tangará da Serra - MT

Sujeito aluno 5 Masculino 34 anos Etnia Kuikuru Região oriental da bacia hidrográfica dos formadores do rio Xingu (rios Culuene, Buriti e Curisevo)

Tabela 2: identificação dos sujeitos alunos.

Os depoimentos obtidos através das entrevistas foram numerados e os sujeitos

identificados em Sujeitos Alunos e Sujeitos Professores, de acordo com a ordem numérica em

que foram realizadas as entrevistas. O Sujeito Aluno de número 5 não havia sido previsto em

nossas entrevistas, (devido a isso não foi citado anteriormente), mas por causa do interesse em

conhecer melhor e contribuir para a construção deste trabalho, se voluntariou e forneceu

riquíssimas informações sobre sua passagem pelo 3º Grau Indígena e sua trajetória de trabalho

e pesquisa.

Priorizaram-se as vozes indígenas como fonte de dados, além da busca de evidências

documentais teóricas e materiais iconográficos, como: fotografias e publicações, que em

visitas às instalações dentro e fora do câmpus puderam ser observadas, constatando a grande

quantidade de produções feitas pelos acadêmicos, cerca de 50% em língua materna somente;

além de pesquisas sobre a questão do ensino e como se dá essa socialização e aprendizagem

nas comunidades linguísticas em que atuam, as quais apresentam diferenças não só

linguísticas, como também históricas, sociais e culturais. Procuramos, assim, por dados que

pudessem nos indicar o cenário do ensino indígena e como os processos de variação

acontecem, a partir das línguas em contato e/ou de preservação da língua materna indígena.

Com todos esses materiais em mãos, foi possível desenhar uma análise textual.

A pesquisa também nos conduziu até a comunidade indígena Umutina, onde foi

possível ampliar nosso espaço de pesquisa e observação referente à educação escolar

indígena, já que assim tivemos acesso à Escola Estadual Julá Paré 10.

Faz-se importante mencionar aqui a diversidade das populações indígenas brasileiras

que se apresentam em diferentes contextos nas relações com a sociedade envolvente. Em

destaque as diferentes etnias presentes em solo mato-grossense e que fizeram parte da

10 Escola de ensino básico e médio que é comandada pelos próprios índios, professores formados, alguns compós-graduação, que frequentaram a Faculdade Indígena da UNEMAT ou outras faculdades em cursos para “nãoindígenas”, cursando depois especialização em educação indígena. Esta escola localiza-se na Aldeia Umutina, 2,Zona Rural. Margem direita do rio Paraguai. Barra do Bugres – MT.

37

pesquisa no tempo em que estivemos presentes na Faculdade Intercultural Indígena.

As entrevistas ocorreram no Câmpus da UNEMAT de Barra do Bugres, em visita

feita no mês de janeiro de 2015, durante o período de aulas presenciais. Foram feitas

individualmente, seguindo as questões do questionário pré-elaborado, sendo acrescentados

temas e propostas de diálogos de acordo com o encadeamento do discurso e a participação de

cada sujeito. Este procedimento permitiu a manifestação de conteúdos experienciais não

previstos inicialmente, mas que se mostraram relevantes na experiência dos sujeitos.

Questionário elaborado para os discentes e docentes da Faculdade IndígenaIntercultural - Barra do Bugres – MT.

Questões aplicadas aos discentes.

1. Nome?

2. Nome indígena?

3. Idade?

4. Sexo?

5. Região/município de origem

6. Etnia

7. Escolaridade (área em que atua)?

8. Como foi/é seu processo de formação acadêmica?

9. Profissão?

10. Como foi/é seu processo de formação profissional?

11. Que língua você considera sua língua materna? Além dessa você sabe/fala outraslínguas?

12. O que acha de sua língua materna?

38

13. Você utiliza a mesma língua tanto em casa como em outros lugares?

14. Você tem filhos? Eles falam qual(s) Língua(s)? Gostaria que eles falassem a línguaindígena e/ou o Português?

15. Como acontece o ensino/escolaridade na comunidade indígena em que você mora?

16. Você sabe quantas etnias distintas participam da Faculdade Indígena Intercultural? Emsua opinião, quais as maiores diferenças e semelhanças culturais das diferentes etnias aquipresentes?

17. Como ocorre a interação dentro de sala de aula entre as várias etnias presentes?

18. Há entre vocês pessoas que não falam mais sua língua materna? Em sua opinião, quaisas maiores dificuldades para quem perdeu sua língua materna e busca readquiri-la?

19. Você concorda que as pessoas da região também deveriam se interessar em aprender alíngua indígena? Por quê?

20. O que para você seria mais importante:

a). Preservar as línguas indígenas.

b) Aprender o Português para se relacionar com um maior número de sujeitos?

c). Preservar as línguas indígenas e aprender o Português.

21. Quando você se comunica na sua língua materna, você percebe algum tipo depreconceito em relação à língua indígena?

22. Quais as dificuldades encontradas por quem opta em deixar seu espaço familiar paraingressar na Faculdade?

23. Você acha que a Faculdade Indígena pode contribuir para a manutenção da línguamaterna e a valorização da cultura indígena? De que forma?

24. Pretende após a conclusão do curso/formação continuar aqui atuando como professor ecolaborador?

Tabela 3: questionário aplicado aos discentes.

Questões aplicadas aos docentes

39

1. Nome – idade – sexo - região/município de origem?

2. Escolaridade (qualificação e área em que atua)?

3. Em sua opinião, quais as maiores dificuldades quanto à formação de professoresindígenas no Brasil?

4. Como ocorre a autonomia das comunidades indígenas na definição de seu processo deaquisição da escrita?

5. Qual a importância da formação dos educadores como agentes desse processo deautonomia e a relação do ensino escolar bilíngue com a definição de uma política linguística decada sociedade indígena?

6. Quais os mais significativos avanços e impasses no projeto de educação escolardiferenciada entre os povos indígenas?

7. Quanto à formação da criança indígena, qual a sua visão sobre a educação em novoscontextos políticos e culturais no Brasil?

8. Os não-índios pensam que a educação indígena é a mesma que recebem, mas é algodiferente, direcionado para eles conforme sua cultura. Mas ainda encontramos resistência daspessoas que não entendem essa necessidade e acham que a criança indígena tem que ser ensinadacomo qualquer outra criança. Como lidar com isso?

9. Como você avalia os programas de formação e capacitação de professores indígenas emandamento no Brasil?

10. Qual a sua perspectiva acerca do trabalho de formação e as necessidades de formaçãono campo da educação indígena?

11. Em sua opinião, quão importante é o papel da Sociolinguística nos programasbilíngues?

12. Existe resistência por parte dos alunos em receber aulas de um professor de outra etniae/ou caucasiano?

13. E quanto à linguagem, qual a metodologia de aplicação das aulas? Como ocorre oprocesso de ensino e compreensão das aulas por toda a turma?

