O POVO DE DEUS revisado -...

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O POVO DE DEUS “Nós somos de ontem e já enchemos tudo que é vosso” – Tertuliano Pelo Bispo Josep M. Rossello Ferrer Tertuliano, no final do século II, louvava diante dos pagãos os frutos do testemunho cristão no mundo: “Nós somos de ontem e já enchemos tudo que é vosso: cidades, ilhas, fortalezas, prefeituras, aldeias, os próprios campos, tribos, decúrias, palácios, senado, fóruns; deixamos-vos apenas os templos…” Estas palavras mostram a vitalidade da igreja primitiva que levou a expansão rápida em meio as perseguições e dificuldades. Esta imagem conflita drasticamente com a visão contemporânea da igreja, que parece ser o oposto, ou seja, temos apenas os templos e temos perdido espaço nas cidades, ilhas, fortalezas, prefeituras, aldeias, os próprios campos, tribos, decúrias, palácios, senado, fóruns. Não dá para negar que ainda existe certa presença cristã na área pública no Brasil e em outros países, contudo, poucos mostrariam tanto entusiasmo se comparados com as palavras de Tertuliano. De onde vem a vitalidade da igreja antiga? A resposta, ao meu ver, encontra-se no papel dos leigos na igreja primitiva. Stephen Neill escreve que a igreja primitiva se beneficiou muito pelo trabalho feito pelos cristãos, sem que fosse preciso ser parte do clero; inclusive, chegavam a plantar igrejas locais. “Onde havia Cristãos, havia uma fé ardente e viva, e em pouco tempo uma comunidade cristã em expansão. Posteriormente, as grandes igrejas se preocupavam em dar reconhecimento de sua origem apostólica – ter um apóstolo como fundador era um certificado reconhecido de respeitabilidade. Mas de fato poucas das grandes igrejas, se é que alguma, realmente fora fundada pelos apóstolos. Nada é mais notável que o anonimato destes primeiros missionários”.[1] Ser cristão era ser um discípulo de Cristo, pronto para proclamar e anunciar as boas novas de salvação e ensinar o caminho do Senhor. Ser um discípulo é ser uma pessoa que descobriu o evangelho da graça, que nasceu de novo (foi regenerado) pelo Espírito Santo, recebendo a Cristo através do arrependimento dos pecados e da confissão de fé em Cristo como Senhor, sendo reconciliado com Deus. O cristão é feito uma nova criatura, experimentando a alegria da salvação de forma pessoal. Não tem como não se apaixonar pela evangelização diante de tal realidade transformadora. O cristão não é chamado para viver isolado, nem é possível ser um discípulo mantendo-se afastado dos outros filhos de Deus. Quando nascemos de novo no Espírito, nascemos dentro de uma família espiritual que chamamos de Igreja “una, santa, católica e apostólica”. [2] Esta família é um sinal visível e real do Reino de Deus e seu poder em meio as nações. Esta família, a Igreja, é um corpo unido em Cristo, daí ser chamada de igreja cristã. Está formada por diversos membros e cada um tem uma função. Juntos formam um só corpo. “Há muitos membros, mas um só corpo. Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pês: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários (...). Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1 Cor 12, 12- 31). Ainda que todos tenham a mesma posição, como filhos de Deus, nem todos cumprem a mesma função, ofício ou ministério. E não precisa que todos façam as mesmas coisas, dada a diversidade de dons. Os leigos, quando são discípulos, realizam uma obra efetiva, não em concorrência com o clero, mas reconhecendo que a missão de Deus nunca finalizará nesta terra até que a Igreja trabalhe unida com os ministros (diáconos, presbíteros e bispos). O desafio é que precisamos ser despertados pelo Espírito Santo e humildemente servir com amor ao Senhor e as pessoas. Somos a Igreja, porque “há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança do vosso chamado; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por todos e está em todos” (Efésios 4.4-6). Isto é o que nos une em Jesus Cristo, como família reunida diante de Deus Pai. E, como família, todos têm uma mesma posição como filhos de Deus, “pois todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos vós que em Cristo fostes

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O POVO DE DEUS

“Nós somos de ontem e já enchemos tudo que é vosso” – Tertuliano

Pelo Bispo Josep M. Rossello Ferrer

Tertuliano, no final do século II, louvava diante dos pagãos os frutos do testemunho cristão no mundo: “Nós somos de ontem e já enchemos tudo que é vosso: cidades, ilhas, fortalezas, prefeituras, aldeias, os próprios campos, tribos, decúrias, palácios, senado, fóruns; deixamos-vos apenas os templos…” Estas palavras mostram a vitalidade da igreja primitiva que levou a expansão rápida em meio as perseguições e dificuldades. Esta imagem conflita drasticamente com a visão contemporânea da igreja, que parece ser o oposto, ou seja, temos apenas os templos e temos perdido espaço nas cidades, ilhas, fortalezas, prefeituras, aldeias, os próprios campos, tribos, decúrias, palácios, senado, fóruns. Não dá para negar que ainda existe certa presença cristã na área pública no Brasil e em outros países, contudo, poucos mostrariam tanto entusiasmo se comparados com as palavras de Tertuliano.

De onde vem a vitalidade da igreja antiga? A resposta, ao meu ver, encontra-se no papel dos leigos na igreja primitiva. Stephen Neill escreve que a igreja primitiva se beneficiou muito pelo trabalho feito pelos cristãos, sem que fosse preciso ser parte do clero; inclusive, chegavam a plantar igrejas locais. “Onde havia Cristãos, havia uma fé ardente e viva, e em pouco tempo uma comunidade cristã em expansão. Posteriormente, as grandes igrejas se preocupavam em dar reconhecimento de sua origem apostólica – ter um apóstolo como fundador era um certificado reconhecido de respeitabilidade. Mas de fato poucas das grandes igrejas, se é que alguma, realmente fora fundada pelos apóstolos. Nada é mais notável que o anonimato destes primeiros missionários”.[1]

Ser cristão era ser um discípulo de Cristo, pronto para proclamar e anunciar as boas novas de salvação e ensinar o caminho do Senhor. Ser um discípulo é ser uma pessoa que descobriu o evangelho da graça, que nasceu de novo (foi regenerado) pelo Espírito Santo, recebendo a Cristo através do arrependimento dos pecados e da confissão de fé em Cristo como Senhor, sendo reconciliado com Deus. O cristão é feito uma nova criatura, experimentando a alegria da salvação de forma pessoal. Não tem como não se apaixonar pela evangelização diante de tal realidade transformadora.

O cristão não é chamado para viver isolado, nem é possível ser um discípulo mantendo-se afastado dos outros filhos de Deus. Quando nascemos de novo no Espírito, nascemos dentro de uma família espiritual que chamamos de Igreja “una, santa, católica e apostólica”. [2] Esta família é um sinal visível e real do Reino de Deus e seu poder em meio as nações.

Esta família, a Igreja, é um corpo unido em Cristo, daí ser chamada de igreja cristã. Está formada por diversos membros e cada um tem uma função. Juntos formam um só corpo. “Há muitos membros, mas um só corpo. Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pês: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários (...). Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1 Cor 12, 12-31). Ainda que todos tenham a mesma posição, como filhos de Deus, nem todos cumprem a mesma função, ofício ou ministério. E não precisa que todos façam as mesmas coisas, dada a diversidade de dons.

Os leigos, quando são discípulos, realizam uma obra efetiva, não em concorrência com o clero, mas reconhecendo que a missão de Deus nunca finalizará nesta terra até que a Igreja trabalhe unida com os ministros (diáconos, presbíteros e bispos). O desafio é que precisamos ser despertados pelo Espírito Santo e humildemente servir com amor ao Senhor e as pessoas.

Somos a Igreja, porque “há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança do vosso chamado; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por todos e está em todos” (Efésios 4.4-6). Isto é o que nos une em Jesus Cristo, como família reunida diante de Deus Pai. E, como família, todos têm uma mesma posição como filhos de Deus, “pois todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos vós que em Cristo fostes

batizados vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gálatas 3.26-29).

Esta vitalidade, nas origens da Igreja, nos é mostrada no livro de Atos onde todos os crentes procuravam perseverar na doutrina dos Apóstolos e na comunhão do pão e nas orações; eram tementes a Deus e juntos tinham tudo em comum; vendiam as suas propriedades e os bens para que, segundo as necessidades de cada um, repartissem tudo com todos; eram assíduos ao templo e partindo o pão em casa comiam juntos com alegria e singeleza de coração; louvavam a Deus e todos os dias se reuniam como igreja e serviam a Jesus, o nosso Senhor e Salvador (cf. At 2, 42 - 47).

Esta realidade destoa muito da visão hierarquizada atual. Existe uma tendência do homem de querer controlar o agir do Espírito Santo. Isto acaba extinguindo o verdadeiro mover do Espírito Santo. A igreja do Novo Testamento era vivida como uma extensão da Encarnação de Cristo, a comunidade [3] viva refletida na verdadeira comunhão do corpo de Cristo, onde cada cristão era um discípulo. Tal vivência era demonstrada pelo serviço ao Senhor e pela entrega uns aos outros, onde cada cristão participava ativamente da família de Deus.

É urgente recuperar o papel dos leigos na igreja para que saiamos de uma cultura de membresia para uma cultura de discipulado. É hora de superar a falta de confiança nas habilidades dos leigos para fazer a obra de Deus, e investir mais tempo na formação e na capacitação de cada leigo, a fim de que todos sejam verdadeiros discípulos de Cristo. Do contrário, estaremos impedindo o crescimento da família de Deus e apagando o desejo missionário e evangelístico de muitos dos irmãos da Igreja.

Nos primeiros séculos da Cristandade a igreja era vivida e exprimida através dos ministérios e dons dos leigos, tanto na sociedade quanto na vida da comunidade cristã. O apostolo Paulo expressa tal realidade quando escreve, “Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum” (1 Coríntios 12:4-7). Paulo continua escrevendo a primeira carta aos coríntios onde apresenta uma lista dos dons espirituais, “Pelo Espírito, a um é dada a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de conhecimento, pelo mesmo Espírito; a outro, fé, pelo mesmo Espírito; a outro, dons de cura, pelo único Espírito; a outro, poder para operar milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a outro, variedade de línguas; e ainda a outro, interpretação de línguas” (1 Coríntios 12:8-10). Estes dons eram usados para a edificação do corpo de Cristo e para a proclamação do evangelho (veja 1 João 1.1-3).

