O PROCESSO DE ESCRITURA DA REDAÇÃO DE...

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1 O PROCESSO DE ESCRITURA DA REDAÇÃO DE VESTIBULAR: O ARGUMENTO COMO ELEMENTO DE SENTIDO ENTRE VESTIBULANDOS E AVALIADORES por JANDIRA AQUINO PILAR Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em Letras, Curso de Mestrado, da Universidade Federal de Santa Maria (RS) como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras. SANTA MARIA, RS, BRASIL 2000

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O PROCESSO DE ESCRITURA DA REDAÇÃO DE VESTIBULAR:

O ARGUMENTO COMO ELEMENTO DE SENTIDO ENTRE

VESTIBULANDOS E AVALIADORES

por

JANDIRA AQUINO PILAR

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em Letras, Curso de Mestrado, da Universidade Federal de Santa Maria (RS) como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras.

SANTA MARIA, RS, BRASIL

2000

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Este trabalho é dedicado a todos os meus alunos que, ao saírem das formas preestabelecidas, instigaram-me a buscar outras maneiras de ler o texto.

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AGRADECIMENTOS À Professora Drª Désirée Motta-Roth, pela orientação que me possibilitou repensar a minha prática e, principalmente por representar o marco de uma nova perspectiva teórico-prática no meu trabalho como professora de redação. À Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, em especial ao Professor Paulo Guedes, por ter cedido as redações para este trabalho, demonstrando seu comprometimento com a pesquisa, verdadeiro elo entre a teoria e a prática, que coloca a universidade como “instância dialógica de conhecimento”. Aos professores avaliadores que concederam as entrevistas, por contribuírem para a realização deste trabalho. Aos Professores Mestres Maria Eulália Albuquerque e Roque Amadeu Kreutz, por se terem constituído em referência no meu caminho como professora de redação. Às Professoras Mestres Najara Pinheiro e Neiva Rebelo, pelas leituras esclarecedoras. Às colegas de Mestrado, em especial à Sônia, à Valéria e à Silvana, pelo companheirismo e pela amizade. À Coordenação, professores e funcionárias do Mestrado, pela competência e profissionalismo. Às colegas da Escola Coronel Pilar, em especial à Tania, pela confiança que depositaram na realização deste trabalho. Ao Lino, ao Germano e à Mônica, por representarem, sempre, porto seguro nas minhas incertezas e pódium de chegada nas minhas realizações. À meu pai (in memorium), à minha mãe e aos meus irmãos, pelo apoio e pela confiança que incentivaram a realização dos meus sonhos.

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À Sandra, pelo incentivo que me auxiliou a ver a chegada como uma certeza. RESUMO

O PROCESSO DE ESCRITURA DA REDAÇÃO DE VESTIBULAR:

O ARGUMENTO COMO ELEMENTO DE SENTIDO ENTRE

VESTIBULANDOS E AVALIADORES

Autora: Jandira Aquino Pilar

Orientadora: Professora Drª Désirée Motta-Roth

O processo de escritura da redação de vestibular tem sido objeto de preocupação para alunos, pais, e para nós, professores de redação de Ensino Médio, tendo em vista que os problemas de desempenho na prova de redação podem contribuir para a perda da tão sonhada vaga no Ensino Superior. Por outro lado, os livros que versam sobre o processo de escritura de redação de vestibular e, portanto, subsidiam o trabalho dos professores não apresentam referenciais para embasar um ensino de redação para o vestibular em toda a sua complexidade. Os critérios utilizados para avaliar as redações no concurso vestibular, por sua vez, (publicados no Manual do Avaliador e no Manual do Candidato) não têm sido suficientes para minimizar a subjetividade pertinente à avaliação de textos. Com o objetivo de compreender o processo de redação de vestibular e seu produto, realizamos entrevistas com cinco membros de equipes de avaliação de três universidades para elicitar o que os avaliadores consideram um "texto satisfatório" a partir do ponto de vista institucional. Além disso, analisamos 09 redações "nota dez", produzidas no concurso vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tentando determinar a relação entre texto e contexto. Levando em conta o trabalho de HALLIDAY & HASAN (1985) para analisar o gênero e a visão crítica do discurso de FAIRCLOUGH (1992), nós analisamos os textos primeiramente pelas características correspondentes às três variáveis campo, teor e modo e segundo pela adequação entre as expectativas da banca e os textos produzidos no momento do concurso. Nossa hipótese inicial era que as redações consideradas satisfatórias deveriam manter uma estrutura regular que poderia ser definida em termos de TOULMIN (1958) como Tese, Dados e Garantias. Essa estrutura seria usada pelo candidato como dispositivo retórico para persuadir os examinadores de seu ponto de vista sobre os problemas discutidos por eles e, portanto, seria capaz de demonstrar a competência discursiva do candidato. Os resultados mostram que essas redações podem ter sido consideradas satisfatórias porque: 1) elas atendem à adequação texto-tema, mantendo a

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coesão lexical (campo); 2) demonstram a habilidade persuasiva do autor através do uso de recursos de modalidade; e 3) elas foram estruturadas em termos de declarações do ponto de vista do autor, sustentadas por Dados e Garantias, que estabelecem a relação entre a Tese e os Dados. A partir disso, podemos concluir que os livros sobre o ensino de redação precisam abordar aspectos relacionados ao processo de construção do argumento a fim de subsidiar um ensino de redação mais condizente com as reais necessidades dos alunos. UNIVERSIDADE DE SANTA MARIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Dissertação de Mestrado em Letras- Estudos da Linguagem Santa Maria, junho de 2000

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ABSTRACT

THE PROCESS OF ESSAY WRITING FOR THE UNIVERSITY ENTRANCE

EXAMINATION: THE ARGUMENT AS A MEANING ELEMENT AMONG

APPLICANTS AND EVALUATORS

Author: Jandira Aquino Pilar

Advisor: Désirée Motta-Roth

The process of essay writing for the university entrance examination has been object of concern for students, parents and teachers of writing at the secondary level school, considering that the performance problems in the essay writing task may be decisive regarding university access. On the one hand, books that discuss the process of essay writing and, therefore, would support teachers, do not provide an adequate referential for essay teaching in all its complexity. The criteria applied to evaluate the essays in the university entrance examination, in turn, (published in the Evaluator's and in the Applicant's handbook) have not been enough to minimize the subjectivity in text evaluation. In order to understand the essay writing process and its product, we conducted interviews with five members of examining boards from three different universities to elicit the way examiners conceive a 'satisfactory text' from an institutional point of view. In addition, we analyzed 09 such essays for the entrance examination at UFRGS, trying to determined the exiting connections between text and context. Taking into account Halliday and Hasan 's (1985) framework to analyze genre and Faircloug's (1992) views on Critical Discourse Analysis, we analyzed the texts first for text features corresponding to the three variables field, tenor and mode and secondly for the adequacy between the examining board's expectations and the actual texts. Our initial hipothesis predicted that these essays could maintain a regular structure that can be defined in Toulmin's terms of argument construction: thesis, data, warrant. This structure would be used by the candidate as a rhetorical device to persuade the examiners of his/her point of view on the matter being discussed and therefore show his/her discursive competence.The results show that these essays might have been considered "satisfactory" because: 1) they covered the theme proposed by maintaing lexical cohesin (field); 2) they displayed the author's persuasive ability through the use

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of modality (tenor); and 3) they were structured in terms of a statement of the author's point view, supporting data and warrant to establish the connection between thesis and data. Thus, we may conclude that teaching materials need to approach aspects regarding the process of argument construction in order to build a rationale for essay writing teaching in accordance with stdent's actual needs. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Dissertação de Mestrado em Letras- Estudos da Linguagem Santa Maria, junho de 2000

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SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................iv

ABSTRACT.........................................................................................................vi

LISTA DE TABELAS...........................................................................................x

LISTA DE FIGURAS...........................................................................................xi

LISTA DE ANEXOS...........................................................................................xii

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................1

2 REVISÃO DE LITERATURA............................................................................6

Introdução...........................................................................................................

6

2. 1 A redação de vestibular no livro didático.................................................6

2. 2 Os critérios de avaliação de redações da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul .................................................................................................16

2. 3. A redação de vestibular como um gênero textual ...............................22

2. 3. 1 A variável contextual campo e a função ideacional da linguagem..........30

2. 3. 2 A variável contextual teor e a função interpessoal da linguagem...........32

2. 3. 3. A variável contextual modo e a função textual da linguagem................35

Considerações finais..........................................................................................39

3. METODOLOGIA ...........................................................................................41

3.1 Definição do universo de análise.............................................................41

3.2 Critérios de delimitação do Corpus .......................................................41

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3.3 Critérios para levantamento e análise dos dados..................................42

4. RESULTADOS.E DISCUSSÃO....................................................................50

4.1 O contexto da redação de vestibular

........................................................50

4.2 A redação de vestibular considerada satisfatória na

UFRGS................56

4. 2.1 A função ideacional da linguagem ......................................

...................66

4. 2. 2 A função interpessoal da linguagem

........................................................72

4. 2. 3 A função textual da linguagem ..............

..................................................78

5. CONCLUSÃO, LIMITAÇÕES DO ESTUDO E FUTURAS

PESQUISAS........92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................97

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LISTA DE TABELAS Tabela 2.1 Critérios de avaliação de redações de vestibular da UFRGS, Parte 1..............................................................................................................................17 Tabela 2.2 Critérios de avaliação de redações de vestibular da UFRGS, Parte 2..............................................................................................................................18 Tabela 2.3 Esquema apresentado por HALLIDAY..............................................29 Tabela 4.1 Indicativo das redações que apresentaram a estrutura Situação-Avaliação ..............................................................................................................57 Tabela 4.2 Elementos de coesão encontrados nas redações..........................58 Tabela 4.3 Amostra dos itens utilizados para recuperar palavras-chave nas redações................................................................................................................68

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Tabela 4.4 Demonstrativo dos itens responsáveis pela coesão lexical na redação 1..............................................................................................................70 Tabela 4.5 Demonstrativo da estrutura argumentativa encontrada nas redações................................................................................................................88

LISTA DE FIGURAS Figura 2.1 Modelo de prova de redação que consta do livro didático .........7 Figura 2.2 Prova de redação do Concurso Vestibular da UFRGS, 1996......10 Figura 2.3 Prova de redação do Concurso Vestibular da UFSM, 1999 .......13 Figura 2.4 Prova de redação.da UFSM, 1998 .................................................26 Figura 2.5 Texto produzido por aluno pré-vestibulando ..............................31 Figura 2.6 Modelo da estrutura do argumento...............................................38 Figura 3.1 Prova de redação do concurso vestibular da UFRGS, 1997.......46

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 As Redações 1. Mudanças no Concurso Vestibular..................................................................99 2. A legitimidade do vestibular como avaliação..................................................100 3. Como selecionar os melhores.........................................................................101 4. Continuidade e Mudança no Vestibular..........................................................102

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5. Vestibular: mudar é melhor.............................................................................103 6. Aperfeiçoamentos necessários no vestibular..................................................104 7. A Estrutura do Vestibular ................................................................................105 8. O que é que deveria ser avaliado....................................................................106 9. Vestibular: um teste para a vida?.....................................................................107 ANEXO 2 As entrevistas 1. Entrevista com o Avaliador A1

.........................................................................108

2. Entrevista com o Avaliador A2

.........................................................................117

3. Entrevista com o Avaliador B1..........................................................................123 4. Entrevista com o Avaliador B2..................................................................... 130 5. Entrevista com o Avaliador C1..........................................................................136

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INTRODUÇÃO

A redação de vestibular, nos últimos anos, tem preocupado tanto os

alunos que prestam o concurso vestibular, quanto seus pais e nós, professores

de redação do Ensino Médio. Os problemas de desempenho na prova de

redação, que podem resultar na perda da tão sonhada vaga ao Ensino

Superior, têm motivado uma cobrança em relação ao nosso trabalho,

obrigando-nos a buscar subsídios para orientar o ensino e a aprendizagem da

habilidade de redação de maneira que o aluno possa obter resultados

satisfatórios no referido concurso. Há, no entanto, uma carência de estudos

sobre o ensino e a aprendizagem de redação, especificamente no que se refere

à redação voltada para o concurso vestibular.

Embora tenham aumentado significativamente as publicações sobre o

assunto nos últimos anos (ver, por exemplo, TEIXEIRA,1996; SILVA, 1999;

FARACO & MOURA, 1995; FIORIN & SAVIOLI, 1996), os materiais publicados

não têm sido suficientes para orientar a prática de ensino de redação em

nossas escolas. Os livros que versam sobre redação de vestibular dão ênfase à

estrutura canônica do texto (introdução, desenvolvimento e conclusão) em

detrimento de elementos essenciais no processo de produção textual, como o

objetivo comunicativo, a autoria, a relação do produtor do texto com o público-

alvo. Além disso, também não mencionam pressupostos teóricos subjacentes,

que poderiam servir de objeto de reflexão para o professor de redação

aprofundar seus conhecimentos.

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Os critérios de avaliação de redação de vestibular, por sua vez, ainda

que publicados nos Manuais dos Candidatos (ver, por exemplo, os da

Universidade Federal de Santa Maria, publicados em 1997) ou dos Avaliadores

(como, por exemplo, os da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

publicados em 1999), não definem palavras recorrentes como "clareza" e

"consistência", deixando a avaliação do texto, em relação ao conteúdo das

idéias do texto, à mercê da subjetividade do avaliador. Segundo FRANCO

JÚNIOR, VASCONCELOS & MENEGASSI (p.103):

os critérios que servem de parâmetro para dizer se uma redação está boa ou ruim, se “merece zero, dois, oito ou dez” prendem-se usualmente ao grau de adequação da mesma ao padrão culto (correção gramatical). Fora desse âmbito, é a intuição do professor que guia a avaliação da redação como sendo boa ou ruim (grifos dos autores).

Tendo em vista algumas dificuldades encontradas no meu percurso

como professora de redação no Ensino Médio e em cursinhos pré-vestibulares

e a conseqüente necessidade de aprofundar os estudos sobre a escrita dos

alunos vestibulandos, no sentido de oferecer-lhes subsídios para que possam

atingir seus objetivos, esta pesquisa tem o objetivo de estudar a redação de

vestibular como um texto que desempenha uma função em um contexto

específico (HALLIDAY & HASAN, 1985, p. 10). De modo geral, no contexto do

vestibular, a redação tem a função de comprovar a competência discursiva do

candidato em adequar seu texto ao contexto da prova, não só em termos de

correção gramatical, coesão, coerência, registro culto da linguagem, mas

também em termos de desenvolvimento do tema proposto sem tergiversações,

com vocabulário adequado e com uma tese central sustentada por uma

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argumentação bem conectada, que possibilite o acesso do candidato ao Ensino

Superior.

Essas questões, no entanto, embora possam ser definidas em termos

gerais, tanto nos livros didáticos quanto nos critérios que regulamentam a

avaliação de redação no concurso vestibular, ainda carecem de um tratamento

mais detalhado e preciso.

Tendo em mente esses fatores, selecionaram-se redações de vestibular

consideradas satisfatórias pela equipe de avaliação no concurso vestibular da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1997. A intenção foi

verificar como alunos vestibulandos organizam a linguagem para persuadir o

leitor de que a sua argumentação é adequada como resposta na prova de

redação.

Levando em conta que fornecer evidências no sentido de sustentar uma

tese é intrínseco ao processo intelectual de demonstrar conhecimento e

compreensão (CLARK & IVANIC, 1997, p.156), a hipótese norteadora do

trabalho é que, nas redações consideradas satisfatórias pela equipe de

avaliação de redação, há argumentos estruturados no sentido de asseverar

uma tese ou ponto de vista.

Argumentos são asserções, chamadas Teses, que são fundamentadas

por Dados e Garantias que validam a nossa maneira de ver o mundo

(TOULMIN, 1958, p.8). Considera-se que essa estrutura argumentativa será

encontrada em redações que foram consideradas satisfatórias no contexto do

concurso vestibular.

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Com o objetivo de estudar em maiores detalhes o contexto que cerca as

redações de vestibular, foram realizadas entrevistas com professores de

equipes de avaliação de redações. O objetivo das entrevistas foi verificar a

visão de "experts" em avaliação de textos sobre critérios adotados nas

correções.

Para analisar as redações, foram utilizados os pressupostos teóricos da

gramática funcional (conforme propostos em HALLIDAY & HASAN, 1985), que

relacionam texto e contexto, e da estrutura do argumento (conforme proposto

em TOULMIN, 1958).

As questões a serem respondidas pelo estudo são:

1) É possível afirmar, a partir da análise das entrevistas, que a estruturação do

argumento é fator preponderante na avaliação de redações de vestibular?

2) As redações consideradas satisfatórias possuem argumentos nos termos

que consideramos argumentos estruturados?

Os resultados obtidos revelam que os candidatos ao concurso vestibular

que elaboram textos considerados como satisfatórios pela banca são alunos

assertivos que emitem opinião sobre a questão proposta como tema. Essa

opinião é apresentada em forma de Tese que é fundamentada por Dados e

Garantias.

Para desenvolver o trabalho, este estudo apresenta-se dividido em

quatro capítulos, além desta Introdução. O Capítulo 2, que constituirá a Revisão

da Literatura, apresentará a fundamentação teórica para o estudo. Nele, será

discutida a relação entre o texto e o contexto e a estrutura do argumento. No

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Capítulo 3, será descrita a Metodologia utilizada, com base nos critérios e

procedimentos utilizados para a Delimitação do corpus, a Seleção e Análise dos

Dados das entrevistas e dos textos. O Capítulo 4 apresentará a Discussão dos

Resultados obtidos na análise; e, por fim, o Capítulo 5 apresentará a

Conclusão, as Limitações do Trabalho e as Sugestões para Futuras Pesquisas.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

Este capítulo apresenta o referencial teórico para a pesquisa.

Primeiramente, será feita uma revisão nos livros didáticos que versam sobre

redação de vestibular e, em seguida, serão discutidos os critérios de avaliação

de redação de vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Por

fim, a redação de vestibular será apresentada como um gênero textual que, ao

ser analisada em seu contexto a partir das variáveis campo, teor e modo

(HALLIDAY & HASAN, 1985), pode nos ajudar a compreender melhor o papel

desempenhado pela linguagem no contexto do vestibular.

2. 1 A redação de vestibular no livro didático

Nos livros didáticos que versam sobre redação (ver, por exemplo,

TERRA, 1996; DE NICOLA, 1998; SOUZA, 1994, entre outros), verifica-se uma

tendência ao ensino de redação para o vestibular sob a perspectiva da tipologia

textual com base nos conceitos de narração, descrição e dissertação. Nesses

livros, o texto dissertativo ganha destaque, tendo em vista que é o mais

solicitado em concursos vestibulares, conforme ilustrado pela figura 2.1:

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Tarefa de Redação Leia o texto seguinte:

"Vestibular: 'um mal necessário' No Brasil, as escolas superiores adotam o mesmo princípio usado na Europa para a

seleção dos candidatos: o número clausus, que fixa o total de alunos que cada curso pode receber. Mas lá a situação é diferente. As escolas superiores aplicam um exame de qualificação, que serve apenas para encaminhar o aluno a determinada escola: todos conseguem uma vaga no ensino superior, só que nem sempre nas escolas que pretendem. A França, por exemplo,substitui o vestibular pelo baccalaureat (bacharelado) e a Alemanha pelo abitur (habilitação). Esses exames servem de critérios para remanejar os alunos aprovados, que têm garantido um lugar no ensino superior. Nesses países - lembra Guerra Vieira -, o Estado mantém um número de escolas superiores suficientes para atender toda a demanda. Outros, no entanto, decidiram acabar com o número de clausus. Resultado: o Instituto Nacional Politécnico, no México, tem 150 mil alunos matriculados (na Escola Politécnica da USP existem apenas três mil estudantes), fato que levou a uma total degeneração do ensino superior naquele país". (Antônio Hélio Vieira, reitor da Universidade de São Paulo. O Estado de São Paulo,16 nov. de 1984) Redija, em prosa, uma dissertação expondo seu ponto de vista sobre a necessidade da existência do número clausus para o ingresso nas universidades públicas brasileiras. Você deve apresentar sua posição, desenvolver sucintamente argumentos e chegar a uma conclusão compatível com a argumentação.

Figura 2.1 Tarefa proposta como prova de redação do concurso vestibular na FUVEST/ SP, extraída de DE NICOLA, 1998, p. 406.

Assim como na tarefa da prova de redação da Figura 2.1, a redação de

vestibular, nos livros didáticos, tem-se caracterizado como um texto em que se

desenvolvem raciocínios e apresentam-se argumentos para avaliar situações

propostas como tema (LEITE, AMARAL, FERREIRA & ANTÔNIO, 1997, p.378).

Tendo isso como base, é possível afirmar que, nos livros didáticos, a redação

de vestibular pode ser definida como um texto em que o autor organiza o

pensamento lógico para argumentar no sentido de convencer o leitor da

validade de sua opinião sobre um determinado assunto.

Apesar disso, os livros didáticos que foram pesquisados dão ênfase à

estrutura formal do texto, sem fazer referência às estratégias de argumentação

que devem ser utilizadas por alunos vestibulandos para convencer a sua

audiência-alvo. Nos livros didáticos, a redação de vestibular é associada a uma

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estrutura canônica, na qual cada parágrafo desempenha uma função específica

no texto, sem que se considere a variabialidade do contexto (ver, por exemplo,

DE NICOLA, 1998, p.327; CAMPEDELLI & SOUZA, 1998, p.196-7).

De modo geral, os livros didáticos apenas prevêem uma introdução que

apresenta a tese ou ponto de vista do autor, parágrafo(s) de desenvolvimento

que aprofunda(m) os argumentos utilizados para defender a tese apresentada,

e uma conclusão que retoma o tema, permitindo ao leitor “amarrar todos os fios

do discurso” (SERAFINI, 1994, p.74). Para FIGUEIREDO (1995, p.17), esses

parágrafos funcionariam para dividir uma seqüência de informações ou

pensamentos em estágios que facilitariam a compreensão e a leitura do texto,

possibilitando ao leitor acompanhar “passo a passo a linha de raciocínio

desenvolvida pelo escritor” (idem, p.13.) Contudo, na prática, a excessiva

preocupação com a estrutura formal prejudica o processo de elaboração de

textos.

A experiência com ensino/aprendizagem de redação na escola de

ensino médio e em cursos pré-vestibulares tem evidenciado que a preocupação

com a estrutura leva os alunos a escreverem textos a partir de esquemas

encontrados nos livros didáticos (ver, por exemplo, GRANATIC, 1995, p.80, 88

e 94). Muitos deles utilizam fórmulas preestabelecidas, as quais determinam

que a tese deve estar na introdução, que o texto deve apresentar dois

argumentos ou ainda que se devem apresentar aspectos positivos e negativos

do tema no mesmo texto. Ao seguir essas fórmulas, alunos vestibulandos

deixam de considerar que o texto é o resultado de uma reflexão pessoal,

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requisito imprescindível para que o autor do texto seja capaz de produzir

argumentos que possam convencer o leitor da validade de sua opinião sobre

um determinado assunto. As "fórmulas prontas" geram textos que se constituem

na simples apresentação de causas e conseqüências de um fato, sem propiciar

uma discussão aprofundada do assunto, ou resultam na exposição

"descomprometida" de aspectos positivos e negativos de um tema, sem que o

texto possua uma tese que demonstre o posicionamento do aluno e lhe

possibilite argumentar para convencer o leitor.

Conforme demonstra o resultado do levantamento bibliográfico realizado,

apesar de ressaltarem a importância da tese e de argumentos para defendê-la,

os livros didáticos não apresentam subsídios para que o professor possa

orientar candidatos ao concurso vestibular na elaboração de textos

argumentativos nos quais eles apresentem uma opinião pessoal e argumentos

consistentes de maneira a persuadir os leitores da validade dessa opinião

(tese). Os poucos livros que orientam o professor para o ensino do argumento

em sua relação com o contexto comunicativo (ver BARBOSA, 1994, p.109 e

FIORIN & SAVIOLI, 1996, p.284), ainda que o abordem como o resultado das

relações que se estabelecem entre falante/escritor e ouvinte/leitor, quando um

tenta produzir efeitos de significado sobre o outro com o intuito de alcançar

seus objetivos, não fazem referência ao processo argumentativo utilizado por

alunos que prestam o concurso vestibular.

A tendência em se priorizar a estrutura formal ou ainda de se estabelecer

um roteiro para a escritura do texto, que se observa nos livros didáticos,

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também é percebida nas tarefas propostas como provas de redação em

concursos vestibulares (ver PEIES/1998 da Universidade Federal de Santa

Maria e Concurso Vestibular-1999 da mesma universidade, esse último

ilustrado pela Figura 2.3). Elas se caracterizam por esquemas que privilegiam a

estrutura do texto.

Leia a carta do leitor apresentada a seguir.