Tabela 4: questionário aplicado aos docentes.

Fez-se também a exploração das alternativas levantadas como hipóteses. As

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entrevistas não tiveram limite de duração, contendo relatos de 30 minutos até pouco mais de

01 hora por sujeito. Surgiram pontos comuns de discussão, tais como a perspectiva da

superação da discriminação, da intolerância e da opressão em que vivem os povos indígenas,

e a luta incessante para construir sociedades mais justas e igualitárias em suas diferenças; com

ênfase na importância da formação dos educadores como agentes desse processo de

autonomia, da identidade profissional, bem como o desenvolvimento de conhecimentos e

saberes essenciais ao exercício da prática e a relação do ensino escolar bilíngue com a

definição de uma política linguística de cada comunidade indígena presente na Faculdade.

Dentre os docentes entrevistados, três eram do sexo feminino e somente um do sexo

masculino, situação que se inverte quanto aos discentes indígenas, tendo apenas uma

entrevistada do sexo feminino. Foi possível assim observar a escassez de mulheres ainda

presentes na educação superior indígena.

Vale ressaltar que, de acordo com os propósitos da pesquisa, procuramos verificar a

realidade da educação diferenciada no que diz respeito à valorização da língua materna em

conjunto com a língua portuguesa realizada com os discentes indígenas que frequentam a

Universidade. Esses alunos, por sua vez, são de comunidades indígenas bastante

diversificadas e plurais, por isso, o trabalho de formação requer profissionais com

sensibilidade e compreensão dos fatores que ensejam as origens e culturas dos povos

indígenas que se encontram nesse contexto.

Compreende-se, dessa forma, a importância e a necessidade de lançar-se olhar às

minorias linguísticas, em especial, às indígenas em Mato Grosso, e em registrar o trabalho que

vem sendo desenvolvido pela Universidade do Estado de Mato Grosso e os efeitos/resultados

que tal trabalho tem atingido nas comunidades linguísticas que contempla. Além disso, a

necessidade da estruturação de um currículo diferenciado para os cursos, e de como ela é

fundamental no processo de construção e reconstrução da educação escolar indígena.

3.1 Docência indígena em foco

Segundo Labov, “uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo

de falantes que usam todos as mesmas formas. Ela é mais bem definida como um grupo que

compartilha as mesmas normas a respeito da língua” (2008 [1972], p. 188). Ainda de acordo

com o autor, “os membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de

padrões normativos, mesmo quando encontramos variação altamente estratificada na fala

41

real” (LABOV, 2008 [1972], p. 225).

Assim, compreendemos que a formação de professores indígenas das escolas

localizadas em suas respectivas comunidades é, atualmente, um dos principais desafios e

também prioridades para a consolidação de uma educação escolar indígena ideal, em que os

princípios em destaque são o da diferença, do bilinguismo, da especificidade e da

interculturalidade.

Como bem colocou um dos sujeitos:

Aqui é, e sempre foi de opinião de todos, quando afirmamos que a escola indígenade qualidade só será possível no dia em que à sua frente estiverem profissionais deeducação indígenas, pertencentes às suas comunidades de origem. Em todas elas,sem exceção (Sujeito professor 3, 45 anos. Região de Tangará da Serra - MT).

Logo à primeira vista, pode-se dizer que essa é uma tarefa complexa que tem

encontrado soluções muito diferentes em várias partes do país, e para a qual não há um único

modelo a ser adotado, em razão da alta heterogeneidade e diversidade, de situações

sociolinguísticas, culturais, históricas e de formação e escolarização vividas por professores e

professoras indígenas de distintas comunidades.

Todos os sujeitos concordam que,

O processo de aprendizagem de uma língua, ao contrário da aquisição, depende deesforço, exercício, prática [...] que depende de nossas habilidades individuais e exigeempenho durante longo período […] (Sujeito professor 2, idade não declarada,Região de Maringá - PR).

A compreensão da necessidade de aprendizagem ocasiona demanda não só de

professores e professoras indígenas, mas também de outras pessoas de suas comunidades que

desejam alcançar uma educação qualificada, bilíngue, para suas crianças e jovens. Vale

ressaltar, nesse contexto, que nas escolas indígenas a maioria dos profissionais já é indígena,

contudo muitos não concluíram sua escolarização básica ou nem tiveram uma formação em

magistério. Embora, como vimos no Capítulo 2, esteja prevista na legislação que trata do

direito dos povos indígenas, ou seja, direito a uma educação intercultural diferenciada dos

demais segmentos da população brasileira. Essas questões foram normatizadas por meio do

Parecer 14/99 da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação e Resolução 3/99, gerada

no âmbito das mesmas discussões que ensejaram o Parecer.

De modo geral, os processos de formação são hoje conduzidos não só por

organizações, mas também por secretarias de educação estaduais, com o intuito de que haja a

possibilidade de que professores e professoras indígenas desenvolvam competências

42

profissionais que lhes permitam atuar, de forma responsável e crítica, nos contextos

sociolinguísticos e interculturais nos quais as escolas indígenas estão inseridas.

Outrossim, torna-se comum que, em muitas situações, caiba ao professor atuar na

mediação e diálogo entre sua comunidade e as demais, tanto indígenas quanto não indígenas,

e na sistematização e organização de novos saberes e práticas oriundas deste contato.

No contexto do 3º Grau Indígena, não tentam nos ensinar a ser índio, sabemos quemsomos e nem negar o direito de ser cidadão, ter acesso aos conhecimentos queachamos importantes para as futuras gerações de nossas comunidades, para aautonomia indígena. (Sujeito aluno 2, etnia Tapirapé, 24 anos. Região de SantaTerezinha – MT).

Dessa forma, cabe a tarefa de refletirmos de forma crítica sempre, buscando

estratégias que promovam a interação dos diversos tipos de conhecimentos que nos são

apresentados e se entrelaçam no processo escolar. Tanto os conhecimentos ditos universais, a

que todo estudante, indígena ou não, deve ter acesso, quanto os conhecimentos étnicos,

próprios de cada comunidade, de cada etnia, que, uma vez negados/proibidos, hoje assumem

uma postura cada vez mais crescente nos contextos escolares indígenas.

Com efeito,

[…] pegamos muito na produção de textos escritos, nos cursos, constituindoprestígio para autores indígenas que vão se tornando grandes conhecedores da área,e o são na verdade, empregando com competência crescente a linguagem escrita,formando sua individualização a partir de um instrumento socializado e já repleto decânones. E o prestígio de pessoas da comunidade, construído ao longo de uma vidainteira em saberem manejar o discurso oral, o domínio da oratória, o carisma emprender a atenção e a fantasia de ouvintes, a revelação de um aprendizado sofrido epermanente de uma vida inteira. (Sujeito professor 3, 45 anos. Região de Tangará daSerra - MT).