A igreja primitiva vivia a realidade de corpo de Cristo, não hierarquicamente, mas fundamentada no Senhorio de Cristo sobre Sua Igreja, de forma que a igreja cristã era uma sociedade dentro da sociedade, um reino sendo manifestado em meio as nações humanas, exaltando o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Isto se manifestava através do sacerdócio real e universal de todo e cada crente, apesar de que a Igreja de Cristo sempre reconheceu a existência de ofícios e ministérios ordenados por Jesus Cristo e estabelecidos pela igreja desde os primeiros séculos. Muitos acabaram não definindo os leigos como uma ordem. Sendo assim, no entanto, a confirmação perde parte do seu sentido: o momento público onde o leigo confirma sua fé cristã e seu compromisso com Cristo.

Na atualidade, as igrejas cristãs eficazes em capacitar e enviar adequadamente demonstram uma vitalidade e vida nunca vistas. Se o clero é capaz de apoiar, formar e enviar discípulos para serem luz do mundo e sal da terra, certamente o resultado será uma verdadeira revolução cultural como nunca vista anteriormente.

QUEM SÃO OS LEIGOS? Um dos problemas que encontramos na compreensão da igreja hoje é que o leigo é visto a partir do que ele não é: clero. No Brasil, o termo “leigo” tem sido extremamente incompreendido, pois popularmente a palavra “leigo” significa um indivíduo com pouco ou nenhum conhecimento em determinada matéria. Na Idade Média, a figura dos leigos na Igreja Católica chegou ao absurdo de ser comparada à de um jumento por causa do seu baixo conteúdo intelectual. [4] Os leigos eram tidos como os verdadeiros idiotaae, i.e., gente ignorante, grosseira, iletrada, analfabeta, etc.

A explicação, provavelmente, tenha a ver com o papel que os leigos costumavam ter na Igreja Católica Romana. Eles são considerados inferiores, uma segunda classe dentro da igreja e, inclusive, como membros que não tinham conhecimento nenhum sobre teologia ou doutrina cristã. Não deveríamos nos surpreender que, com o tempo, o uso do termo leigo começasse a ser usado popularmente para definir alguém que tinha falta de conhecimento em alguma área do saber.

Este conceito, que nasceu em ambiente religioso, acabou absorvido pela sociedade e hoje é utilizado para referir-se a qualquer pessoa que não tem suficiente conhecimento em determinada área. Em outras palavras, alguém que é ignorante e que, portanto, sua opinião não deve ser levada em conta. Almeida nos ajuda a esclarecer este mal-entendido quando escreve, “Segundo os dicionários, a palavra leigo significa o iletrado, o que não sabe, o que não pode, o que não é. Nesta obra, o autor demonstra exatamente o contrário: o uso depreciativo da palavra não é adequado à tradição rica e fecunda que constitui a realidade dos homens e mulheres batizados ao longo de mais de vinte séculos, sem os quais a história do cristianismo não existiria ou seria bem menos rica.” [5]

A palavra grega Laikos significa “do povo.” [6] Ela é oriunda do adjetivo grego laós, usada no Antigo e Novo Testamento com a ideia de um povo herdeiro de Deus e beneficiário das suas promessas da salvação. Logo, falar de leigos significa falar do povo de Deus. Os leigos são o POVO DE DEUS, escolhido entre culturas, nações, línguas e tribos. É o povo eleito e reunido pelo Espírito Santo para glorificar, honrar e proclamar o maravilhoso Nome do Senhor ao redor do mundo.

O primeiro Pai da Igreja que usou o termo leigo foi Clemente, bispo de Roma. Ele escreveu uma carta aos coríntios ao ser informado sobre o tumulto que toma conta da igreja naquela cidade. O conflito consistia numa rebelião de alguns membros (leigos) contra os presbíteros, onde os primeiros querem depor os últimos de seus ofícios e ministérios. Clemente escreve para esta igreja desejando apaziguar e restabelecer a ordem. Uns anos depois, Inácio de Antioquia volta a usar o termo leigo, falando das diversas autoridades na Igreja de Cristo. Clemente de Alexandria, no século II, usou o termo para referir-se aos cristãos batizados. [7]

Faivre nos explica o processo de separação dos leigos e do clero que foi aos poucos criando a ideia de uma classe inferior (os leigos) e uma classe superior (o clero) a partir do século III. Diz assim: “Todos os autores (Tertuliano para a Igreja de Cartago, Hipólito para a de Roma, Clemente e Orígenes para a de Alexandria) são concordes em dar a entender que no século III já existe uma fronteira dentro do povo batizado. Essa fronteira leva à cisão o povo cristão em dois, os clérigos e os leigos. Dentro de cada um desses grupos coabitam diversas funções.” [8]

Esta divisão, por si só, não deveria nos causar nenhuma dificuldade, já que a igreja do Novo Testamento tinha apóstolos, presbíteros e diáconos, observando-se entre os presbíteros o surgimento de bispos que ocupam a função de supervisão, não somente localmente, mas em uma região ou conjuntos de igrejas locais. O maior desafio se encontra quando os leigos são reduzidos a uma classe menor de cristãos mais ou menos perfeitos; enquanto o clero é visto como mais próximo a Deus por causa da sua função e ordenação. Este foi sem dúvida um dos principais erros inseridos na história da igreja cristã.

Faz-se necessário perceber que, falando estritamente a partir de uma perspectiva bíblica, inclusive os ministros (diáconos, presbíteros e bispos) são leigos, porque são parte do povo de Deus e membros do corpo de Cristo. E, juntos, o povo de Deus ministra, adora, serve e proclama Jesus Cristo ao mundo. Todos somos chamados a ser discípulos de Cristo, exercendo nossa vocação conforme o chamado recebido de Deus.

Cada membro é parte essencial e plena da vida da Igreja, assim, podemos declarar que os leigos deveriam ser considerados como a quarta ordem ou, melhor ainda, talvez dizer a primeira, uma vez que todo membro do clero deve, primeiro, ser um leigo e discípulo de Cristo para ser considerado um postulante as ordens e o ministério ordenado. Sem os leigos não pode existir a Igreja. De fato, os leigos não são simplesmente membros, são parte do sacerdócio real e santo da Igreja. “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo... Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pedro 2.5-9). Este conceito foi esquecido na igreja cristã por muito tempo, ainda que redescoberto na Reforma Protestante, e resulta

curioso notar que tal realidade é novamente esquecida na igreja do século 20. Porém, novamente, a voz do laicado se faz ouvir no seio da família de Deus. Os leigos formam parte central na vida da igreja [9].

Foi a Reforma Protestante que devolveu aos leigos o papel perdido durante séculos, redescobrindo as diversas funções e ministérios que os membros tinham exercido eficazmente e que foram abandonadas, tendo os leigos sido separados e esquecidos pelo clero. Neste aspecto a Igreja cometeu um erro mortal, por considerar os leigos somente como fiéis e não como verdadeiros discípulos de Cristo. Isto resultou na introdução de numerosas heresias e gravíssimos erros que culminaram numa época de escuridão no seio da Igreja.

Curiosamente, foi a fidelidade dos leigos que evitou a entrada de muitos erros na igreja primitiva. Por exemplo, no caso do arianismo [10]. João Crisóstomo defendeu o papel dos leigos na missão apostólica e missionaria da Igreja de Cristo através do exemplo de vida, na evangelização, na cooperação com os ministros e como guardiões da disciplina eclesiástica [11].

Os Reformadores Protestantes, inspirados em Santo Agostinho, enfatizaram e recuperaram o sacerdócio real e comum dos cristãos, sem fazer diferença entre o clero e os leigos, já que os sacerdotes apresentados em Apocalipse não eram somente membros do clero, mas “todos os fiéis ungidos pelo Senhor, que com Ele se tornam membros do único sacerdote... o episcopado é nada mais que a denominação de um trabalho, sendo uma finalidade o ato de presidir”[12].

Infelizmente, a Igreja Católica Romana se fez de surda para as palavras de Santo Agostinho até chegar ao ponto do clero adquirir tanto poder e autoridade que levou a corrupção moral e política da Igreja de Cristo e a urgente necessidade da Reforma Protestante no século 16. Este movimento cristão trouxe de voltar a importância do sacerdócio universal dos crentes. Por esta razão, a Free Church of England declara sobre o sacerdócio universal dos crentes: [13]

A descrição encontrada em 1 Pedro 2, resume a verdade bíblica concernente a todos os que tem sido reconciliados a Deus através da fé na obra redentora do Senhor Jesus Cristo, para ter acesso a santa Presença de Deus (Hebreus 10.19-22), oferecer seu próprio sacrifício espiritual (Romanos 12.1); de louvor e serviço (Hebreus 13.15-16); e fazer intercessões pelos homens (1 Timóteo 2.1).

Além deste sacerdócio universal, que os crentes compartilham em Cristo, o Senhor tem dado a Sua Igreja, através do Espírito Santo, vocações e dons de ministério (1 Coríntios 12.28; Efésios 4.11-13), para a capacitação dos santos e edificação do Corpo de Cristo.

Não aparece uma Ordem no Novo Testamento para o exercício destes dons e, aparentemente, eram responsabilidade da autoridade legal primeiro tomada pelos Apóstolos. Regular, ou ordenar, é o reconhecimento destes dons; a separação pela nomeação ao ofício ministerial daqueles chamados ao serviço na igreja. Veja Artigo XXIII.

Como o sacramento da Ceia do Senhor não é um sacrifício a ser oferecido pelos sacerdotes, sua administração não é função do sacerdócio dos crentes, mas em vez disso uma questão da ordem da igreja. Não há orientações na Escritura sobre quem deveria administrar os sacramentos, mas a Igreja Livre da Inglaterra, seguindo sua própria tradição e costumes como não sendo contrarias as Escrituras, e condizentes com a prática imemorial da Igreja, desde os tempos apostólicos, reserva sua administração aos Bispos e Presbíteros, com a possibilidade de que tal autoridade possa ser dada a Diáconos em circunstâncias especiais.

De acordo a ordem da Igreja, o sacramento do batismo também é reservado ao ministério ordenado, ainda que um batismo realizado por um leigo seja reconhecido em casos emergenciais. O Comitê considera o ministro leigo, ou pastoral, como uma manifestação do sacerdócio de todos os crentes, mas conclui que não há conexão entre estas duas formas de serviço cristão. O Comitê incentiva maior apreciação dos privilégios do sacerdócio dos crentes em oração (Romanos12.1), a fim de que toda a igreja possa ser edificada na sua santíssima fé para maior glória de Deus e do nosso Salvador Jesus Cristo.

A seguinte declaração tem sido também aprovada pelo Comitê: “Aceitando sinceramente a interpretação do Sacerdócio de todos os crentes. O Artigo XIII da nossa Constituição nos confirma os costumes e leis antigas da Igreja da Inglaterra e, portanto, não podemos oferecer aos membros leigos qualquer função reservada ao ministério separado”.

