O Paradoxo Amoroso - Gazeta do Povo

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CADERNO Editor responsável : Paulo Camargo [email protected] GAZETA DO POVO Segunda-feira, 11 de abril de 2011 Ilustração: Felipe Lima DANÇA UCI exibe o balé Giselle em 3D A rede UCI Cinemas traz com exclusivi- dade para o Brasil o balé Giselle em 3D, do Teatro de Marrinsky de São Petersburgo, na Rússia. Com apresentações agendadas para os dias 29 (às 21h) e 30 de abril, 1°, 8 e 9 de maio, às 17h, os cinemas UCI Estação e UCI Palladium abriu a venda antecipada de ingressos, já disponível, a R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). Eles podem ser comprados na bilheteria dos cinemas, nos terminais de auto-atendimento ou pelo site www.ucicinemas.com.br. SERVIÇO Na internet: www.ucicinemas.com.br LITERATURA Amor acaba? LIVROS Além do texto de Bruckner, experimente ler O Mal-Estar na Civilização, de Freud (Obras Completas, Volume 18, Companhia das Letras), na tradução fluida de Paulo César de Souza. Amar o Que É: um Casamento Transformado (Objetiva), de Alix Kates Shulman, é um doloroso livro de memórias sobre a velhice ao lado do marido debilitado. O romance Liberdade, de Jonathan Franzen, sai no Brasil em junho, pela Companhia das Letras, e discute inúmeras questões atuais, como a liberdade que pode se impor numa relação afetiva. FILMES No Brasil, talvez Blue Valentine se chame Namorados para Sempre, um título equivocado pois a relação dos personagens vividos por Ryan Gosling e Michelle Williams tem fim. O diretor Derek Cianfrance retrata as várias etapas de uma história de amor, começando com os flertes divertidos e percorrendo um caminho de seis anos e uma filha para chegar aos bate-bocas terríveis, em que a mulher mal consegue explicar a angústia que sente e só consegue dizer que acabou. A estrutura de Blue Valentine lembra a de O Amor em 5 Tempos (2004), de François Ozon, que também narra a história inteira de uma relação, mas o faz de trás para frente. SAIBA MAIS Confira referências citadas e dicas de filmes e livros a partir do livro O Paradoxo Amoroso. “Desprender-se de um ser é desinteressar-se de todos os mundos que ele encarnava. Contudo, depois que ele se foi, persistem gravitando em torno de nós, como se fossem fantasmas, os universos de que ele era o iniciador.” Pascal Bruckner, filósofo, no livro O Paradoxo Amoroso (Difel), traduzido por Rejane Janowitzer. Segundo o filósofo Pascal Bruckner, no ensaio O Paradoxo Amoroso, os amantes hoje sofrem de miséria causada pela saciedade e não pela falta Irinêo Baptista Netto Pascal Bruckner usa uma frase do escritor irlandês George Bernard Shaw nas primeiras páginas de O Paradoxo Amoroso e ela sumariza as ideias discutidas pelo ensaísta francês no livro publicado agora pela Difel. “Há duas catástrofes na existência: quando nossos desejos não são satisfeitos e quando eles o são”, disse Shaw (1856-1950). Bruckner é um pensador lado B na França que não se afina com o lado A (de Bernard-Henri Lévy e Luc Ferry). Autor de A Euforia Perpé- tua (2002), Bruckner escreve de um j eito estranho para um francês – sem complicar muito – e se vale de um raciocínio claro e objetivo. Os temas, no caso de O Paradoxo Amoroso, são os anseios e frustra- ções ligados às relações afetivas. Ele passeia por referências diversas, citando gregos, romanos e contemporâneos para falar de casamento, separação, filhos, ex- cônjuges e, mais que tudo, para analisar a evolução do amor ao longo da História, chegando aos problemas do dia. E o “inferno”, segundo o filósofo, é “a impossibi- lidade de nos apaixonarmos por homens ou mulheres à altura de nossas aspirações, não que eles sejam medíocres, mas porque as aspirações são insaciáveis”. Também filósofo, Luc Ferry (do lado A) é otimista ao extremo e diz haver uma “revolução do amor” no Ocidente. Ele se refere ao fim do casamento arranjado e à “inven- ção” do casamento por amor, “com todos os mal-entendidos, mas tam- bém todas as esperanças”. (As aspas se referem a uma entrevista de Ferry para a Folha de S.Paulo duas