Todavia, é preciso salientar o fato de que essa é uma via de mão dupla, ao lado de

avanços significativos verificados no processo de qualificação profissional do professorado

indígena nos últimos anos, ainda existem muitos obstáculos para a execução dessas práticas.

Um obstáculo posto em comum pelos sujeitos professores entrevistados é o fato de

que muitas secretarias de educação ainda não se estruturaram para o trabalho com a educação

indígena, não contando com equipe qualificada para ações de formação profissional, nem com

recursos, e, muitas vezes, há falta de reconhecimento adequado.

Conforme a citação a seguir,

A falta de vontade política continua sendo o principal impedimento para que osdireitos conquistados na legislação se efetivem, transformando as escolas localizadasem terras indígenas, permitindo que novos caminhos sejam trilhados e

43

experimentados. (Sujeito professor 1, 42 anos. Região de Luciara - MT).

Contudo, a temática da formação ganha cada vez mais força na pauta de atuação do

movimento indígena no país, e, na contramão dessas dificuldades, professores, e comunidades

indígenas exercitam sua persistência e determinação.

Como podemos compreender abaixo,

os povos indígenas no país têm buscado uma instituição, uma escola que lhes sirvade instrumento para a construção de projetos autônomos de futuro, acesso aconhecimentos que possam ser necessários para um novo tipo de interação com omundo de fora da comunidade, existe uma riqueza imensa de conhecimentos que semantêm velados. Nesse processo, a escola/universidade ganhou relevância dentro domovimento indígena, e professores e professoras indígenas, organizados em umanova categoria de profissionais, têm hoje uma pauta própria de luta e reivindicações(Sujeito aluno 1, etnia Umutina, 27 anos. Margem direita do rio Paraguai – MT).

3.2 Trunfo sobre o modelo tradicional

Não é uma tarefa nada difícil tentar imaginar a complexidade na concepção, criação

e estabelecimento de uma escola indígena, principalmente porque em nosso meio social temos

maiores facilidades no que diz respeito a escolher modalidades, métodos ou abordagens

consideravelmente limitadas de ensino (em escolas privadas ou públicas, com orientação

pedagógica específica, ou com opções de ensino bilíngue, ou quem sabe até multilíngue) que

não passam, salvo algumas raras exceções, de inglês, francês, espanhol ou alemão. Nossas

escolas, nesse contexto, tornam-se mecanismos comuns de oferta e procura por um produto,

fomentado por uma equipe de profissionais e especialistas que, apenas em raras ocasiões,

criaram essas escolas com a participação da clientela a ser atendida.

A escola indígena, pelo contrário, não existe em modelo selecionado à “escolha do

freguês”, principalmente pelo fato de estar sendo construída pela comunidade que dela vai

fazer uso, sob a regência de professores indígenas (muitas vezes ainda não formados pelo

magistério convencional), e raras vezes constituída por uma assessoria de especialistas. Isso

se dá pelo fato de que tais profissionais são muitas vezes motivados pelo anseio de dominar o

“instrumento da dominação”, ou seja, a palavra escrita, e também pelo desafio pessoal de

enfrentar, diante da falta de oportunidades, os serviços da educação escolar para usufruto das

comunidades indígenas. O grande ensejo é conhecer o ‘mundo do branco’: os códigos, os

valores. É preciso dar condições para que se estabeleça esse contato de forma positiva e

enriquecedora (GRUPIONI, 2000).

Sobre o contato linguístico,

44

eu optei por fazer na parte da linguagem porque na minha comunidade já tá entrandoum monte de empréstimos, empréstimos linguísticos, e eu pensei, não, temos quetrabalhar mais na manutenção, eu tenho que fazer a linguagem, porque nós temos nacomunidade professores formados em ciências, ciências sociais, matemática, e nãotem da língua. Por que não tem formado em língua se a língua é mais importante pranós? (Sujeito aluno 2, etnia Tapirapé, 24 anos. Região de Santa Terezinha – MT).

Para o corpo discente e suas comunidades, a lei da oferta e da demanda não é em

absoluto o foco em questão, a menos nos casos em que alguns membros da comunidade

optam por frequentar escolas públicas nas cidades, para onde se deslocam indivíduos

indígenas patrocinados muitas vezes pela FUNAI, ou quando próximo às comunidades

existem centros missionários e os membros das famílias se dispõem a acompanhar seus filhos

a essas instalações para iniciarem e/ou concluírem seus estudos.

Por sua vez, o grande trunfo da escola indígena é não ter uma institucionalidade em

si. Os estudantes desse modelo, assim, acabam por dar pesos e medidas para moldar o que

seria um “método” capaz de responder a demandas pontuais baseadas em projetos e ambições

específicas das distintas comunidades.

Por muitos considerada uma fragilidade da escola indígena, essas conclusões que

surgem e os resultados que se podem apreender em nossa pesquisa, no entanto, mostram a

constituição de uma identidade peculiar que se estampa às escolas de diferentes etnias

indígenas.

Nas palavras de um dos sujeitos, podemos ver como se dá parte do processo:

Nessa proposta de educação incentiva-se a relação entre ensinar e ser pesquisador,rompendo com a prática escolar da reprodução de conhecimentos presentes naeducação brasileira de um modo geral. Em um processo educacional voltado para arealidade sociocultural de cada povo, a aprendizagem estará intimamenterelacionada com a produção do conhecimento. A investigação abrirá caminho para acriação de espaços de comunicação e troca de experiências [...] essa integração entreensino e pesquisa possibilita afastar-se do lugar comum da sala de aula, ondegeralmente acontecem as atividades didático-pedagógicas, e proporciona abertura denovas fronteiras pedagógicas (Sujeito professor 2, idade não declarada, Região deMaringá- PR).

Um dos grandes apoios para a especificidade desse modo de se pensar a escola é que

cada povo envolvido no processo pode criar e construir seu próprio modelo a partir da

reflexão de seus projetos de futuro.

É nesse contexto que se elabora o Projeto Político Pedagógico (PPP), fio condutor

para a construção do currículo. Cada PPP, assim, é construído a partir de diferentes

abordagens, de acordo com o que cada escola e comunidade queiram se apropriar. Como

exemplificação, uma etnia pode optar por uma escola radicalmente refratária ao uso da língua

45

portuguesa durante os anos de desenvolvimento da fala, mantendo somente a língua materna

no contato com o ensino escolar, e outra pode optar por uma escola eminentemente técnica,

voltada para a formação de indivíduos indígenas aptos a atuar de forma semelhante dentro e

fora de suas comunidades, por meio dos instrumentos de conhecimento da sociedade

majoritária.