OS LEIGOS, POVO DE DEUS Se desejarmos esclarecer a confusão existente a respeito dos leigos, faz-se necessária uma reflexão prévia. As Escrituras falam da Igreja através de diversas metáforas, ou imagens, que ajudam a entender com maior clareza o que a Igreja realmente é no plano de Deus. [14]

Uma das primeiras metáforas bíblicas que encontramos apresenta a Igreja como corpo de Cristo, nos lembrando da nossa união espiritual com o Senhor.

“E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Efésios 1:22-23). “Assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Romanos 12.5). “Ele é a cabeça, do corpo da igreja, ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos...” (Colossenses 1:18).

As Escrituras também usam a figura do rebanho referindo-se à Igreja, mostrando o cuidado e o amor de Deus pelo Seu povo eleito.

“Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso pai se agradou em dar-vos o seu reino” (Lucas 12:32) “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; ouvirão a minha voz; então haverá um rebanho e um pastor” (João 10:16)

A igreja é descrita também como a morada do Espírito Santo. Aqui não se trata do templo físico onde as pessoas se reúnem a fim de cultuar, mas o próprio povo de Deus que se torna santuário do Altíssimo.

“Não sabeis que sois santuário de Deus e que o espirito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus que sois vós, é sagrado” (I Coríntios 3.16-17)

A igreja é ainda descrita como um edifício nas Escrituras e, também, a casa de Deus. Isso reflete uma realidade importante, a Igreja como coluna e baluarte da verdade, mostrando o papel da Igreja como sustentadora e guardiã da verdade contra os erros.

“para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade” (I Timóteo 3:15).

“Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós” (I Coríntios 3.9)

Uma das figuras mais conhecidas aplicadas à igreja é a luz. Jesus referindo-se aos seus discípulos aplica a eles essa figura. Encontramos a mesma imagem usada pelo apostolo João ao descrever as igrejas locais de Apocalipse como candeeiros.

“Vós sois a luz do mundo, não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte” (Mateus 5.14) “Quanto ao mistério das sete estrelas que viste na minha mão direita e aos sete candeeiros de ouro, as sete estrelas são os anjos das sete igrejas e os sete candeeiros são as sete igrejas” (Apocalipse 1.20)

A Igreja é também descrita como a família de Deus. Somos adotados em Cristo como filhos de Deus, recebidos na nova família que Deus tem chamado e reunido no seu nome.

“Por isso, enquanto tivermos oportunidade façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé” (Gálatas 6.10)

“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e sois da família de Deus” (Efésios 2.19)

A figura da noiva, por sua vez, expressa o relacionamento e o grau de comprometimento que os cristãos devem ter para com o Senhor e noivo da igreja.

“Um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das últimas sete pragas aproximou-se e me disse: "Venha, eu lhe mostrarei a noiva, a esposa do Cordeiro"” (Apocalipse 21:9) “O Espírito e a noiva dizem: "Vem! " E todo aquele que ouvir diga: "Vem! " Quem tiver sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida” (Apocalipse 22:17)

A metáfora da Igreja como povo de Deus, nos ajuda a perceber com maior clareza o papel dos leigos na ordem de Deus, dando a devida importância e definindo o valor dos leigos no propósito do Senhor. Os leigos são o povo de Deus. Sem eles é impossível ser igreja como um conceito real de comunidade. Jesus morreu para salvar e purificar o povo escolhido. “O qual a si mesmo se entregou por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tito 2.14; veja também 1 Pedro 2.9-10).

Somos coparticipantes de uma família pelo nascimento (natural ou espiritual). Na Igreja somos recebidos pelo sacramento do batismo, sendo feitos povo de Deus, como uma declaração pública da promessa de salvação de Deus para os membros do Seu povo. Assim, iniciamos nossa caminhada como povo da nova aliança do Senhor Jesus Cristo.

Todos os membros batizados têm um chamado e um ministério como discípulos de Cristo. No Catecismo do Século 21 (p. 38), encontramos esta definição sobre o ministério dos leigos, “O ministério dos leigos é seguir sempre o ensino e exemplo de Cristo; representar a Cristo e a sua Igreja; dar testemunho onde quer que estejam; ser diligente na oração individual e no estudo das Escrituras; ser assíduo ao culto público, em especial ao domingo; servir conforme os dons e os ministérios que tem recebido; promover a participação na evangelização e nas missões; e servir na vida, culto e governo da Igreja”.

Assim, os votos batismais, feitos em nosso nome (se fomos batizados ainda crianças), tomam total significado na confirmação e na renovação destes votos. Todos partilhamos responsabilidades e privilégios na família cristã, mas nem todos têm as mesmas funções dentro do Corpo. Isto acontece naturalmente na administração do governo das nações ou nas famílias naturais. O mesmo princípio se aplica para o povo de Deus. E isto não deve ser entendido como uma obrigação imposta contra nossa individualidade, mas como uma resposta agradecida à obra redentora de Deus na vida de cada um de nós. Todos somos pecadores que têm sido resgatados pelo sacrifício de Jesus na cruz e convertidos pela maravilhosa obra do Espírito Santo. [15]

Se os leigos são o povo de Deus, então devemos perceber que o clero e os leigos, na verdade, se referem ao mesmo grupo de pessoas. Esses termos não devem ser usados para marcar uma separação ou contraste. Ser leigo é ser membro do Corpo de Cristo, é ser povo de Deus. Infelizmente, por influência do clericalismo, a cultura tem associado este termo a ignorância e desconhecimento, como já comentamos.

Gottfried Oosterwal nos mostra como a distinção correta entre os termos nos leva a ver mais claramente o papel de todos os cristãos, “Se pode dizer que o termo leigo enfatiza em particular os privilégios de ser eleito por Deus [...] a posição de povo de Deus, separado e diferente do mundo; enquanto o termo clero enfatiza em particular as funções e ofício dos leigos ao compartilhar seus dons de graça com outros. Os leigos refletem o estado do povo de Deus. O Ministério é sua função dentro do povo de Deus” [16]

Martinho Lutero escreveu, “Cada cristão é um sacerdote, seja jovem ou idoso, senhor ou escravo, patrão ou empregado, doutor ou analfabeto. Todos os cristãos são, propriamente falando, membros da ordem eclesiástica, e não há diferença entre eles, exceto pelo fato de existirem diferentes ofícios” [17]

Este conceito, de cada membro ser um discípulo e um ministro, está por trás do vigor que tem levado ao crescimento acelerado da Igreja nas últimas décadas e, podemos dizer, através de toda a história da igreja cristã. A Reforma Protestante, o avivamento de George Whitefield e dos irmãos Wesley e, inclusive, o movimento de missões contemporâneas e o crescimento dramático do Anglicanismo na África e na Ásia. Entretanto, como veremos no próximo tópico, existem alguns sintomas que tendem a impedir esse tipo de crescimento.

OS SINTOMAS ATUAIS Se a Igreja é o povo (láos) de Deus, devemos perceber qual é o estado moral deste povo, observando o estado atual dele e buscando sempre o bem da Igreja. Não devemos ignorar os sinais preocupantes de uma igreja moribunda. Existindo sintomas que requeiram nossa atenção, precisamos identificá-los.

Existem sintomas claros de que alguma coisa não está totalmente bem nas relações na família de Deus. Hoje, encontramos uma forte influência de ideias errônea nas igrejas cristãs, as quais prevalecem fortemente no Brasil. O pastor ocupa o centro da vida da Igreja. Este deveria ser o lugar de Cristo, a partir do qual os Ministros e os membros (leigos) trabalharam juntos, como embaixadores de Deus no mundo.

Tem surgido um forte clericalismo dentro das igrejas evangélicas, como aconteceu anteriormente nas igrejas ortodoxas e na igreja romana [18]. Isso explica a rapidez com que os novos cristãos são colocados em posições de lideranças e são feitos diáconos, evangelistas, presbíteros, ministros, entre outras muitas funções, ofícios ou ministérios. E, ao mesmo tempo, a pouca consideração que recebem os leigos que não tem um “titulo” ou “função” na congregação. É como se fosse preciso ter um título eclesiástico para fazer a obra de Deus.

É fato que existem ministérios que vendem títulos de pastor ou bispo! Mas, será que podemos comprar o chamado e a ordenação? Sem dúvida que não podemos. Contudo, vivemos uma era de clericalismo, na qual quando não temos algum título eclesiástico parece que nossas opiniões não possuem valor nenhum. Recordo, por exemplo, uma situação de alguns anos trás quando um presbítero não aceitou que uma decisão fosse tomada por um comitê formado por membros (leigos) da diocese. Isto causou inúmeros conflitos na época. Tem algo errado nessa mentalidade clericalista.

Percebemos em diversas denominações cristãs que os leigos são apenas membros sem nenhuma responsabilidade, além daquela de devolver o dízimo, assistir aos cultos e, talvez, participar das atividades da igreja. Não há um verdadeiro compromisso exigido deles na vida e na missão da Igreja de Cristo na Terra. Provavelmente, esse descompromisso nem seja um problema causado pelos próprios membros e sim pelo conforto gerado pela mentalidade clerical, segundo a qual, para ser um obreiro da Seara é preciso, antes, possuir um cargo ou ofício eclesiástico. Naturalmente, as pessoas aproveitam esta mentalidade para se esquivarem do chamado que temos como cristãos.

Com surpresa injustificada, não em vão, observamos atualmente que os leigos chegam tarde aos cultos, esquecem suas obrigações com os outros irmãos e se esquecem de seus compromissos para com Deus. Desejam que o pastor faça tudo e, muitas vezes, são críticos quando ele não consegue atingir suas expectativas.

Essa mentalidade, como é de se esperar, gera insatisfações e tensões entre os ministros e os membros. Infelizmente, temos visto hoje pouca unidade como a descrita do Novo Testamento e com grande rapidez surgem conflitos e contendas que levam a divisões; e os egos tomam o controle devido ao forte “sacerdotalismo” que prevalece nas igrejas evangélicas de nossos dias.

Esta situação se agrava com um outro problema: os membros são cada dia mais instruídos e, não raramente, possuem mais instrução que o próprio pastor. Ao mesmo tempo, a internet tem permitido que qualquer pessoa tenha acesso à informação. Deste modo, a mentalidade clericalista tem feito com que uma das doutrinas essenciais da Reforma, o sacerdócio universal dos crentes (1 Pedro 2.5), seja rapidamente esquecida. Como os pastores podem se manter no controle hoje? Neste cenário desolador, apenas pelo uso de sua autoridade espiritual supostamente superior aos demais. Isto tem aumentado os problemas e os conflitos e, inclusive, tem feito com que muitos leigos encontrem novos motivos para sua passividade e para a promoção de atitudes impróprias ao evangelho.