PAINEL DO LEITOR

Programa cor-de-rosa "Assistindo ao programa eleitoral pela TV, fico profundamente emocionado ao ouvir os candidatos aos vários cargos. Todos cheios de boas intenções, todos querendo o melhor para seus Estados e para o país,todos se sacrificando pelo bem do povo, e nada,, absolutamente nada em causa própria. Como o Brasil é privilegiado em ter tantos candidatos que só querem o bem-estar da população. Com tanta gente boa sobrando por aqui, até que poderíamos exportar alguns..."

Fonte Folha de São Paulo,08.09.98.

Vestibulando:

Você tem como tarefa redigir um texto dissertativo-argumentativo, em português padrão, de 20

a 25 linhas, com título, observando o roteiro a seguir.

-Introduza o texto com as impressões causadas pela carta de Wander Zuccolotto.

-Desenvolva o texto em duas etapas:

1°) deixe clara a sua opinião sobre o programa eleitoral veiculado pelos meios de

comunicação, justificando seu posicionamento;

2°) apresente um perfil de um candidato com as qualidades que você considera

essenciais para ocupar qualquer cargo eletivo.

-Conclua o texto mostrando como o eleitor pode contribuir para a permanência ou

transformação do quadro político do país.

Figura 2.2 Tarefa proposta como prova de redação do vestibular na Universidade Federal de Santa Maria/ 1999.

Ainda que a sugestão de um esquema tenha por objetivo evitar a fuga ao

tema ou ao tipo de texto solicitado (SILVA, 1999, p.14), ou que a estrutura

formal não “possa ser considerada uma 'forma' que aprisione ou que bitole a

criatividade de quem escreve” (idem, p.21), a prática tem mostrado que, para

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muitos candidatos, é difícil seguir tais roteiros para escrever redações. Sem a

prática de redigir, muitos deles, quando tentam elaborar seus textos a partir de

esquemas, perdem-se em frases isoladas, fazendo apenas uma leve referência

ao assunto solicitado na tarefa proposta; outros, de posse dos elementos

conectores (nexos coesivos como conjunções, pronomes, palavras

denotativas), tentam fazer uma "colagem" que resulta em textos incoerentes.

Isso quer dizer que o roteiro funciona muito bem somente para quem sabe o

quê e como escrever; o aluno que não está inserido no processo de escritura de

textos, portanto, provavelmente também enfrentará dificuldades na hora de

elaborar a redação de vestibular.

A partir disso, verifica-se que a orientação para a utilização de elos

coesivos, também enfatizada em livros didáticos de maneira descontextualizada

(ver, por exemplo, FARACO & MOURA, 1995, p.160), não é suficiente para

evitar que os textos tornem-se vazios de sentido, tendo em vista que, se a

ênfase recair sobre a forma, os textos talvez careçam de um ponto de vista

através do qual o candidato poderia oferecer uma argumentação consistente.

Além da priorização da estrutura formal do texto, alguns autores cujos

livros foram pesquisados classificam a dissertação em subjetiva e objetiva,

associando essa classificação ao uso das pessoas gramaticais (ver, por

exemplo, DE NICOLA, 1998, p. 329-334; SOUZA, 1994, p.174-5 e SILVA, 1999,

p.16-7). Segundo os livros pesquisados, a dissertação "subjetiva" apresenta

um aspecto mais literário (SILVA, 1999, p.17) ou aborda temas em que o

escritor pode usar a sua sensibilidade para “passar ao leitor uma visão

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particular do tema” (SOUZA, 1994, p.175). Para esses autores, ao escrever

dissertações "subjetivas", o candidato pode utilizar experiências pessoais ou

imprimir uma visão estritamente pessoal ou autoral à discussão do tema

proposto. No caso da dissertação "objetiva", definida como aquela que tem

caráter universal, abstrato e científico (SILVA, idem), o autor deve defender seu

ponto de vista de maneira impessoal (ver GRANATIC, 1995, p.126), utilizando

verbos em terceira pessoa, isto é, "ele" ou "eles", ou verbos impessoais

(GRANATIC, 1995, p.126).

No entanto, pode-se dizer que o uso da primeira pessoa (eu) não está

meramente vinculado a temas objetivos ou subjetivos, mas sim à opção do

candidato pela utilização de suas experiências na construção e fundamentação

de seu ponto de vista. Dessa maneira, a produção de um texto mais ou menos

"subjetivo" ou "objetivo", não depende unicamente da escolha da pessoa

gramatical, mas depende do lugar onde o produtor do texto se situa para fazer a

análise do tema. Por exemplo, ao abordar um tema sem inserir suas

experiências, o candidato provavelmente utilizará a terceira pessoa (ele, ela),

tematizando o mundo ao seu redor (a solidão, os outros). Por outro lado, caso

se situar no centro da análise, provavelmente utilizará a primeira pessoa (eu,

nós). Alunos vestibulandos, entretanto, ao escreverem sobre temas solicitados

em concursos vestibulares, sentem dificuldades em se colocar no centro da

análise e, por isso, costumam resistir à utilização de verbos em primeira

pessoa do singular.

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Além dessa questão, as generalizações apresentadas nos livros

didáticos não atendem às expectativas de alunos que prestam concurso

vestibular em universidades cuja prova de redação solicita textos que envolvam

a narração e a dissertação, demonstrada na Figura 2.3.

Figura 2.3 Tarefa apresentada como motivação na Prova de Redação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Concurso vestibular de 1996.

Conforme se pode observar na Figura 2.3, a tarefa proposta como prova

de redação no vestibular da UFRGS possibilita a produção de um texto que

misture narração e dissertação, sem que o aluno-candidato possa perder de

vista a análise e a avaliação do tema proposto na prova, característica do texto

dissertativo. Com base nisso, pode-se dizer que a tipologia textual abordada

nos livros didáticos, no que se refere à redação de vestibular, parece carecer de

definições mais precisas.

O ser humano é capaz de experienciar uma grande variedade de estados emocionais. Assim, podemos estar tristes, ou ansiosos, ou eufóricos, etc. Muitas vezes não sabemos por que estamos nos sentindo desta ou daquela maneira. Há ocasiões, inclusive, em que não sabemos sequer definirmos o que sentimos. As emoções são, por natureza, muito complexas.

O sentimento de solidão é um claro exemplo da complexidade das emoções humanas. Em primeiro lugar, defini-lo não é tão simples como pode parecer à primeira vista. Solidão significa ausência de companhia. Podemos nos sentir solitários mesmo estando cercados de pessoas; por outro lado, muitas vezes, sozinhos, não sentimos solidão.

Outro aspecto controverso desse sentimento diz respeito ao seu valor para indivíduo. Será que a solidão é sempre prejudicial, ou ela pode trazer, também benefícios?

Sua dissertação tratará deste tema: a solidão. Procure caracterizar esse sentimento e identifique um episódio ou um momento na sua vida em que você tenha se sentido solitário. Discuta as possíveis causas e conseqüências dessa experiência, buscando avaliar o papel que ela exerceu na formação de sua personalidade.

Lembre-se de que você está sendo solicitado a redigir um dissertação, texto que se caracteriza por um esforço de reflexão racional em torno de um tema. Valha-se de sua experiência como ponto de partida, mas apresente-a inserida num texto argumentativo e organizado dissertativamente.

27

Com base no levantamento bibliográfico realizado, pode-se considerar

que os livros didáticos que abordam a redação de vestibular são insuficientes

para ensinar a produção textual em toda sua complexidade. A maioria deles

atém-se ao aspecto formal do texto sem aprofundar o ensino de elementos

retóricos que atenderiam à subjetividade do autor. Esses elementos estão

relacionados à autoria, isto é, à presentificação do autor no texto (CLARK &

IVANIC, 1997, p.134) e o seu comprometimento com a tese que defende, o qual

pode ser avaliado pelo uso de elementos retóricos que dão ao texto o caráter

exortativo. Esse comprometimento é fator imprescindível no processo de

produção textual, tendo em vista que "o texto é a representação do escritor,

resultante da sua história de vida e da forma como ele atua no contexto em que

está inserido" (MEURER, 1997, p.16-7). Segundo CLARK & IVANIC (1997,

p.134), o processo de escritura de texto não pode ser desvinculado da

identidade do escritor. Portanto, é preciso considerar o comprometimento do

escritor com o assunto tratado no texto bem como os conflitos que ele enfrenta

entre o que ele gostaria de dizer e o que lhe é imposto pelas convenções.

O ensino de elementos retóricos, responsáveis pela subjetividade do

autor e de aspectos que envolvem a estruturação do texto pode nos oferecer

condições de ensinar a redação de vestibular como um evento discursivo em

que um escritor busca agir sobre o leitor para persuadi-lo de que é capaz de

produzir uma argumentação coerente sobre um dado tema na forma de um

texto escrito.

28

Segundo FAIRCLOUGH (1992, p.4), evento discursivo compreende as

práticas sociais em que se utilizam discursos específicos para se estabelecer

relação entre os membros de um dado contexto. Para o autor, discurso é um

modo de ação, uma maneira de as pessoas agirem sobre o mundo e sobre os

outros (p.63). O discurso, para ele, é uma decorrência dos três aspectos que

fazem parte da esfera social (o texto, a interação e o contexto).

Levando em conta que as práticas socias estão presentes em todas as

instâncias da sociedade, podemos dizer que a prova de redação no contexto do

concurso vestibular configura-se como um evento discursivo em que se

engajam candidatos e banca de avaliação, cada qual buscando alcançar

determinados objetivos. A configuração desse evento discursivo prevê que o

candidato demonstre a sua habilidade de escrever um texto argumentativo, e

que a banca aja como um leitor crítico avaliando-o através desse texto.

Vista sob essa perspectiva, a redação de vestibular pode ser entendida

como um gênero textual que pode ser estudado e analisado por suas

dimensões contextuais e textuais. Essa questão será discutida em maiores

detalhes na seção 2.3 deste capítulo. Antes, porém, discutiremos os critérios

que regulamentam a avaliação de redações, com o objetivo de descrever como

são recepcionados os textos produzidos no momento do concurso.

Uma vez que as redações analisadas em nosso trabalho são

pertencentes à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), serão

discutidos os critérios desta Instituição (publicados no Manual do Avaliador,

1999).

29

2. 2 Os critérios de avaliação das redações de vestibular da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Os critérios que regulamentam a avaliação de redações de vestibular da

UFRGS estão divididos em duas partes. A Parte 1 contém itens que avaliam o

texto quanto à estrutura e ao conteúdo, e a Parte 2 avalia a expressão

lingüística.

Ao contrário do livro didático, que enfatiza a estrutura formal do texto, os

critérios que regulamentam a avaliação de redação de vestibular da UFRGS

enfatizam aspectos que se referem ao conteúdo das idéias do texto.

Com base nos critérios e nas orientações publicadas no Manual do

Avaliador (1999), podemos considerar a redação de vestibular da UFRGS como

um texto que tem a função de avaliar a capacidade argumentativa dos alunos-

candidatos ao ensino superior. Para comprovar sua capacidade argumentativa,

os candidatos necessitam discutir temas recorrentes na sociedade com base na

reflexão, na análise e na avaliação do tema, geradas pela sua experiência

pessoal (Manual do Avaliador, 1999, p.4).

A seguir discutiremos os critérios de avaliação de redação da UFRGS, os

quais são demonstrados abaixo (Tabelas 2.1 e 2.2).

30

1-ESTRUTURA E CONTEÚDO

TÓPICO Nível excelente 3

2

1

0

Nível péssimo

1. Ângulo de abordagem: 1.1 Clareza

Percebe-se claramente o ponto de vista do autor sobre o tema, ou no início, ou ao longo do texto.

O autor não expressa claramente o seu ponto de vista. O texto se exime de ter idéias, tergiversa.

1. 2 Consistência É íntegra a abordagem do tema construída a partir do ponto de vista, que se mantém ao longo do texto sem contradições ou dispersões.

O texto deixa idéias soltas, que não convergem ou se contradizem. O que se promete não é cumprido.

1. 3 Autonomia O texto revela esforço pela autoria, ou por um ponto de vista criativo e original, ou por suas idéias incomuns ou incomumente relacionadas; por isso, desperta interesse.

O ponto de vista adotado é banal a apenas constata obviedades. As idéias que o sustentam trabalham no plano do senso-comum e são relacionadas de forma previsível.

2. Estrutura do Parágrafo Os parágrafos são semanticamente autônomos, bem divididos, tendo em sua maioria mais de uma frase cada, todas elas convergentes com o tópico tratado.

Não há divisão de parágrafos, ou a divisão é arbitrária, não refletindo organização semântica.

3. Coesão textual Há um uso adequado e preciso de nexos, de modalizadores, dos tempos verbais, de referências anafóricas e da substituição lexical.

O texto não faz uso de recursos de coesão para qualificar-se, ou emprega-os inadequadamente.

4. Caráter dissertativo Predomina nitidamente o caráter dissertativo sobre as partes descritivas ou narrativas, que estão a serviço da dissertação.

O texto não define seu caráter dissertativo claramente. Narração e/ ou descrição se sobrepõem à dissertação.

5. Competência da argumentação

A argumentação é clara, coerente e consecutiva. Os aspectos em que o conteúdo foi dividido estão concatenados e apresentam dinâmica perceptível; por isso, o texto progride semanticamente.

Não se distingue o caminho da argumentação. Argumentos maiores e menores não estão hierarquizados, ou são circulares. Não há relação de anterioridade ou posterioridade entre eles.

6. Criticidade A análise considera dimensões qualificadas do tema. É abrangente e crítica.

A análise é superficial e desinformada, considerando apenas dimensões triviais do assunto.

7. Organicidade O texto revela manejo adequado dos processos básicos do conhecimento e transita ordenadamente entre parte e todo, argumento e tese, simples e complexo, concreto e abstrato, próximo e distante.

O texto não processa adequadamente o material que mobiliza; perde-se em detalhes, quando deveria trabalhar no plano geral.

8. Qualidade estilística Evidencia-se riqueza no texto; há frases complexas, vocabulário variado, recursos retóricos bem usados.

O texto é repetitivo e/ou trabalha com chavões, tem vocabulário pobre e/ou inadequado; suas frases são supersimplificadas ou supercomplexificadas.

Tabela 2.1 Critérios de Avaliação de Redações de vestibular da UFRGS, Parte 1, publicados no Manual do Avaliador, 1999.

31

2- EXPRESSÃO

1. Convenções ortográficas: ortografia, maiúsculas e minúsculas, acentuação, trema, hífen, aspas, parênteses, separação de sílabas .Até 2 erros = 2; 3 a 4 erros = 1; 5 ou mais erros = 0 2. Morfossintaxe: concordância nominal e verbal, regência nominal e verbal (portanto crase e paralelismo de regência). Não há erros = 4; 1 a 2 erros = 3; 3 a 4 erros = 2; 5 a 6 erros = 1 3. Pontuação: uso de sinais de pontuação, exceto casos de fragmento de frase e frases siamesas. Não há erros = 4; 1 a 2 erros = 3; 3 a 4 erros = 2; 5 a 6 erros =1 ; 7 ou mais erros =0 4. Sintaxe: omissão de elementos da oração, referência, uso de tempos verbais, problemas de ordenação sintática (colocação de pronomes e ambigüidade sintática), fragmento de frase, frases siamesas, paralelismo, problemas de hierarquia entre principal e subordinada. Não há erros = 5; 1 a 2 erros = 4; 3 a 4 erros = 3; 5 a 6 erros = 2; 7 a 8 erros = 1; 9 ou mais erros = 0 5. Semântica: imprecisão e inadequação no uso de nexos, imprecisão e inadequação vocabular, ambigüidade semântica, impropriedade de registro- hipercorreção e informalidade- falso paralelismo; repetição. Não há erros = 5; 1 a 2 erros = 4; 3 a 4 erros = 3; 5 a 6 erros = 2; 7 a 8 erros = 1; 9 ou mais erros = 0

Tabela 2.2 Critérios de Avaliação de Redações de Vestibular da UFRGS, Parte 2, publicados no Manual do Avaliador, 1999.

Nas tabelas 2.1 e 2.2, é possível perceber a ênfase dada ao conteúdo do

texto na avaliação das redações de vestibular da UFRGS. Dos oito itens

avaliados na Parte 1 (Tabela 1), quatro avaliam a estrutura do texto: o Item 2,

que trata da estrutura do parágrafo, o Item 3, que trata da coesão textual, o item

4, que trata do caráter dissertativo do texto e o item 8, que trata da qualidade

estilística. Os outros itens avaliam o candidato pela sua capacidade de refletir

sobre o tema e de elaborar um ponto de vista consistente sobre ele.

Porém, enquanto os itens que avaliam a estrutura formal do texto são

melhor definidos e explicitados no Manual, os itens que se referem ao conteúdo

carecem de maior definição. O Item 1, que avalia o ângulo de abordagem

escolhido pelo candidato, apesar de subdividido em subitens como "clareza",

"consistência" e "autonomia", não trazem definição desses termos. A "clareza"

do ponto de vista, por exemplo, tratada no Manual como "a maneira do

32

candidato considerar o problema apresentado" (p.6), bem como a

"consistência", descrita no Manual como a "abordagem íntegra do tema, sem

contradições ou dispersões" (p.7), não explicitam quais elementos lingüísticos

são capazes de demonstrar ao avaliador a clareza do ponto de vista do

candidato e a recorrência do tema, sem contradições ou dispersões. Também o

subitem que se refere à autonomia do ângulo de abordagem (1.3), apesar de

avaliar o esforço pela autoria ou por um ponto de vista criativo e original, não

esclarece o que seriam "idéias incomuns ou incomumente relacionadas" (p.7)

em um texto produzido por alunos recém-saídos do Ensino Médio. A não

explicitação desses elementos, a falta de definição de palavras recorrentes

como "clareza" e "consistência" bem como a falta dos pressupostos teóricos

que dêem embasamento aos itens que avaliam o conteúdo das idéias do

candidato deixam, de certa maneira, a avaliação do texto, nesse aspecto, à

mercê da subjetividade do avaliador.

Abordando o problema, SERAFINI (1994, p.134) relata que alguns

avaliadores têm tendência a examinar os textos pela riqueza das idéias; outros

levam em conta a ortografia, a gramática, a pontuação; outros ainda se

interessam mais pela organização do texto e pela análise dos problemas

apresentados, havendo também aqueles corretores que dão bastante crédito à

questão da originalidade.

Com base nisso, podemos dizer que, enquanto os itens formais, que

avaliam a estrutura, são analisados com mais objetividade, os itens retóricos,

que avaliam a capacidade persuasiva do candidato ainda carecem de maior

33

definição. Para um dos avaliadores que foram entrevistados para este trabalho,

por exemplo,

é muito difícil dizer o que é original. Até por que o universo de pessoas que estão fazendo o vestibular não tem experiência de mundo e nem de vida para ser original. A originalidade estaria nessa capacidade muito pouco possível em uma pessoa de 16 ou 17 anos de pensar o mundo e dar uma opinião pessoal. (B1).

Também há carência, na grade de avaliação, de explicitação dos

elementos lingüísticos que podem ser utilizados para identificar o nível de

criticidade dos candidatos (Item 6). Se o candidato é avaliado por sua

capacidade de "participar do debate que se trava na cultura em que está

inserido" (p.10), os critérios poderiam conter itens que explicitassem como é

possível reconhecer esse diálogo entre o candidato e o mundo ou ainda quais

os elementos de linguagem utilizados pelos candidatos podem demonstrar nível

de assertividade capaz de persuadir a banca avaliadora.

Ainda assim, a questão autoral foi considerada singular nos critérios de

avaliação da UFRGS, tendo em vista que critérios de avaliação de redações de

outras universidades (conforme critérios de avaliação da UFSM/SM e

FURG/RG) não contêm itens específicos para avaliar a autoria nas redações. A

questão da autoria, nos critérios de avaliação da UFRGS, pode ser percebida

no item 5, da grade. Através desse item, os argumentos empregados por

alunos-candidatos que prestam o concurso vestibular na Instituição são

avaliados especificamente em sua relação com o ponto de vista apresentado

sobre o tema em questão. Além disso, percebe-se que esses argumentos

34

avaliados, para serem considerados satisfatórios, devem estar hierarquizados,

concatenados entre si (conforme p.9 do Manual do Avaliador, 1999).

No mesmo sentido, salienta-se a conexão existente entre os itens que

avaliam o conteúdo das redações, a qual permite uma análise mais globalizada

do texto. Conforme se pode ver na grade de avaliação, os Itens 1, 5, 6, e 7

avaliam a capacidade demonstrada pelo candidato de escolher um ângulo de

abordagem para discutir o tema e apresentar argumentos para defendê-lo.

Dessa maneira, o ângulo de abordagem pode ser avaliado mais objetivamente

na sua relação com os argumentos apresentados e a sua hierarquização

(conforme Manual do Candidato, p. 9). Assim, a competência de argumentação

do candidato (avaliada no Item 5, da Parte 1) pode ser analisada e definida

como clara, coerente e consecutiva (conforme Item 5, da Parte 1).

Deve-se ressaltar ainda a consistência entre os critérios que

regulamentam a avaliação das redações da UFRGS e a prova de redação de

vestibular desta Universidade (ver Capítulo 3, da Metodologia). A

preponderância do ponto de vista e a necessidade de argumentos para

defendê-los estão em relação direta com a solicitação de experiências pessoais

na tarefa proposta na prova e podem se constituir em um fator determinante

para que alunos-candidatos sejam mais assertivos ao produzirem seus textos.

A comparação dos critérios que avaliam as redações de vestibular da

UFRGS com o ensino de redação a partir dos livros didáticos demonstrou que

esses últimos não contemplam aspectos relevantes em relação à redação de

vestibular, conforme proposto por essa instituição. Pelo contrário, há

35

desconexão entre o ensino de redação nos livros didáticos e o texto que, de

acordo com os itens da grade de avaliação, é "esperado" pela comunidade

universitária.

Essa desconexão indica que os livros didáticos, ainda que sejam

importante material nas aulas de redação, dada a variedade de textos possíveis

de serem utilizados em atividades de sala de aula, não podem constituir-se em

único material de referência para aulas de redação e tampouco substituir a

pesquisa através da qual o professor pode compreender o fenômeno da

linguagem em situações reais de uso.

Partindo dessa perspectiva, a seção seguinte apresentará a redação de

vestibular como um gênero textual que pode ser estudado e analisado em seu

contexto a partir das variáveis contextuais campo, teor e modo (conforme

HALLIDAY & HASAN, 1995). Ao propor essa abordagem, buscamos discutir

algumas questões não explicitadas nos livros didáticos que serão abordadas na

análise das redações.

2. 3 A redação de vestibular como um gênero textual

A redação de vestibular é um texto argumentativo que, no contexto do

concurso vestibular, desempenha a função de comprovar a competência

discursiva do candidato. Para demonstrar sua competência, o aluno deve

elaborar uma tese e argumentos consistentes sobre o tema proposto na prova,

comprovando a sua capacidade de ler e interpretar as instruções da tarefa

36

proposta, construindo, a partir dela, um texto coerente e coeso, de maneira a

garantir seu ingresso no Ensino Superior.

Nesse sentido, podemos dizer que a redação, no contexto do vestibular,

constitui-se em linguagem funcional (HALLIDAY & HASAN, 1985, p.10), tendo

em vista que busca evidenciar o bom desempenho na produção de um texto

que estabeleça a interlocução entre o candidato e os avaliadores. Sem a

possibilidade de comunicação face a face e, portanto, sem utilizar recursos

como as interrupções ou as expressões faciais que evidenciam a necessidade

de ajustar o discurso ao contexto em que a situação comunicativa ocorre, o

candidato deve organizar o texto de maneira que possa negociar significados

com uma banca-leitora que se constitui em sua audiência-alvo.

Para configurar-se como um todo coerente e coeso, a redação escrita no

momento do concurso apresentará elementos através dos quais se possa

identificar sobre o que se escreve, quem são os participantes envolvidos no

evento discursivo e como o texto se organiza para que cumpra seu objetivo

comunicativo: convencer a audiência-alvo da habilidade argumentativa do

candidato de modo a possibilitar o acesso deste à universidade.

Assim, pode-se dizer que uma redação de vestibular apresentará itens

lexicais relacionados à economia, à política, à educação, ao humor. Esses itens

identificarão o engajamento do candidato nas discussões sobre os temas da

atualidade que constam das provas de redação dos concursos vestibulares.

Da mesma maneira, considerando-se que os participantes do evento

discursivo – banca de avaliadores e alunos recém-saídos do Ensino Médio –

37

estão em uma relação de assimetria, na qual o avaliador tem maior autoridade,

podemos prever que, na redação de vestibular, não haverá vocativos ou

pronomes de tratamento que permitiriam ao autor do texto dirigir-se ao leitor em

simetria.

Quanto à organização do texto, é provável que sejam utilizados

elementos de coesão "endofóricos" (anáfora e catáfora), responsáveis pela

recuperação de itens no interior do texto, ou "exofóricos", que remetem a

elementos que estão fora do texto, mas que podem ser recuperados pelo

contexto (HALLIDAY & HASAN, 1976).