Dessa forma,

apesar dos avanços conquistados nos últimos anos pelos povos indígenas em termosdo direito a uma educação intercultural, muito ainda precisa ser construído emtermos de prática dentro de sala de aula, de formação, de produção de materiais paraque as escolas em terras indígenas ofereçam uma educação diferenciada dequalidade e que valorize a língua e os conhecimentos tradicionais dos povosindígenas, é necessária uma maior liberdade para que cada etnia possa ensinar suascrianças a sua maneira, não adianta todas seguirem o modelo que se adequa asomente uma (Sujeito professor 2, idade não declarada, Região de Maringá- PR).

Embora algo difícil de conceber à primeira vista, o maior desafio não é a construção

do PPP, mas fazer com que seja aceito legalmente pelos poderes competentes. Vale ressaltar,

contudo, que escolas indígenas e não indígenas têm a mesma legitimidade e podem optar, por

exemplo, por revisar propostas, questionar cânones selecionados, ou simplesmente adotar os

modelos mais convencionais, no caso das indígenas, sem precisar abdicar de funcionar em

terra indígena. O ponto mais importante é cada povo saber por que razão quer uma escola e

como se servirá dela.

nunca é demais dizer que uma parte da educação escolar indígena deve serconstrução dos próprios professores indígenas, da criatividade, da autonomia doprofessor índio. É incrivelmente complicado pensar em modelos prontos para seremutilizados pelos professores das escolas indígenas, como acontece muito nas escolasdos não indígenas. A pedagogia indígena deve ser resultado da vivência, da reflexãodos próprios professores, da troca de experiências, da construção coletiva, dapresença dos anciãos e das relações socioculturais presentes em cada etnia (Sujeitoprofessor 1, 42 anos. Região de Luciara - MT).

Por hora, conforme visto no Capítulo 2, o documento Referencial Curricular

Nacional para as Escolas Indígenas, divulgado em 1998, é onde podemos de forma mais

sistematizada ter acesso a práticas e discussões teóricas mais gerais sobre educação escolar

indígena, bem como visualizar as produções sobre experiências espalhadas pelo país (artigos,

relatos de experiência).

Nesse sentido, é possível afirmar que nosso lócus de pesquisa, a Universidade do

Estado de Mato Grosso (Câmpus de Barra do Bugres, MT), contribui de forma significativa

para a ampliação dessas produções, com a coleção intitulada Cadernos de Educação Escolar

Indígena, na qual a experiência, inédita no Brasil, da criação de uma faculdade indígena é

46

relatada por professores e pesquisadores responsáveis pela condução do Projeto de Formação

de Professores Indígenas – 3º Grau Indígena.

3.3 Abismo entre o real e o desejável

As escolas indígenas, como visto acima, diferem-se, empiricamente, das demais

escolas por, geralmente, criarem subsistemas mais específicos de ensino indígena, sempre

levando em consideração as discussões próprias que os povos indígenas vêm fazendo em suas

respectivas comunidades atuantes.

Uma das coisas que fica difícil essa construção é a dinâmica das própriascomunidades, que estão em constante movimento, transformando ou dando novaforma às nossas práticas culturais, políticas e sociais numa velocidade muito grande,o que funciona hoje na educação amanhã pode já não mais fazer sentido, precisa serrevisto […] o que funciona para um povo, para outro já não dá, não é de acordocom a sua demanda [...] esse movimento, e eu aprendi que essa diversidade deconhecimentos, tecnologias e práticas sociais mesmo, em que a gente está inserido,estão sendo inseridas todos os dias, se constitui em um dos elementos dificultadoresda implementação de uma educação específica […] (Sujeito aluno 5, 34 anos, etniaKuikuru. Região oriental da bacia hidrográfica dos formadores do rio Xingu).

Um ponto em comum nas discussões com os sujeitos alunos desta pesquisa é sobre

os obstáculos encontrados quando vão iniciar a docência nas escolas de suas comunidades e

os já existentes obstáculos administrativos, que esbarram, também, nos empecilhos políticos.

Querendo ou não, ainda estamos pisando em solo pouco estável, quando falamos a

respeito de uma população minoritária, não necessariamente eleitora, passível de uma

multiplicidade de processos e procedimentos, variando de acordo com as aspirações da

comunidade que se beneficiará do serviço escolar.

No entanto, conforme apresentado no capítulo anterior, não é de hoje que tais

vulnerabilidades vêm sendo discutidas em âmbito nacional. Mais recentemente, desde que a

nova LDB (1996) foi promulgada, em cada estado ou município, professores e lideranças

precisam definir a instância, ou o sistema de ensino ao qual as escolas indígenas devem estar

subordinadas. O debate conduz à constituição de um sistema educacional, exclusivo para a

educação indígena, mas que demandaria um desgastante processo de revisão da legislação.

Em todo o Brasil, porém, as escolas indígenas apresentam diferentes situações de

reconhecimento e, apesar da institucionalidade garantida pela Resolução nº 3/99, são

pouquíssimas as que já foram reconhecidas.

Como bem ressalta o sujeito aluno 4,

47

elas ainda são, em grande parte, escolas rurais ou salas de extensão de escolasurbanas, seguindo calendários e currículos desses lugares. O reconhecimento dasescolas e autonomia no sistema de ensino é o mínimo que queremos para arealização da educação escolar indígena diferenciada. E precisa ser feito […](Sujeito aluno 4, etnia Paresi, 37 anos. Região de Tangará da Serra - MT).

A aluna docente, nesse excerto, afirma que as comunidades devem ser incentivadas a

participar mais nas escolas, em todos os momentos, desde a sua implementação até a

discussão de conteúdo a serem abordados, organização, metodologias de ensino e

aprendizagem e calendário escolar. Apontamentos esses que seriam importantes não somente

para as escolas indígenas, mas para todas as escolas, sejam rurais ou não indígenas.

Atualmente, contudo, já é oportunizado às escolas indígenas que o calendário seja

específico, podendo ser organizado por módulos de aulas letivas, de acordo com as atividades

produtivas tradicionais de cada povo e região. Assim, não só a língua de instrução escolar que

deve ser diferente, mas toda a organização da escola também.

Segundo o sujeito professor 2,

Nisso, reside outra fragilidade, já que, além de não se poder assegurar asustentabilidade política, o apoio financeiro vem, em sua maioria, da cooperaçãointernacional. É preciso dizer que o Estado terá que investir muito em pesquisaslinguísticas e de registro dos conhecimentos tradicionais, pesquisas onde essesconhecimentos dialogam com aqueles tradicionais das escolas, ditos ocidentais.Portanto, tal investimento terá que ser diferenciado também, isto é, não só as escolasse estruturam de forma específica, mas o Estado também deverá atender às escolasde maneira específica e diferenciada […] (Sujeito professor 2, idade não declarada,Região de Maringá- PR).