Os leigos têm um papel essencial como ministros de Cristo na comunidade, nas escolas, no trabalho, na família e partilham, como parceiros, das funções de governo e da missão de Deus juntamente com os Ministros ordenados, além de tomarem parte ativa no ministério da Igreja. Os membros não podem ser e não são apenas observadores e “ovelhas” que esperam ser orientadas todo o tempo, antes, são parte essencial da Igreja, como um só corpo. [19]

Santo Agostinho de Hipona disse uma vez em sua diocese, “Atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou Bispo; convosco sou cristão. Aquilo é um dever; isto, uma graça. O primeiro é um perigo; o segundo, salvação”[20]. Esta frase nos lembra da importância de que leigos e ministros, o povo de Deus, trabalhem juntos para fazer visível o reino de Deus. Não podemos transformar o mundo para Cristo, como é nosso desejo, a menos que todo o povo de Deus seja instruído e capacitado para exercer o ministério para o qual Deus o tem chamado.

Muitos Ministros têm esquecido que sua função não é ser o centro das atenções, mas instruir e edificar o corpo de Cristo para o aperfeiçoamento dos santos (Efésios 4.11-13), ajudando-o a crescer na fé e no ministério. Em 1968, os bispos e arcebispos da Comunhão Anglicana se reuniram em Londres para a Conferência de Lamberth. Eles perceberam a urgente necessidade de formar os leigos para o ministério, “a Conferência acredita que há uma urgente necessidade para incrementar na quantidade e qualidade de formação dos leigos para sua tarefa no mundo” (Lamberth 1968, resolução 27).

Quando os membros são formados e instruídos a Igreja está melhor preparada para servir e desenvolver sua missão. Ademais, os leigos ministram aos diáconos, presbíteros e bispos através do apoio, ânimo e orações necessárias para viver a missão de Deus. [21]

O povo de Deus foi chamado a trabalhar junto. Nem todos são pais espirituais, diáconos, presbíteros e bispos. Porém, todos são sacerdotes e como sacerdotes “ministros” do evangelho de Cristo. Os leigos têm a mesma dignidade que está sobre o clero. Todas as profissões e vocações são igualmente importantes aos olhos de Deus. Os ministros diferenciam-se dos leigos simplesmente nisto: foram escolhidos para realizar certos deveres específicos, para que haja ordem na casa de Deus. Foi este princípio do sacerdócio de todos os crentes que libertou os homens do temor e da dependência do clero.

Evidentemente, existe um lugar único para o ministério e o ofício dos diáconos, presbíteros e bispos é diferente das funções e responsabilidades dos leigos. Mas, para o bem-estar da Igreja é importante que esta diferença seja bem entendida. Isto também nos ajudará a compreender melhor o ministério e a vocação dos leigos.

O LUGAR DOS MINISTROS Na providência de Deus existe o chamado divino para o Ministro e sua prerrogativa de cuidar da congregação, ensinar as Escrituras e celebrar os Sacramentos [22]. Este ofício e ministério não devem ser vistos como superiores por si mesmos, mas sim que o Ministro tem um chamado e autoridade definida pela vocação que tem recebido de Deus e confirmado pela Igreja através da imposição de mãos de um Bispo. Estritamente falando, o poder do Ministério não é do Ministro individualmente e sim da Igreja, corpo de Cristo, sendo que de Cristo emana todo poder e autoridade do povo de Deus.

Interessante as palavras que encontramos nas instruções no início do culto de ordenação, “ofícios que têm estado sempre em tão respeitável estima, que ninguém ousou apresentar-se ao desempenho destas funções, sem ser antes chamado, examinado, aprovado e reconhecido como sendo dotado daqueles requisitos necessários para seu cabal desempenho”. [23]

Este processo de ser “chamado, examinado, aprovado e reconhecido” é essencial para o bem-estar da Igreja e o desenvolvimento saudável do povo de Deus, porque é nas mãos dos Ministros que Deus coloca o ensino, a exposição e aplicação das Escrituras. Também, têm entre suas funções o presidir os cultos, administrar os sacramentos e cumprir as funções pastorais.

Tais funções estão acompanhadas dos aspectos administrativos próprios. Quanto à administração temporal, o ministro deverá determinar com a Junta Paroquial a direção recebida do Espírito Santo. Uma precaução é sempre necessária aqui: em um estado democrático pensamos que a vontade da maioria é a vontade correta, mas não é assim na Igreja. Às vezes, e não poucas, a vontade da maioria não é a vontade de Deus. Há necessidade de se conhecer as Escrituras profundamente e ter entendimento nítido da vontade de Deus. Ao mesmo tempo, os Ministros devem permitir que os membros tenham suas próprias ideias, sem que isto leve a igreja a anarquia e a desordem.

Tendo seu oficio em favor dos membros e não ao contrário, como temos comentado, o Ministro trabalha para o bem-estar da congregação confiada a ele, para que sejam aprovados diante de Deus. Por isso, pode ser que precise admoestar ou corrigir o povo através da Palavra de Deus e, inclusive, possa distanciar-se deles em algumas ocasiões. Contudo, estas últimas devem ser exceções, não a norma.

Ele deve ver a Igreja como o povo de Deus, mas também como família de Deus. Deste modo, deve ser um pai amoroso que cuida de sua família e exerce a disciplina quando esta for necessária.

Evidentemente, o Ministro não está livre de pecado, nem de falhas; por isso, não deve governar como um senhor, nem ditador, mas ser responsável da herança de Deus (1 Pedro 5.3).

Ele deve entender que não é indispensável e que a responsabilidade é temporal, ou seja, por um tempo e um lugar. Quando preguei pela primeira vez em um púlpito que se remontava ao Século XII me recordei deste fato! Aquela experiência me deu um senso claro de que muitos antes de mim tinham pregado a Palavra de Deus naquele lugar e, possivelmente, muitos depois de mim continuarão este ministério de ensino.

O Livro de Oração Comum da Igreja Livre da Inglaterra fala de tais responsabilidades através dos votos realizados pelo candidato as ordens sagradas:

Têm ouvido, irmãos, tanto em vosso exame particular, como na exortação que se vos fez agora, e nas santas lições retiradas do Evangelho e dos escritos dos Apóstolos, de qual dignidade e importância possui este Ministério a que sois chamados. E agora novamente os exortamos de novo em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a que tenhais presente, a que dignidade tão alta e a que sério Ofício e Cargo sois chamados; o qual vos institui Mensageiros, Sentinelas e Mordomos do Senhor; comissionados a instruir, admoestar, apascentar e prover á família do Senhor; e ir em busca das ovelhas de Cristo que estão dispersas e dos seus filhos que vivem em meio às perversidades deste século, a fim de que por Cristo sejam salvos para sempre.

Tenham, pois, sempre presente em vossas mentes que grande tesouro está encomendado a vosso cuidado. As Ovelhas são de Cristo, que as redimiu com sua morte e por elas derramou seu sangue: a Igreja e Congregação a que deveis servir é Esposa dele e corpo seu; e se esta Igreja, ou algum de seus membros, padecer algum dano em detrimento de vosso descuido, bem conheceis a enormidade de semelhante crime, o horrível castigo que deve ser sua consequência. Portanto, considerai atentamente dentro de vós mesmos, qual seja o fim de vosso Ministério com respeito aos Filhos de Deus, com respeito à Esposa e Corpo de Cristo; e cuidai para que não haja a menor intromissão em vosso trabalho, esmero e diligência, fazendo quanto puderem vossas forças, segundo vossas precisas obrigações, até que todos aqueles que têm sido, ou forem daqui por diante, recomendados a vosso encargo, cheguem a reunir-se naquela mesma fé e conhecimento de Deus, e naquela madura e perfeita varonilidade em Cristo, que exclua do meio de vós todo o erro em religião, e todo vício na conduta.

Sendo, pois, de tamanha excelência e dificuldade este vosso Ministério, considerai com quanto esmero e cordialidade deveis vos entregardes a seu desempenho, tanto para vos mostrardes zelosos e agradecidos ao Senhor, que os tem elevado a tão excelsa dignidade, como também para que eviteis vós mesmos ofender a Deus, ou ser causa de que outros o ofendam. Mas como tal propósito e vontade não a podeis ter de vós mesmos, posto que esta vontade e faculdade vêm unicamente de Deus, é, portanto, de vosso dever e estado de necessidade de a pedirem com empenho, que os conceda seu Santo Espírito. E já que tamanha obra, como que tendo por objeto nada menos que a salvação dos homens, não pode levar-se a seu desejado término, senão mediante a doutrina e exortações retiradas da Santa Escritura, acompanhadas de uma vida de conformidade com ela; notai, com quanta diligência devereis ler e aprender as Escrituras, e quais deverão ser vossos testemunhos, porque vossos costumes deverão ser segundo o modelo das mesmas Escrituras; e por esta razão, quer próximos, quer distantes, e quanto for possível, deveis estar vós livres de todos os cuidados e emprenho do mundo.

Temos a doce esperança de que já de antemão haveis pensado e ponderado todas estas coisas dentro de vós mesmos; e de que estais perfeitamente decididos, mediante a graça de Deus, a consagrarem-se inteiramente a este Ministério, a que sois chamados; de modo que, no quanto estiver de vossa parte, vos dedicareis em tudo e por tudo a este único objeto, e vos empenhareis em todos vossos estudos e desafios: e que estais decididos a orar sem cessar a Deus Pai, pela mediação de nosso único Salvador Jesus Cristo, para obter a ajuda celestial do Espírito Santo, a fim de chegar, mediante a contínua leitura e meditação das Sagradas Escrituras, à maturidade de vosso Ministério, para fortificarem-se nele, e ter todos os vossos esforços por ir progredindo em santidade de vida, e de vossos desejos, amoldando-os de tal maneira à Lei e doutrina de Cristo, que chegueis a serem exemplos e modelos piedosos de imitação para o povo.

Evidentemente, este é um texto de grande brevidade para analisar a dignidade, prerrogativas e funções do ministério, mas permite compreender o que é próprio do Ministro antes de estudar aquilo que é próprio dos leigos.

LEIGOS: MINISTROS E SACERDOTES Os homens são, sem dúvida, únicos na criação de Deus, sendo criados à Sua imagem. Originalmente tínhamos a capacidade de conhecer e ter comunhão com o Senhor. Infelizmente, esta imagem foi corrompida pelo pecado, mas permanece a obrigação de amar a Deus de todo seu coração, mente e força, e a seu próximo como a si mesmo.