Exemplo:

1) Hoje estamos enfrentando mais uma batalha em nossas vidas. Talvez não seja uma simples batalha, mas sim uma guerra. Consagram-se vencedores nessa guerra, como nas demais, somente os melhores. Essa guerra injusta precisa ser modificada para não trazer mais tantas decepções para quem não consegue vencê-la. (Fragmento de redação de vestibular, UFRGS, 1997)

No exemplo, o primeiro elemento de coesão sublinhado (nessa guerra)

recupera uma expressão já referida no texto (a guerra, representada pelo

concurso vestibular). Ao mesmo tempo, chama a atenção do leitor, reafirmando

o caráter competitivo do concurso vestibular. Já o segundo elemento (como nas

demais) remete o leitor para fora do texto, mas, como elemento de coesão

exofórico, ele recupera o contexto, induzindo o leitor a considerar o nível

competitivo do concurso amplamente reconhecido na sociedade.

Os elementos de coesão, demonstrados no exemplo acima, representam

maneiras de se recuperar, ao longo do texto, os elementos responsáveis pela

manutenção da tese ou ponto de vista. Em redações de vestibular,

38

provavelmente serão encontrados também itens coesivos que estabelecem elos

semânticos entre as partes do texto através de sinonímias, hiponímias e

repetições de maneira a conectar as sentenças para que o texto forme um todo

coeso (HOEY, 1991, p.8); ou ainda conjunções ou palavras denotativas,

mecanismos coesivos que conectam partes do texto, estabelecendo relações

lógicas entre as idéias apresentadas.

Levando em conta essas formas específicas que se referem ao

conteúdo, às relações entre os participantes e à organização do texto, as quais

permitem ao texto desempenhar a sua função, podemos dizer que a redação de

vestibular é um gênero textual que pode ser identificado por formas e

convenções específicas, que visam atender a objetivos específicos no contexto

do vestibular.

Ao fazermos essa afirmativa, tomamos como base os estudos sobre

gêneros, propostos por BAKHTIN (1997, p.280), que nos colocam diante da

definição de gênero como formas estáveis de enunciados que caracterizam as

situações específicas de utilização da língua nas atividades humanas. Segundo

BAKHTIN (idem, ibidem), essas formas estáveis de enunciados refletem as

condições específicas e as finalidades de cada uma das atividades humanas

em termos de conteúdo temático, de seleção de recursos lingüísticos (lexicais,

gramaticais e textuais) e de construção composicional.

No caso da redação de vestibular, essas formas estáveis parecem

expressas nas tarefas propostas nas provas de redação dos concursos

vestibulares, conforme é possível perceber na Figura 2.4:

39

HUMOR O humor é necessário, seja como expressão da alegria de viver, seja como forma de análise crítica do homem e da vida. PROPOSTA DE REDAÇÃO - Você concorda com a afirmativa acima? Posicione-se, expressando sua opinião a respeito das manifestações humorísticas das pessoas- rindo ou fazendo rir - frente a situações da realidade. Sua tarefa é produzir um texto dissertativo-argumentativo, defendendo sua tese com argumentos claros e convincentes. Seu texto deverá ter, no mínimo, 20 linhas e, no máximo, 25. Não se esqueça de dar-lhe um título. Ao passar a limpo sua redação, use caneta azul ou preta.

Figura 2.4 Tarefa proposta como motivação para a elaboração da prova de redação do Concurso Vestibular da UFSM, 1998.

Levando em conta a tarefa proposta como tema, os textos dos alunos

vestibulandos que prestaram o concurso deveriam apresentar argumentos

organizados no sentido de avaliar contrária ou favoravelmente a situação

proposta como tema, no que se convenciou chamar linguagem culta formal.

Os fragmentos abaixo, extraídos de uma redação produzida no concurso

vestibular da UFSM, 1998 apresentam o tema (o humor) e o avaliam através de

uma tese (sublinhada nos fragmentos). Isso constituiu uma regularidade e

permitiu que esses textos fizessem sentido entre os professores avaliadores e

os alunos vestibulandos.

Exemplos:

2) Em tempos de capitalismo selvagem e escândalos de corrupção, o homem encontra formas de rir. Afinal, as manifestações humorísticas podem ser tanto uma válvula de escape para as tensões da realidade quanto uma poderosa arma para o desenvolvimento da consciência social.

40

3) No mundo contemporâneo em que o estresse ganha espaço, rir representa a válvula de escape para compensar as agruras do dia-a-dia. Além disso, exercer o bom humor é uma forma inteligente de administrar os obstáculos da vida. Pode ser uma relação compensatória ficar assistindo a um programa de humor para relaxar e esquecer dívidas ou problemas conjugais, mas ajuda.

Os textos produzidos atenderam a propósitos específicos. Os alunos

escreveram o texto, nos moldes preestabelecidos do concurso (texto com 20-25

linhas, manifestando uma opinião sobre o tema, linguagem culta formal, etc)

porque a redação é um pré-requisito para seu ingresso no Ensino Superior, e os

avaliadores a leram para selecionar e classificar os candidatos. Esses objetivos

de alunos vestibulandos e professores avaliadores bem como as regularidades

de forma, linguagem, conteúdo, que são utilizadas na situação específica do

concurso, podem ser vistos como maneira de caracterizar um gênero.

As concepções de gênero propostas por BAKHTIN (1997, p.280) são

compartilhadas por HALLIDAY & HASAN (1985), que também o associam a

textos produzidos em um dado contexto com um objetivo específico. Segundo

os autores, o modo como a linguagem está organizada tem sido determinado

pelas funções que desempenha em um determinado contexto. Assim, o

contexto é o ambiente não-verbal onde o texto se desdobra, e o texto é produto

desse contexto.

O contexto pode ser reconhecido pelas variáveis campo, teor e modo

(HALLIDAY & HASAN, 1985), e o texto pode ser identificado pela realização em

termos lingüísticos das escolhas léxico-gramaticais feitas por um indivíduo de

41

acordo com a função, com o tipo de interação que deseja estabelecer nesse

ambiente.

Os elementos do contexto possuem calibragens que permitem a

identificação da atividade social que está ocorrendo (campo), quem são os

participantes (teor) e a estruturação do texto (modo). Dependendo da situação

comunicativa, a variável campo pode ter o valor de um pedido ou censura, a

variável teor pode indicar uma relação entre pais e filhos ou entre patrão e

empregado, e a variável modo pode ser associada ao texto falado ou escrito

(HALLIDAY & HASAN, idem, p.55).

Os elementos do contexto materializam-se no texto, ou seja, os traços do

contexto são realizados pela linguagem e podem ser analisados pelas funções

ideacional, interpessoal e textual. A primeira é capaz de explicitar a que o texto

se refere, a segunda representa os participantes e as relações entre eles, e a

terceira explicita o papel desempenhado pela linguagem no contexto

comunicativo.

O esquema de HALLIDAY & HASAN (idem, p.26), indicado na Tabela

2.3, mostra como estão relacionados texto e contexto.

42

SITUAÇÃO característica do contexto

TEXTO componente funcional do sistema semântico

Campo do discurso (o concurso vestibular)

função ideacional

Teor do discurso (vestibulandos e avaliadores)

função interpessoal

Modo do discurso (o caráter público do concurso)

função textual

Tabela 2.3 Esquema apresentado por HALLIDAY & HASAN, 1985, p.26 que mostra a relação entre texto e contexto.

Conforme indicado no esquema, cada um dos elementos contextuais

campo, teor e modo são sinalizados no texto respectivamente através das

funções ideacional, interpessoal e textual .

A estreita relação entre texto e contexto permite prever como os textos

que ocorrem em uma dada situação de comunicação estão estruturados. Isso

porque a Configuração Contextual determina os elementos obrigatórios e

opcionais que compõem a Estrutura Potencial do Gênero – GSP e essa é a

estruturação da atividade social materializada no texto (conforme HALLIDAY &

HASAN, 1985, p. 59-61). Ao mesmo tempo que o contexto determina a

estrutura do texto, o texto fornece pistas sobre a configuração contextual.

Passaremos a discutir as variáveis contextuais campo, teor e modo e as

categorias de análise do texto, no sentido de explicitar como as variáveis

contextuais se relacionam com as funções ideacional, interpessoal e textual,

respectivamente, nas redações de vestibular.

43

2. 3. 1 A variável contextual campo e a função ideacional da linguagem

Na redação de vestibular, a variável campo refere-se às condições de

elaboração e leitura do texto no que se refere à tarefa proposta como tema na

prova, à elaboração de um argumento a favor ou contra a idéia contida na

proposta, geralmente a partir de assuntos de interesse geral e atual. Essa

variável contextual refere-se ao acontecimento, à natureza da ação social na

qual as pessoas estão engajadas.

Associada à variável campo do texto, a função ideacional da linguagem

trata do conteúdo das idéias do aluno-candidato. Ao analisá-la no texto,

podemos identificar os temas que constam da tarefa proposta na prova.

Levando em conta que as provas de redação dos concursos vestibulares da

maioria das universidades brasileiras (conforme Concurso Vestibular da

PUCRS 1995, 1999, da UFSM, 1999 e 2000 e UFPel, 2000 e outros) constam

de uma tarefa que propõe a discussão de temas sociais, como crises políticas,

problemas econômicos, reformulações na educação, a necessidade do humor

na sociedade atual, podemos identificar esses temas no vocabulário, isto é, no

emprego de substantivos, adjetivos, verbos que indicam a natureza do tema

abordado.

Segundo HALLIDAY & HASAN (1985, p.80), a progressão remática nos

textos pode ser realizada através de hipônimos, hiperônimos, sinônimos e

antônimos. Dessa maneira, os temas solicitados em concursos vestibulares

podem ser identificados por palavras-chave do mesmo campo semântico que

delimitam o tema e evitam tangenciamentos ou dispersões. A função ideacional

44

da linguagem permite, assim, identificar a adequação do texto às instruções da

prova de redação. Com base nessas palavras-chave, é possível reconhecer nas

redações de alunos pré-vestibulandos a adesão ou a fuga ao tema.

A Figura 2.5 mostra um texto que foi elaborado tendo como motivação a

seguinte frase: Preconceitos: formas válidas de superá-los (PUCRS, 1995).

Em qualquer parte do mundo, existe o preconceito, seja ele racial, cultural, contra deficientes físicos ou mentais, entre ricos e pobres. Como a sociedade evolui a cada dia, buscamos diferentes formas para efetivamente superar os preconceitos, pois eles agridem os direitos humanos e destroem os ideais de igualdade entre os povos. Vários organismos governamentais e não-governamentais foram criados para conscientizar a população mundial do grave crime que é o preconceito. Em vários países, o indivíduo que expressa algum tipo de racismo, pode ser acusado e ir preso como um criminoso comum. A prisão em si não reprime o preconceito, mas impõe à sociedade a necessidade de debater e esclarecer dúvidas sobre o problema. Outro problema ocorre com os deficientes físicos e mentais. Na maioria das vezes, são humilhados e rejeitados pela sociedade.Neste caso, falta a nós o mínimo de respeito e dignidade, pois, apesar de um defeito, essas pessoas também são seres humanos e necessitam, às vezes, apenas de compreensão e de uma oportunidade para se reajustarem na sociedade. Em virtude disso, percebe-se que o preconceito só será superado com uma conscientização de toda a população, não só para constar como um modelo de organização social, mas sim, para beneficiar o ser humano em sua totalidade

Figura 2.5 Texto produzido por aluno pré-vestibulando em sala de aula. A função ideacional da linguagem permitiu o reconhecimento das

palavras "preconceito" e "superação" como palavras-chave, determinantes, no

caso da tarefa proposta, para a elaboração de um texto que propusesse

maneiras de superar o preconceito e desenvolvesse argumentos no sentido de

comprovar a validade da sugestão.

No caso do texto da Figura 2.5, a análise da função ideacional

possibilitou verificar que o texto não atendeu às instruções da prova, tendo em

vista que não aprofundou aspectos solicitados na tarefa proposta e não

apresentou formas efetivas de superação do preconceito. Há descrições das

situações em que ocorrem os preconceitos, mas o aluno que elaborou o texto

45

não apresentou uma tese e não desenvolveu argumentos para comprovar de

que maneira os preconceitos podem ser superados.

A primeira variável do contexto campo e a categoria do texto função

ideacional correlacionam-se de maneira que a variável do contexto permite o

reconhecimento da situação comunicativa concurso vestibular PUCRS/1995 e a

segunda possibilita identificar o conteúdo das idéias do candidato sobre o

assunto tratado.

A seguir, apresentaremos a segunda variável contextual teor e a função

interpessoal, no sentido de explicitar como elas se relacionam e como essa

relação contribui para que a redação de vestibular possa constituir-se em

gênero textual.

2. 3. 2 A variável contextual teor e a função interpessoal da linguagem

O variável teor do contexto indica a relação entre os candidatos e os

professores de equipe de avaliação, uma audiência-alvo desconhecida e

invisível, com quem o aluno tem uma relação institucionalizada de autoridade e

assimetria (nos termos de HALLIDAY & HASAN, 1985, p.57).

Como as ações sociais são institucionalizadas, os membros que

participam delas desempenham funções interpessoais que, no desdobramento

da ação, determinam a hierarquia que existe entre os participantes bem como o

efeito persuasivo que um deles tenta exercer sobre o outro (HALLIDAY &

HASAN, idem).

No texto do vestibular, a função interpessoal da linguagem pode indicar

as relações de assimetria entre alunos-candidatos e professores avaliadores.

46

Para COSTA VAL (1991, p.50), essa relação de assimetria faz com que alunos

vestibulandos, ao escreverem seus textos, submetam-se ao que imaginam ser

a vontade do avaliador. Assim, apesar de verbos em primeira pessoa do

singular ou a apresentação de experiências pessoais se constituírem em uma

maneira de escritores asseverarem seu compromisso com a proposição

expressa (CLARK & IVANIC, 1997, p.157-8), esses dois elementos não são

comuns em redação de vestibular. Alunos pré-vestibulandos preferem o

emprego de verbos em primeira pessoa do plural (nós) e, com isso, talvez

buscam fazer com que os leitores compartilhem de sua visão de mundo.

Para CLARK & IVANIC (1997, idem, p.165), escritores dos mais

diferentes gêneros freqüentemente empregam o "nós" para simular que ambos

(escritor e leitor) têm o mesmo posicionamento. Segundo as autoras, essa é

uma maneira de escritores conquistarem seus leitores para que participem de

seu posicionamento: se escritores estão escrevendo para persuadir um grupo

de leitores resistentes sobre suas visões, eles necessitam tratar o diálogo com

seus leitores diferentemente de uma audiência que aceite suas idéias.

Outro elemento que revela as relações que se estabelecem entre o

escritor e o leitor são os recursos de modalidade. Esses recursos indicam em

que medida o autor engaja-se no assunto tratado, assumindo com maior ou

menor certeza as suas afirmações.

Com a modalidade deôntica, por exemplo, escritores podem demonstrar

até que ponto acreditam que as proposições que defendem são obrigatórias.

Esse tipo de modalidade apresenta-se numa escala que varia entre o que é

47

obrigatório, proibido, permitido ou facultativo fazer (HALLIDAY, 1994, p.357).

Com o seu uso, escritores vão através de comandos, ofertas e sugestões

estabelecendo relações com o interlocutor, no sentido de assegurar que ele

compartilhe das proposições expressas. O uso da modalidade deôntica pode

ser manifestada através dos verbos modais “dever”, “precisar”, “necessitar”,

“permitir”, ou ainda através de advérbios que estabelecem a mesma relação de

obrigatoriedade, de necessidade, de permissão como “realmente”,

“necessariamente”, “obrigatoriamente”.

A modalidade epistêmica, por sua vez, expressa a variação entre a

probabilidade e a usualidade, através de graus intermediários de possibilidade

das asserções serem verdadeiras. O grau de probabilidade é expresso por meio

de advérbios como “certamente”, “provavelmente” e “possivelmente”; o grau da

usualidade é dado por expressões como “freqüentemente”, “usualmente” e

“algumas vezes” (HALLIDAY, 1994, p.356-7). Ao utilizar um grau intermediário

entre os pólos positivo e negativo, o escritor não impõe explicitamente sua

opinião, dando ao texto um caráter menos impositivo (conforme REBELO,

1999, p.96).

Através dos auxiliares modais, pode ser expressa uma intenção

ambígua, ou seja, aquele que enuncia pode estar querendo se manifestar tanto

abertamente quanto de maneira encoberta. Usando uma forma que parece

pouco incisiva, o escritor pode estar disfarçando uma opinião e arquitetando o

convencimento justamente pela maneira branda de expressar-se. Isso significa

48

que o escritor, ao não conduzir o enunciado assertivamente, dá-lhe um “tom”

não autoritário e dissimula sua intenção.

Outra forma que escritores utilizam para marcar sua presença nos textos

é o uso de marcadores de atitudes (VANDE KOPPLE, 1985, p.82-9), os quais

lhes permitem fazer avaliações do conteúdo proposicional do texto em termos

de conceitos “bom“ e “ruim”, ou “positivo” e “negativo”. Ou seja, os marcadores

de atitudes permitem ao escritor demonstrar sua opinião sobre aquilo que

discute ou seu juízo de valor em relação a determinado assunto. Através deles,

o escritor sugere ao leitor que certa ação deve ou pode ser realizada de

determinada maneira. A atitude do escritor pode ser expressa sob a forma de

advérbios, de adjetivos e de expressões que possibilitem indicar ao leitor, de

forma direta, o que o autor pensa sobre o que discute.

A segunda variável contextual teor e a função interpessoal da linguagem

correlacionam-se nos textos de maneira que através de elementos lingüísticos

como os recursos da modalidade, os marcadores de atitudes, o uso do

pronome nós, pode-se identificar as relações de simetria ou assimetria

existentes entre os participantes da situação comunicativa.

A seção seguinte trata da terceira variável contextual modo e da função

textual da linguagem.

2. 3. 3 Avariável contextual modo e a função textual da linguagem

A variável contextual modo é associada a elementos como o caráter

público do concurso vestibular, o meio escrito, a necessidade de o candidato

49

formular uma discussão argumentativa ou persuasiva no texto e o fato de a

redação ser a totalidade da atividade relevante para o evento se efetivar, não

havendo outra atividade relevante acontecendo no momento da prova

(conforme HALLIDAY & HASAN, 1985, p.14).

Essa variável contextual pode ser associada à função textual da

linguagem, que está relacionada à organização retórica do texto, isto é, à

maneira como as informações são organizadas para que a linguagem alcance o

seu objetivo (idem, p.27-8). Conforme já mencionado, a função da redação de

vestibular é convencer a banca da habilidade argumentativa do aluno na língua

escrita, o que pode possibilitar o seu acesso à Universidade.

Assim, para que a redação de vestibular exerça a sua função, o

candidato deve avaliar o tema através de uma tese e apresentar argumentos

que possibilitem à banca aderir à sua opinião. Nesse sentido, o argumento é

uma propriedade da linguagem (PÉCORA, 1992, p.88) e pode ser considerado

o elemento que estabelece a interlocução entre o candidato e os professores

avaliadores. A partir disso, pode-se dizer que “o reconhecimento do sentido do

texto por meio dos argumentos apresentados implica o reconhecimento de uma

ação entre sujeitos de linguagem” (idem, ibidem).

Para BRETON (1999, p.32), argumentar implica uma relação de

comunicação em que o orador dispõe de uma opinião e a transporta até um

auditório para que dela compartilhe. Por isso, argumentar é também escolher os

aspectos que tornam a opinião aceitável para um dado público. Segundo o

50

autor, a transformação de uma opinião em argumento em função de um

auditório particular é precisamente o objeto da argumentação (idem, p.32).

Compartilhando dessa opinião, GUEDES (1994, p.384) salienta que, ao

se adotar um posicionamento, é preciso apresentar provas a favor da posição

que se assumiu ou ainda provar que a posição contrária está equivocada. Para

o autor,

o texto precisa MOSTRAR mais do que meramente DIZER. Nenhum leitor tem obrigação de acreditar na seriedade e na honestidade de qualquer autor. Pelo contrário, quanto mais experiente vai ficando o leitor, mais ele percebe que deve colocar sob suspeita cada palavra de cada texto que lê. O autor é que precisa mostrar-se digno de crédito, não pela solenidade de seus juramentos, mas pela eficiência de seus argumentos, (...), pelo conhecimento que o seu texto produz (idem, ibidem).

Dessa maneira, como em toda situação comunicativa, no concurso

vestibular, os argumentos construídos para defender um posicionamento

precisam constituir teses bem fundamentadas que resistam às críticas e

possam validar uma maneira particular de ver o mundo (TOULMIN, 1958, p.8).

A tese apresentada, portanto, deve vir acompanhada de dados e garantias no

sentido de dar suporte para as opiniões apresentadas nos textos (idem,ibidem).

Segundo TOULMIN (1958, p.100), os dados são as informações

apresentadas em forma de fatos, estatísticas e ocorrências sobre os quais se

fundamentam as afirmações. As garantias são proposições que explicitam em

que medida os fatos, as ocorrências ou as estatísticas se relacionam à tese ou

ponto de vista. Segundo o autor, a Tese, os Dados e as Garantias juntos

marcam as fases de um argumento padrão, desde a sua declaração inicial até a

51

conclusão. Assim, para TOULMIN (idem, p.99), um argumento válido poderia

ser representado conforme o exemplo da Figura 2.6.

Figura 2.6 Estrutura do argumento em redação produzida no concurso vestibular (UFSM, 1998) a partir do modelo de TOULMIN (1958, p. 99).

A tese "o riso é nossa válvula de segurança", que foi apresentada no

texto, é justificada pelos dados apresentados através dos exemplos. A garantia

do argumento está na relação que existe entre o "relaxamento possibilitado pela

gargalhada ou pelo sorriso", que demonstra por que as informações

apresentadas pelos dados servem para justificar a tese. Assim, a tese "o riso é

nossa válvula de segurança" estabelece uma comparação que é esclarecida

pelos fatos apresentados como dados e explicitada pela pergunta retórica que

desafia o leitor a negar que, ao vivenciar a situação apresentada nos dados,

está utilizando o riso como uma maneira de "escapar" dos problemas do

cotidiano.

O riso é nossa válvula de segurança. (TESE)

Como numa panela de pressão, quando a situação se torna difícil de agüentar, rimos. Buscamos o distanciamento do mundo em desenhos animados ou comédia; quando isto não acontece, contamos piada ou lembramos casos engraçados (DADOS)

Quem pensa em relaxar sem encontrar motivos para gargalhadas ou ao menos sorrisos? (GARANTIAS)

52

A terceira variável contextual modo e a função textual da linguagem

correlacionam-se de maneira que a organização retórica do texto é fator

preponderante para que ele desempenhe a sua função no contexto do concurso

vestibular. Considerando essas questões, podemos avaliar que, em situação de

vestibular, não é a escolha de palavras isoladas que reflete o campo, nem a

escolha de frases ou parágrafos que faz com que o texto desempenhe a sua

função no contexto do vestibular, mas sim a capacidade que o candidato deve

demonstrar de construir um texto que se constitua em um todo de significado,

capaz de persuadir a audiência-alvo de que ele está capacitado para ingressar

na universidade. Para isso, ele deve manifestar a sua opinião e utilizar

argumentos capazes de persuadir os avaliadores.

Considerações finais

Este capítulo teve a finalidade de levantar algumas questões sobre a

redação de vestibular. Para tanto, realizamos um levantamento bibliográfico nos

livros didáticos sobre redação de vestibular e traçamos um visão panorâmica

dos critérios que regulamentam a avaliação de textos no concurso vestibular da

UFRGS. Esses procedimentos objetivaram compreender como se dá o ensino e

aprendizagem de redação em nossas escolas via livro didático e também a

maneira como são recepcionados os textos no contexto do concurso vestibular.

O levantamento realizado nos livros didáticos demonstrou que o ensino e

aprendizagem de redação deixa à margem do processo de ensino de produção

53

textual elementos considerados fundamentais no processo de escrita de textos:

a presença do autor no texto e seu objetivo comunicativo.

Por outro lado, os critérios da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul demonstram que a avaliação de redações está ancorada na capacidade

que o candidato deve possuir de revelar-se autor do seu texto. Nesse sentido, o

texto produzido deve utilizar elementos de argumentação pertinentes para

persuadir a banca avaliadora.

As considerações feitas sobre as seções 2.1 e 2.2 da Revisão de

Literatura justificaram a escolha do construto teórico estudado na seção 2.3, o

qual fundamentará a análise das redações produzidas no concurso vestibular

da UFRGS.

54

3 METODOLOGIA

O presente capítulo subdivide-se em três subseções: a primeira

apresenta os critérios utilizados para a definição do universo de análise dos

textos; a segunda apresenta os critérios de delimitação do “corpus”, e a terceira

explicita os procedimentos adotados para o levantamento e análise dos dados.