A formação específica do professorado indígena é, hoje, portanto, não somente uma

reivindicação por si só feita pelas comunidades que se inserem nesse contexto, mas agora,

também, um direito previsto em lei. No entanto, a educação diferenciada e de qualidade só

será efetivada se as próprias comunidades assumirem a docência das escolas, fazendo valer a

conquista legal. Para tanto, professores precisam de programas de formação que lhes

permitam concluir a escolarização básica, ao mesmo tempo em que recebam formação

específica para o magistério intercultural. De tempos para cá, por sua vez, por todo o território

nacional, diferentes experiências têm surgido no que diz respeito à formação profissional

indígena em educação.

Como exemplificação, as atuações do governo federal em parcerias com

universidades para a criação de cursos, juntamente com secretarias estaduais de educação.

Destaca-se, também, em Mato Grosso a atuação da Secretaria de Estado de Educação

48

(SEDUC), que criou, em 1998, o projeto dos Centros de Formação e Atualização dos

Profissionais da Educação Básica (CEFAPROS), que assumem, juntamente com a SEDUC, a

responsabilidade pelo desenvolvimento de determinadas propostas de formação inicial e de

outras tantas de formação continuada dos profissionais da educação, dentre elas a indígena,

estabelecendo parâmetros para a adequação destas à realidade do Estado, dadas suas

especificidades regionais.

Pela Resolução nº 3/99 do Conselho Nacional de Educação, fica ao encargo dos

estados a formação inicial, o ensino superior, a formação continuada do professorado

indígena, bem como instituir e regulamentar a profissionalização e o reconhecimento público

do magistério indígena. Com o aumento dos programas de formação e capacitação, espera-se

que, consequentemente, haja um aumento da oferta da educação escolar voltada às

comunidades indígenas. O que torna ainda mais necessária uma formação profissional com

maior amplitude, materiais didáticos apropriados, próprios para o ensino nas línguas

maternas, calendários adaptados às atividades econômicas e rituais das comunidades, o que

deverá contribuir para a melhoria do ensino e da aprendizagem em distintos contextos.

3.4 Na ponta da língua

Consolidando o quadro supracitado, um novo documento começou a chegar nas

escolas indígenas de todo o país: o Referencial Curricular Nacional para as Escolas

Indígenas (RCNEI, 1998), documento indutor e orientador de novas práticas, que contou com

a participação de especialistas, técnicos e professores índios em sua formulação.

Trata-se de um longo e detalhado documento em que se apresentam considerações

gerais sobre a educação escolar indígena, quer através das fundamentações histórica, jurídica,

antropológica e pedagógica que sustentam a proposta de uma escola indígena que seja

intercultural, bilíngue e diferenciada, quer através de sugestões de trabalho, por áreas do

conhecimento, que permitam a construção de um currículo específico e próximo da realidade

vivida por cada comunidade indígena, na perspectiva da integração de seus etno

conhecimentos com conhecimentos universais selecionados. Conforme o documento, o aluno

indígena deve se tornar capaz de:

• Compreender que o uso da linguagem verbal é um meio de comunicação e demanifestação dos pensamentos e sentimentos das pessoas e dos povos;• Reconhecer e valorizar a diversidade lingüística existente no país;• Usar a(s) língua(s) do seu repertório lingüístico para expressar-se oralmente, deforma eficiente e adequada às diferentes situações e contextos comunicativos;• Ser leitor e escritor competente na(s) língua(s) onde essas competências for(em)julgada(s) necessária(s) e relevante(s). (RCNEI, 1998, p. 130).

49

Para que isto de fato ocorra será preciso qualificação profissional dos agentes

educacionais e abertura dos rígidos esquemas administrativos das secretarias de educação, de

modo que se possam construir novos canais de interlocução em que as comunidades indígenas

tenham papel ativo na definição do projeto político pedagógico de suas escolas.

Nesse contexto, vale ressaltar que a língua é o mais forte traço cultural que identifica

um povo. Tudo o que uma cultura possui se expressa através da língua.

Teixeira salienta que,

Com relação às línguas, sabe-se hoje que quando elas deixam de ser faladas pelascrianças como primeira língua é um pouco como os animais e as plantas que perdemsua capacidade de reprodução. Para evitar esse processo de perda que, sem dúvida, éum processo de empobrecimento (científico, biológico, cultural e social), é precisouma política educacional que efetivamente reconheça a diversidade, em todos oscampos, não como um problema, mas como um enriquecimento. É preciso umapolítica educacional que reconheça que é no conjunto das diferenças queencontramos nossa própria identidade (TEIXEIRA, 1995, p. 310).

Quando a escola foi implantada em áreas indígenas, por iniciativa dos missionários

jesuítas, na segunda metade do século XVI, centrada na catequese, eles ignoraram as

instituições educativas indígenas e executaram uma política destinada a desarticular a

identidade das etnias; a tradição oral, as línguas, a arte e a sabedoria dos povos e suas

comunidades foram discriminadas e banidas da sala de aula. A função da escola era fazer com

que estudantes indígenas suprimissem suas culturas e deixassem de ser indivíduos indígenas.

Os processos de aprendizagem adotados até então por centenas de povos que aqui viviam

foram desqualificados pelo colonizador, que ignorou as concepções pedagógicas indígenas,

não admitindo sequer a possibilidade de índios e índias terem sido capazes de construir, ao

longo do tempo, um discurso sobre suas próprias práticas educativas. A história nos mostra,

assim, que a escola, inicialmente, serviu de instrumento de execução, que contribuiu para a

extinção de mais de mil línguas.

A reforma educacional pombalina culminou com a expulsão dos jesuítas

precisamente das colônias portuguesas, tirando o comando da educação das mãos destes e

passando para as mãos do Estado. Os objetivos que conduziram a administração pombalina a

tal reforma, foram assim, um imperativo da própria circunstância histórica. Extintos os

colégios jesuítas, o governo não poderia deixar de suprir a enorme lacuna que se abria na vida

educacional tanto portuguesa como de suas colônias. Para o Brasil, a expulsão dos jesuítas

significou, entre outras coisas, a destruição do único sistema de ensino existente no país. Para

Fernando de Azevedo, foi “a primeira grande e desastrosa reforma de ensino no Brasil”.

50

O processo de ‘civilizar’ os índios consistia em tirá-los ainda pequenos de seus pais

para afastá-los do que se chamava de “quase congênitos vícios” e para que esquecessem a

língua materna. (FLEXOR, 2001).