semanas). Bruckner não é tão entusiasma- do quanto, mas também vê prós e contras. O problema, diz ele, é que “nossos casais morrem não de decepção, mas de uma ideia exces- sivamente elevada de si mesmos”. Os casais estão onde estão por cau- sa de uma mistura complicada que envolve, entre outras coisas, a pro- cura pela felicidade – embalada por uma noção equivocada do que ela é –, mais uma idealização peri- gosa do amor. “Na tragédia contemporânea, o amor é morto por ele mesmo, mor- rendo de sua própria vitória. É exercendo-se que ele se destrói, sua apoteose é seu declínio. Nossos romances nunca tiveram vida tão breve, nunca foram retomados tão depressa no leito da conjugalida- de, uma vez que nada se opõe a seu florescimento. Miséria mais sorra- teira do que qualquer outra, pois nasce da saciedade, e não da falta”, escreve Bruckner. Antes, havia uma ordem cruel a ser combatida em nome do amor. Pense em Romeu e Julieta, de Shakes- peare, em que os jovens apaixona- dos vindos de famílias rivais prefe- rem morrer a ter de se separar. Hoje, o que se combate parece ser o tédio e as tentações. A sociedade atual, individualista até a alma, estaria “dividida entre o ideal de fidelidade e o apetite de liberda- de”, segundo Bruckner. O filme Blue Valentine (2010), inédito no Brasil, mostra uma rela- ção amorosa do início ao fim com a peculiaridade de não escancarar um motivo que detona a crise. Marido e mulher não conseguem mais se entender e é assim que o convívio se torna insuportável, pri- meiro aos poucos e depois de uma hora para a outra. “É preciso saber se entediar jun- to sem acusar um ao outro desse tédio, saborear esse estado como prova final de savoir vivre e de civili- dade”, argumenta Bruckner. “Nos- sos antepassados tentavam se apreciar valendo-se de um casa- mento arranjado, nós devemos consumar o inverso: encontrar dis- posições amistosas valendo-nos de uma paixão original.” No ano passado, a Objetiva publicou Amar o Que É: um Casamen- to Transformado, as memórias da escritora Alix Kates Shulman sobre o desdobramento trágico de seu terceiro casamento. Ela reencon- trou o amor da juventude mais de três décadas depois de se separa- rem porque ele teve de viajar para a guerra da Coreia. No período, três casamentos terminaram, dois dela e um dele, e a segunda chance de viverem juntos veio quando ambos estavam na casa dos 50 anos. Casaram-se e, juntos, chega- ram à velhice. Em 2004, o marido, então com 75, sofreu um acidente doméstico, caindo de uma altura de três metros e amargando várias seque- las. A pior delas foi uma debilidade que o tornou dependente da mulher para tudo. Alix, também septuagenária, uma feminista que sempre valorizou a liberdade e os momentos de solidão, se questio- nou várias vezes se devia mandá-lo para uma instituição ou cuidar do homem em casa. Ela decidiu escrever o livro para contar os desdobramentos da deci- são que tomou – ficar ao lado dele e se esforçar para encontrar uma ajuda profissional durante parte do dia. Alix não alardeia a decisão e não diz que a vida fez sentido por ter de cuidar de um doente nem que a rotina era recompensadora. Ela, de fato, perdeu o marido para o acidente e demora a se dar conta disso, mas permanece com ele. “É menos uma solidão superada do que um companheirismo inter- rompido”, afirma Bruckner. Quanto à propalada felicidade (ou à ausência dela), o fundador da psicanálise Sigmund Freud disse tudo que poderia ser dito em O Mal- Estar na Civilização, de 1929. Na tra- dução nova de Paulo César de Sou- za, pela Companhia das Letras: “Aquilo a que chamamos ‘felicida- de’, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessida- des altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico”, expli- ca Freud. “Somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o con- traste, muito pouco o estado.” Para Bruckner, há felicidade no amor, mas ele é bem mais do que apenas isso. SERVIÇO O Paradoxo Amoroso, de Pascal Bruckner. Difel, 256 págs., R$ 39. Michelle Williams e Ryan Gosling em cena de Blue Valentine. Divulgação Divulgação