3.1 Definição do universo de análise

Para a análise do gênero redação de vestibular, o universo escolhido foi

a UFRGS por ter sido a universidade que deu acesso aos textos. O Professor

Paulo Guedes, coordenador da equipe de avaliação de redações do vestibular

da UFRGS, cedeu cópias de 40 redações produzidas no concurso vestibular de

1997 e 1998, pertencentes ao Banco de Dados de Pesquisas sobre redação

daquela universidade.

3. 2 Critérios de delimitação do corpus

Dentre os 40 textos cedidos, foram selecionados apenas aqueles cuja

tarefa de redação proposta consistia em responder à pergunta "Que

reformulações deve haver no vestibular da UFRGS?", do vestibular de 1997,

em função da questão estar diretamente relacionada ao assunto da dissertação

(vestibular).

Para delimitar mais o trabalho, foram escolhidas as 09 redações que

obtiveram nota dez naquele concurso vestibular, para, assim, verificar-se como

55

se apresentam textos considerados plenamente satisfatórios para a equipe de

avaliação.

Também foram realizadas entrevistas com membros da equipe de

avaliação de redação de vestibular de três universidades. Embora os textos

analisados sejam da UFRGS, os membros entrevistados pertencem a três

instituições: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo (PUC/SP). A escolha desses três universos para a realização das

entrevistas objetivou ampliar a dimensão da avaliação de redações com o

intuito de ver se os comentários a respeito dos critérios de avaliação são

localizados na instituição foco deste trabalho ou se são generalizáveis. Em

relação às redações, não se sentiu necessidade dessa generalização porque

alunos pré-vestibulandos prestam o concurso nas mais diversas instituições do

país e, por isso, as redações que constituem o corpus deste trabalho podem ser

consideradas frutos de vários contextos. No decorrer da análise, as

universidades serão nomeadas como A, B e C e os avaliadores como A1, A2,

B1, B2 e C1 respectivamente.

Selecionados os textos e definido o roteiro para as entrevistas a partir

dos critérios já mencionados, procedeu-se ao levantamento e à análise dos

dados.

3. 3. Critérios para levantamento e análise dos dados

Os dados nas redações foram levantados e analisados tendo como pano

de fundo os depoimentos dos avaliadores.

56

As entrevistas foram realizadas, em princípio, procurando cobrir três

pontos: a experiência do avaliador, a dinâmica da equipe de correção e a

organização textual desejável para a equipe de avaliação. Para isso, as

perguntas foram feitas a partir de um roteiro de ordem flexível que poderia

variar de acordo com o ritmo de cada entrevistado. Os pontos abordados nas

entrevistas visaram definir as calibragens das variáveis do contexto, campo,

teor e modo no gênero redação de vestibular.

Bloco 1:

1) Há quanto tempo o senhor corrige redações?

2) O senhor trabalha em outras IES?

3) O que o trouxe para essa área de correção?

Bloco 2:

1) Quantas pessoas trabalham na equipe?

2) Como é realizado o trabalho em equipe?

Bloco 3:

1) Quais são os critérios estabelecidos pela banca?

2) Quais são os critérios estabelecidos pelo senhor?

3) Qual é o conceito de texto bem estruturado?

4) O que é um texto coerente a partir dos critérios de avaliação?

5) Como é o texto desejável para a banca de avaliação de redações?

6) Qual é o conceito de argumento para a banca?

7) Como são estruturados os argumentos?

A coleta de dados das entrevistas visou definir a configuração contextual

do gênero redação de vestibular, tendo em vista a necessidade de se delinear

uma imagem mais precisa do avaliador e da dinâmica de correção, bem como

57

do conjunto de critérios que cada um desses participantes do gênero "redação

de vestibular" levam em consideração ao desempenhar seu papel de avaliador.

Assim, no primeiro bloco, buscou-se definir tanto o tempo e a diversidade

de experiências em correção, quanto os critérios que o qualificaram como

avaliador (se por convite, concurso, etc) e seu envolvimento com a área (por

exemplo, se faz pesquisa na área ou a correção é uma atividade isolada de sua

prática acadêmica ao longo do ano).

Pareceu-nos importante explorar essa dimensão pois, em função das

respostas, poderíamos expandir questões como: o senhor/senhora nota

diferenças nos critérios de correção de uma universidade para outra? ou de

uma década para outra? de uma instituição para outra? Quais? A resposta a

esse tipo de questão poderia auxiliar a definição dos atuais critérios usados por

avaliadores na correção (tanto se considerando diferenças entre instituições,

quanto diferenças ao longo de diferentes décadas) bem como o papel do

avaliador como participante do processo de produção, leitura e avaliação de

redação.

O segundo bloco de perguntas buscava elicitar dados referentes à

dinâmica de correção, focalizando o grau de sistematização, individualidade e

subjetividade da correção. Objetivamos, aqui, compreender melhor o que se

passa no local de correção, conforme a visão dos próprios participantes do

evento.

Esses dois primeiros blocos forneceram dados importantes para que

definíssemos a variável contextual teor (ver seção 2.3.2).

58

Por último, o terceiro bloco tinha por foco o objeto da avaliação, a

redação, e os critérios de abordagem desse objeto. Tentamos verificar em que

medida há consenso entre a instituição e o avaliador (perguntas 1 e 2) e em

que medida há uma concepção uniforme do que seja um texto "bem

estruturado" e de que modo questões como "coesão", "coerência", "estrutura"

(questões 3, 4 e 5) são abordadas pela banca.

Uma vez que a hipótese do estudo previa a configuração do texto em

torno de uma estrutura relativamente consistente com o Modelo proposto por

TOULMIN (ver seção 2.3.3), as questões 6 e 7 procuraram obter informações

sobre essa questão do ponto de vista do avaliador.

Buscou-se analisar sobre o que escrevem os alunos no concurso

vestibular. Assim, foram coletados como dados, nas entrevistas, palavras

citadas pelos avaliadores que possam ser associadas a temas da atualidade.

Ao coletar esses dados, considerou-se que tarefas propostas pelas

universidades partem de fatos, dados, opiniões e argumentos sobre fatos

presentes no cotidiano do leitor de jornais e revistas (conforme SILVA, 1999,

p.13-4) e que alunos que prestam o concurso vestibular necessitam estar bem

informados.

Nas redações analisadas, foram considerados dados indicadores de

coesão e coerência o uso de palavras-chave como 'vestibular' e

'reformulações', que remetem ao tema proposto na prova de redação do

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1997: “Que

reformulações deve haver no concurso vestibular da UFRGS?“. A tarefa

59

proposta que gerou as redações que foram analisadas neste trabalho está

demonstrada na Figura 3.1:

Há muitas discussões sobre a reformulação do Concurso vestibular. Alguns propõem sua extinção sumária; outros defendem que seja substituído por concursos isolados, para as diversas carreiras acadêmicas; outros ainda advogam sua reformulação parcial, sugerindo pequenos ajustes na forma atual ou propondo a exigência de questões apenas discursivas em todas as provas. Como membro da comunidade na qual esse concurso é realizado, você certamente tem muito a dizer sobre a adequação do vestibular ao tipo de candidato que normalmente presta os exames. Além disso, ainda que jamais se tenha preocupado antes com o vestibular, você está, nesse momento envolvido com ele. Você acha que o vestibular, na sua forma atual, seleciona de maneira eficaz os futuros alunos da UFRGS, valorizando adequadamente seus conhecimentos, habilidades e aptidões? Ou você acredita que possa haver uma maneira melhor de fazê-lo? Lembre-se de que qualquer proposta relativa ao vestibular, se eventualmente adotada pela Universidade teria reflexos extraordinários na sociedade como um todo, e não é ao seu bem individual que a Universidade visa, e sim ao da coletividade. Pois bem: sua redação deverá desenvolver sua resposta à questão “que reformulações deve haver no concurso vestibular da UFRGS”?. Para isso, parta de sua experiência pessoal, enuncie a(s) reformulação (ões) que considera necessária (s) e apresente motivos para sua proposta. Desde logo, fique claro que, para fins de atribuição de nota, não será avaliado o mérito de suas opiniões, mas sim sua capacidade de redigir um texto correto e articulado sobre o tema. Lembre-se de que você está sendo solicitado a redigir uma dissertação, texto que se caracteriza por um esforço de reflexão racional em torno de um tema. Valha-se de sua experiência como ponto de partida, mas apresente-a articulada em um texto argumentativo, organizado dissertativamente. A dissertação deve ter a extensão mínima de 30 linhas e máxima de 60 considerando letra de tamanho regular. Inicialmente, utilize a folha de rascunho e, depois, passe a limpo na folha de redação, sem rasuras e com letra legível, o que você escreveu. Utilize caneta; lápis, apenas no rascunho.

Figura 3.1 Prova de Redação do Concurso Vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS/1997.

Considerando que, ao escreverem seus textos, alunos vestibulandos

precisam asseverar seu ponto de vista no sentido de persuadir a banca da

validade de sua opinião, nas entrevistas, foram considerados dados palavras

como autonomia, tese, ponto de vista que nos permitissem: 1) identificar em

que medida alunos vestibulandos podem manifestar sua presença autoral na

prova de redação e 2) definir a função interpessoal nas redações (ver seção

2.3.2).

60

Nos textos, foram analisados como dados, o uso da primeira pessoa do

singular (eu), da primeira pessoa do plural (nós) bem como os elementos

lingüísticos marcadores de modalidade como "é preciso", "é necessário",

"certamente", "é provável", provavelmente", que demonstram como os alunos

produtores de redações consideradas satisfatórias asseveram seu ponto de

vista para construir seu argumento nos textos.

Também foram considerados dados os marcadores de atitudes. Essas

marcas, fornecidas por adjetivos, substantivos, expressões atitudinais ou

advérbios, permitem ao escritor fazer avaliações do conteúdo proposicional do

texto em termos de conceitos “bom “ e “ruim” ou “positivo”e “negativo (VANDE

KOPPLE, 1985) Os marcadores de atitudes permitem ao escritor demonstrar

sua opinião sobre aquilo que discute ou o juízo de valor que possui em relação

a determinado assunto.

Para analisar como a redação de vestibular está estruturada, os dados

levantados nas entrevistas foram palavras ou expressões utilizadas pelos

avaliadores entrevistados que remetem à organização do texto, à coesão, à

coerência e aos recursos lingüísticos de expressão. Assim, palavras-chave

como "estrutura", "paragrafação", "estágios do texto", nos depoimentos,

sinalizaram a organização macroestrutural (coerência) do texto e palavras como

"conjunções", "retomadores", "coesão lexical" sinalizaram a microestrutura

(coesão) do texto.

61

Nos textos, os dados foram analisados tendo em vista aspectos da

estrutura global. Nessa estrutura global, as partes do texto foram analisados em

relação à situação, ao problema,à solução e à avaliação (HOEY, 1994).

A estrutura problema-solução, descrita por HOEY (1994) apresenta, em

suas partes, componentes lingüísticos que sinalizam para a situação, o

problema, a solução e a avaliação da situação. A primeira parte desse modelo

insere o leitor na situação que está estabelecida; a segunda apresenta o

problema que requer uma resposta; a terceira deve apresentar a solução para o

problema apresentado, e a quarta apresenta a avaliação da solução

apresentada.

Para analisar aspectos da microestrutura dos textos, os dados foram

analisados em relação aos elementos de coesão endofóricos e exofóricos, às

conjunções e aos elementos lingüísticos que dão progressão ao texto.

Levando em conta que alunos vestibulandos necessitam elaborar um

texto argumentativo, com o intuito de convencer a banca de que a sua opinião é

válida, tentou-se detectar, nas entrevistas, o que a banca espera em termos de

estrutura do argumento. Foram considerados dados palavras como "tese",

"hierarquização", "exemplificações", "dados estatísticos" que remetessem à

organização da opinião do autor em termos de Tese, Dados e Garantias.

A Tese, nas redações analisadas, está relacionada às sugestões de

reformulações para o concurso vestibular da UFRGS (conforme tarefa proposta

no vestibular da UFRGS/1997, neste capítulo).

62

Os Dados, nas redações analisadas, foram considerados em relação às

exemplificações, causas, conseqüências, experiências pessoais utilizadas para

fundamentar a Tese.

Como Garantias, nas redações, foram consideradas as proposições cujo

conteúdo explicitassem a relação entre os Dados apresentados e a Tese

defendida.

63

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este capítulo apresentará a discussão dos resultados obtidos na análise

das redações consideradas satisfatórias pela equipe de avaliação de redações

de vestibular da UFRGS. Primeiramente, será apresentado o contexto da

redação de vestibular, a partir dos depoimentos dos avaliadores. Em seguida,

serão apresentados os resultados obtidos na análise dos textos. Para tanto,

serão abertas três subseções: a primeira apresentará os resultados obtidos na

análise da função ideacional da linguagem; a segunda apresentará os

resultados da análise da função interpessoal da linguagem, e a última

apresentará os resultados obtidos na análise da função textual da linguagem.

4. 1 O contexto da redação de vestibular

No Capítulo 2, seção 2.3, da Revisão de Literatura, apresentamos o

contexto da redação de vestibular e suas variáveis: o campo (o assunto

abordado no texto), o teor (participantes e o papel de cada um deles) e o modo

(a estruturação do texto). Neste capítulo, discutiremos o contexto da redação e

suas variáveis, conforme já indicado no Capítulo 3, da Metodologia, tendo como

pano de fundo os depoimentos dos avaliadores entrevistados.

O contexto das redações de vestibular envolve participantes que, de um

lado, selecionam e classificam (professores avaliadores) e, de outro, desejam

ser selecionados e classificados (alunos vestibulandos).

64

Conforme explicamos no capítulo de Metodologia, os professores que

foram entrevistados para este trabalho pertencem a três Instituições de Ensino

Superior: A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Universidade A), cujos

avaliadores serão identificados como A1 e A2. A Universidade Federal de Santa

Maria (Universidade B), cujos avaliadores serão nomeados como B1 e B2, e a

Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (Universidade C), cujo avaliador

será nomeado como C1.

Dos cinco avaliadores que foram entrevistados, quatro estão envolvidos

com o processo de avaliação há mais de uma década. Os avaliadores A2 e C1

estão envolvidos com o processo há mais de vinte anos, e B1 e B2 pertencem à

equipe de avaliação de redações há quatorze anos. Os quatro avaliadores

trabalham nas instituições de cuja equipe fazem parte e dois deles, os

avaliadores B1 e C1 desempenham a função de avaliadores também em outras

instituições. Apenas um dos cinco avaliadores, A1, não pertence ao quadro de

professores da universidade na qual trabalha como avaliador de redações de

vestibular, tendo sido convidado por colegas para fazer parte da equipe.

A partir dessas informações, que coletamos nas entrevistas através das

perguntas 1, 2 e 3 (conforme Capítulo 3, da Metodologia), podemos dizer que

os envolvidos no processo de avaliação de redações de vestibular são pessoas

experientes em leitura de textos. Essa experiência é confirmada pelo avaliador

B1:

Eu tenho uma leitura muito rápida de correção, porque, como eu trabalho na Comunicação com redação, estou habituado a corrigir textos, a ler textos, justamente nessa

65

questão que é a proposição temática e a avaliação de desempenho...

Segundo as entrevistas, o processo de avaliação de cada redação

envolve sempre dois avaliadores. Na Universidade A, são 90 avaliadores,

distribuídos em grupos de 10. Cada grupo é coordenado por um professor.

Cada avaliador corrige mais ou menos 40 redações por turno.

Segundo o avaliador A1, na Universidade A,

O trabalho...(...) era sempre feito em dois momentos. Na parte da manhã, eram corrigidas uma média de 40 redações, (...), 40 de manhã, 40 de tarde. Então na parte da manhã, era feita uma primeira revisão que eles chamavam de revisão analítica. (...) Então à tarde eu vou pegar mais quarenta redações que já foram corrigidas na parte... no período da manhã. (...) Aí é a holística.

Tendo como base o depoimento do avaliador, podemos descrever a

dinâmica de avaliação da Universidade A da seguinte maneira:

Total de revisores= 90

1 coor

1 redação- 2 avaliadores

1 coordenador por grupo

Total de redações por avaliador- 80

1º avaliador- avaliação analítica (expressão, conteúdo e expressão)

2º avaliador- avaliação holística (nota única)

Avaliação analítica + avaliação holística= nota final

10 10 10 10 10 10 10 10 10

66

Conforme descrevemos acima, na Universidade A, cada redação é

avaliada em dois momentos distintos. No primeiro momento, um avaliador

atribui uma nota levando em conta critérios de conteúdo, estrutura e expressão,

que constam no Manual do Avaliador (1999). Essa avaliação é chamada

analítica. No segundo momento, outro avaliador atribui nota ao mesmo texto,

mas sem utilizar critérios estipulados pela instituição. Essa última avaliação é

chamada holística.

As duas notas são somadas pelo computador para se obter a média final

da redação. Os casos considerados discrepantes, isto é, uma redação com uma

diferença de 2,5 entre as avaliações holística e analítica, vão para uma terceira

equipe, que discute as notas. Persisitindo a dúvida sobre a nota que deve ser

atribuída ao texto, o caso é levado para a coordenação geral.

A Universidade B, que possui 7 ou 8 duplas avaliadoras, apresenta uma

dinâmica de avaliação de redações um pouco diferenciada da Universidade A.

Segundo B1,

A avaliação é analítica, (...) um corrige e outro revisa. Faz a leitura e se estabelece um diálogo com a avaliação (...) Havendo discordância, uma discrepância de notas, se volta à correção.

Em outro trecho da entrevista, B1 salienta que

são duas leituras. Um corrige, o outro revisa. Outro lê, outro revisa a nota. Se há uma concordância de nota, tudo bem. Se não, se muda. Como se tem o quadro de atribuição da notas, no quadro se pode com facilidade se ver onde pode ter havido uma supervalorização da nota.

67

Segundo os depoimentos dos avaliadores da Universidade B, os

professores envolvidos no processo corrigem os textos por curso. Ao

receberem os textos, eles realizam uma leitura prévia de mais ou menos dez

redações as quais servem de parâmetro para a avaliação dos textos por curso.

Essa leitura prévia contribui para comparar candidatos que prestam vestibular

para o mesmo curso. Assim, na Universidade B, a avaliação das redações é

regulamentada pelos critérios que constam na grade de avaliação, mas também

tem como referência as redações dos próprios concorrentes.

Pelos depoimentos do avaliadores, podemos descrever a dinâmica de

avaliação das redações da Universidade B da seguinte maneira:

1º momento- leitura de mais ou menos 10 textos por curso

2º momento- avaliação das redações

1 redação- 2 avaliadores

1º avaliador- leitura analítica

2º avaliador- leitura analítica (revisão da nota)

A dinâmica da avaliação de redações na Universidade C também se

revelou diferenciada, conforme trecho da entrevista transcrito abaixo. Segundo

C1,

Nós fazíamos uma avaliação bem analítica, não era uma avaliação holística, assim, ler e dar uma nota, certo? (...) Só analítica, nós fazíamos, eram estabelecidos os critérios, está certo? (...) Então, eram determinados critérios que eram adotados e que aí tinha: o primeiro tinha uma fichinha,

2 2 2 2 2 2 2

68

está certo? E tinha uma fichinha do segundo, aí o primeiro corrigia, o segundo e aí então era feita uma média.

Com base no depoimento do avaliador, podemos descrever a dinâmica

de correção da Universidade C da seguinte maneira:

1º avaliador - leitura analítica

2º avaliador -revisão da nota

Os depoimentos dos avaliadores entrevistados indicam que o processo

de avaliação diferencia-se de uma universidade para outra. Embora as

redações das três universidades sejam avaliadas por dois membros da equipe,

nas Universidades B e C, as notas finais são resultantes de critérios analíticos,

enquanto na Universidade A, as notas finais das redações são resultantes da

soma dos critérios analíticos e holísticos.

Esses dados, que não constam nos critérios de avaliação de redação

publicados e vêm à tona somente através das entrevistas, revelam-se

diferenciadores no processo de avaliação de redações, tendo em vista que,

com a leitura holística do texto, realizada pela Universidade A, o aluno-

candidato pode contar com a experiência do avaliador que interage com o texto

e pode valorizar aspectos que fogem aos critérios preestabelecidos na grade de

avaliação. Nesse sentido, podemos dizer que a avaliação holística do texto,

realizada na Universidade A, funciona como um critério de justeza da nota. Já

a leitura prévia dos textos por cursos, na Universidade B, parece ser mais um

2 2 2 2 2 2 2 2 2

69

critério de seleção que pressupõe que candidatos a cursos concorridos

necessitam ter um melhor desempenho na escrita do que alunos que prestam

vestibular para outros cursos sem tantos concorrentes por vagas.

Os resultados obtidos a partir da dinâmica de avaliação das três

universidades cujos membros foram entrevistados indicam que o processo de

avaliação de redações de vestibular não é generalizável. Isso significa que

alunos que prestam vestibular em várias universidades terão seus textos

avaliados de maneira diferenciada.

Esta seção teve por objetivo fazer uma descrição do contexto que cerca

a avaliação de textos tanto em relação aos avaliadores quanto em relação à

dinâmica de correção. A seção seguinte discutirá os resultados da análise

realizada nas redações que foram selecionadas para este trabalho.

4. 2 As redações consideradas satisfatórias na Universidade

Federal do Rio Grande do Sul

As nove redações que analisamos neste trabalho apresentam uma

estrutura canônica de introdução, desenvolvimento e conclusão. Consideramos

estrutura canônica o modelo de situação-avaliação (HOEY, 1994). Segundo

HOEY, grande parte dos textos produzidos utilizam essa estrutura, que pode

ser reconhecida por elementos lingüísticos que sinalizam cada uma das partes.

Essas partes são: a situação, o problema, a solução e a avaliação (HOEY,

1994, p.28).

Na análise das redações deste trabalho, obtivemos o seguinte resultado:

70

Nº de redações %

SITUAÇÃO 9 100%

PROBLEMA 9 100%

SOLUÇÃO 9 100%

AVALIAÇÃO 9 100%

Tabela 4.1 Percentual de redações escritas com a estrutura situação-avaliação, apresentada por HOEY, 1994.

Os resultados da tabela 4.1 indicam que as redações de vestibular da

UFRGS consideradas satisfatórias tendem a apresentar uma estrutura

homogênea. Essa estrutura homogênea é decorrente da tarefa proposta na

prova, que induz à avaliação da situação, à apresentação do problema e de

soluções e à avaliação.

Nas redações analisadas, a primeira parte do modelo, a situação,

corresponde à situação descrita na tarefa proposta (alunos aspirantes a vaga

no ensino superior necessitam prestar o concurso vestibular).

A segunda parte, o problema, diversificou-se um pouco, tendo em vista

que a tarefa proposta da prova de redação possibilitou ao aluno utilizar suas

experiências (ver tarefa da prova de redação, no Capítulo 3, da Metodologia). A

terceira parte do modelo de HOEY (1994), a solução, foi apresentada em todos

e correspondeu às sugestões de reformulações no concurso vestibular

solicitada na tarefa da prova da UFRGS. Quanto ao último elemento da

estrutura, a avaliação, também está presente em todos os textos e se constitui

no fechamento dos argumentos apresentados. Nessa parte do texto, os alunos

71

avaliam os resultados ou efeitos das soluções que propõem para os problemas

apresentados, conforme se pode ver na Redação apresentada a seguir:

Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na

forma de preparação para o vestibular. A UFRGS exige em seu concurso

conhecimentos aliados à prática e tais, raramente, são abrangidos nas

escolas. Seria preciso uma parceria entre as escolas e a universidade

Tabela 4.2 Redação de vestibular da UFRGS escrita com a estrutura situação-avaliação de HOEY (1994).

Na Redação apresentada na Tabela 4.2, como nas demais redações, a

situação serve como ponto de partida para o desencadeamento do texto,

situando o leitor no tema e preparando a tese central que será apresentada.