Com base nessa política integracionista, as ações programadas em diversas aldeias

tiveram um forte componente de irracionalidade: tentou-se exigir dos índios que

desenvolvessem duas habilidades linguísticas em português – ler e escrever –, língua na qual

não dominavam as outras duas habilidades – entender e falar –, que constituem requisitos para

a alfabetização. Tecnicamente, houve retrocesso em relação às práticas dos jesuítas, que, antes

de alfabetizar em português – o que foi realizado de forma seletiva –, tratavam de fazer com

que os povos indígenas aprendessem a falar essa língua.

Por sua vez, conforme aponta Grupioni,

Impondo-se por meio de diferentes modelos e formas, cumprindo objetivos efunções diversas, a escola esteve presente ao longo de toda a história derelacionamento dos povos indígenas com representantes do poder colonial e,posteriormente, com representantes do Estado-nação (GRUPIONI, 2006, p. 43).

Mais recentemente, contudo, esse cenário tem se modificado. Como já visto nessa

pesquisa, a diversidade e riqueza linguísticas representadas pelos povos indígenas são

gigantescas, e não podem ser ignoradas, mas sim reconhecidas, pensadas, avaliadas em todas

as suas dimensões. Nesse sentido, vale lembrar as palavras de Gadotti (2000, p. 10): “Os

educadores não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas

também formam pessoas. [...] Por isso eles são imprescindíveis”. Mas, para (in)formar, o

professor precisa, antes, conhecer, para poder propiciar condições para que o aluno saiba

“refletir sobre os fenômenos da linguagem, particularmente os que tocam a questão da

variedade linguística, combatendo a estigmatização, discriminação e preconceitos relativos ao

uso da língua” (BRASIL, 1998, p. 59). Para tanto, o professor precisa, obviamente, saber

fazer isso, mas não de forma superficial, seguindo o senso comum, e, sim, com embasamento

científico e domínio conceitual.

Apesar de haver uma retórica a favor da manutenção e valorização da diversidade

linguística entre pedagogos, professores e linguistas que atuam junto às comunidades

indígenas, na nossa prática, percebemos ainda uma dificuldade para que esta diversidade e

riquezas culturais sejam levadas a sério pela sociedade brasileira como um todo.

A valorização da diversidade deve vir acompanhada pela valorização do aluno como

ser pensante e capaz de avaliar e decidir sobre importantes questões que envolvem de forma

51

direta o estudo da língua, como, por exemplo, sobre a ortografia de sua língua indígena. Isso

se dá na relação professor/aluno, que deve estimular a dignificação da língua materna, a

participação e o debate.

Procuramos experimentar uma metodologia de ensino que trate seriamente oconhecimento, no nosso caso, principalmente o conhecimento linguístico, e queevite, conscientemente, toda forma de paternalismo. Na nossa experiência, osmomentos mais gratificantes, nos cursos de formação de professores, forammomentos em que falamos como linguistas, e nossos alunos, uma vez despidos detimidez, sentido de inferioridade etc., sentiram-se capazes de fazer de suas línguasum objeto de reflexão e de estudo, deslanchando processos de descobertas, comreflexos positivos de longo alcance […] (Sujeito professor 4, idade não declarada,Região de Rondonópolis – MT).

A língua, assim, pode e deve ser estudada pelos próprios falantes, que a carregam

consigo a todo o momento, para que descubram as regularidades que estão nela contidas.

Sobre o assunto Alkmim traz que:

Se as línguas naturais humanas consistem em sistemas organizados de forma econteúdo, seria estranho que a variação não fosse uma de suas propriedades maismarcantes e significativas. Na realidade, a diversidade é uma propriedade funcionale inerente aos sistemas linguísticos e o papel da sociolinguística é exatamenteenfocá-la como objeto de estudo, em suas determinações linguísticas e nãolinguísticas (ALKMIM, 2001, p. 55).

Poucas foram as aulas observadas (duas de Linguagem e uma aula de Pedagogia,

durante um período matutino), mas o que foi percebido foi a importância da discussão no que

diz respeito à concepção de linguagem/línguas, chamando a atenção do aluno sobre a

coexistência não aleatória entre o universal e o particular, entre o consciente e o inconsciente,

entre o saber implícito e o saber normatizado. Com o intuito de provocar e despertar o falante

para a sua própria capacidade enquanto pesquisador e produtor de conhecimento, bem como,

estimular o desmantelamento da ideia de que existe apenas uma única forma “certa” de falar,

o que leva à compreensão de que línguas de tradição oral seriam “inferiores”.

Além disso, o ensino da Língua Portuguesa é uma reivindicação dos alunos, que

sentem a necessidade de se comunicar com a sociedade envolvente na sua busca pela

cidadania. Visto que:

Além da falta de familiaridade com o mundo da escrita, o que é natural em culturasde tradição oral, os alunos do 3º Grau Indígena apresentam dificuldades relacionadasao fato de serem falantes do Português como segunda língua [...] (Sujeito professor4, idade não declarada, Região de Rondonópolis – MT).

O currículo, dessa forma, procura trabalhar as dificuldades que surgem ao longo do

processo, no uso da língua portuguesa, como típicas de qualquer aprendizado de segunda

52

língua. O professor, nesse contexto, buscou obter a participação ativa dos alunos na

construção dos conceitos e em sua formulação nas diferentes línguas.

Eles estão sempre prontos a dar novos exemplos e a propor detalhamentosextremamente criativos, o que torna o momento do encontro entre o profissional dalinguagem e o professor indígena uma experiência verdadeiramente fascinante.(Sujeito professor 3, 45 anos. Região de Tangará da Serra - MT).

A valorização das línguas indígenas nesse ambiente universitário é de grande

importância para as populações indígenas que, por assim dizer, há muito tempo têm passado

por tipos diferentes de exclusão, dentre elas a linguística. Ainda sofrem as consequências do

preconceito de quem, por exemplo, afirma e reafirma que suas línguas são “gírias” ou

“dialetos primitivos”, manejados por “ignorantes” que cumprem “civilizar”, como se ouviu de

professores atuando em cidades próximas às aldeias, segundo depoimentos dos sujeitos

alunos. Manifestações de preconceito que, se não foram elaboradas no ambiente escolar,

deixaram, no mínimo, de ser corrigidas por ele.

do nosso ponto de vista, uma coisa boa na formação de professores - indígenas ounão - para atuar na nossa área, na área de linguagem deve ser desenvolver, desde oinício, a compreensão do conhecimento que o falante já tem com eles, sabe? Nãotendo mudança nos conceitos que ainda produzem efeitos na educação escolar, ondeos frutos do trabalho científico têm chegado na minha opinião com atraso […](Sujeito aluno 4, etnia Paresi, 37 anos. Região de Tangará da Serra – MT).