Este amor não deve ser entendido como uma atração sentimental, nem uma lealdade a um senhor, esta última também os animais de estimação são capazes. Trata-se do amor motivado pela fé. Isto é essencial na harmonia entre Deus e Seus filhos.

O Salmista escreve, “O SENHOR olha do céu para os filhos dos homens, para ver se há alguém que tenha entendimento, que busque a Deus”. E o próprio apóstolo Paulo diz, “Não há quem entenda; não há quem busque a Deus” (Rom 3.11). Assim, é pela restauração deste conhecimento que, através do apoio do Ministro, os leigos devem se esforçar e promover o Evangelho em uma sociedade descrente no Deus verdadeiro.

A Igreja, a família de Deus, chama homens e mulheres a se arrependerem de seus pecados e a viverem pela fé. Também anima as pessoas a unir esforços em prol do Evangelho, do culto ao Deus vivo e na realização do Reino de Deus na Terra. Como visto anteriormente, a função do Ministro é ,a partir de agora, aperfeiçoar os santos para que estes levem adiante a missão de Deus. Contudo, precisamos lembrar sempre que os ministros da Igreja são não somente os diáconos, presbíteros e bispos, mas também cada membro da igreja que ama e serve ao Senhor.

Já mencionamos que os leigos são sacerdotes da Igreja de Cristo. Na Bíblia, um sacerdote é aquele que oferece louvor e sacrifícios a Deus. [24] Paulo escreve em Romanos que oferecemos nossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o nosso culto espiritual (Romanos 12.1-2). Também, como sacerdotes, os cristãos ministram uns aos outros na família de Deus. Isto significa apoio mútuo. Eles se apoiam, oram pelos outros, aprendem juntos, juntos são instruídos e cuidam da família de Deus. Assim, obedecem aos mandamentos do Senhor (João 13.35).

O apóstolo Pedro ensina o significado dos leigos como sacerdotes quando fala do sacerdócio real. “Mas vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz. Antigamente, não éreis povo; agora, sois povo de Deus; não tínheis recebido misericórdia; agora, recebestes misericórdia” (1 Pedro 2.9-10). Este texto mostra que, em Cristo, o povo de Deus é uma nova raça e uma nova sociedade.

Já não são mais brasileiros, espanhóis ou portugueses; agora são, principalmente, povo de Deus. Como sacerdotes, servem uns aos outros e oferecem louvores a Deus. Como uma nação santa, são cidadãos do céu e embaixadores de Cristo na Terra. A Igreja é o corpo de Cristo encarnado entre os povos e nações, testemunho vivo de Cristo, tornando visível o Reino de Deus pela presença e inspiração do Espírito Santo.

Os membros são “manifestos como carta de Cristo, ministrada por nós, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de corações de carne” (2 Coríntios 3.3). Logo, se faz necessário viver uma vida santa. Os leigos devem viver a fé além das simples palavras. Isto se faz possível quando estamos unidos em Cristo pelo Espírito Santo que faz plausível ser Cristo para os outros.

Juntos, os membros e os Ministros mostram a plenitude da Igreja de Cristo. Deste modo, o povo de Deus é refletido na harmonia das diversas funções, dons e ministérios.

Alderi Souza de Matos listou algumas implicações práticas em um texto sobre o sacerdócio universal dos crentes [25]:

a) O princípio do sacerdócio universal dos crentes nos fala do grande privilégio que temos como filhos de Deus: cada cristão é um sacerdote, cada cristão tem livre e direto acesso à presença de Deus, tendo como único mediador o Senhor Jesus Cristo.

b) Todavia, esse princípio jamais deve ser entendido de maneira individualista. A ênfase dos reformadores está no seu sentido comunitário. Somos sacerdotes uns dos outros, devendo orar, interceder e ministrar uns aos outros. À luz do Novo Testamento, todo cristão é um ministro (diákonos) de Deus, o que ressalta as ideias de serviço e solidariedade.

c) Num certo sentido, todos os crentes são "leigos," palavra que vem do termo grego laós, o povo de Deus. Todavia, a Escritura claramente fala de diferentes dons e ministérios. Alguns cristãos são especificamente chamados, treinados e comissionados para o ministério especial de pregação da Palavra e ministração dos sacramentos.

d) Os leigos, no sentido daqueles que não são "ministros da Palavra," também têm importantes esferas de atuação à luz do Novo Testamento. Os líderes da igreja devem falar sobre o ministério do povo de Deus, bem como instruir e incentivar os crentes e desempenharem o seu ministério pessoal e comunitário. A placa de uma igreja nos Estados Unidos dizia o seguinte: "Pastor: Rev. tal; Ministros: todos os membros."

e) O sacerdócio universal dos crentes corre o risco de tornar-se mera teoria em muitas igrejas evangélicas. Sempre que os pastores exercem suas funções com excesso de autoridade (1 Pedro 5.1-3), insistindo na distância que os separa da comunidade, relutando em descer do pedestal em que se encontram, concentrando todas as atividades de liderança e não sabendo delegar responsabilidades às suas ovelhas, tornando as suas igrejas excessivamente dependente de sua orientação e liderança, não dando oportunidades para que as pessoas exerçam os dons e aptidões que o Senhor lhes tem concedido, há um retorno ao “sacerdotalismo” medieval contra o qual Lutero e os demais reformadores se insurgiram.

Por esta razão, temos sempre que considerar os leigos como discípulos de Cristo e povo de Deus, são plenamente sacerdotes e ministros, ainda que não sejam parte do clero, nem tenham o ofício ou ministério de diácono, presbítero ou bispo.

É necessária uma nota final aqui. Pode acontecer que, na ausência de um Ministro, certos leigos sejam comissionados temporalmente pelo Bispo para desenvolver algumas das funções do clero. Isto não deve dar ao Ministro Leigo [26] (ou Evangelista) a ideia de possuir as prerrogativas próprias de um Ministro Ordenado. Fazendo assim, na verdade, estaria cometendo um grave erro contra si mesmo e um pecado contra a Igreja de Cristo.

Os Ministros Leigos são de grande importância para o bem-estar da Igreja, contudo devem entender sua função e dever na vida da família de Deus. Eles não são pais espirituais, mas irmãos maiores, portanto, ainda devem dar contas dos seus atos aos ministros ordenados, especialmente ao bispo e não atuar independentemente dos mesmos.

Eles devem estar fundamentados na Palavra de Deus; ser homens de devoção e vida piedosa; capacitados pelo Espírito Santo com diversos dons; capazes de dirigir cultos públicos e ensinar as Escrituras.

O fato de não ter sido ordenado, não significa que um cristão não possa exercer diversos ministérios ou ser instrumento de Deus para avançar a causa do evangelho. Pensar diferente disso, como foi dito anteriormente, seria cair no clericalismo.

SERVINDO AO POVO DE DEUS “É uma misericórdia indizível ser capaz de trazer as próprias faculdades e habilidades para o serviço de Deus” [27]. Essas palavras de John Owen nos lembram como existem diversas formas pelas quais os leigos podem servir a Deus através da participação ativa na vida da família de Deus, a Igreja.

Os leigos servem em diversos ministérios e vocações, sendo membros dos conselhos locais, delegados no sínodo, diretores de diversas associações e ministérios dentro da Igreja; ensinando, pregando, dirigindo a música, orando,

entre muitas outras funções. Contudo, entendemos que estas funções não podem ser um freio ou barreira que impeça o crescimento no conhecimento de Deus ou cause conflitos e divergências na família de Deus. Deste modo, servir a Deus servindo aos irmãos é uma bela coisa, sempre e quando se faça sob o Senhorio de Cristo e das orientações do Espírito Santo.

De fato, aqueles que desejam servir a Deus, devem buscar crescer na graça e no conhecimento de Deus. Paulo escreveu, “Pois em tudo fostes enriquecidos nele, em toda palavra e em todo conhecimento, porque o testemunho de Cristo foi confirmado entre vós” (1 Cor 1.5-6). Isto somente é possível se seguirmos estudando as Escrituras, aprendendo uns com os outros e servindo com humildade de coração.

Concernente os dons espirituais, estes são dados a cada cristão. Nem sempre os leigos entendem em que área têm sido capacitados, até que Deus coloque um desejo no coração deles de ir e ministrar em uma área relacionada ao dom recebido. Sempre tendo presente que somente o próprio Deus decide quem recebe este ou aquele dom. Na providência de Deus, Ele entrega o dom certo para cada pessoa. Contudo, devemos seguir o exemplo de Paulo que aconselhou sempre a busca do maior dos dons. Porque ele faz isto? Para que possamos abençoar a Igreja.

Os dons espirituais não são sinais de maturidade espiritual. Eles são concedidos para capacitar o povo de Deus, permitindo que ministremos uns aos outros. A identidade cristã não deve ser baseada nos dons, mas estar fundamentada no que a família de Deus é em Cristo.

Todos os cristãos são iguais diante de Deus. As funções e os dons foram dados para o bem-estar e crescimento da Igreja, com ordem e decência. Se esquecermos que somos parte da mesma família e que cada parte da família precisa da outra, será o início de maiores conflitos e problemas. Precisamos sempre ser fieis nos dons e humildes de coração na presença de Deus.

Uma consideração final. Os dons precisam ser usados para edificação do corpo de Cristo. Todos os dons são importantes e essenciais, portanto, não se pode pensar que um seja maior que o outro. Se os dons são exercidos no amor Deus, então, será evidente a unidade no espirito e a comunhão uns com os outros.

AS ATIVIDADES DO POVO DE DEUS Todas as famílias têm as mais diversas atividades. Assim também é na família de Deus. A vida em família não se resume às reuniões que acontecem os domingos. A vida familiar é vivida diariamente através das mais diversas atividades. Contudo, existem alguns elementos em comum que devemos considerar como família de Deus, se desejamos ser realmente Igreja. [29]

Na sociedade atual é muito difícil manter a comunhão e poder ajudar uns aos outros. Em grande parte, isso se deve à correria da vida. Assim, faz-se necessário buscar novas formas para manter a comunhão, e os irmãos mais antigos na fé devem caminhar com os mais novos, assim, mantendo a família unida, enquanto “Pensemos em como nos estimular uns aos outros ao amor e às boas obras, não abandonemos a prática de nos reunir, como é costume de alguns, mas, pelo contrário, animemo-nos uns aos outros, quanto mais vedes que o Dia se aproxima” (Heb 10.24-25). Especialmente, devemos considerar “visitar os órfãos e as viúvas nas suas dificuldades e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tiago 1.27).