O segundo elemento da estrutura de HOEY (1994), o problema, na

Redação apresentada na Tabela 4.2, é sinalizado pela conjunção adversativa

"porém", que relaciona a situação e o problema que será apresentado e

discutido no decorrer do texto. Nas redações analisadas, o problema é o

Mudanças no concurso vestibular Em nosso Estado, a maioria dos jovens que termina o segundo grau tem como meta

ingressar em uma universidade, preferencialmente na UFRGS. (SITUAÇÃO) Porém, para tal, precisará antes ser bem sucedido no vestibular: a maratona de cerca de trezentos testes que selecionam os futuros acadêmicos da UFRGS. (PROBLEMA)

Eu já vivenciei tal experiência e sei que não é nada fácil realizar uma prova de vestibular. O fato de você estar em uma sala com mais vinte estudantes, todos seus concorrentes diretos, é realmente estressante. (PROBLEMA)Talvez, as reformulações no concurso devessem começar justamente por aí: os candidatos deveriam ser distribuídos em ordem alfabética nas escolas, desconsiderando-se o curso a que concorrem, o que amenizaria um pouco a competição. Outro fator a ser analisado é a adoção de questões discursivas ao invés das atuais questões objetivas, o que propiciaria maior flexibilidade nas respostas, permitindo uma avaliação total dos conhecimentos do aluno incluindo sua habilidade de escrita e compreensão. (SOLUÇÃO)

Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na forma de preparação para o vestibular. A UFRGS exige em seu concurso conhecimentos aliados à prática e tais, raramente, são abrangidos nas escolas. (PROBLEMA) Seria preciso uma parceria entre as escolas e a universidade para a reformulação parcial do currículo secundarista e dos conteúdos exigidos no concurso vestibular, a fim de que ambos se inserissem em uma mesma realidade, acabando com a necessidade do estudante realizar um cursinho para aliar os conhecimentos obtidos na escola aos solicitados no vestibular. (SOLUÇÃO)

Enfim, acho que o vestibular não pode ser extinguido, já que a procura por vagas nas universidades é bem maior que a oferta. Porém, mudanças devem ser feitas a fim de que se avalie o grau de aprendizagem do estudante durante toda sua vida escolar e não apenas o que ele aprendeu no “cursinho”. Só assim, garantiremos universitários e profissionais competentes. (AVALIAÇÃO)

72

momento de tensão do texto, pois será responsável pela sua continuidade.

Essa parte cria expectativas no leitor sobre a solução que será apresentada,

isto é, sobre a resposta oferecida pelo candidato ao problema existente na

situação inicial. Nas redações da UFRGS, os problemas apresentados se

referiram a experiências vivenciadas pelos alunos-candidatos que prestaram o

concurso vestibular na UFRGS, no ano de 1997. Assim, essa parte do modelo

de HOEY (1994), nas redações, foi constituída por "o grande número de

concorrentes" (Redação 1), "o fato de só passarem os melhores" (Redação 3),

"a desconexão entre os conteúdos solicitados no concurso vestibular e os

ministrados nas escolas" (Redação 1 e 4), "o tipo de prova aplicada" (Redações

4 e 8) e "a tensão, o estresse, a fadiga mental e psicológica bem como a

insegurança que prejudicam o desempenho do candidato"(Redações 5, 6, 7 e

9).

Esses problemas são sinalizados pelas expressões estressante

(Redação 1), memorização, contato superficial e efêmero com a cultura,

indústria parasita de ensino (Redação2), batalha, guerra injusta, decepções

(Redação3), atribuição de pesos diversos a provas vinculadas à carreira

escolhida (Redação 4), concurso mais temido, insegura ( Redação 5), disputa

acirrada e tensa, sonho quase impossível, verdadeira guerra, (Redação 6), alto

número de questões por prova, tempo disponível (Redação 7), avalia as

mesmas matérias para concorrentes de todos os cursos (Redação 8), tensão,

nervosismo, colapsos nervosos, martírio (Redação 9).

73

Os problemas apresentados nas redações são fundamentais para o

desenvolvimento das outras partes do texto, tendo em vista que em função de

um determinado problema serão propostas determinadas soluções. Na

Redação da Tabela 4.2, a primeira reformulação sugerida é uma solução para o

problema apresentado. No texto, a distribuição dos candidatos ao concurso

vestibular por ordem alfabética seria uma solução para o estresse que é "estar

em uma sala com mais de vinte estudantes, todos concorrentes diretos".

Na mesma redação, são sugeridas outras duas reformulações, que se

conectam à primeira através de elementos de coesão, como demonstra o

exemplo:

1. Outro fator a ser analisado é a adoção de questões discursivas ao invés das atuais questões objetivas, o que propiciaria maior flexibilidade nas respostas, permitindo uma avaliação total dos conhecimentos do aluno incluindo sua habilidade de escrita e compreensão. (SOLUÇÃO) Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na forma de preparação para o vestibular. (SOLUÇÃO) A UFRGS exige em seu concurso conhecimentos aliados à prática e tais, raramente, são abrangidos nas escolas (PROBLEMA). Seria preciso uma parceria entre as escolas e a universidade para a reformulação parcial do currículo secundarista e dos conteúdos exigidos no concurso vestibular, a fim de que ambos se inserissem em uma mesma realidade, acabando com a necessidade do estudante realizar um cursinho para aliar os conhecimentos obtidos na escola aos solicitados no vestibular. (SOLUÇÃO)

No fragmento da Redação da Tabela 4.2, a expressão "outro fator a ser

analisado" corrobora para a organização textual, fazendo previsões sobre o

conteúdo que virá a seguir. Essa expressão relaciona as informações

74

subseqüentes ao que foi dito antes, antecipando para o leitor o conteúdo que

será apresentado (conforme MOTTA-ROTH, 1997, p.98).

A conjunção "porém", sublinhada no fragmento, conecta a terceira

reformulação sugerida às outras partes do texto, dando progressão a ele.

Assim, mais do que indicar uma relação contrária ao que é esperado

(HALLIDAY & HASAN, 1976, p. 250), esse conector acrescenta ao texto uma

informação nova com o objetivo de argumentar para convencer o leitor da

validade de sua tese.

A quarta parte do modelo, a avaliação, também é apresentada em todas

as redações que foram analisadas, constituindo o fechamento dos argumentos

utilizados nos textos. Nessa parte dos textos, alunos-candidatos avaliam os

resultados ou efeitos das soluções que propõem para os problemas

apresentados.

A estrutura de situação-avaliação, apresentada nas redações da UFRGS,

não foi mencionada nas entrevistas. De acordo com os depoimentos dos

avaliadores que foram entrevistados, a estrutura da redação de vestibular está

relacionada à divisão do texto em parágrafos (estágios), os quais possuem

funções específicas dentro do texto. A introdução apresenta o tema e a tese; o

desenvolvimento defende a idéia apresentada no primeiro parágrafo, e a

conclusão retoma o tema e encerra o texto.

Quatro dos cinco avaliadores referem-se à estrutura de introdução,

desenvolvimento e conclusão como fator importante nas redações de vestibular.

O avaliador B2, por exemplo, embora reconheça que o bom texto seja aquele

75

que rompe esquemas e elabora uma argumentação nova, salienta que a

estrutura citada facilita a leitura. Mesmo admitindo que a tese pode estar ao

longo do texto, sem necessariamente ser apresentada na introdução, B2

ressalta que, pelo fato de o aluno ter poucas linhas para escrever seu texto, ele

leva vantagem se apresentar, no primeiro parágrafo, o tema delimitado e a tese.

Segundo B2, ao fazer isso, o aluno atende ao critério que avalia a eficiência na

apresentação do tema.

Nas redações que foram analisadas, há elementos de coesão que

relacionam as partes e dão progressão ao texto. Esses itens contribuem para

que o texto seja um todo de significado que sirva para demonstrar a habilidade

de alunos-candidatos ao ensino superior de persuadir a banca de sua

capacidade argumentativa (conforme indicamos na Revisão de Literatura, no

Capítulo 2). Nas redações analisadas, há elementos de coesão endofóricos e

exofóricos.

Exemplos:

2. (Redação 1, §3) Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na forma de preparação para o vestibular. A UFRGS exige em seu concurso conhecimentos aliados à prática e tais, raramente são abrangidos nas escolas. 3. (Redação 7, §3) Há fatores mil para explicar a causa do fracasso de vestibulandos cuja aprovação parecia certa, mas o nervosismo parece imperar. E o que o causa, mesmo em pessoas que, como eu, são veteranos do vestibular? 4. (Redação 2, §4) Há sempre a segurança, como dizem os professores de cursinho de que cairá "tais" e "tais" questões, que a prova será objetiva, que a redação será julgada por determinados critérios.

76

5. (Redação 6, §1) Enfrentando o calor sufocante, imersos em livros, fórmulas e resumos, obrigados a abdicar dos inúmeros prazeres que o verão sugere, cada um destes jovens luta por um sonho quase impossível para a maioria da população brasileira: o de ingressar numa instituição pública de ensino superior. E, para que tal sonho se concretize, é necessário que antes se passe por uma verdadeira guerra chamada vestibular.

Os exemplos 2, 3, 4 e 5 apresentam elementos de coesão referencial,

tendo em vista que fazem remissão a itens que compõem os textos e, por isso,

só podem ser interpretados em relação a eles. Nos exemplos 2, 3 e 5, as

palavras "seu", "tais", "o" e "tal" são elementos de coesão anafóricos. Eles são

responsáveis pelo estabelecimento de relação entre as sentenças, pois

recuperam itens antes referidos. No exemplo 4, a palavra "tais" constitui um

elemento de coesão exofórico que remete o leitor para fora do texto, mas, ao

mesmo tempo, situa-o no contexto.

Quanto aos aspectos de expressão lingüística, as redações atenderam

às exigências da escrita padrão. As infrações à gramática restringem-se a

empregos inadequados de tempos verbais (troca do tempo verbal/presente do

subjuntivo pelo presente do indicativo), ortografia, concordância e emprego do

sinal da crase.

Para a maioria dos entrevistados, a questão lingüística como o uso

correto de tempos verbais, a concordância, a pontuação são importantes para

que o aluno consiga expor seu pensamento de forma clara e correta. Segundo

B2, depois do posicionamento e dos argumentos para defender esse

posicionamento, o que se avalia é a expressão lingüística correta, sem erros

77

gramaticais, como erros de acentuação, ausência de sujeitos nas orações,

erros de ortografia, falta de letras que comprometem a leitura do texto.

As particularidades evidenciadas nas entrevistas referem-se à questão

da originalidade. Enquanto na Universidade A, as redações são avaliadas em

relação a esse fator (conforme subitem 1.3, do ângulo de abordagem), na

Universidade B, a redação satisfatória possui uma estrutura de linguagem

capaz de deixar claro um posicionamento sem, no entanto, utilizar recursos

originais. Segundo B1, na Universidade B, o texto satisfatório

é um texto correto (...) e não tem como usar contra ele os deméritos típicos daquela produção caótica. Então, como ele é um texto que não tem aquele elemento originalidade muito restrito, é um texto certinho, a gente chama isso de dez, a nota máxima. A pessoa organiza corretamente, bem estruturado em termos de apresentação de propostas, e não tem erros ortográficos, erros de estruturação sintática. Não é um texto modelar. Até a gente divulga justamente pra mostrar isso, o texto nota dez não é um texto original, naquele sentido de apresentar situações, alusões, apresentar metáforas, figuras de linguagem e recurso de retórica, seleção vocabular.

Confirmando esse posicionamento, B2 afirma que

O 10 não é um texto maravilhoso. Considerando até o momento, não é? o vestibular, o nervosismo, o tempo que ele (aluno) tem. Porque o 10, a gente notou uma questão muito pertinente aqui que é a questão da originalidade, onde colocar a originalidade, se seria o momento de cobrar a originalidade e tal, porque a originalidade não entra, embora ela acabe sendo, por exemplo, o que diferencia um nove do dez. É a propriedade de vocabulário e um título criativo, é um início do texto criativo, é uma conclusão instigante. Ela acaba se manifestando como um critério, só que assim, um texto dez não termina assim. Parece incoerente, mas em princípio não tem obrigação de ser original, todo texto original (não posso afirmar todo texto original porque aí pode ter problema de ordem). O texto

78

original tem boas chances de ser um bom texto, mas o dez não precisa ser um texto original, tanto que, quando a gente, às vezes seleciona um dez e depois seleciona por esses textos, tem muitos dez que ficam de lado, mas não foi injusto, foi um texto em que todos os requisitos da ficha foram cumpridos. Ele é um texto argumentativo, tem clareza na tese, tem argumentos, está bem fundamentado, tem bom desempenho lingüístico, não tem problemas, mostra assim que o aluno tem segurança de produzir um texto, então ele é dez, ele não tem nenhuma obrigatoriedade de ser original. É que a originalidade também é valorizada de um certo modo.

Quanto à Universidade C, não ficou claro como é avaliada a

originalidade. O avaliador C1 afirma que

Ele (o aluno) pode fazer um belíssimo texto dissertativo todo metafórico, e a banca tem sensibilidade para isso. (...) O que a banca não gosta é de senso comum. (...)

Em outro trecho da entrevista, o mesmo avaliador salienta que

(...) Nós consideramos também, além do critério da argumentatividade, o critério da criatividade, certo?

Apesar dessas afirmativas, não consideramos o critério originalidade

como item obrigatório na Universidade C, tendo em vista que ele não foi citado

como item da grade de avaliação da referida universidade. A partir disso, pode-

se dizer que a originalidade é um elemento diferenciador entre os critérios de

avaliação da Universidade A, B e C. Enquanto na primeira, ele é um item que

consta na grade de avaliação, nas outras duas, ele pode ocorrer, mas não se

constitui em elemento obrigatório.

Esses resultados, coletados nas entrevistas, revelam que a Universidade

A possui elementos diferenciadores não só em relação à dinâmica de avaliação

79

das redações (conforme indicado na seção 4.1) mas também em relação aos

itens que regulamentam o processo de avaliação dos textos.

Com o intuito de apresentar e discutir os resultados obtidos em outros

aspectos das redações que foram analisadas, abriremos três subseções: a

primeira apresenta os resultados obtidos em relação à função ideacional da

linguagem, a segunda apresenta os resultados obtidos em relação à função

interpessoal da linguagem, e a terceira apresenta os resultados em relação à

função textual da linguagem.

4. 2. 1 A função ideacional da linguagem

Conforme indicamos na seção 2.3.1, a função ideacional da linguagem

nas redações de vestibular pode ser analisada a partir dos assuntos abordados

no texto e da sua relação ao tema da tarefa. Nas redações da UFRGS, os

alunos escrevem sobre assuntos da atualidade e relacionam o tema proposto a

experiências pessoais. Dessa maneira, eles se situam no centro da análise para

discorrer sobre a solidão (Vestibular da UFRGS, 1996), a crítica (Vestibular da

UFRGS, 1998), a ética (Vestibular UFRGS, 2000) e sobre o concurso vestibular

da UFRGS (Vestibular UFRGS, 1997). Esses temas possibilitam aos candidatos

refletir sobre a sua realidade e avaliar situações a partir das suas próprias

experiências, conforme se pode verificar no trecho abaixo.

Exemplo:

15. (Redação 7, §2) Não considero meu desempenho como vestibulando motivo de orgulho. Pouco estudo, falta de disciplina, sintomas claros de que ainda estou indeciso. Apesar disso, considero dois fatores

80

primordiais para explicar meu fraco desempenho: o alto número de questões por prova e o tempo disponível para respondê-las.

A partir do exemplo acima, pode-se identificar o tema que gerou os

textos, tendo em vista que o léxico utilizado está relacionado ao concurso

vestibular. Embora não exista um critério específico que avalie a adequação do

texto às instruções da prova, pelas entrevistas, verificamos que esse é o

primeiro critério utilizado pelos avaliadores.

A banca cuida a atenção do aluno ao tema. Se houve uma abordagem satisfatória do tema..., já se tem uma atribuição de nota. Então, primeiro, seria... a adequação do texto ao tema, a capacidade de abordar, de produzir pensamentos e refletir esses pensamentos sobre o tema em questão (B1)

O avaliador C1 salienta que, se os vestibulandos não seguirem

adequadamente as instruções que orientam a prova de redação, a pontuação

do texto será relativizada, tendo em vista que, provavelmente, ocorrerá a fuga

ao tema ou a tergiversação. Além desse fator, também é importante ressaltar

que textos não adequados às instruções da prova são passíveis de uma série

de deslizes que comprometerão o desempenho do candidato.

Neste trabalho, para investigar a fidelidade dos candidatos ao tema,

verificamos a recorrência de palavras-chave que podem sinalizar a coerência

com o assunto proposto para a redação. Nas redações analisadas, mereceram

destaque as palavras "vestibular" e "reformulações", através das quais foi

possível identificar a tarefa proposta na prova de redação “Que reformulações

deve haver no vestibular da UFRGS?” .

81

Na amostra de textos desta pesquisa, o primeiro item "vestibular" ocorreu

53 vezes e o segundo "reformulações" ocorreu 8 vezes. A tabela 4.2, abaixo,

exemplifica como esses itens foram recuperados nos textos respectivamente,

pelas palavras "concurso" (exemplos 16 a 20) e "mudança" (exemplos 21 a 25)

ou outras palavras do mesmo campo semântico.

vestibular

(53)

concurso

(14)

outros termos do mesmo campo semântico ( 5 )

reformulação

(8)

mudança

(6)

outros termos do mesmo campo semântico ( 4 )

Tabela 4.3 Amostra dos itens utilizados para recuperar as palavras- chave nos textos analisados.

16. (Redação 1, §2) Talvez as reformulações no concurso devessem começar justamente por aí. 17. (Redação 7, §1) Mas é altamente discutível a relação entre o formato do concurso e a preparação do aluno. 18. (Redação, 5, §2) Mesmo assim, confesso não ter conseguido dormir nas noites que antecederam o concurso. 19. (Redação 5, §4) Com certeza, mudanças no processo avaliativo gerariam muito trabalho e questionamento, mas poderiam tornar o vestibular mais justo, o que as torna necessárias. 20. (Redação 2, §1) Simplificando o motivo da existência do vestibular, podemos defini-lo como uma avaliação tornada necessária pelas limitações da estrutura universitária nacional. 21. (Redação 1, §3) Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na forma de preparação para o vestibular.

82

22. ( Redação 6, §5) Mas, enquanto as mudanças não ocorrem, suemos ao sol de trinta e tantos graus de Porto Alegre e escolhamos a alternativa correta. 23. (Redação 5, §4) Com certeza, mudanças no processo avaliativo gerariam muito trabalho e questionamento, mas poderiam tornar o vestibular mais justo, o que as tornam (sic) necessárias. 24. (Redação 7, §3) Há muitos casos de fadiga tanto física quanto mental no decorrer do vestibular, e a Universidade faria bem em verificar a freqüência e a gravidade desses acontecimentos para reestruturar seu processo de seleção de candidatos. 25. (Redação 2, §3) A solução, ao meu ver, é abandonar a criação de uma prova padrão com elementos previsíveis.

Conforme indicado na Tabela 4.2, alguns textos utilizaram outros termos

do mesmo campo semântico, por analogia, por exemplo, para manter o

referente "vestibular" no texto.

Exemplos:

26. (Redação 1, §1) Porém, para tal, precisará, antes, ser bem sucedido no vestibular: a maratona de cerca de trezentos testes que selecionam os futuros acadêmicos da UFRGS. 27. (Redação 3, §1) Hoje, estamos enfrentando mais uma batalha em nossa vida. Talvez não seja uma simples batalha, mas sim uma guerra. 28. (Redação 9, §1) Tensão, nervosismo, colapsos nervosos... É assim que a maioria dos jovens encara o vestibular: um verdadeiro martírio.

A recuperação de itens lexicais ao longo do texto, indicada na Tabela

4.3, é um dos fatores que possibilitou a adesão ao tema, sem fugas,

83

tergiversações ou dispersões nos textos, conforme demonstrado na Redação 1.

Em nosso Estado, a maioria dos jovens que termina o segundo grau tem como meta ingressar em uma universidade, preferencialmente na UFRGS. Porém, para tal, precisará antes ser bem sucedido no vestibular: a maratona de cerca de trezentos testes que selecionam os futuros acadêmicos da UFRGS. Eu já vivenciei tal experiência e sei que não é nada fácil realizar uma prova de vestibular. O fato de você estar em uma sala com mais vinte estudantes, todos seus concorrentes diretos, é realmente estressante. Talvez, as reformulações no concurso devessem começar justamente por aí: os candidatos deveriam ser distribuídos em ordem alfabética nas escolas, desconsiderando-se o curso a que concorrem, o que amenizaria um pouco a competição. Outro fator a ser analisado é a adoção de questões discursivas ao invés das atuais questões objetivas, o que propiciaria maior flexibilidade nas respostas, permitindo uma avaliação total dos conhecimentos do aluno incluindo sua habilidade de escrita e compreensão. Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na forma de preparação para o vestibular. A UFRGS exige em seu concurso conhecimentos aliados à prática e tais, raramente são abrangidos nas escolas. Seria preciso uma parceria entre as escolas e a universidade para a reformulação parcial do currículo secundarista e dos conteúdos exigidos no concurso vestibular, a fim de que ambos se inserissem em uma mesma realidade, acabando com a necessidade do estudante realizar um “cursinho” para aliar os conhecimentos obtidos na escola aos solicitados no vestibular. Enfim, acho que o vestibular não pode ser extinguido, já que a procura por vagas nas universidades é bem maior que a oferta. Porém, mudanças devem ser feitas a fim de que se avalie o grau de aprendizagem do estudante durante toda sua vida escolar e não apenas o que ele aprendeu no “cursinho”. Só assim, garantiremos universitários e profissionais competentes.

Tabela 4.4 Demonstrativo dos itens responsáveis pela coesão lexical na Redação 1.

Na Tabela 4.4, os itens em vermelho indicam a recuperação da palavra-

chave "vestibular" e os itens em azul indicam a recuperação da palavra-chave

"reformulações". Essas palavras fazem a conexão entre as sentenças de

maneira que o texto pode formar um todo coeso (HOEY, 1991). Tais palavras-

chave estabelecem elos semânticos entre partes do texto através de relações

de sinonímia, hiponímia e repetição (p.8). Assim, podemos dizer que os tópicos

abordados em um texto se interrelacionam ao longo do desenvolvimento do

texto (p.14). A continuidade de conteúdo parece estar na razão direta na

recorrência do vocabulário (p.24).

84

Ao explorar a conexão lexical nos textos analisados, concluímos que

houve recorrência do tema proposto em 8 das redações analisadas. Apenas a

Redação 3, ao desenvolver um aspecto secundário do tema (conforme

verificado no trecho "o processo de mudança deveria começar na base da

pirâmide educacional"), cometeu uma fuga parcial do tema. No entanto, no

parágrafo seguinte, o candidato volta a abordar o tema, construindo uma

estrutura argumentativa com vistas a indicar possíveis reformulações no

concurso vestibular.

Segundo as entrevistas, a opinião formulada sobre o tema da prova de

redação está relacionada à coerência do texto produzido com a tarefa proposta.

Isso significa que o candidato deve demonstrar sua capacidade de abstrair o

tema de maneira a elaborar o texto sem fugir ao tema e sem perder-se em

tergiversações.

Nos critérios da UFRGS, o Item 1 trata do ângulo de abordagem. Mais

especificamente, no Subitem 1.2, há menção a problemas de dispersão do

tema e à necessidade da manutenção do ponto de vista. No entanto, não se

explicita na grade como os avaliadores identificam os textos que fogem ao tema

ou apresentam tergiversações, como a Redação 3.

Consideramos que a análise dos itens lexicais que sinalizam a tarefa

proposta possibilitou identificar a adequação do texto às instruções da prova do

vestibular da UFRGS, no ano de 1997. Da mesma maneira, essa análise

também pode facilitar a análise das redações em relação à qualidade estilística

(Item 8, Parte 1 da grade de avaliação da UFRGS), pois as substituições

85

realizadas nos textos, que são necessárias para manter a progressão remática,

podem indicar os recursos lexicais que fazem parte do acervo vocabular do

candidato.

A seção seguinte apresenta os resultados da análise das redações em

relação à função interpessoal da linguagem. Essa variável se refere aos

participantes da situação comunicativa e às relações que se estabelecem entre

eles bem. Levando em conta os participantes do concurso vestibular e as

relações institucionalizadas que se estabelecem entre eles, a seção tem a

intenção de demonstrar como alunos que elaboram redações consideradas

satisfatórias interagem com seus leitores de maneira a estabelecer a

interlocução.

4. 2. 2 A função interpessoal da linguagem

Conforme indicamos na seção 2.3.2, a função interpessoal da linguagem

indica tanto a maneira como o autor presentifica-se no texto quanto a relação

que ele estabelece com seu leitor. No caso dos alunos cujas redações foram

analisadas, podemos observar que eles analisam o atual sistema de ingresso

no terceiro grau e sugerem reformulações. Os candidatos avaliam o concurso

vestibular a partir de suas experiências e utilizam comparações, analogias,

adjetivos avaliativos, conforme se pode ver pelos exemplos abaixo:

29. (Redação 1, §1e 2) Porém, para tal precisará, antes, ser bem sucedido no vestibular: a maratona de cerca de trezentos testes que selecionam os futuros acadêmicos da UFRGS. Eu já vivenciei tal experiência e sei que não é fácil realizar uma prova de vestibular. O fato de você

86

estar em uma sala com mais vinte estudantes, todos seus concorrentes diretos é realmente estressante. 30. (Redação 3, §1 e 5) Hoje, estamos enfrentando mais uma batalha em nossa vida. Talvez não seja uma simples batalha, mas sim uma guerra. Estão sendo feitas milhares de redações, que além de julgar se cada autor tem ou não condições de entrar na faculdade demonstra que a UFRGS está a fim de por (sic) um fim ao monstro do vestibular. 31. (Redação 5, §2) Eu, por exemplo, sempre fui muito dedicada aos estudos, passando horas, no meu quarto, ou na biblioteca da escola estudando. Sempre consciente de que um bom preparo na escola seria o caminho que contribuiria, em grande parte, para o ingresso na universidade, desde cedo me preocupei com o vestibular. Mesmo assim, confesso não ter conseguido dormir nas noites que antecederam o concurso e, apesar de ter estudadado em um ótimo colégio e obtido boas notas, senti-me insegura diante do concorrido vestibular para direito. 32. (Redação 6, §1) A cada ano, milhares de jovens se entregam de corpo e alma à disputa acirrada e tensa que é o vestibular da UFRGS. 33. (Redação 9, §1) )Tensão, nervosismo, colapsos nervosos... é assim que a maioria dos jovens encara o vestibular: um verdadeiro martírio. E todos os anos, nesta época, milhares de pais e amigos se vêem envolvidos na agonia pela qual passa o vestibulando.