Dentre os resultados apreendidos, durante a nossa pesquisa, destaca-se que o domínio

da norma padrão é entendido, pelos alunos indígenas, como uma forma eficaz de se conseguir

o respeito da sociedade envolvente, não só para poder falar e ser compreendido, mas para que

possam alcançar a cidadania plena. Dessa forma, entendemos que “o problema do preconceito

disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como

parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença” (BRASIL,

1997, p. 26).

Por isso, o currículo do curso de Línguas, Artes e Literatura foi modificado para

incluir um tratamento especial não só à diversidade linguística apresentada pelos alunos, mas

também às distintas variedades que surgem dos contatos linguísticos, para, fundamentalmente,

mostrar a eles que o português, em sua variedade culta, não é superior às suas línguas, mas

apenas uma variante que tem maior prestígio social na sociedade brasileira.

Conforme afirma o sujeito professor 4,

Eles acabam percebendo o quê? Que, apesar deles falarem, sim, o Português, o

53

“seu” Português falado é criticado por não parecer, não se adequar à norma culta. Ocurso procurou esclarecer esta questão ao deixar bem claro que: (1) o Português queé falado por eles é uma variante diferente do Português padrão; (2) que o Portuguêspadrão não é um bicho, é só uma variante criada a partir das normas da escrita dalíngua; (3) nenhuma é melhor ou pior do que outra, do ponto de vista linguístico,todas têm regras e regularidades, só que as únicas regras que são valorizadas pelasociedade são as regras do Português padrão, infelizmente. (Sujeito professor 4,idade não declarada, Região de Rondonópolis – MT).

A dimensão da diversidade linguística é frequentemente mencionada na formação de

professores indígenas. Sua importância quanto à conscientização e descrição das línguas

brasileiras, tendo, portanto, neste lugar, uma importância singular.

O que torna também fundamental a observação de fenômenos linguísticos referentes

às suas línguas nativas e uma maior atenção ao aprendizado do Português, para que se

conscientizem de sua própria riqueza cultural e linguística e participem ativamente em sua

manutenção.

Esta porta nos traz mais um ar de esperança e por que não vida, é uma chance depodermos sobreviver nos dias atuais, de podermos mudar a nossa história, sem quenossos filhos percam sua origem, cultura e língua, é muito triste ver toda umatradição morrer sem nem poder fazer nada sobre isso […] (Sujeito aluno 3, etniaMunduruku, 31 anos. Região de Alto Tapajós – PA).

A educação, como vimos ao longo do desenvolvimento desse trabalho, não pode

ignorar as diferenças sociolinguísticas. Alunos e professores devem estar cientes de que

existem duas ou mais maneiras de se dizer uma mesma coisa. Deve-se incentivar, dessa

forma, o emprego criativo e competente da/s língua/s. Tal postura no trato das diferenças

socioculturais e linguísticas precisa ser um compromisso dos professores.

Como Görski e Coelho afirmam,

Nessa direção uma das primeiras tarefas do professor seria reconhecer a realidadesociolinguística da sala de aula e da comunidade onde está atuando, observando, porexemplo, se há mescla de dialetos evidente entre os alunos, seja dialetos regionais(rural/urbano; nortista/sulista, por exemplo), seja sociais (maior ou menor domínioda norma culta em decorrência de fatores sociais como o nível socioeconômico dafamília, por exemplo). É importante trabalhar explicitamente com essa realidade dasala de aula, enfatizando a questão da heterogeneidade linguística, comparando asvariedades e combatendo preconceitos entre os próprios alunos. Fazer da sala deaula um ‘laboratório de linguagem’ e atribuir aos alunos o papel de ‘investigadoreslinguísticos’ pode ser uma boa estratégia metodológica para que o ensino degramática seja significativo e instigante (GÖRSKI; COELHO, 2009, p. 84).

Compreendemos, assim, que os postulados da Sociolinguística Variacionista,

articulados aos que propõem as leis governamentais, muito têm contribuído para reflexões e o

aprimoramento da educação diferenciada indígena, assim como as suas necessidades

54

didáticas. Estas, como vimos, partem de competências sociolinguísticas em situações reais de

uso da língua ou de manifestações culturais.

Logo, como afirma Bagno:

a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança deatitude. Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da própria auto-estima linguística: recusar com veemência os velhos argumentos que visemmenosprezar o saber linguístico individual de cada um de nós. Temos de nos imporcomo falantes competentes de nossa língua materna (BAGNO, 2004, p. 115).

Concluímos, assim, que o estudo da língua e da heterogeneidade, tal como propõe a

Sociolinguística Variacionista, nos possibilita em muito o entendimento das diferenças

linguísticas condicionadas por diferentes elementos sociais, históricos, culturais, geográficos,

entre outros.

Desta forma, passamos a defender que a Sociolinguística Variacionista permite ao

professor interferir positivamente na compreensão da natureza da variação linguística,

esperando-se, assim, tanto do aluno quanto do professor uma postura respeitosa no trato das

diferenças sociolinguísticas, da valorização da pluralidade sociocultural e da consciência

acerca da avaliação social das variantes. É preciso ter, para tanto, um embasamento teórico

consistente acerca da linguagem em seu funcionamento social para podermos atuar, de forma

competente, na orientação da aprendizagem e na formação contínua do aluno cidadão. Eis o

ganho que os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista podem

trazer para a sala de aula.

55

CONCLUSÃO

Reconhece-se que longo foi o percurso realizado pelo ensino diferenciado voltado

para as comunidades indígenas até o início da sua inclusão no âmbito escolar. No entanto, há

ainda a necessidade de introduzir uma nova metodologia ao ensino diferenciado existente,

focando-se, principalmente, na prática docente. Para tanto, faz-se necessário lançar um olhar

sobre a relação entre linguagem e fala presentes na realidade dos alunos indígenas, e,

sobretudo, as estratégias que incorporem a prática de ensino da variação linguística na sala de

aula. Nesse sentido, a Teoria da Variação pode fornecer elementos teóricos que auxiliem na

compreensão de fenômenos variáveis existentes na língua. Vale destacar, como pioneira no

uso dessas estratégias, a atuação do 3º Grau Indígena e seu trabalho feito no ensino da Língua

Portuguesa sem desprestigiar as línguas maternas indígenas.

Outro fato que vimos é que o ensino de línguas está vinculado a práticas políticas, e,

sendo assim, está associado a determinados interesses de órgãos oficiais do governo

responsáveis em orientar a política pública na área da educação.