Os textos lidos nos lembram que o mundo nos chama a fazer aquilo que gostamos mais, enquanto Deus nos chama a refletir sobre prioridades – a comunhão e a vida em comum. Isso nos lembra que sempre devemos olhar para Deus e seguir os ensinos da Bíblia.

A experiência pessoal, subjetiva como sempre é, faz com que facilmente nos esqueçamos do evangelho da graça de Deus, sendo necessário o processo de renovação das nossas mentes dia após dia (Rom 12.1-2). Por isso, precisamos seguir firmes na comunhão com os irmãos, e trabalhar incansavelmente para estabelecer os fundamentos da família de Deus nas nossas vidas.

Uma advertência nesse momento é que a forma mais rápida para destruir o senso de família de Deus é o perigo de só nos lembrarmos da Igreja quando estamos em necessidade ou quando precisamos de alguma coisa dos irmãos. Isto revela nossa fraqueza e a nossa necessidade de entender o que significa ser, de fato, Igreja como povo de Deus.

Se a comunhão é uma das atividades essenciais da comunidade de Deus, também devemos considerar a necessidade de instrução e capacitação dos leigos para toda boa obra.

Ninguém nascem sabendo, diz o velho ditado espanhol. Ele nos mostra uma grande verdade. Na família natural os pais devem ensinar os filhos, instruindo-os em toda santidade e capacitar para crescer e amadurecer na vida.

Assim também deve ser na Igreja. Os leigos precisam crescer no seu ministério e dons espirituais. Estes surgem a partir do que eles são em Cristo e de sua união com Ele.

Um dos ministérios mais importantes será sempre a escola dominical, os estudos bíblicos e os grupos caseiros, onde os novos discípulos podem aprender com aqueles que possuem mais tempo de caminhada cristã. Os jovens podem aprender muito com os idosos e os idosos conseguem com os jovens redescobrir coisas esquecidas. [30]

Sejamos conscientes, uma boa instrução requer tempo. Moisés precisou de 40 anos no deserto, antes de ser enviado de volta para libertar Israel da escravidão do Egito. Os próprios apóstolos estiveram três anos com Jesus, dia e noite. O apóstolo Paulo levou treze anos para fazer sua primeira viagem missionária.

O tempo e a paciência nos ajudam a ter o caráter testado e formado nas dificuldades; assim, ele é formado mais perto do coração de Deus e no exemplo de Cristo. “Por isso mesmo, aplicando todo o vosso esforço, acrescentai a virtude à vossa fé e o conhecimento à virtude, e o domínio próprio ao conhecimento, e a perseverança ao domínio próprio, e a piedade à perseverança, e a fraternidade à piedade, e o amor à fraternidade. Porquanto, se essas virtudes existirem e crescerem em vós, elas não vos deixarão ociosos nem tampouco infrutíferos no perfeito conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Pedro 1.5-8)

Às vezes, há momentos na vida nos quais percebemos estar em um deserto espiritual. Não entendemos o que está sucedendo e buscamos sair dessa situação o mais rápido possível, porque nos sentimos sem forças e desanimados. Talvez seja, porém, parte do proposito de Deus em nossas vidas. Deus está principalmente interessado em você como filho dEle e, depois, só depois, no que você pode fazer em favor do Reino.

Nestes momentos, sempre será importante ter verdadeiros cristãos que nos ajudem a crescer e discernir a voz e o propósito de Deus. As dificuldades virão, mas estas podem ser parte do maravilhoso plano de Deus para a vida de cada um de nós.

A Igreja deve trabalhar para que exista uma verdadeira comunhão entre os irmãos, a fim de que cada membro da família de Deus seja ajudado a crescer no conhecimento de Deus e a ministrar os seus dons do Espírito, auxiliando uns aos outros no processo do aperfeiçoamento cristão.

AS RESPONSABILIDADES DO POVO DE DEUS Notamos até agora que a primeira responsabilidade do povo de Deus é “ensinar o que os homens e as mulheres devem crer e o que devem fazer”. Se é certo que o ensino é a prerrogativa do clero, também é certa a importância da ajuda e da assistência nesta função por toda a Igreja.

A Palavra de Deus e a direção do Espírito Santo determinam a mensagem do Ministro. Sendo assim, ele deve se aprofundar no estudo das Escrituras e na vida devocional para que o Espírito Santo ilumine seu entendimento. Não em vão, o clero tem sobre si uma das maiores responsabilidades que um homem pode ter: ensinar os mandamentos de Deus e ajudar a família de Deus a ser pronta em obedecer a Lei de Deus e os ensinos de Cristo. [31]

Por esta razão, a escolha certa do presbítero, bem como a congregação que o pai escolha para sua família natural, será essencial para o crescimento espiritual da mesma. Não devemos tomar a decisão de participar de uma igreja local baseados na música, na popularidade do pastor, nos programas e eventos da igreja, ou no número de

membros, e sim com a preocupação de saber se aquela Igreja ensina a sã doutrina encontrada nas Escrituras e se ela busca a iluminação do seu entendimento pelo Espirito Santo, a fim de viver os ensinos de Cristo no dia a dia.

A segunda prerrogativa da Igreja se encontra na declaração, “celebrar e dirigir os cultos, administrar os sacramentos, ordenar seus Ministros pela imposição de mãos do Bispo e cuidar pastoralmente da família de Deus”.

A segunda responsabilidade concernente ao povo de Deus se encontra na importância de que os leigos exerçam um papel essencial na Igreja. Isto é, orar pelo Ministro, observar como são dirigidos os cultos e participar ativamente no culto a Deus, sendo instruídos nos caminhos do Senhor. O culto cristão é principalmente, e essencialmente, para adoração e louvor a Deus. Esta é a primeira função do povo de Deus reunido em assembleia. [32]

Ao mesmo tempo, o povo de Deus confessa os pecados, glorifica a Deus nos cânticos, escuta a Palavra, confessa a fé no Deus Trino, aprende na exposição da Palavra de Deus, ora um pelo outro, agradece a Deus nas ofertas e dízimos, celebra os sacramentos, renova a nova e eterna aliança, agradece a Deus pelos alimentos espirituais, é abençoado e sai ao mundo para servir e amar ao Senhor.

Agora, os leigos não devem tomar, sem verificação, os ensinos do Ministro. Estes não devem ser aceitos se são contrários às Escrituras. Isto requer uma atenção urgente nos dias de hoje, quando temos tantos pastores no Brasil que parecem ter pouco conhecimento das Escrituras ou que têm sido persuadidos por doutrinas contrarias as próprias Escrituras.

Uma vez dito isso, se o Ministro é temente a Deus e busca, constantemente, submeter-se às Escrituras, viver conforme os ensinos de Cristo e seguir a vontade de Deus, nesse caso, os leigos devem ser fiéis ao presbítero, orar por ele, apoiar seu ofício e tomar a iniciativa de, conforme seja confiado a eles, servir a Igreja.

A terceira responsabilidade, como família de Deus é “exercer disciplina, receber e rejeitar membros na família de Deus.” [33]

Acredito ser esta a responsabilidade mais negligenciada nos dias de hoje. Fico constantemente chocado com as notícias que leio nos jornais, relacionando cristãos e a falta de ética. Isso sem falar da imoralidade existente na Igreja nos dias de hoje.

Novos membros são recebidos com extrema facilidade, sem a instrução e a formação necessárias. E, quando essa existe, somente se baseia em conhecimentos teóricos, sem se aprofundar no estilo de vida de Cristo. Com certeza, temos cartas altamente doutrinais no Novo Testamento, como Romanos e Gálatas, mas é interessante observamos que as cartas de Paulo, Pedro e João tratam principalmente de questões de vida e prática cristãs.

Faz-se urgente reconsiderar o que entendemos por membro e membresia na Igreja, tendo em vista a crise atual na Igreja de Cristo. Talvez, entender o pacto ou nova aliança ajude aos novos cristãos a entenderem que ser realmente membro da Igreja de Deus vai além de uma subscrição doutrinária, sendo mais do que isso, um compromisso pactual para toda a vida. [34]

A disciplina na Igreja deve ser recuperada para ajudar os cristãos a seguirem o exemplo de Cristo. Ela não deve ser usada como uma ferramenta de vingança ou opressão, ainda que, às vezes, a família de Deus possa ser acusada disso. Contudo, estas acusações, quando falsas, não devem impedir a disciplina daqueles que não desejam arrepender-se dos seus pecados ou de fazerem outros caírem nos mesmos.

Existe no anglicanismo um papel importante dos Tribunais eclesiásticos para desenvolver esta função, no qual os leigos têm um papel essencial para o bem-estar na Igreja e seu crescimento saudável. [35]

Por mais que seja difícil adotar medidas disciplinares, elas podem se fazer necessárias se desejamos manter a pureza e a santidade da Igreja diante do avanço da secularização e do liberalismo. Temos que ser precavidos, pois, além de todos estarmos sujeitos ao erro e a disciplina, também existem lobos no meio do povo eleito de Deus.

Finalmente, a quarta responsabilidade é a missão de Deus. Em outras palavras, fazer visível o Reino de Deus, ensinar as nações tudo aquilo que Cristo ordenou. Esse quarto ponto é uma união, parcialmente, dos três anteriores, e também uma exigência do mandato apostólico, como ele foi recebido (Mateus 28.19-20). [36]

Este mandato apostólico é, sem dúvida, uma prerrogativa dos Bispos, porém, sendo a Igreja um corpo, é prerrogativa de todo o povo de Deus, sendo a Igreja chamada a apoiar e ajudar o Bispo a levar adiante este mandato. Somente quando a Igreja trabalha junta em sua missão comum é que este mandato se faz possível, conforme Efésios 4.11-13.

Os leigos são, no dia a dia, os verdadeiros embaixadores de Cristo em cada esfera de poder das nações e se encontram presentes em cada aspecto da vida de uma nação ou comunidade. Assim, a Igreja se torna uma realidade visível, como família e povo de Deus, quando o clero, especialmente os Bispos, com a ajuda dos Presbíteros, são usados por Deus para aperfeiçoar os santos e os santos são os mensageiros do Reino de Deus enviados ao mundo, onde quer que seja.

Não em vão, todo Bispo tem na sua função e ofício os cinco elementos dos dons ministeriais, mas estes se fazem visível através de todo o povo de Deus. Deste modo, a Igreja é capaz de chegar além do que uma só pessoa poderia ir ou fazer em Cristo.