Esses resultados evidenciam criticidade de análise. A autoria, entendida

aqui como a tentativa do escritor representar-se no texto como tendo uma

opinião formada sobre algo, com bases para tanto, é exercida nas redações e

sinalizada por elementos como a modalidade deôntica (ver seção 2.3.2). Assim,

podemos perceber que a necessidade de mudança no concurso vestibular é

enfatizada nos textos por verbos como "precisar", "necessitar", "dever" ou

87

outras palavras de caráter absoluto como "realmente" e "de fato". Com isso,

alunos candidatos ao concurso vestibular asseveram seus pontos de vista e

manifestam a certeza da proposição que querem evidenciar (VANDE KOPPLE,

1985, p.84).

Exemplos:

34. (Redação 1, §2) Os candidatos deveriam ser distribuídos em ordem alfabética nas escolas, desconsiderando-se o curso a que concorrem, o que amenizaria um pouco a competição. 35. (Redação 3, §1) Essa guerra injusta precisa ser modificada para não trazer mais tantas decepções a quem não consegue vencê-la. 36. (Redação 4, §2) Possíveis mudanças no concurso vestibular devem, em primeiro lugar, respeitar a comunidade em que o mesmo insere-se. 37. (Redação 6, §) E, para que tal sonho se concretize, é necessário que antes se passe por uma verdadeira guerra chamada vestibular. 38.(Redação 8, §3) As matérias avaliadas deveriam ser escolhidas de acordo com o curso e as questões ser(sic) somente dissertativas. 39. (Redação 9, §4) A reformulação do vestibular deve ser discutida por todos os setores da sociedade, pois todos se vêem, diariamente, indiretamente envolvidos com profissionais medíocres e incompetentes, frutos prováveis de um sistema incompleto de seleção para a universidade.

O comprometimento dos candidatos com as soluções que propõem, no

caso das redações da UFRGS de 1997, é avaliado pelos Itens 1.1, 1.2 e 1.3 da

Grade de Avaliação, que se refere à "clareza", "consistência" e "autonomia".

Embora esses termos não estejam definidos na grade (Manual do avaliador,

88

1999, p.7), conforme já discutido na seção 2.2, eles foram associados à

recorrência das palavras-chave que permite ao aluno-candidato avaliar o tema

proposto na prova sem perder-se em divagações e ao uso de elementos

retóricos que garantem a avaliação do tema por parte dos candidatos.

As entrevistas indicaram que não é muito comum alunos candidatos ao

concurso vestibular situarem-se no centro da análise para avaliar os temas

propostos nos concursos vestibulares. De acordo com os avaliadores B1 e B2,

alunos vestibulandos não expõem seus posicionamentos em textos produzidos

no concurso vestibular, porque temem que a banca desconte nota no

desempenho por não concordar com as idéias apresentadas nos textos.

Conforme B1

(...) embora em muitas redações se observe que os alunos se omitem de produzir um pensamento próprio, justamente pelo temor de que se vai julgar a opinião dele, isso não acontece. Vai se julgar se a proposta dele é coerente.

O posicionamento dos entrevistados sobre essa questão não ficou muito

claro. Isso porque ainda que os avaliadores afirmem que os alunos-candidatos

devem manifestar sua opinião sobre o tema em questão, eles não esclarecem

como candidatos que prestam o concurso vestibular podem assegurar a sua

presença nos textos que escrevem. Para o avaliador C1, por exemplo, o aluno

que escreve em situação de vestibular não deve estabelecer relação com seus

leitores; para B1 e B2, no entanto, a relação entre o aluno que escreve em

situação de vestibular e o avaliador deve ser levada em conta. Enquanto o

primeiro assegura que “o aluno não está escrevendo para uma banca e que,

89

portanto, não estabelece relação com o interlocutor”, o avaliador B2 salienta

que alguns textos de alunos vestibulandos apresentam muitas adjetivações ou

são pré-fabricados, revelando grande preocupação com a linguagem que eles

supõem ser esperadas no contexto de avaliação das redações. Para B1,

entretanto, a banca é uma entidade e o problema de insegurança que os alunos

sentem geralmente é por não saberem a quem se dirigir.

Por outro lado, a análise das redações produzidas na UFRGS, revelou

que alunos-candidatos ao concurso vestibular levam em conta quem são os

leitores dos textos. Alguns trechos das redações que transmitem críticas ao

sistema educacional e que, ao mesmo tempo, modalizam a linguagem no

sentido de não impor a responsabilidade à UFRGS, demonstram que o uso da

linguagem está relacionado ao objetivo comunicativo e à relação com a

audiência-alvo.

Exemplo:

40. (Redação 3, §3) Não podemos culpar a UFRGS pelo caos do nosso sistema educacional. Não temos condições de fazer como os E.U.A. ou outros países desenvolvidos onde o aluno que apresentar o melhor currículo escolar tem vaga garantida nas melhores universidades do mundo.

Também observamos o emprego de verbos em primeira pessoa do

plural, que denota a tentativa de compartilhar com o leitor a responsabilidade do

problema apresentado no texto.

Exemplos:

41. (Redação 1, §4) Enfim, acho que o vestibular não pode ser extinguido, já que a procura por vagas é bem maior que a oferta. Porém, mudanças devem ser feitas a fim de que se avalie o grau de aprendizagem do

90

estudante durante toda sua vida escolar e não apenas o que ele aprendeu no “cursinho”. Só assim garantiremos universitários e profissionais competentes. 42. (Redação 3, §5) É plenamente possível reformular o Vestibular, basta que todos nós pensamos (sic) juntos desde o reitor até o aluno, até chegar a uma conclusão. 43. (Redação 2, §4) Acredito que, enquanto o vestibular exigir conhecimentos previsíveis, com questões profetizadas pelos cursinhos, continuaremos com alunos cujo conceito de aprovação no vestibular significa a alegria de nunca mais precisarem enxergarem (sic) logarítimos

Os resultados obtidos na análise das redações da UFRGS em relação à

função interpessoal revelaram que os candidatos asseguram sua autoria nos

textos. Conforme indicado na seção 2.1, a autoria, neste trabalho, está

relacionada à presentificação do autor no texto e ao seu comprometimento com

a validade das teses que defende sobre o tema abordado. Os resultados

obtidos na análise dos textos indicam que, além dos verbos em primeira pessoa

do plural e dos recursos de modalidade, já apresentados nos exemplos acima,

os alunos da UFRGS garantem sua autoria com o uso de verbos em primeira

pessoa do singular e de experiências pessoais. Além disso, eles utilizam

adjetivos, expressando o conteúdo de suas idéias em termos de "bom" ou

"ruim", avaliando o tema proposto na prova.

Esses resultados demonstram que a questão autoral nos textos

produzidos por alunos vestibulandos está relacionada ao tema solicitado na

tarefa proposta na prova. Conforme o Capítulo 3, da Metodologia, a tarefa

proposta como tema na prova de redação do concurso vestibular da UFRGS

91

oportuniza aos candidatos discorrerem sobre temas relacionados ao seu

universo, permitindo-lhes utilizar suas experiências para comprovar seu ponto

de vista e, com isso, persuadir seus leitores da validade de sua opinião.

Na seção seguinte, apresentaremos os resultados obtidos na análise da

função textual da linguagem. Levando em conta que o objetivo comunicativo

dos alunos que prestam o concurso vestibular é persuadir a banca avaliadora

de sua capacidade de produzir um texto argumentativo, discutiremos os

resultados obtidos em relação à organização retórica dos argumentos

apresentados nas redações.

4. 2. 3 A função textual da linguagem

Conforme discutimos na Revisão da Literatura (p.34), a função textual da

linguagem está associada à organização retórica do texto, ou seja, à maneira

como as informações estão organizadas para que a linguagem alcance seu

objetivo (HALLIDAY & HASAN, 1985, p.27-8). Levando em conta que, no caso

da redação de vestibular, o candidato tem por objetivo convencer a banca de

sua capacidade de elaborar um texto argumentativo (como já indicado no

Capítulo 3, Metodologia), a análise da função textual da linguagem considerou a

maneira como os argumentos estão organizados para que o texto produza

significados entre o candidato e os avaliadores.

Neste trabalho, consideramos textos argumentativos as redações que

apresentaram sugestão (ões) de reformulação (ões) para o concurso vestibular

92

da UFRGS (conforme tarefa proposta) e a (s) fundamentaram através de

exemplos, dados estatísticos, ocorrências, experiências pessoais.

A análise realizada indicou que as redações apresentam Teses que se

constituem em asserções as quais propõem reformulações para o concurso

vestibular da UFRGS. Essas Teses são fundamentadas por causas, fatos,

ocorrências, motivos e experiências pessoais que justificam as reformulações

sugeridas. Esses elementos que justificam a Tese foram considerados Dados

(conforme a Revisão da Literatura, Capítulo 2).

Segundo TOULMIN (1958, p. 100), um argumento é construído com base

em Teses, Dados e Garantias, as quais tornam válida a opinião formulada. Para

o autor, esse terceiro elemento da estrutura argumentativa é fundamental para

explicitar a relação existente entre a Tese e os Dados. Nas redações

analisadas, a Tese é a reformulação sugerida; os Dados são os exemplos, os

dados estatísticos, os fatos, as ocorrências, as experiências que justificaram a

Tese. A Garantia é o elemento que explica quais os efeitos que a reformulação

sugerida pelo candidato surtirá na situação criada pelo concurso vestibular.

Segundo o modelo de TOULMIN, uma redação argumentativa poderia

ser assim representada:

93

O exemplo ilustra um argumento estruturado com base em Tese, Dados

e Garantias (TOULMIN, 1958, p.99). A Tese (em vermelho) é a opinião do

aluno-candidato sobre a questão proposta como tema (“Que reformulações

deve haver no vestibular da UFRGS?”). Ela apresenta a sugestão para

reformular o concurso vestibular da UFRGS: disciplinas específicas para cursos

específicos. Os Dados (em azul) são representados por um exemplo que visa

assegurar que, para ser um artista não é necessário possuir conhecimentos que

não são utilizadas no exercício da profissão escolhida. A Garantia é

representada pela relação que existe entre a Tese e o Dado, isto é, a idéia de

que é injusto impedir um futuro profissional de exercer sua profissão porque ele

não tem domínio sobre conteúdos que lhe são dispensáveis no exercício da

profissão. Nesse sentido, a injustiça do vestibular consiste, no texto, em avaliar

conteúdos que não serão necessários para que o candidato exerça a profissão

escolhida.

Pablo Picasso em nada usou da matemática, física ou biologia para pintar suas telas.Picasso foi um dos maiores artistas do mundo. DADOS

Ao invés do aluno responder as trinta e cinco perguntas dessas três diciplinas (sic) porque ele não cria três obras de arte, que seriam avaliadas para ver se o aluno tem ou não condições de ingressar na universidade. TESE

Que tremenda injustiça seria eliminar um Picasso de hoje de uma vaga a (sic) universidade. GARANTIA

94

Esses três elementos (Tese, Dados e Garantia) apresentados no

fragmento que segue podem ser associados à situação de problema-solução

solicitada na tarefa da prova de redação do concurso vestibular da UFRGS de

1997.

Exemplo: 44. (Redação 1) Eu já vivenciei tal experiência e sei que não é nada fácil realizar uma prova de vestibular. O fato de você estar em uma sala com mais vinte estudantes, todos seus concorrentes diretos é realmente estressante. Talvez, as reformulações no concurso devessem começar justamente por aí: os candidatos deveriam ser distribuídos em ordem alfabética nas escolas, desconsiderando-se o curso a que concorrem, o que amenizaria um pouco a competição.

O candidato que produziu a Redação 1 apresenta uma Tese (em

vermelho) que propõe reformulações as quais representam a solução para o

problema apresentado anteriormente no texto. O problema, representado pela

sua experiência pessoal, serve como Dado (em azul) para justificar a Tese. A

Garantia (em verde) explicita a relação existente entre a Tese (candidatos

distribuídos em ordem alfabética) e os Dados (experiência pessoal). Assim, na

Redação 1, amenizar a competição é o efeito, resultado final da reformulação

sugerida, a Garantia de que a reformulação proposta será bem-sucedida e de

que, portanto, o problema do aluno-candidato será solucionado.

Nesse texto, a estrutura argumentativa de TOULMIN (1958) ficaria assim

representada:

95

Nas demais redações, também foram encontradas Teses, exemplificadas

abaixo:

45. (Redação 2) A solução, ao meu ver, é abandonar a criação de uma prova padrão com elementos previsíveis. 46. (Redação 4) A atribuição de pesos diversos a provas vinculadas à carreira escolhida poderia ser substituída pela realização de uma prova geral, que abordasse todos os conteúdos, seguida de exames específicos. 47. (Redação 5) Deste modo, sugeriria que as provas ocorressem progressivamente durante o segundo grau, estabelecendo-se conteúdos a serem cobrados no final de cada ano. As provas seriam iguais para todos e questionar-se-iam conteúdos de todas as matérias. Terminado o segundo grau, o aluno poderia escolher o curso, no qual pretendesse ingressar e fazer provas (também objetivas) mais relacionadas ao curso que

Eu já vivenciei tal experiência e sei que não é nada fácil realizar uma prova de vestibular. O fato de você estar em uma sala com mais vinte estudantes, todos seus concorrentes diretos, é realmente estressante.

Talvez, as reformulações no concurso devessem começar justamente por aí: os candidatos deveriam ser distribuídos em ordem alfabética nas escolas, desconsiderando-se o curso a que concorrem,

o que amenizaria um pouco a competição.

96

escolheu (para Direito, por exemplo, haveria provas de português, história e, literatura e língua estrangeira). Essa última prova envolveria o conteúdo de todo o segundo grau, podendo valer 40% do escore total, sendo que os demais testes, 60%. 48. (Redação 6) Há de se pensar em modificar o concurso neste aspecto, com provas específicas para cada opção, tornando assim a disputa mais qualificada em todas as áreas. 49. (Redação 7) Se a universidade diminuísse o número de questões saberia. 50. (Redação 8) A UFRGS deveria realizar seu concurso vestibular pensando mais nas aptidões profissionais do candidato do que em seus conhecimentos de primeiro e segundo graus. As matérias deveriam ser escolhidas de acordo com o curso; e as questões ser somente dissertativas(...). O principal, porém, seria a realização de um psicotécnico. 51. (Redação 9) Um método de seleção mais eficiente seria aquele que avaliasse com maior profundidade o conjunto de aptidões, habilidades e conhecimentos do aluno, baseado na carreira que ele deseja seguir. Esta seleção poderia ser feita em módulos, no decorrer de um ano, para não concentrar uma avaliação tão importante em poucos dias. (...)

Os resultados indicam que a Tese está presente em todos os textos

considerados satisfatórios pela equipe de avaliação de redações da UFRGS.

Segundo as entrevistas,

O que a gente procura, ao longo do texto, é se há uma manifestação explícita ou mesmo implícita do ponto de vista. Que tenha clareza de saber o que ele (o aluno) está defendendo. (...) São duas exigências básicas: ter a tese exposta com clareza e ter essa tese fundamentada (B2).

97

As Teses apresentadas nas redações analisadas são justificadas por

fatos, exemplos, ocorrências, experiências pessoais, que se constituem em

Dados utilizados para fundamentá-las.

Exemplo:

52. ( Redação 2) (...) Os candidatos que conheci no cursinho estavam verdadeiramente empenhados no aprendizado e exercício de conhecimentos, mas a maioria dava a entender que tinha em vista o pronto abandono dos estudos assim que obtivesse sua aprovação. O objetivo do exercício do raciocínio e da aquisição de cultura era unicamente para a obtenção de uma vaga. Da mesma forma, se a aprovação dependesse da memorização de toda a obra de Descartes, eles o fariam. O mesmo se aplica aos colégios: o vestibular que deveria constituir uma avaliação do conhecimento edificado nas escolas, na verdade, tornou-se o condicionador do que é lecionado nestas escolas. No meu colégio, os cursos de Filosofia e História da Arte eram curtos e inexpressivos, pois "não caem no vestibular", concluíam os educadores. Também não se incentiva a leitura de livros e jornais como forma de objeto de crítica e estudo, mas como uma maneira de permanecer temporariamente bem informado- apenas até a realização da prova de História. (...)

Os Dados apresentados na Redação 2 constituem informações que

servem para dar crédito ao autor do texto, isto é, permitem a ele justificar a

reformulação que apresenta no texto. Assim, ao apresentar fatos que

comprovam a previsibilidade do concurso vestibular, ele assegura a validade da

solução que propõe, ou seja, justifica a necessidade de "abandonar a criação

de uma prova padrão com elementos previsíveis".

98

As demais redações analisadas também apresentaram fatos (Redação 3

e 8), opiniões (Redação 4 e 6) e experiências pessoais (Redação 5, 7 e 9), que

justificaram a Tese.

Exemplos:

53. (Redação 4) Isso testaria as habilidades gerais e exigiria, ao mesmo tempo, um refinamento dos específicos. A grande procura por determinados cursos, Medicina e Direito, por exemplo, favorece-os, já que eleva o nível de seus alunos. 54. (Redação 5) Eu, por exemplo, sempre fui muito dedicada aos estudos, passando horas, no meu quarto, ou na biblioteca da escola, estudando. Sempre consciente de que um bom preparo na escola seria o caminho que contribuiria, em grande parte, para o ingresso na universidade, desde cedo me preocupei com o vestibular. Mesmo assim, confesso não ter conseguido dormir nas noites que antecederam o concurso e, apesar de ter estudado em um ótimo colégio e ter obtido boas notas, senti-me insegura diante do concorrido vestibular para Direito. 55. (Redação 6) A mais antiga e constante das ponderações é quanto ao fato de todos os candidatos, independente do curso escolhido, serem obrigados a fazer todas as provas. Considerando-se o curso como um meio de análise de conhecimentos e aptidões vocacionais do vestibulando, no que influiria uma prova de química ou física para alguém que optou por licenciatura em Letras? 56. (Redação 7) (...) considero dois fatores primordiais para explicar meu fraco desempenho: o alto número de questões por prova e o tempo disponível para respondê-las. Sempre que me vejo diante de uma prova da UFRGS, sinto aquele eco em meu cérebro obtuso: “ vai dar tempo?” (...) 57. (Redação 8) O Concurso Vestibular, especialmente o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) avalia as mesmas matérias para os concorrentes de todos os cursos, mesmos que não estejam

99

relacionadas a eles. As provas, além disso, são apenas objetivas (excetuando a redação) e acabam não avaliando o real conhecimento do aluno em cada conteúdo. Os psicotécnicos, de extrema importância para avaliar a aptidão do futuro profissional, não são realizados. Vários alunos, que exerceriam bem sua profissão, acabam não entrando na universidade, em função desses detalhes. 58. (Redação 9) Tensão, nervosismo, colapsos nervosos...É assim que a maioria dos jovens encara o vestibular: um verdadeiro martírio. E todos os anos, nesta época, milhares de pais e amigos se vêem envolvidos na agonia pela qual passa o vestibulando. (...)

Os depoimentos coletados nas entrevistas indicam que não basta o

aluno-candidato apresentar uma Tese sobre a tarefa que consta na prova. Faz-

se necessário que a Tese seja sustentada por elementos que demonstrem a

sua capacidade argumentativa.

Segundo B2,

Que ele (o candidato) tenha clareza de saber o que ele está defendendo, e tem a questão dos argumentos, de fundamentar. São duas exigências básicas. A tese exposta com clareza e ter essa tese fundamentada através de argumentos ou explorando relações lógicas, causa, conseqüência, condição, hipótese, ou então trazendo exemplos ou até depoimentos pessoais, mostrando que ele tem esse domínio de que ele deve provar sua tese, fundamentando com argumentos as evidências do que ele está declarando.

Segundo a banca, a capacidade argumentativa do candidato será

demonstrada pela estruturação da linguagem com vistas a argumentar para

defender a sua Tese. Para B1,

100

Essa tese vai ter algum tipo de sustentação, armar uma estrutura de linguagem com palavras, com expressão, com exemplos que traduzem de alguma forma a idéia de argumentação.

Nas redações indicadas nos exemplos que seguem, observamos o

terceiro elemento, a Garantia. Segundo TOULMIN, esse elemento explicita ou

justifica a relação existente entre a Tese e os Dados.

Exemplos:

59. (Redação 2) Acredito que, enquanto o vestibular exigir conhecimentos previsíveis, com questões profetizadas pelos cursinhos, continuaremos com alunos cujo conceito de aprovação no vestibular significa a alegria de nunca mais precisarem enxergarem (sic) logarítmos. 60. (Redação 4) A existência de uma média mínima, superior aos necessários trinta por cento em cada prova garantiria candidatos de perfil mais elevado aos demais cursos, valorizando-os. Da mesma forma, atuaria a extinção da segunda opção. 61. (Redação 5) Através disso, o vestibular revelaria o preparo progressivo do aluno, podendo em parte aliviar o estresse, como também a pressão exercida por parte de familiares, professores e amigos. Além disso, as matérias mais relacionadas ao curso escolhido seriam bem valorizadas, enquanto que não deixariam de ser cobrados os conteúdos básicos de segundo grau. Ainda, por seu um processo avaliativo constituído de várias etapas, a chance de ocorrer o "azar" seria menor e, uma única matéria (muitas vezes nunca mais utilizada, como a física, no Direito, por exemplo)não representaria a ruína no concurso.

62. (Redação 6) Eliminando-se as matérias que não tem (sic) relação com o curso pretendido, elimina-se também a aprovação por "pura sorte" e não por capacidade intelectual. 63. (Redação 8) (...)para diminuir o número de profissionais incompetentes e aumentar as chances

101

dos alunos que não puderam realizar um bom ensino primário e secundário.

Para explicitar os resultados obtidos, a recorrência dos elementos da

estrutura argumentativa que encontramos nas redações analisadas bem como

a seqüência em que esses elementos apareceram, apresentamos a Tabela 4.4,

na qual a TESE (trecho que responde à questão proposta na tarefa da

prova: "Que reformulações deve haver no concurso vestibular da

UFRGS?") aparece em vermelho, os DADOS (exemplificações, causas,

motivos, fatos que ilustram a tese defendida) aparecem em azul e a

GARANTIA (trecho que explicita a relação entre os dados e a tese) aparece

em verde.

Texto 1 2 1 3

Texto 2 2 1 3

Texto 3 2 3 1

Texto 4 1 2 3

Texto 5 2 1 3

Texto 6 2 1 3

Texto 7 2 1 0

Texto 8 2 1 3

Texto 9 2 1 0

Tabela 4.5 Demonstrativo da estrutura argumentativa encontrada nas redações analisadas.

A Tabela 4.5 apresenta o resultado obtido nas redações em relação à

estrutura argumentativa de Tese, Dados e Garantias (TOULMIN, 1958).

102

Podemos observar que, nas redações, não há obrigatoriedade na ordem dos

elementos que compõem a estrutura argumentativa. Apenas um dos textos

(Redações 4) apresentou a estrutura dentro da seqüência Tese, Dados e

Garantias. Os demais (Redações 1, 2, 3, 5, 6 e 8) apresentaram primeiro os

Dados, que serviram como elementos desencadeadores da Tese.

A ausência do terceiro elemento da estrutura argumentativa, a Garantia,

em duas das redações analisadas (Redações 7 e 9) indica que não há

obrigatoriedade desse elemento nos textos considerados satisfatórios. Dessa

maneira, a presença de uma Tese e de exemplos, fatos, ocorrências e

experiências pessoais parecem garantir a validade da Tese apresentada nos

textos.

Conforme podemos verificar pelos depoimentos abaixo, o argumento é

básico na análise das redações de vestibular,

Essa tese vai ter algum tipo de sustentação, uma estrutura de linguagem com palavras, com expressão, com exemplos que traduzem de alguma forma a idéia de argumentação. (B1)

Bom, o argumento é básico, porque todas as propostas de redação trabalham com texto de base argumentativa. Então, o teor argumentativo é imprescindível no texto. (B2) Entrevistador: Dá para dizer que é o diferenciador do texto? É, sim. Ele é um pré- requisito para o texto ter um bom desempenho. São duas exigências básicas. Ter a tese exposta com clareza e ter essa tese fundamentada através de argumentos ou explorando relações lógicas, causa, conseqüência, condição, hipótese, ou então trazendo exemplos ou até depoimentos pessoais, mostrando que ele tem esse domínio de que ele deve provar sua tese, fundamentando com argumentos, as evidências do que ele está declarando. (B2)

103

Num bom texto, você nota que o candidato, em uma hora, percebe o texto como resultado de estratégias que ele escolhe. Ele traz exemplos, ele traz citações, ele traz uma relação. (B2)

O avaliador C1 esclarece que

O tipo de argumento que perpassa na banca é assim, aquilo que dá fundamento, aquilo que dá sustentação, aquilo que alicerça, certo?