Foi possível, também, no desenvolvimento desta pesquisa, averiguar e constatar que,

de fato, as etapas presenciais, ministradas na Faculdade Indígena contribuem e muito, não

somente para a formação, mas também para a manutenção da língua dos povos indígenas que

lá recebem qualificação. Garantindo aos índios, às suas comunidades e povos, acesso às

informações, conhecimentos técnicos e científicos das sociedades indígenas e não indígenas,

sempre apontando à importância da preservação e revitalização não só da língua, mas também

das características históricas, culturais e sociais das comunidades indígenas.

Vale destacar a importância da Sociolinguística neste estudo, por constituir um

modelo de análise para compreender-se o contraste que há entre as diferentes variedades não

só existentes nos distintos falares das comunidades indígenas existentes em Mato Grosso, mas

também na própria língua portuguesa, tão rica em variações tanto diatópicas quanto

diastráticas11. Essa compreensão, a partir dos resultados de análise, pode fornecer elementos

que possibilitem a escola desenvolver o ensino da linguagem pautado dentro da realidade

linguística de cada comunidade. Para o contexto indígena, em especial, essa forma de ensino

pode auxiliar na recuperação de suas memórias históricas, na reafirmação de suas identidades

1 1 É a variação diatópica, também conhecida por regional ou, ainda, geográfica, a responsável porpodermos identificar, às vezes com bastante precisão, a origem de uma pessoa através do modo como elafala. Da mesma forma que a fala pode carregar marcas de diferentes regiões, também pode refletir diferentescaracterísticas sociais dos falantes. A essa propriedade dá-se o nome de variação social ou diastrática. Osprincipais fatores sociais que condicionam a variação linguística são o grau de escolaridade, o nívelsocioeconômico, o sexo/gênero, a faixa etária e mesmo a profissão dos falantes.

56

étnicas e na valorização de suas línguas e ciências.

Dessa forma, o espaço escolar indígena, antes associado aos interesses e domínio do

colonizador, passa agora a ser identificado como um lugar de convívio de diferentes saberes.

Assim como nas universidades, que vêm cumprindo o seu papel para com a sociedade,

levando ao conhecimento de seus alunos e futuros professores a realidade de distintas

comunidades linguísticas, dentre elas as indígenas, muitas vezes tão próximas de nós e, ao

mesmo tempo, tão distantes, dado o desconhecimento que temos dada a desvalorização da

língua e da cultura e dada uma série de crenças e mitos que nos foram inculcados pelas

gerações que nos antecederam e pelas escolas que frequentamos, torna-se, entre os usuários da

língua, um lugar onde se faz possível reconhecer as diferentes formas de participação nas

comunidades de linguagem, a realização de trocas linguísticas em esferas formais e informais

de uso para que se faça a contagem dos ‘incontados’ no mundo.

O conhecimento e o reconhecimento de diferentes variedades linguísticas não só

auxiliam na compreensão dos fenômenos variáveis existentes em uma dada língua, mas

também possibilitam a produção de material didático e pedagógico para ser utilizado no

ensino, na alfabetização e, consequentemente, na manutenção de uma língua, assim como se

faz importante compreender e refletir sobre os acréscimos e supressões ocasionados pelas

línguas em contato. Reitera-se, então, uma vez mais, que o ensino realizado sob a perspectiva

da Teoria da Variação pode demonstrar que a língua é uma parte de uma coletividade (povo,

nação, minoria...), e que essa está sujeita às mais diferentes relações existentes. Daí, as línguas

não podem ser tomadas como blocos homogêneos que agrupamentos compartilham

socialmente.

Em consonância com as pesquisas sociolinguísticas compreendemos que o falante

usa sempre uma língua como sistema de possibilidades para dizer algo, utilizando-se de

diversos modos para se referir a um mesmo signo. Dentre esses modos encontram-se,

também, empréstimos linguísticos. A escola, como instituição social que medeia

conhecimentos, pode e deve oportunizar ao alunado o uso da língua em diferentes

modalidades. O ensino, dessa forma, constitui-se em uma prática social, sendo assim,

imprescindível que os professores incorporem ao seu campo de trabalho as noções

apresentadas pela Sociolinguística em seu arcabouço teórico-metodológico.

O meio escolar, ao receber as contribuições oriundas do campo dos estudos

sociolinguísticos, por sua vez, poderá demonstrar que as diferentes circunstâncias sociais

podem evidenciar diferentes comportamentos de usos linguísticos dos sujeitos, mostrando,

dessa maneira, processos de variação e contatos linguísticos existentes nas línguas maternas.

57

Então, entende-se que deve haver espaço na escola para o ensino que contemple as diferentes

variedades, aliado ao estudo da norma padrão da língua, bem como, permitir o ensino

bilíngue, ou multilíngue, conforme os interesses e necessidades das distintas comunidades

linguísticas.

Reconhece-se, assim, que os resultados obtidos em nossa pesquisa mostram a

importância da realização de estudos dessa natureza, fundamentalmente por estarem

alicerçados à Teoria da Variação (LABOV, 1966), e, sobretudo, por demonstrarem que o uso

linguístico está vinculado às pressões internas e externas, e, ainda, que as mudanças que

ocorrem no ensino estão sempre atreladas a decisões políticas.

Para concluir, cabe ressaltar o desejo das comunidades indígenas de serem

conhecidas e valorizadas em seu próprio país, assim como desejam o reconhecimento e a

valorização de sua escola por todos os segmentos educacionais, sejam municipais, estaduais e

nacionais.

Pretendemos, no futuro, aprofundar esta pesquisa, para que seja possível averiguar

com maior solidez os resultados aqui alcançados e apresentados. Dentre eles compreender

como acontece, entre os grupos étnicos representados na sala de aula, os contatos e as novas

aquisições linguísticas que são processadas nos distintos falares. Dessa forma, espera-se que

os resultados desta e de pesquisas posteriores possam colaborar na confecção de materiais

didáticos a serem elaborados, ulteriormente, pelos professores estudantes, para as escolas

indígenas, no decorrer dos trabalhos interdisciplinares do 3º Grau Indígena.

58

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ANEXOS

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Fonte: acervo pessoal. Faculdade Indígena Intercultural — UNEMAT - Câmpus de Barra do Bugres.Jan./2015.

Fonte: acervo pessoal. Faculdade Indígena Intercultural — UNEMAT - Câmpus de Barra do Bugres.Jan./2015.

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Fonte: acervo pessoal. Faculdade Indígena Intercultural — UNEMAT - Câmpus de Barra do Bugres.Jan/2015.

Fonte: acervo pessoal. Faculdade Indígena Intercultural — UNEMAT - Câmpus de Barra do Bugres.Jan./2015.

66

Fonte: acervo pessoal. Faculdade Indígena Intercultural — UNEMAT - Câmpus de Barra do Bugres.Jan/2015.

67

Fonte: acervo pessoal. Faculdade Indígena Intercultural — UNEMAT - Câmpus de Barra do Bugres.Jan./2015.

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