O POVO REUNIDO EM CRISTO

O povo de Deus se torna real quando se reúne na presença de Deus. O culto congregacional não é, nem deve ser, individual, mas este tem em si mesmo o sentido congregacional, comunitário e corporal. Sem este autêntico sentido cristão de culto estamos condenados a ser uma sociedade individualista, incapaz de fazer diferença nas vidas das pessoas ou, ainda mais prejudicial, incapaz de louvar em espirito e em verdade.

Existe uma urgência de se recuperar o verdadeiro sentido do culto. Isto se faz urgente em uma sociedade de consumo e de valores distorcidos. Por isso, é necessário que tudo o que fazemos no culto seja comunitário e verdadeiramente centrado na Trindade.

Se assim fizermos o culto refletirá a fé que confessamos no Credo. Esta é a maior expressão de “Lex orandi, lex credendi” [37], que podemos traduzir como “a lei da oração é a lei da crença”. Este lema da Igreja nos lembra a forte relação que existe entre o culto e crença. O culto define a crença, além do que possamos perceber ou entender na mente.

É costume dizer que se desejamos saber no que realmente as pessoas acreditam, só precisamos escutar o que elas oram. Isto nos lembra que ter um verdadeiro tempo de autêntica oração e devoção aponta uma real intimidade com o Pai, ainda que a quantidade de tempo que passamos em oração não defina, por si só, nossa maturidade na fé,

Os Anglicanos reformados vivem o “Lex orandi, lex credendi,” tanto através do Livro de Oração Comum, dos 39 Artigos da Religião e do Catecismo, como pelo fato de que a regra de vida cristã, como Igreja, se divide em tempos ao redor do culto comum.

Os leigos participam ativamente no culto através de orações, louvores, cânticos, leituras, confissão e assim por diante. Sem povo de Deus, não existe culto e os Ministros não podem celebrar sem a presença do povo. Somente quando a congregação está reunida diante do Deus Trino o Ministro, juntamente com o povo, louva a Deus em espirito e verdade.

No culto cristão, todos os participantes compartilham da mesma posição diante de Deus, como fala o salmista, “Esta será a honra para todos os santos. Aleluia!” (Salmos 149.9). Esta realidade permite que sejamos capazes de participar na adoração e, então, podemos esperar a glória do Senhor preencher a casa, como fez no tempo de Salomão. Se assim for, poderemos chegar a ver “que os sacerdotes não conseguiam permanecer em pé para ministrar por causa da nuvem, porque a glória do SENHOR encheu o templo de Deus” (2 Crônicas 5.14). Isto será assim, se conseguirmos esquecer aquilo que não é importante – estilo musical, cânticos, programas, campanhas – e nos apegarmos aquilo que é importante, DEUS. Somente deste modo os adoradores serão capazes de ter, como nunca antes, um encontro com Deus.

Se não entendermos com clareza que a adoração cristã é um evento escatológico, vivido no presente, não perceberemos a importância do culto na realização do perfeito plano de Deus neste tempo. Tudo o que fazemos, acreditamos e vivemos tem um objetivo final: glorificar Deus e declarar que Cristo Reina pela presença do Espírito Santo em nós. [38]

Somente essa percepção nos permitirá notar que da mesma forma que os cantores e músicos eram um no Templo, quando uniam suas vozes ao ritmo dos instrumentos em uma perfeita sinfonia, assim acontece quando entramos no Trono da Graça, unidos a Igreja do passado, do presente e do futuro, na companhia dos anjos e de todas as criaturas celestes. Nesse instante, “Pois, assim como as águas cobrem o mar, a terra se encherá do conhecimento da glória do SENHOR” (Habacuque 2.14).

Este é o grande privilegio do povo de Deus reunido na adoração. Assim, conheceremos novamente a maior glória do templo vivo onde Deus habita com o seu povo eleito.

CONVERSANDO EM FAMÍLIA

Uma característica das famílias é a capacidade de ter discussões sinceras em questões que envolvem o bem-estar e o futuro dos membros da mesma. As controvérsias e as crises são resolvidas dentro da própria família, buscando o bem comum acima dos desejos e interesses pessoais.

Na família de Deus deve ser da mesma forma. Existem mecanismos que proporcionam conversas sinceras que permitem resolver desacordos e buscar o pelo bem-estar da família. As igrejas locais deveriam dedicar considerável tempo e energia para que isto seja parte da sua vida como igreja cristã.

Infelizmente, isto tem sido uma das áreas mais negligenciadas na Igreja hoje. Quando surgem desacordos ou conflitos, percebemos que aquilo ensinado pelas Escrituras é ignorado e se busca resolver as situações fazendo exatamente aquilo que as sagradas letras condenam.

Se as questões são de caráter pessoal, devem ser resolvida através dos princípios que encontramos nas palavras de Jesus, “Se teu irmão pecar contra ti, vai a sós com ele e repreende-o; se te ouvir, ganhaste teu irmão. Mas se ele não te ouvir, leva ainda contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda palavra se confirme pela boca de duas ou três testemunhas. Se ele se recusar a ouvi-las, dize-o à igreja; e, se também se recusar a ouvir a igreja, considera-o gentio e publicano. Em verdade vos digo: Tudo quanto ligardes na terra terá sido ligado no céu, e tudo quanto desligardes na terra terá sido desligado no céu” (Mateus 18.15-18).

Aquele que sofre a ofensa deve também procurar o irmão ofensor em busca de reconciliação. Se o ofensor não quer tal reconciliação, então devemos seguir os passos ordenados pelo texto bíblico, que pode acabar em um processo disciplinar por parte da Igreja, como uma família que castiga o membro desobediente e rebelde. [39]

As palavras “ligar” e “desligar” [40] (veja também Mateus 16.19 e João 20.23) fazem menção direta à autoridade que os Ministros da Igreja, especialmente os Bispos, têm recebido de Jesus para disciplinar a conduta errônea para o bem-estar da família de Deus. Esta autoridade delegada por Jesus tem como alvo governar e proteger a família de Cristo. Porém, esta autoridade deve ser exercida seguindo os próprios ensinos de Jesus Cristo, conforme as Escrituras.

É curioso como questões de índole pessoal podem se converter em questões que envolvam toda a família. Ao mesmo tempo, se a pessoa ofendida não segue os princípios prescritos nas Escrituras, acaba escolhendo seguir aquilo que as Escrituras condenam: fofoca, criticismo, ataques pessoais, entre outros (1 Samuel 15.23; Provérbios 16.28; Romanos 1.29-32; 1 Timóteo 5.12-13).

Os membros têm um importante papel no processo de exercer a disciplina e buscar o bem-estar comum. Como família todos têm seu papel, ainda que a última palavra seja dos pais – os Ministros.

Os leigos e os Ministros trabalham juntos para o bem-estar da Igreja e a expansão do Reino de Deus. Contudo, isto requer que a submissão ao Espírito Santo seja o centro da vida em comum, seguindo a autoridade das Escrituras.

Novamente, permita-me que enfatize o seguinte: se tensões e dificuldades surgem, a conversa deve seguir fluindo. Se alguém não fala com o outro diante do desacordo, isto só vai aumentar o problema. Sobretudo, se a situação vem acompanhada de críticas e murmurações contra o outro, de forma pública ou privada.

É urgente criar fóruns onde se desenvolva um debate saudável na família de Deus, porque assim poderemos evitar uma atmosfera insalubre. Estes fóruns são chamados de sínodos e concílios, seguindo o exemplo do Concilio de Jerusalém (Atos 15), onde os membros decidem juntos sobre a orientação do Espírito Santo. Assim, a família de Deus reunida discerne junta a vontade de Deus

Evidentemente, isso exige que todos aceitem normas comuns de vida, como são definidas nos Cânones que são aprovados pelo Sínodo, sem esquecer o princípio básico da vida Cristã: o amor. Do contrário, os sínodos e conselhos se convertem em lutas por poder.

A fraqueza do homem faz com que o desejo por poder e controle tenha a preeminência, muitas vezes contra a autoridade das próprias Escrituras e contra a submissão devida as decisões tomadas pelo Sínodo. O espírito deste mundo se faz, assim, presente e interfere no meio da família de Deus.

Os conselhos locais e os sínodos não são as únicas formas pelas quais a família de Deus ajuda seus membros a terem uma boa conversa para o bem-estar de todos.

Os membros da família de Deus precisam compreender qual é a mente de Deus a respeito dos mais diversos temas que afetam a vida em comum. Assim, existe a necessidade de que várias pessoas exponham de forma concisa e clara, publicamente, a mente de Deus sobre um texto bíblico ou tema. Este método tem sido usado de forma eficaz no passado pelos presbiterianos e anglicanos. Esta metodologia permite formar e instruir o povo de Deus para o exercício do ministério eficaz da família de Deus.

Outra metodologia são as oficinas e palestras que tem como alvo a instrução de toda a família cristã no conhecimento de Deus.

Não devemos cometer o erro de pensar que apenas Ministros podem desenvolver estes ministérios de ensino. As Escrituras nos mostram várias situações que devem ser seguidas pelos membros da Igreja. Uma delas tem como protagonista Paulo. Depois de pregar, os seus ouvintes foram até as Escrituras para ver se realmente o que tinha falado era verdade. Os Bereanos desejavam saber se as implicações das palavras de Paulo eram corretamente extraídas da Bíblia. “Os de Bereia tinham mente mais aberta que os de Tessalônica, pois se mostraram muito interessados ao receber a palavra, examinando diariamente as Escrituras para ver se as coisas eram de fato assim” (Atos 17.11).

Outra situação onde vemos o papel dos leigos, bastante curiosa a luz do clericalismo atual, encontramos em Atos 18.24-26, “Certo judeu chamado Apolo chegou a Éfeso. Natural de Alexandria, era um homem eloquente, com grande conhecimento das Escrituras. Ele era instruído no caminho do Senhor e, fervoroso de espírito, falava e ensinava com precisão as coisas concernentes a Jesus, ainda que conhecesse somente o batismo de João. Ele começou a falar corajosamente na sinagoga. Mas, quando Priscila e Áquila o ouviram, levaram-no consigo e lhe expuseram com mais precisão o caminho de Deus.”

Priscila e Áquila eram leigos que serviam fielmente a Deus. Não em vão, o próprio Paulo os descrevia como “companheiros no serviço de Jesus Cristo” (Romanos 16.3).

Quando pedimos que os Ministros conheçam o que está acontecendo no mundo, também se espera que os leigos tenham um verdadeiro conhecimento de Deus e uma boa instrução na sã doutrina.

Neste texto não tenho defendido um sistema democrático da Igreja, nem que os leigos sejam os donos dela ou que os Ministros sejam seus senhores. Pelo contrário! A família de Deus precisa de todos os seus membros para o bem-estar comum, crescendo juntos na graça de nosso Senhor Jesus Cristo.