Neste trabalho, a consistência dos argumentos está relacionada à

escolha dos Dados empregados para fundamentar as Teses. Para os

professores entrevistados, há argumentos que são mais fortes e outros que são

de apoio, e o candidato deve optar por aqueles que são mais relevantes para as

situações apresentadas na prova (B2). Nas redações analisadas, os

argumentos mais fortes são aqueles que fundamentam as Teses apresentadas

nos textos.

Conforme a Revisão da Literatura (seção 2.2), nos critérios da UFRGS,

o argumento constitui-se em um elemento central. Isso foi comprovado pelas

redações analisadas, as quais foram consideradas satisfatórias mesmo quando

apresentaram tergiversações, como no caso da Redação 3. De acordo com o

Manual do Avaliador (1999, p.5-6), a Instituição deseja alunos assertivos,

capazes de emitir pontos de vista próprios e construir argumentos para

defendê-los. Nos textos analisados, podemos perceber essa assertividade

pelos marcadores de modalidade e pela criatividade de sugestões formuladas.

Esses fatores, por sua vez, foram considerados como o resultado da

semelhança de propósitos existente entre a tarefa proposta na prova de

redação do concurso vestibular da UFRGS de 1997 e a grade de avaliação de

104

redações, cujos itens dão prioridade ao argumento como propriedade da

linguagem (conforme PÉCORA, 1992, p.88), capaz de estabelecer sentido entre

o autor e o leitor. Dessa maneira, o aluno-candidato, além de discutir a questão

tratada na prova de redação e dar sua opinião sobre ela, deve ser capaz de

apresentar provas da posição que assumiu (conforme GUEDES, 1994, p.384) e

de fundamentá-la com vistas a convencer o leitor da sua validade.

A semelhança de propósitos a que nos referimos está na tarefa proposta

como prova de redação na situação comunicativa da prova, a qual possibilita

ao aluno inserir-se na situação, que funciona como um elemento

desencadeador da Tese e dos Dados que a sustentam (fatos do cotidiano dos

alunos -candidatos que prestam o concurso vestibular na UFRGS, opiniões

pessoais e experiências vivenciadas por alunos vestibulandos).

105

5 CONCLUSÃO, LIMITAÇÕES DO ESTUDO

E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

A pesquisa realizada teve por propósito estudar textos considerados

satisfatórios pela equipe de avaliação de redações de vestibulares da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul e investigar os critérios de

avaliação a partir do ponto de vista da banca, conforme explicitado nas

entrevistas realizadas com os professores avaliadores.

Os depoimentos coletados nas entrevistas realizadas com os professores

avaliadores confirmam que alunos-candidatos aos concursos vestibulares

precisam demonstrar capacidade de posicionar-se sobre a questão tratada no

tema e de argumentar para comprovar seu posicionamento. Segundo o

avaliador B2, o teor argumentativo é imprescindível nas redações de vestibular,

porque o texto solicitado é visto como resultado de estratégias utilizadas para

persuadir o leitor. Segundo o avaliador, essas estratégias podem ser tanto a

discussão de causas e conseqüências de um problema como a apresentação

de dados estatísticos, exemplificações, comparações que sustentem a tese.

A análise nas redações revelou que os textos considerados satisfatórios

pela equipe de avaliação de redações da UFRGS de 1997 estruturam-se a

partir de Teses que se fundamentam em experiências pessoais, causas, fatos,

exemplificações ou ocorrências. Esses elementos se constituem em Dados e

Garantias para comprovar a Tese defendida.

106

Os resultados obtidos na análise das redações demonstram que os

candidatos que prestam o concurso vestibular na UFRGS e têm seus textos

considerados satisfatórios são assertivos, avaliativos (conforme Item 1.1 da

grade de avaliação das redações da UFRGS, que trata da clareza, da

consistência e da autonomia do ângulo de abordagem) e capazes de

demonstrar o domínio de estratégias argumentativas com vistas a persuadir a

audiência-alvo (conforme Item 1.5, que avalia a competência argumentativa) de

que tem um ponto de vista e sabe sustentá-lo.

Por outro lado, a análise das redações consideradas satisfatórias na

UFRGS evidenciou que a capacidade crítica demonstrada pelos candidatos

pode estar relacionada ao uso de experiências pessoais ou à possibilidade de o

candidato imprimir uma visão pessoal ao tema proposto. Uma vez que a tarefa

solicitada estava diretamente relacionada à vida pessoal e profissional dos

candidatos, eles puderam colocar-se "no centro da análise" para avaliar o

problema e propor soluções. Nesse sentido, as experiências pessoais ou os

fatos ligados ao universo dos alunos candidatos servem como Dados ou

Garantias para validar a Tese defendida.

A partir dos resultados da análise das redações e dos depoimentos dos

avaliadores nas entrevistas, podemos apontar algumas disparidades existentes

entre os textos que são considerados satisfatórios no concurso vestibular e a

orientação para o ensino de redação geralmente presentes nos livros didáticos.

Essas disparidades dizem respeito a um ensino de redação de vestibular que

relega a segundo plano fatores essenciais no processo de produção textual que

107

envolvem o objetivo comunicativo e a relação escritor-leitor. Como nossa

experiência na escola de ensino médio e em cursos pré-vestibulares tem

demonstrado, a simples priorização da estrutura formal gramatical leva o aluno

"a fazer cópias disfarçadas dos textos dos outros e não lhe assegura a entrada

no jogo que lhe permitiria exercer a sua 'função-autor' " (CARMAGNANI, 1998,

p.21). Isso talvez explique por que alunos vestibulandos sentem receio de

manifestar sua opinião e evitem discorrer sobre o tema em primeira pessoa do

singular (conforme se pode perceber pelas redações 4, 6 e 9 que foram

analisadas neste trabalho), mesmo que a tarefa proposta solicite sua

experiência pessoal.

Dadas as questões apresentadas e discutidas aqui, há necessidade de

se prestar atenção à redação de vestibular como um texto que desempenha

uma função em um contexto específico (HALLIDAY & HASAN, 1985). Nesse

texto, em situação real de uso da linguagem, o aluno precisa desenvolver

argumentos no sentido de convencer os membros da comunidade universitária

de que está apto a ingressar no Ensino Superior. Se à escola cabe oferecer

condições para que o aluno ocupe o seu lugar social, é pertinente que se leve

em conta a sua história de vida, seus desejos e aspirações ao se trabalhar a

produção textual. Dessa maneira, ele poderá mais facilmente legitimar seu

discurso através de sua experiência pessoal, estabelecendo relação com a

instituição na qual se insere (CARMAGNANI, 1998, p. 15) ou deseja inserir-se.

Nesse sentido, o ensino de redação de vestibular como um gênero

textual pode oferecer condições para o professor de Ensino Médio ensinar a

108

redação de vestibular como instrumento de ação social, de interação do

indivíduo com seu meio (CLARK & IVANIC, 1997; MEURER, 1997), sem expor

o aluno a uma visão de linguagem limitada às categorias consagradas de

dissertação, descrição e narração. A partir dessa perspectiva, a redação de

vestibular pode ser estudada como um aspecto da linguagem, uma forma de

prática social, manifestação decorrente dos desejos ou necessidades que

indivíduos têm de conquistar novos espaços na sociedade (1997, p.18).

Se é necessário que o aluno conheça o manejo das convenções

sociolingüísticas da comunidade para ter seus discursos legitimados (MOTTA-

ROTH, 1998, p. 104), o ensino de redação de vestibular como um gênero pode

representar uma possibilidade para nós, professores, prepararmos o aluno para

enfrentar o processo seletivo que vai definir seu futuro profissional.

É claro que nos cabe ficarmos atentos para um ensino de redação de

vestibular que não signifique uma cópia dos textos consagrados como

satisfatórios no concurso vestibular. Para tanto, o ensino de redação de

vestibular como gênero demanda o reconhecimento do conceito de gênero

como uma "ação ou resposta retórica a uma situação em que nos engajamos

como participantes do discurso em questão" (MOTTA-ROTH, 1998, p.104). Isso

significa a compreensão de um ensino de redação de vestibular como mais um

entre os gêneros discursivos que devem ser colocados à disposição do aluno,

no sentido de que ele possa ter acesso a todas as instâncias nas quais precisa

inserir-se.

109

Feitas essas considerações, vale dizer que o estudo da linguagem no

contexto do vestibular revelou-se extremamente desafiador, dada a sua

amplitude e complexidade. Ao mesmo tempo, demonstrou que analisar a

linguagem dos textos sem levar em conta o contexto é menosprezar a

linguagem como prática social e, com isso, relegar a segundo plano a história

de vida do aluno bem como a sua competência argumentativa enquanto sujeito,

capaz de estabelecer a interação com seus interlocutores e lutar, através da

linguagem, para alcançar seus objetivos.

Ao chegar ao final do estudo, posso apontar como limitações do trabalho

a falta de conhecimento de pressupostos teóricos sobre ensino de redação

existentes na área. Conforme já mencionado, no Capítulo de Introdução, a

prática de ensino de redação de vestibular tem sido baseada na intuição do

professor e em livros didáticos que não subsidiam um ensino de redação

voltado para o processo e seus elementos fundamentais como o objetivo

comunicativo e a relação do autor com a audiência-alvo.

Diante dessas considerações e especialmente dos estudos até aqui

realizados, posso apontar o estudo da redação de vestibular como um gênero

textual bem como as pesquisas envolvendo cada uma das variáveis

contextuais, campo, teor e modo e as funções ideacional, interpessoal e textual

como maneiras de contribuir para o ensino/aprendizagem de redação de

vestibular na escola de Ensino Médio.

110

BIBLIOGRAFIA

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VANDE KOPPLE, W. J. Some exploratory discourse on metadiscourse. College Composition and Communication. v. 1. Nº 36. 1985, p. 82-93.

112

ANEXO I Redações que obtiveram nota máxima no concurso vestibular da UFRGS/ 1997. (Obs: Os textos foram digitados conforme os originais.)

Redação nº 1

Mudanças no Concurso Vestibular Em nosso Estado, a maioria dos jovens que termina o segundo grau tem como meta ingressar em uma universidade, preferencialmente na UFRGS. Porém, para tal, precisará antes ser bem sucedido no vestibular: a maratona de cerca de trezentos testes que selecionam os futuros acadêmicos da UFRGS. Eu já vivenciei tal experiência e sei que não é nada fácil realizar uma prova de vestibular. O fato de você estar em uma sala com mais vinte estudantes, todos seus concorrentes diretos, é realmente estressante. Talvez, as reformulações no concurso devessem começar justamente por aí: os candidatos deveriam ser distribuídos em ordem alfabética nas escolas, desconsiderando-se o curso a que concorrem, o que amenizaria um pouco a competição. Outro fator a ser analisado é a adoção de questões discursivas ao invés das atuais questões objetivas, o que propiciaria maior flexibilidade nas respostas, permitindo uma avaliação total dos conhecimentos do aluno incluindo sua habilidade de escrita e compreensão. Porém, acho que o essencial mesmo é haver uma mudança na forma de preparação para o vestibular. A UFRGS exige em seu concurso conhecimentos aliados à prática e tais, raramente são abrangidos nas escolas. Seria preciso uma parceria entre as escolas e a universidade para a reformulação parcial do currículo secundarista e dos conteúdos exigidos no concurso vestibular, a fim de que ambos se inserissem em uma mesma realidade, acabando com a necessidade do estudante realizar um “cursinho” para aliar os conhecimentos obtidos na escola aos solicitados no vestibular. Enfim, acho que o vestibular não pode ser extinguido, já que a procura por vagas nas universidades é bem maior que a oferta. Porém, mudanças devem ser feitas a fim de que se avalie o grau de aprendizagem do estudante durante toda sua vida escolar e não apenas o que ele aprendeu no “cursinho”. Só assim, garantiremos universitários e profissionais competentes.

113

Redação nº 2

A legitimidade do vestibular como avaliação Simplificando o motivo da existência do vestibular, podemos defini-lo como ma avaliação tornada necessária pelas limitações da estrutura universitária nacional. Avaliação essa que visa selecionar entre os candidatos aqueles que melhor aproximam-se do perfil estabelecido pela universidade. Os princípios que regem a formulação da prova, segundo o manual do candidato, são de cobrança de um efetivo exercício de raciocínio e de posse de uma cultura orgânica, não de memorização de conceitos abstratos e conteúdos livrescos. E, de fato, os candidatos aprovados nos dão a impressão (nas entrevistas que concedem) de serem pessoas inteligentes e de cultura mediana. A questão, no entanto, é se continuarão assim. Os candidatos que conheci no cursinho estavam verdadeiramente empenhados no aprendizado e exercício de conhecimentos - mas a maioria dava a entender que tinha em vista o pronto abandono dos estudos assim que obtivesse sua aprovação. O objetivo do exercício de raciocínio e da aquisição de cultura era unicamente para a obtenção de uma vaga. Da mesma forma, se a aprovação dependesse da memorização de toda a obra de Descartes, eles o fariam. O mesmo se aplica aos colégios: o vestibular, que deveria constituir uma avaliação do conhecimento edificado nas escolas, na verdade tornou-se o condicionador do que é lecionado nestas escolas. No meu colégio, os cursos de Filosofia e História da Arte foram curtos e inexpressivos- pois “não caem no vestibular”, concluíam os educadores. Também não se incentivava a leitura de livros e jornais como forma de objeto de crítica e estudo, mas como uma maneira de permanecer temporariamente bem informado - apenas até a realização da prova de História. Há aqueles que argumentam ao menos é uma forma de, bem ou mal, entrar em contato com a cultura. Mas este “contato” é na maioria das vezes superficial e efêmero, quando não induz o aluno ao ódio da literatura e da ciência, justamente pelo caráter obrigatório dessa forma de estudo. A solução, ao meu ver, é abandonar a criação de uma prova padrão com elementos previsíveis . “Mas a prova da UFRGS já se caracteriza exatamente por isso!”, argumentarão. Certo, mas é inegável que ainda assim apresentam (sic) relativa previsibilidade. Do contrário, não possibilitaria a existência de uma verdadeira indústria parasita de ensino, constituída de cursos pré-vestibular e cursos de redação. Há sempre a segurança, como dizem os professores de cursinho, de que “cairá tais e tais” questões, que a prova será objetiva, que a redação será julgada por determinados critérios. Em conseqüência, os alunos alienam-se do objetivo do estudo, encarando o valor da cultura na direta proporção em que esta é cobrada no vestibular. Acredito que enquanto o vestibular exigir conhecimentos previsíveis, com questões “profetizadas” pelos cursinhos, continuaremos com alunos cujo conceito de aprovação no vestibular significa a alegria de nunca mais precisarem enxergarem (sic) logarítimos.

114

Redação nº 3

Como selecionar os melhores Hoje estamos enfrentando mais uma batalha em nossas vidas. Talvez não seja uma simples batalha, mas sim uma guerra. Consagram-se vencedores nessa guerra, como nas demais, somente os melhores. Essa guerra injusta precisa ser modificada para não trazer mais tantas decepções para quem não consegue vencê-la. Todos chegaram ao consenso que é preciso mudar, mas nem todos estão dispostos a trabalhar por este ideal. O processo de mudança deveria começar na base da pirâmide educacional. Primeiro é necessário fazer um nivelamento da educação. Esse processo deve começar pela educação feita em casa, pelos pais até chegar a (sic) educação feita na escola, pelos professores. Devemos priorizar os princípios básicos da vida, entre eles a educação. É ela quem forma o caráter do indivíduo e é ela quem dirá se esse indivíduo sera um presidiário ou um médico. Não podemos culpar a U.F.R.G.S. pelo caos do nosso sistema educacional. Não temos condições de fazer como os E. U. A. ou outros países desenvolvidos onde o aluno que apresentar o melhor currículo escolar tem vaga garantida nas melhores universidades do mundo. Não podemos fazê-lo porque seria uma tremenda injustiça comparar o currículo de um aluno formado na melhor escola de São Paulo com o currículo de um estudante do Sertão Nordestino que nem tem sala para estudar. Pablo Picasso em nada usou da matemática, física ou biologia para pintar suas telas. Picasso foi um dos maiores artistas do mundo. Que tremenda injustiça seria eliminar um Picasso de hoje de uma vaga a Universidade. Ao invés do aluno responder as trinta e cinco perguntas dessas três diciplinas (sic) porque ele não cria três obras de arte, que seriam avaliadas para ver se o aluno tem ou não condições de ingressar na universidade. É plenamente possível reformular o Vestibular, basta que todos nós pensamos (sic) juntos, desde o reitor até o aluno, até chegar a uma conclusão. A melhor maneira para iniciar esse processo é fazer como a U.F.R.G.S. está fazendo, ou seja, ela está propondo-nos esse tema de como reformular, mudar o Vestibular. Estão sendo feitas milhares de redações, que além de julgar se cada autor tem ou não condições de entrar na faculdade demonstra que a U.F.R.G.S. está afim (sic) de por (sic) fim ao monstro do Vestibular, pedindo a opinião de seus futuros alunos, para mudar e mudar para melhor.

115

Redação nº 4

Continuidade e Mudança no Vestibular Hoje em dia, o vestibular faz-se presente na trajetória da maioria dos jovens estudantes, bem como de outras pessoas que desejam ingressar na universidade. Avaliar as aptidões de uma multidão heterogênea não é uma tarefa fácil. Qualquer forma de seleção será parcial, maximizando alguns pontos e minimizando outros. Isso explica a polêmica em torno de possíveis reformulações nos concursos vestibulares. Aperfeiçoamentos sempre são possíveis, já que todos os anos, as universidades transformam-se em laboratórios de seleção. Alguns pressupostos, todavia, devem ser mantidos, uma vez que ainda garantem uma maior isenção. Possíveis mudanças no concurso vestibular devem, em primeiro lugar, respeitar a comunidade em que o mesmo insere-se. Isso significa observar o trabalho realizado nas escolas, com vistas a uma maior adequação. A atribuição de pesos diversos a provas vinculadas à carreira escolhida poderia ser substituída pela realização de uma prova geral, que abordasse todos os conteúdos, seguida de exames específicos. Isso testaria as habilidades gerais e exigiria, ao mesmo tempo, um refinamento dos específicos.A grande procura por determinados cursos, Medicina e Direito, por exemplo, favorece-os, já que eleva o nível de seus alunos. A existência de uma média mínima, superior aos necessários trinta por cento em cada prova, garantiria candidatos de perfil mais elevado aos demais cursos, valorizando-os. Da mesma forma, atuaria a extinção da segunda opção. Algumas universidades no país, como a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, vêm implantando seleções baseadas no desempenho do candidato ao longo da trajetória escolar. Tal proposta, atraente à primeira vista, apresenta uma série de problemas. Em primeiro lugar, a dificuldade em utilizar os mesmos critérios de avaliação para escolas diferentes. O principal, contudo, é o condicionamento do futuro do estudante ao desempenho escolar da infância e adolescência. A oportunidade de muitos corrigirem as suas falhas de aprendizado que, de certa forma, é conferida pelo vestibular, não mais existiria. O jovem estaria sendo julgado por sua atitude em um período de imaturidade. A angústia da entrada na universidade seria transferida para a totalidade da vida escolar. O vestibular, da forma como vem sendo realizado, apresenta problemas. É ainda, entretanto, a forma de acesso mais democrática e justa ao ensino superior. A elaboração criteriosa das provas cumpre, inclusive, uma função educacional: a reciclagem dos conteúdos escolares através da sugestão de pontos pelos examinadores, feita em forma de questões. Não há lugar para todos. O vestibular garante que os (sic) que existem sejam preenchidos da forma mais satisfatória.

116

Redação nº 5

Vestibular: mudar é melhor O vestibular é, sem dúvida, um dos concursos mais temidos e, ao mesmo tempo, de grande importância, já que muitas vezes pode definir o nosso futuro. Por isso, muito se questiona a respeito do concurso, sendo que reformulações poderiam trazer uma forma mais justa de avaliação, bem como menos estresse em um espaço tão curto de tempo (ou talvez longos meses de estudo sem muita diversão e sono tranqüilo). Eu, por exemplo, sempre fui muito dedicada aos estudos, passando horas, no meu quarto, ou na biblioteca da escola, estudando. Sempre consciente de que um bom preparo na escola seria o caminho que contribuiria, em grande parte, para o ingresso na universidade, desde cedo me preocupei com o vestibular. Mesmo assim, confesso não ter conseguido dormir nas noites que antecederam o concurso e, apesar de ter estudado em um ótimo colégio e ter obtido boas notas, senti-me insegura diante do concorrido vestibular para Direito. Deste modo, sugeriria que as provas ocorressem progressivamente durante o segundo grau, estabelecendo-se conteúdos a serem cobrados no final de cada ano. As provas seriam iguais para todos e questionar-se- iam conteúdos de todas as matérias. Terminado o segundo grau, o aluno poderia escolher o curso, no qual pretendesse ingressar e fazer provas (também objetivas) mais relacionadas ao curso que escolheu (para Direito, por exemplo, haveria provas de português, história, literatura e língua estrangeira). Essa última prova envolveria o conteúdo de todo o segundo grau, podendo valer 40% do escore total, sendo que os demais testes, 60%. Através disso, o vestibular revelaria o preparo progressivo do aluno, podendo, em parte, aliviar o estresse, como também a pressão exercida por parte dos familiares, professores e amigos. Além disso, as matérias mais relacionadas ao curso escolhido seriam bem valorizadas, enquanto que não deixariam de ser cobrados os conteúdos básicos do segundo grau. Ainda, por ser um processo avaliativo constituído de várias etapas, a chance de ocorrer o “azar” seria menor e, uma única matéria (muitas vezes nunca mais utilizada, como a física no Direito, por exemplo) não representaria a ruína no concurso. Portanto, acredito que reformulações no vestibular poderiam acarretar inúmeros benefícios, dentre os quais: privilegiar aqueles que se preparam durante boa parte de sua vida escolar, valorizar as matérias mais relacionadas ao curso a ser seguido, sem esquecer das demais; diminuir o estresse. Com certeza, mudanças no processo avaliativo gerariam muito trabalho e questionamento, mas poderiam tornar o vestibular mais justo, o que as tornam(sic) necessárias.

117

Redação nº 6

Aperfeiçoamentos necessários no vestibular A cada ano, milhares de jovens se entregam de corpo e alma à disputa acirrada e tensa que é o vestibular da UFRGS. Enfrentando o calor sufocante, imersos em livros, fórmulas e resumos, obrigados a abdicar dos inúmeros prazeres que o verão sugere, cada um destes jovens luta por um sonho quase impossível para a maioria da população brasileira: o de ingressar numa instituição pública de ensino superior. E, para que tal sonho se concretize, é necessário que antes se passe por uma verdadeira guerra chamada VESTIBULAR. Justo ou não, o vestibular é, por enquanto, o único meio de seleção adotado pelas principais Universidades do país. Severamente criticado - principalmente por quem não o supera- o vestibular da UFRGS pode ser considerado um dos mais acessíveis, face a (sic)simplicidade e a (sic)objetividade das provas que o compõe (sic). Mas, é claro, há de se pensar em aperfeiçoamentos. A mais antiga e constante das ponderações é quanto ao fato de todos os candidatos, independente do curso escolhido, serem obrigados a fazer todas as provas. Considerando-se o concurso como um meio de análise de conhecimentos e aptidões vocacionais do vestibulando, no que influiria uma prova de química ou física para alguém que optou por Licenciatura em Letras? Há de se pensar em modificar o concurso neste aspecto, com provas específicas para cada opção, tornando assim a disputa mais qualificada em todas as áreas. Eliminando-se as matérias que não tem (sic) relação com o curso pretendido, elimina-se também a aprovação por “pura sorte” e não por capacidade intelectual. Outro aspecto que macula a imagem do vestibular da UFRGS é o fato de que, por ser uma Universidade de ensino gratuito, é a mais concorrida, assim -presume-se- os candidatos mais bem preparados é que obterão sucesso. Pergunta-se então: quem são esses candidatos? O cidadão que trabalha o dia inteiro e pretende estudar à noite? O aluno oriundo de um segundo grau sucateado numa escola pública e que, com muito sacrifício para não onerar sua família de condições humildes, defronta-se como única opção de seguir estudando a UFRGS? Ou o filho de família abastada, com todas as condições de pagar uma faculdade particular, mas que já estudou nos melhores colégios e cursinhos e, pelo alto conceito da UFRGS pretende nela ingressar? Certamente esses candidatos não serão os dois primeiros, o que tira um pouco do sentido do ensino público da UFRGS. Reservar vagas especiais para os candidatos com mais dificuldades - comprovadas, claro- seria uma boa opção. Coerente, pelo menos, com o termo pública. Mas, enquanto as mudanças não ocorrem, suemos ao sol de trinta e tantos graus de Porto Alegre e escolhamos a alternativa correta. Aguardemos o gabarito. Afinal, justo ou injusto,o vestibular é como tudo na rotina de um brasileiro: uma loteria. Ganhar ou perder nem sempre é uma questão somente de competência.