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O Paradoxo Amoroso, de Pascal Bruckner, recebeu excelente resenha na GAzeta do Povo, de 11/04.

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CADERNO

Editor responsável : Paulo [email protected]

GAZETA DO POVOSegunda-feira, 11 de abril de 2011

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DANÇA

UCI exibe o balé Giselle em 3D

❚ A rede UCI Cinemas traz com exclusivi-dade para o Brasil o balé Giselle em 3D, do Teatro de Marrinsky de São Petersburgo, na Rússia. Com apresentações agendadas para os dias 29 (às 21h) e 30 de abril, 1°, 8 e 9 de maio, às 17h, os cinemas UCI Estação e UCI Palladium abriu a venda antecipada de ingressos, já disponível, a R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). Eles podem ser comprados na bilheteria dos cinemas, nos terminais de auto-atendimento ou pelo site www.ucicinemas.com.br.

SERVIÇO

Na internet: www.ucicinemas.com.br

LITERATURA

Amor acaba?

LIVROSAlém do texto de Bruckner, experimente ler O Mal-Estar na Civilização, de Freud (Obras Completas, Volume 18, Companhia das Letras), na tradução fluida de Paulo César de Souza. Amar o Que É: um Casamento Transformado (Objetiva), de Alix Kates Shulman, é um doloroso livro de memórias sobre a velhice ao lado do marido debilitado. O romance Liberdade, de Jonathan Franzen, sai no Brasil em junho, pela Companhia das Letras, e discute inúmeras questões atuais, como a liberdade que pode se impor numa relação afetiva.

FILMESNo Brasil, talvez Blue Valentine se chame Namorados para Sempre, um título equivocado pois a relação dos personagens vividos por Ryan Gosling e Michelle Williams tem fim. O diretor Derek Cianfrance retrata as várias etapas de uma história de amor, começando com os flertes divertidos e percorrendo um caminho de seis anos e uma filha para chegar aos bate-bocas terríveis, em que a mulher mal consegue explicar a angústia que sente e só consegue dizer que acabou. A estrutura de Blue Valentine lembra a de O Amor em 5 Tempos (2004), de François Ozon, que também narra a história inteira de uma relação, mas o faz de trás para frente.

❚ SAIBA MAIS

Confira referências citadas e dicas de filmes e livros a partir do livro O Paradoxo Amoroso.

“Desprender-se de um ser é desinteressar-se de todos os mundos que ele encarnava. Contudo, depois que ele se foi, persistem gravitando em torno de nós, como se fossem fantasmas, os universos de que ele era o iniciador.”Pascal Bruckner, filósofo, no livro O Paradoxo Amoroso (Difel), traduzido por Rejane Janowitzer.

Segundo o filósofo

Pascal Bruckner, no

ensaio O Paradoxo

Amoroso, os amantes

hoje sofrem de miséria

causada pela saciedade

e não pela falta

Irinêo Baptista Netto

❚ Pascal Bruckner usa uma frase do escritor irlandês George Bernard Shaw nas primeiras páginas de O Paradoxo Amoroso e ela sumariza as ideias discutidas pelo ensaísta francês no livro publicado agora pela Difel. “Há duas catástrofes na existência: quando nossos desejos não são satisfeitos e quando eles o são”, disse Shaw (1856-1950).

Bruckner é um pensador lado B na França que não se afina com o lado A (de Bernard-Henri Lévy e Luc Ferry). Autor de A Euforia Perpé-tua (2002), Bruckner escreve de um jeito estranho para um francês – sem complicar muito – e se vale de um raciocínio claro e objetivo. Os temas, no caso de O Paradoxo Amoroso, são os anseios e frustra-ções ligados às relações afetivas.

Ele passeia por referências diversas, citando gregos, romanos e contemporâneos para falar de casamento, separação, filhos, ex-cônjuges e, mais que tudo, para analisar a evolução do amor ao longo da História, chegando aos problemas do dia. E o “inferno”, segundo o filósofo, é “a impossibi-lidade de nos apaixonarmos por homens ou mulheres à altura de nossas aspirações, não que eles sejam medíocres, mas porque as aspirações são insaciáveis”.

Também filósofo, Luc Ferry (do lado A) é otimista ao extremo e diz haver uma “revolução do amor” no Ocidente. Ele se refere ao fim do casamento arranjado e à “inven-ção” do casamento por amor, “com todos os mal-entendidos, mas tam-bém todas as esperanças”. (As aspas se referem a uma entrevista de Ferry para a Folha de S.Paulo há duas semanas).