O clero tem recebido a autoridade diretamente de Jesus Cristo, por meio da Igreja, sendo responsáveis diante d’Ele por seus atos. Porém, esta autoridade tem sido dada com o propósito de desenvolver a mente de Cristo no povo de Deus, como pais espirituais. Os Ministros devem buscar o Reino de Deus, entregando-se a amar e servir a família de Deus.

Por isso, ainda que as discussões e conversações familiares sejam muito importantes para o crescimento da família, precisamos sempre ter em mente que a verdade nem sempre se encontra na vontade da maioria. A Igreja não é uma democracia, a Igreja é uma família e um povo escolhido sobre a autoridade de Deus, onde o conselho pode ajudar a discernir a mente de Cristo.

SERVINDO COMO POVO DE DEUS A Igreja serve das formas mais comuns. Muitas vezes os novos cristãos pensam que servir a Cristo se faz através da pregação ou sendo missionário. Isso é verdade, contudo, não é toda a verdade.

Os leigos servem através dos seus empregos, os quais permitem que as famílias tenham comida, um lar e as coisas que precisam para viver. No trabalho, os leigos são testemunho de Cristo. Não pelo que possam dizer, mas como vivem, atuam e pensam. [41]

Se os cristãos são exemplos de bons trabalhadores, isto vai trazer mais honra e glória a Deus. E, ao mesmo tempo, podemos servir aqueles ao nosso redor, através de palavras de ânimo, apoio, oração e bons conselhos.

O trabalho nunca deve ser considerado como uma coisa separada da fé. Viver a vocação cristã no emprego é parte do próprio chamado de Deus. “E tudo quanto fizerdes, quer por palavras, quer por ações, fazei em nome do Senhor Jesus, dando graças por ele a Deus Pai” (Colossenses 3.17).

Como Ministro, sempre achei que os leigos podiam chegar com maior facilidade a lugares que eram de mais difícil acesso para mim. Inclusive, eles têm a oportunidade de servir e ministrar de forma natural, sem causar nenhum temor. Claro, se fazemos isso com amor e respeito às outras pessoas.

Se servirmos amando as pessoas de verdade e permitimos que o Espírito Santo nos use como Ele deseja, então, é certo sermos missionários eficazes onde quer que estejamos.

Lembremos que pais podem servir nos conselhos escolares, por exemplo, e que muitos de nós podem ter assento e voz nas empresas, nos sindicatos, partidos políticos, etc. Existem muitas áreas onde os leigos podem participar e influenciar com valores e princípios cristãos para a glória de Deus.

Fazer visível o Reino de Deus significa que Deus reina em cada esfera da vida pessoal, familiar, comunitária e nacional. Somos embaixadores, sacerdotes e ministros de Deus, com o desejo de que o mundo venha conhecer a Jesus Cristo como Senhor e Salvador.

A CONCLUSÃO

Juntamente com os Ministros, os leigos fazem parte do Corpo de Cristo. Somente estando fortemente envolvidos na igreja é que os cristãos poderão alcançar de forma extraordinária o propósito de Deus na vida do Reino e no mundo.

Uma reflexão rápida permitirá perceber que isto não será possível simplesmente através da congregação local, também conhecida como a igreja local ou paróquia. Os membros da família local não podem viver isoladamente do resto da família de Deus. A família cristã precisa recuperar o seu sentido universal e global.

Assim, recuperamos o sentido neotestamentário de uma igreja local, regional e universal.

Tendo estudado a Igreja por meio de sua figura como família de Deus, não podemos esquecer das outras formas em que a Igreja se apresenta a nós. Somos o corpo de Cristo, portanto celebramos a diversidade de dons, ministérios e funções. Realmente, somos diferentes os uns dos outros, mas é justamente isto que nos torna corpo de Cristo. Da mesma forma que existem três pessoas na Divindade, existe uma grande diversidade de pessoalidades, dons e formas de servir a Deus na Igreja. E, lembremos sempre, somos as mãos e pés deste Corpo e Jesus nos ensinou que, como Igreja, faríamos grandes coisas pelo Reino de Deus.

Finalmente, nunca, nunca, nunca, devemos nos esquecer de que Jesus Cristo é o cabeça da Igreja e o Senhor sobre nossas vidas. A Igreja é o seu corpo e sua noiva. Sem sua presença, a Igreja não pode existir e está condenada a ser outra organização humana. O Espírito Santo é que dá vida e vitalidade a Igreja para ser aquilo que foi chamada a ser e fazer, como o corpo de Cristo no mundo.

Não esqueçamos que Jesus é quem edificará Sua Igreja e não os homens. Devemos obedecer a Seus ensinos e seguir o Seu exemplo, em constante submissão a orientação do Espírito Santo.

Fico deslumbrado quando percebo a maravilhosa graça de Deus que permite ao seu povo eleito ser instrumento nos seus propósitos eternos. Ele escolhe os seus eleitos, leigos e Ministros, no lugar secreto para participar com Ele no trono da Graça, tendo um lugar especial através das orações e suplicas pelas nações, sendo embaixadores do Seu Reino para a benção dos povos. Este é o amor-privilégio que temos todos os cristãos, como sacerdotes e ministros dos mistérios de Deus.

Que Seu Reino venha, e que sua vontade seja feita aqui na Terra como no Céu, pelos séculos dos séculos. Amém.

Referências

[1] Stephen Neill, A History of Christian Missions (Baltimore: Penguin Books, 1971), p. 24.

[2] Esta é a definição original da Igreja de Cristo, de acordo aos credos universais da Igreja Indivisa. Tais credos têm sido confessados por todos os cristãos de cada geração. Nos encontraremos geralmente uma dificuldade emocional entre os evangélicos de aceitar o termo “católica” naqueles países de maioria católica-­romana. Isto é devido a que o termo “católica” é associado a uma denominação, e não é compreendido como uma das marcas e características da Igreja de Cristo.

[3] Para o teólogo católico romano, Cesar Kuzma, “o termo “comunidade” vem do latim communio e possuidora de duas conotações: primeiro que a raiz mun significa fortificação, muralha. Pessoas que estão numa communio estão atrás de uma fortificação, de uma segurança comum. Estão unidos por um espaço vital, onde a união faz a vida de cada um depender do outro. Em segundo lugar: a palavra mun vem da palavra latina múnus, que significa tarefa, serviço, ou também graça e dom. A communio está obrigada a um serviço mútuo, mas de maneira que este serviço seja precedido por um dom dado anteriormente, que se recebe para ser passado aos outros. Em se tratando de comunidade de fé cristã, elas devem estar nutridas de ambos e espelhar-­se na comunidade de amor da Santíssima Trindade. Por esta razão, communio, comunidade, não é algo estático, mas dinâmico, conforme a Trindade.” (cf. Kuzma, C. leigos e leigas. p. 92)

[4] Almeida, J., Leigos em que?, Paulinas Editorial (Ed. Digital), 2013.

[5] Idem.

[6] Elwell, Walter, A., Evangelial Dictionary of Theology, Paternoster: Carlisle, 1984. pp. 617.

[7] Faivre, A., The Emergence of the Laity in the Early Church, Paulist Press, 1990.

[8] FAIVRE A. Os Leigos nas Origens da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 65.

[9] Holmes III, Urban T., What is Anglicanism?, Morehouse Publishing, 13th Edition, 2007.

[10] Almeida, J. Leigos em quê?, p. 243.

[11] Crisóstomo, João, 2 Corintios, Homilia 18, n3.

[12] Agostinho, A Cidade De Deus, 10, 19,19.

[13] Declarações Canônicas e Constitucional, Constitution and Canons Ecclesiastical, 1983 Edition, pp 69-­70.

[14] Grenz, S.J., Theology for the Community of God, Eerdmans;; Seventh Impression edition, 2000.

[15] Stott, John, Your Confirmation, Hodder & Stoughton Religious Division;; 2nd edition, 1991.

[16] Oosterwal, "The Role of the Laity," Andrews University Focus, vol. 9, no. 3, supplement (July, August 1973).

[17] Luther, Martin, Luther's Works, Volume 39: Church and Ministry, Fortress Press, 1970.

[18] A Igreja Católica está tentando se libertar desse clericalismo, porém continua presente. Fonte: https://www.crisismagazine.com/2008/on-­clericalism

[19] Sott, John, Discípulo Radical, Editora Ultimato.

[20] Agostinho. Sermões 340, 1.

[21] Marshall, C, Payne, Tony, A Treliça e a Videira, Editora Fiel.

[22] Recomendamos a leitura de “Pastor a Pastor”, Hernandes Dias Lopez, e “Manual Pastoral de Discipulado”, Richard Baxter. Estes livros ajudaram a superar o clericalismo e compreender o papel do Ministro nos dias de hoje.

[23] Livro de Oração Comum da Free Church of England

[24] https://churchsociety.org/docs/churchman/052/Cman_052_2_Parsons.pdf

[25] http://thirdmill.org/portuguese/6140~11_1_01_10-­19-­54_AM~O_Sacerdócio_Universal_dos_Crentes.html

[26] https://archive.org/details/layreaderstheirh00restrich/page/n3

[27] https://www.amazon.com/Gods-­Statesman-­Life-­Work-­John/dp/0853641331

[28] Storms, Sam, Dons Espirituais, Editora Vida Nova.

[29] https://www.biblicalfoundations.org/the-­household-­of-­god/

[30] http://bakerpublishinggroup.com/books/effective-­bible-­teaching-­2nd-­edition/340790

[31] https://www.amazon.com/Keeping-­Ten-­Commandments-­J-­Packer/dp/1581349831/

[32] https://www.amazon.com/Ancient-­Future-­Worship-­Proclaiming-­Enacting-­Narrative/dp/0801066247/

[33] https://vidanova.com.br/editora/lancamento/disciplina-­na-­igreja-­como-­a-­igreja-­protege-­o-­nome-­de-­jesus

[34] https://vidanova.com.br/790-­membresia-­igreja.html

[35] Recomendou a leitura dos Cânones J da Igreja Livre da Inglaterra.

[36] https://vidanova.com.br/422-­missao-­povo-­deus.html

[37] https://www.virtueonline.org/lex-­orandi-­lex-­credendi-­practical-­basis-­anglican-­way-­peter-­toon

[38] https://elshaddai.com.br/livro/nao-­jogue-­sua-­vida-­fora-­john-­piper/

[39] http://www.mundocristao.com.br/produto/772/Perdão-­total

[40] Comentário Bíblico Matthew Henry.

[41] https://livros.gospelmais.com.br/livro-­tag/ser-­cristao-­no-­trabalho