Bruckner não é tão entusiasma-do quanto, mas também vê prós e contras. O problema, diz ele, é que “nossos casais morrem não de decepção, mas de uma ideia exces-sivamente elevada de si mesmos”. Os casais estão onde estão por cau-sa de uma mistura complicada que envolve, entre outras coisas, a pro-cura pela felicidade – embalada por uma noção equivocada do que ela é –, mais uma idealização peri-gosa do amor.

“Na tragédia contemporânea, o amor é morto por ele mesmo, mor-rendo de sua própria vitória. É exercendo-se que ele se destrói, sua apoteose é seu declínio. Nossos romances nunca tiveram vida tão breve, nunca foram retomados tão depressa no leito da conjugalida-de, uma vez que nada se opõe a seu florescimento. Miséria mais sorra-teira do que qualquer outra, pois nasce da saciedade, e não da falta”, escreve Bruckner.

Antes, havia uma ordem cruel a ser combatida em nome do amor. Pense em Romeu e Julieta, de Shakes-peare, em que os jovens apaixona-dos vindos de famílias rivais prefe-rem morrer a ter de se separar. Hoje, o que se combate parece ser o tédio e as tentações. A sociedade atual, individualista até a alma, estaria “dividida entre o ideal de fidelidade e o apetite de liberda-de”, segundo Bruckner.

O filme Blue Valentine (2010), inédito no Brasil, mostra uma rela-ção amorosa do início ao fim com a peculiaridade de não escancarar um motivo que detona a crise. Marido e mulher não conseguem mais se entender e é assim que o convívio se torna insuportável, pri-meiro aos poucos e depois de uma hora para a outra.

“É preciso saber se entediar jun-to sem acusar um ao outro desse tédio, saborear esse estado como prova final de savoir vivre e de civili-dade”, argumenta Bruckner. “Nos-sos antepassados tentavam se apreciar valendo-se de um casa-mento arranjado, nós devemos consumar o inverso: encontrar dis-posições amistosas valendo-nos de uma paixão original.”

No ano passado, a Objetiva publicou Amar o Que É: um Casamen-to Transformado, as memórias da escritora Alix Kates Shulman sobre

o desdobramento trágico de seu terceiro casamento. Ela reencon-trou o amor da juventude mais de três décadas depois de se separa-rem porque ele teve de viajar para a guerra da Coreia. No período, três casamentos terminaram, dois dela e um dele, e a segunda chance de viverem juntos veio quando ambos estavam na casa dos 50 anos. Casaram-se e, juntos, chega-ram à velhice.

Em 2004, o marido, então com 75, sofreu um acidente doméstico, caindo de uma altura de três metros e amargando várias seque-las. A pior delas foi uma debilidade que o tornou dependente da mulher para tudo. Alix, também septuagenária, uma feminista que sempre valorizou a liberdade e os momentos de solidão, se questio-nou várias vezes se devia mandá-lo para uma instituição ou cuidar do homem em casa.

Ela decidiu escrever o livro para contar os desdobramentos da deci-são que tomou – ficar ao lado dele e se esforçar para encontrar uma ajuda profissional durante parte do dia. Alix não alardeia a decisão e não diz que a vida fez sentido por ter de cuidar de um doente nem que a rotina era recompensadora. Ela, de fato, perdeu o marido para o acidente e demora a se dar conta disso, mas permanece com ele. “É menos uma solidão superada do que um companheirismo inter-rompido”, afirma Bruckner.

Quanto à propalada felicidade (ou à ausência dela), o fundador da psicanálise Sigmund Freud disse tudo que poderia ser dito em O Mal-Estar na Civilização, de 1929. Na tra-dução nova de Paulo César de Sou-za, pela Companhia das Letras: “Aquilo a que chamamos ‘felicida-de’, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessida-des altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico”, expli-ca Freud. “Somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o con-traste, muito pouco o estado.”

Para Bruckner, há felicidade no amor, mas ele é bem mais do que apenas isso.

SERVIÇO

O Paradoxo Amoroso, de Pascal Bruckner.

Difel, 256 págs., R$ 39.

Michelle Williams e Ryan Gosling em cena de Blue Valentine.

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