118

Redação nº 7

A Estrutura Do Vestibular A cada ano, a UFRGS aplica seu Concurso Vestibular para admissão de alunos novos. Também a cada ano, a quase totalidade dos vestibulandos sua sangue buscando a aprovação. Mas é altamente discutível a relação entre o formato do concurso e a preparação do aluno. Em suma: o Vestibular, tal como é hoje, seleciona efetivamente os melhores candidatos? Não considero meu desempenho como vestibulando motivo de orgulho. Pouco estudo, falta de disciplina, sintomas claros de que ainda estou indeciso. Apesar disso, considero dois fatores primordiais para explicar meu fraco desempenho: o alto número de questões por prova e o tempo disponível para respondê-las. Sempre que me vejo diante de uma prova da UFRGS, sinto aquele eco em meu cérebro obtuso: “ vai dar tempo?” Mesmo buscando o apoio e a orientação dita especializada dos cursos pré-vestibular, acredito que é impossível permanecer calmo para responder questão após questão quando se vê a enorme fatia de prova ainda por fazer. Há fatores mil para explicar a causa do fracasso de vestibulandos cuja aprovação parecia certa, mas o nervosismo excessivo parece imperar. E o que o causa, mesmo em pessoas que, como eu, são veteranos do vestibular? Se a Universidade diminuísse o número de questões, saberia. Generalizando, quem faz vestibular pela primeira vez tem alguma esperança de ser aprovado sempre. Não acostumado com a extensão das provas (que no 2º grau nem se comparam às da UFRGS), o vestibulando pena e sofre ao achar que, se responder toda a prova, mantém-se na disputa. Ledo engano. Há muitos casos de fadiga tanto física quanto mental no decorrer do Vestibular e a Universidade faria bem em verificar a freqüência e a gravidade desses acontecimentos para reestruturar seu processo de seleção de candidatos. A UFRGS tem, por merecimento, notada reputação enquanto instituição de ensino superior. É sua obrigação buscar excelência intelectual de seus alunos. O Vestibular, no entanto, como é de conhecimento de todos avalia conteúdos de Segundo Grau, servindo muito mais a este que a qualquer outro propósito. Tal equívoco é reforçado pelo fato de que por ser tão extenso, corrói a tranqüilidade da grande massa de candidatos, jogando na vala comum dos despreparados muitos cujo merecimento, dado o estudo e a capacidade, é enorme.

119

Redação nº 8

O que é que deveria ser avaliado. Não é por nada que sempre existem polêmicas sobre a realização do Concurso Vestibular. A cada ano, a maioria dos candidatos não obtém a vaga esperada, embora muitos deles saibam que seriam ótimos profissionais. O Concurso Vestibular, especificamente o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) avalia as mesmas matérias para os concorrentes de todos os cursos, mesmo que não estejam relacionadas a eles. As provas, além disso, são apenas objetivas (excetuando a redação) e acabam não avaliando o real conhecimento do aluno em cada conteúdo. Os psicotécnicos, de extrema importância para avaliar a aptidão do futuro profissional, não são realizados. Vários alunos, que exerceriam bem sua profissão, acabam não entrando na universidade, em função desses detalhes. Eu, por exemplo, não passei em medicina, no ano passado, por algumas questões de história. A UFRGS deveria realizar o seu Concurso Vestibular pensando mais nas aptidões profissionais do candidato do que em seus conhecimentos de primeiro e segundo graus. As matérias avaliadas deveriam ser escolhidas de acordo com o curso; e as questões, ser somente dissertativas, para que ninguém acertasse um exercício que não soubesse. O principal, porém seria a realização de um psicotécnico, para diminuir o número de profissionais incompetentes e aumentar as chances dos alunos que não puderam realizar um bom ensino primário e secundário. Aprovar ou reprovar um aluno, em um vestibular, não pode ser uma tarefa realizada sem que se leve em conta a aptidão que ele tem com determinada profissão, bem como sua conduta em relação a ela. O que seria da física atual se Einstein - um péssimo aluno antes de elaborar suas teorias e ficar famoso- houvesse realizado um Concurso Vestibular e tivesse sido reprovado?

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Redação nº 9

Vestibular: um teste para a vida? Tensão,nervosismo, colapsos nervosos... É assim que a maioria dos jovens encara o vestibular: um verdadeiro martírio. E todos os anos, nesta época, milhares de pais e amigos se vêem envolvidos na agonia pela qual passa o vestibulando. As perguntas são as mesmas na cabeça de todos: É justo? Estarão sendo escolhidos os melhores? Mas... melhores em conhecimentos, em memória, em controle emocional ou melhores para exercerem a profissão que escolheram para o futuro? E por falar nisso, será que esta é a melhor escolha? Uma das sugestões “copiada” do primeiro mundo, é de extinguir o vestibular, avaliando a capacidade do aluno para freqüentar determinada universidade pelo seu desempenho escolar no decorrer de vários anos. O histórico escolar seria o cartão de ingresso para o terceiro grau. Este sistema pode até funcionar, mas não em um país como o nosso, com um sistema de ensino tão irregular. Um método de seleção mais eficiente seria aquele que avaliasse com maior profundidade o conjunto de aptidões, habilidades e conhecimentos do aluno, baseado na carreira que ele deseja seguir. Esta seleção poderia ser feita em módulos, no decorrer de um ano, para não concentrar uma avaliação tão importante em poucos dias. O ingresso desses alunos custaria mais caro à Universidade, pois necessitaria de mais testes, específicos para cada faculdade, e de entrevistas individuais ou grupais com psicólogos. Em compensação, o aproveitamento do curso seria próximo de cem por cento, enquanto o índice de desistência seria quase nulo. A reformulação do vestibular deve ser discutida por todos os setores da sociedade, pois todos se vêem, diariamente, indiretamente envolvidos com profissionais medíocres e incompetentes, frutos prováveis de um sistema incompleto de seleção para a Universidade. Uma avaliação constante e gradual nos levará a algum lugar mais próximo do melhor e mais justo para toda a sociedade.

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ANEXO 2 Entrevistas com os avaliadores de redação do concurso vestibular

Entrevista com o Avaliador A1 E: Há quanto quanto tempo o senhor corrige redações? A1: Desde 1994. E: O senhor já trabalhou em outras IES? A1: Sim. E: Em quais? A1: Eu trabalhei na UNISC, em Santa Cruz. E: Como corretor de redações? A1: Não, como professor. E: Enquanto corretor de redações, o senhor trabalha em qual Instituição? A1: Na UFRGS. E: E como é o trabalho atualmente? A1: Como é...??? E: É. Um trabalho em equipe, como é que vocês trabalham nesse processo de correção de redações. A1: E...São...hã, bom, teve várias mudanças. Ocorreram várias mudanças esse ano, eu não sei como é que vai ficar a partir desse ano, em princípio até esse ano, até 1998, foi o último ano que eu corrigi, em janeiro, eram mais ou menos... uma equipe de mais ou menos noventa revisores e esses noventa revisores ficavam divididos em grupos, mais ou menos grupos de 10 corretores, que ficavam em salas diferentes. Cada grupo era coordenado por um outro professor que seria o organizador. Então, hã, por exemplo, a cada... para que fosse dado um dez ou um zero teria que passar sempre pela... pelo crivo, pela aprovação do professor coordenador do grupo, que dizia se realmente era dez ou se realmente era zero ou se o dez podia ser um pouco mais ou um pouco menos. E... sempre o trabalho..., eu não sei se já estou respondendo a algumas perguntas, mas ... eu continuo, era sempre feito em dois momentos. Na parte da manhã, eram corrigidas uma média de 40 redações às vezes um pouco menos dependendo do número de redações que havia durante o ano, mas era uma média de 35-40 redações por turno. 40 de manhã, 40 de tarde. Então na parte da manhã, era feita uma primeira revisão que eles chamavam de revisão ãaa analítica. Nessa revisão analítica, não se marca nada, mas se recebia uma...uma planilha. Depois se tu quiser eu posso te mostrar... uma planilha que se usa. Eu devo ter em casa em algum lugar, eu tenho que achar. E: Ali tem os critérios estabelecidos. A1: Ali tem os critérios de expressão... de estrutura, de expressão e conteúdo. E: Deixa eu te perguntar uma coisinha antes ...Uma redação é corrigida por quantos corretores?

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A1: Dois. E: Dois... A1: É ...Dois, é isso que acontece, acontece a primeira revisão que é analítica na parte da manhã. Eu corrijo aquela redação, marco, ã, faço nessa grade mais ou menos quantos pontos ele teve em expressão, no conteúdo e em... qual é o outro mesmo que eu disse? E: O outro é estrutura, né? A1: É, estrutura. Aí na parte da tarde essas mesmas redações que eu corrigi, eu, A1 , corrigi, elas vão ser corrigidas por uma outra pessoa. E: Elas não se identificam? A1: Sem se identificarem. Então à tarde eu vou pegar mais quarenta redações que já foram corrigidas na parte... no período da manhã. E: Aí tu fazes a holística? A1: Aí é a holística. E: Então vocês trocam, o mesmo corretor analisa analiticamente e holisticamente . A1: Isso... não, não. De manhã eu vou fazer a holística de outras provas, de outras redações. E: Sim, mas aí tu tens a oportunidade de dar teu parecer analiticamente e holisticamente ...? A1: Isso, isso. Sendo que na parte da manhã, na analítica, eu dou então três notas, né. Eu dou uma nota pra expressão, conteúdo e estrutura e na parte da tarde eu dou só uma nota de zero a dez, eu dou, né porque já é uma segunda revisão, porque ela já foi corrigida. E: Tá. E aproveitando isso aí eu quero te perguntar uma coisa. A1: Hummm. E: Qual é que tu, qual é o tipo de correção, a analítica ou a holística que tu achas assim mais difícil de fazer? A1: Mais difícil é a analítica porque a holística é uma nota única que tu tá dando, primeiro lugar tu já sabe que foi revisada, então tu vai só fazer uma outra revisão, mas no geral, quer dizer eu não vou me ater, ah, ele tem sete em estrutura e quatro em conteúdo, não, eu vou dar uma média geral, daí tem que ser uma média daqueles problemas dele. Eu acho que em termos, não sei se é isso que tu quer saber, de dificuldades, mais trabalhosa, dá mais trabalho a analítica, com certeza. E: É que no caso a holística, ela é mais aquela coisa do...do digamos pro leitor corrigindo um texto... acho que dá eu imagino pois eu não trabalho com correção de redações de Instituições, mas eu imagino que seja assim, essa interação, né ele pega o texto, lê e essa coisa acontece ou não a interação... A1: Isso...Isso. Humm. E: O que te trouxe para esta área de correção? A1: O que que me levou a fazer parte das correções? E: ... A1: Eu fui convidado, eu trabalhava na época no Colégio Anchieta em Porto Alegre como professor de francês já, mas eu tenho, ã, comecei a fazer, eu tô terminando o Mestrado aqui na área de Literatura Brasileira na época eu já tinha começado umas disciplinas também na UFRGS no Mestrado e eu tinha alguns colegas da área de Português e da Literatura Brasileira que trabalhavam já há algum tempo e me convidaram, né, pra participar e eu achei uma experiência muito boa e continuei participando.

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E: Quanto tempo em média tu levas para corrigir uma redação? Vocês têm isso estipulado ou fica a critério de cada um? A1: Humm. Bah...Isso aí E: Porque vocês têm de manhã, no turno da manhã 40 redações, né. A1: Geralmente a holística é mais rápida, tende a ser mais rápida, pois é uma nota só, uma nota só que tu vai dar, é mais fácil tu fazer essa média, agora no momento que tu tem até porque na analítica tu tem que tá somando ali quantos pontinhos tu vai marcando ali, ah tantos erros de estrutura, aí vai fazendo aqueles pontinhos, né, pauzinhos, né... E: Isso. A1: Aí tu vai olhar quantos, aí tu vai olhar na tabela. Ah deu sete erros, sete erros de zero a sete deu tanto, então isso demora mais, eu não sei te dizer exatamente quanto até por que é assim, ó, no início logo que a gente começa a gente é mais lento, no segundo dia é que tu pega mais o pique, não é, no início a gente tá meio... E: Em minutos tu imagina o quê? Dez, quinze...? A1: Olha eu posso te dizer... prá cada redação? bem menos. E: Bem menos? A1: Bem menos. Uma média de, no máximo, uns cinco minutos para aquelas bem problemáticas. No máximo. E: Isso na analítica, não é? A1: É. Na outra, menos ainda. E: Humm A1: Na outra menos ainda porque normalmente, a gente começava eu posso dizer, assim, pelo tempo que a gente começava e terminava. Geralmente a gente pegava as redações oito horas, digamos, da manhã e aí tinha um intervalo que a gente fazia mais ou menos às dez horas, dez e meia a gente fazia um intervalo prá lanche... E: Hummm. A1: E voltava, o intervalo ficava o quê? uns dez, quinze minutos e a gente voltava e, acho que eu entregava, tipo, onze horas; das oito às onze, mais tardar onze e meia eu tava entregando tudo. E: Quantas redações vocês têm em média lá na UFRGS? A1: Bah... E: Quanto tempo vocês levam... uma semana? A1: Ah, tá, geralmente uma semana, tanto que eles pagam por, no mínimo, uma semana, né? Às vezes acontece, teve alguns anos que aconteceu de terminar, por exemplo, na quinta- feira, porque tinha menos... porque eu não sei, eu acho que é diferente o esquema da UFSM porque lá, quem passa, quem chega a fazer a redação no vestibular é porque já passou todos... E: Ah, é diferente, porque aqui nós temos o critério de seleção do corte, não? O número de pontuação... E: Ah! Tá... Então vocês fazem uma pré- seleção antes daqueles possíveis? A1: Sim, o computador vai ver se ele atingiu tantos pontos, se ele não atingiu a redação nem vem para nós. Então, quando acontece esse tipo de problema diminui bastante o número de redações. E: Então, agora, eu queria que tu falasse um pouco sobre os critérios estabelecidos pela banca, né, você tava me falando, primeiro os três grandes critérios, que seriam a estrutura, a expressão e o conteúdo. Como é que é assim, como é que são esses critérios no caso? Essa estrutura, por exemplo, tem a estrutura né? introdução, desenvolvimento e conclusão. A caracterização é o texto dissertativo, no caso, né?

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Mas, em relação, assim, fala um pouquinho, tipo assim, oh, o que vocês consideram uma boa introdução, um bom desenvolvimento, uma boa conclusão? A1:Um problema geralmente que ocorre nas redações é a falta assim, não é nem a fuga ao tema, mas como é que eu vou dizer? É... Aaaaa geralmente os problemas maiores de expressão. Os grandes problemas, assim, a maioria, são problemas de expressão. E: Como é que são esses critérios, valoráveis? em termos de valores, os que valem mais. A1: Eu teria que te mostrar isso na grade, porque eu não tenho aqui isso, então eu não posso dizer. E: Mas esses critérios, assim, por dentro, se não me engano a UFRGS, ela pede a questão do argumento. A1: Sim, o texto mais argumentativo. O problema que eu vejo é que é assim, o que é uma grande dificuldade pro aluno do segundo grau, que é ao mesmo tempo que ela pede, geralmente os temas da UFRGS são assim, oh, eles partem de experiências pessoais. E: Que é o chamado texto subjetivo? A1: É, mas não sei se é assim que se chama, mas eles partem de um tema, por exemplo, ah, não sei, deixa eu lembrar de algum, ah... eles apresentam o tema, por exemplo o humor, tá, o humor, sobre a crítica, tá, digamos, e aí essa crítica deu muito pano pra manga, muita... Porque é um tema amplo, esse é um tema problemático, porque é um tema muito amplo. E: Mas ele pedia crítica construtiva ou negativa. A1: Isso, crítica construtiva ou negativa, mas..., o que aconteceu foi o seguinte. Os alunos, os candidatos normalmente, eles, isso inclusive dizia na ordem de questão, né? Não,... Temos que elaborar um texto pá pá pá, uma redação em que você apresente uma situação que você viveu, pá, pá, pá, ou seja, o aluno vai crente que pode contar aquela história que passou, que me aconteceu, que eu fui supercrítico, ou que eu recebi crítica do meu pai – positiva- não sei o quê, que foi superlegal... tá? isso eu acho já um tanto quanto complicado e aí no final eles dizem assim, oh, sempre, e isso faz parte, é modelo na UFRGS, "não esqueça que você está fazendo um texto argumentativo, que se caracteriza por, né? Quer dizer, mas e aí? até pra mim, para qualquer pessoa fica difícil de construir um texto, tu tem que ter um distanciamento e ao mesmo tempo tu tem que, tu vai te incluir, porque é uma experiência tua, é complicadíssimo, e eles não conseguem fazer essa ponte, muito raramente eles fazem. E: E aí eles entram na questão narrativa? A1: Então o ideal seria, exatamente, tudo bem, que ele diga, ah, um dia eu recebi uma crítica negativa da minha namorada, não sei o quê, bá, bá, bá, mas que no final, nem que seja o último parágrafo, ele faça uma reflexão, e aí então entraria a subjetividade do texto argumentativo, né? Aquele distanciamento, portanto a crítica é um fenômeno não sei o quê e bá, bá, bá que deve ser levado em conta quando... Quando ele encerrava assim, a estrutura era boa. Se ele terminasse: então meu pai me disse isso. Então.. E: Isso que você tá falando é de consenso geral, né? Vocês discutem isso? A1: Sim. E: Me ocorreu um outro tema, que me chamou atenção, que é a solidão, aí eu acho que o aluno entrava meio que direto na narração mesmo, né? A1: Exatamente.

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E: Contando aquela experiência, esquecia de voltar pra questão maior, né? A1:hummmm Exatamente. São temas bem perigosos. E: Outra coisa. Vocês pedem, também, a UFRGS pede causa e conseqüência, não é? A1: Hum ...hum. É difícil fazer essa passagem, exatamente, ainda mais numa situação de pressão. E: (...) Eu também penso assim, oh, vamos conversar um pouquinho sobre essa questão da estrutura. Muitas vezes o aluno tem essa forma, mas ele não tem o recheio... A questão, como é que é essa questão do conteúdo? Para ser um texto argumentativo, vocês têm um conceito de argumento que diz assim, ó esse texto é argumentativo ou não? A1: Depende muito do tema, eu acho. Do tema que está sendo proposto. Na verdade, eu acho que essa questão do texto argumentativo é como tu falaste, de repente depende muito do conteúdo, né? Tem que dominar o conteúdo. Então, às vezes eles não têm um conteúdo "X", e eles não têm nada para dizer sobre aquilo. Então, é a importância de eles estarem bem informados, de assistirem ao jornal, de eles lerem ao jornal. (...) Pra tu argumentares tu tem que ter uma posição. (...) A1:Porque teve uma época que muitas vezes as redações elas só tinham tipo de tema assim, oh, até o início dos anos 90, assim, sempre temas polêmicos, homossexualismo, AIDS, né? Então, o que que acontece? São temas que, no fundo, fica até mais fácil, né? Mas o que acontecia ao mesmo tempo? Era só lugar comum que tu encontrava. Ele não tá argumentando, ele tá reproduzindo aqueles chavões. Então depois eles pararam com isso, agora é assim, pega a solidão, o humor, a crítica, então já não é tanto, mas aí já foge do domínio deles. Quer dizer, eles não ouvem falar, já não têm uma referência muito grande. E: E aí eu acho que um pouco a complicação acontece por causa do momento, porque até em outro momento, eu imagino, né, que se eles tivessem nesse contexto, tivessem tempo para se projetar para dentro do contexto, talvez ele conseguisse falar melhor sobre... porque eu vejo, eu acho muito interessante os temas da UFRGS porque, exatamente sobre o que o aluno poderia falar, é a solidão, é o vestibular que foi aquele de noventa e sete. Se o vestibular continua ou não, então por que ele não produz um texto bom? A1: Claro, claro. E: Eu acho que muito mais em cima do tempo e da pressão do que de outra coisa. E:Mas vocês, assim, em termos de argumento, vocês têm uma linha definida? A1: Não. E: É mais ... A1: Eu teria que te mostrar aquelas grades. É mais assim, se tem uma coerência no discurso, se existe uma coerência, se não está sendo contraditório. E: E aí entra uma outra pergunta, a questão da tese na argumentação. A1: Sim, sim. Tem que partir disso. E: Essa tese, ela poderia estar na experiência pessoal? Ou serviria como exemplo? A1:Eu acho assim, dependendo do tema, geralmente parte da experiência pessoal. Depois é que ele relativiza.

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E: E um texto coerente? A1: Pros moldes da UFRGS, eu acho que seria isso, seria conseguir partir desse particular pro geral, fazer a relativização depois a partir de uma experiência pessoal. E: Bom, e aí em relação à fuga de tema? Acontece muito?

A1: Depende do tema. (...) Não é muito comum, não.

E: E o tangenciamento, você poderia fazer pra mim uma diferença?

A1: Tangenciar, isso acontece bastante. Bah, é difícil explicar, mas eu acho que a fuga é aquela fuga completa, não tá mais falando, não tem nada mais a ver. E tangenciar, tanto é que na grade nós descontamos alguns pontos desse tangenciamento.

E: A fuga é zero, né?

A1: é zero.

A1: O tangenciamento é descontado, mas é aquela coisa, ele começa a sair do tema e depois lá no fim de repente ele volta um pouquinho mas já não volta pegando o mesmo aspecto...

E: Eu também imagino que no tangenciamento ele pega uma via mais secundária, né? A1: Hum, hum. E: Se perde, né? A1: Isso, isso. E: De repente ele tá lá do outro lado e não volta. E aí acontece também que o exemplo, às vezes, não serve pra aquilo que ele tá dizendo. A1:Exatamente, o exemplo não ilustra. E: A que tu atribuis, assim, esse problema de fuga e tangenciamento? A1: Olha, há uma série de causas aí que envolvem não só isso, mas envolvem toda a questão de conseguir produzir um texto, em primeiro lugar, argumentativo. Eu acho que tem a ver com falta de leitura, com falta de posicionamento, com falta de ter um ponto de vista determinado sobre alguma coisa que não seja a repetição do que a mídia veicula, que a família veicula, e é cada vez mais difícil encontrar isso. E: E também eu imagino que seria uma questão da leitura do tema também. A1: É só lugar comum. Tem a questão do critério da originalidade, inclusive. E: Porque às vezes dá impressão que eles passam os olhos por cima da tarefa proposta mas não sabem o que está sendo proposto pra eles. A1: Exato, exato. (...) A1: É um contrato. O aluno têm de aceitar aquele contrato. E: Então um texto considerado desejável pra UFRGS, pra vocês seria com uma estrutura e que atendesse essa proposta. A1: No mínimo isso. Não tá nem em jogo a questão da originalidade, que daí seria um (...), um aporte. A originalidade no caso é lucro, vai ajudar na tua nota obviamente.

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Mas como é raro, aliás é raro encontrar um texto que parta, exatamente, de uma idéia original, com uma tese original. (...) E: E aquela questão assim, falando, porque tem uma coisa bem assim... A1: O discurso também, a questão do discurso, né?, o tipo de linguagem é muito problemático, não é uma linguagem argumentativa, é uma linguagem oralizada. É linguagem oral, é a linguagem cotidiana que eles usam pra, eles não sabem mais a diferença. Eu peguei redações muito ruins, a impressão que eu tinha é que eles nunca, jamais tinham feito redação durante todo o 2º grau, muitos deles. A impressão que eu tinha era essa, tipo assim, eles não tinham a mínima idéia de estrutura, no mínimo aquela estrutura básica assim, de introdução, desenvolvimento e conclusão, mais pobre, mas que pelo menos o professor tinha obrigação de ensinar. A impressão que tu tinha é que nunca tinham escrito. E nós corrigimos também esse ano a da SEC, né? que fez equivalente ao que o Mec fez, o provão nas universidades; a SEC fez nas escolas do Estado, um teste. Então, nós corrigimos as provas de redação. Eu nunca vi tantas coisas horríveis, teve um dia que eu fiquei deprimido, eu saí assim, eu não acredito no que eu tô vendo. Sabe, é uma geração que tá aí e não tinham assim a mínima condição. Então a gente pegou de várias cidades, eu peguei de Santa Maria inclusive, um colégio de Santa Maria, um colégio de Porto Alegre, mas assim, várias, nós chegamos a várias conclusões (...). A gente saía dali discutindo, olha como é que pode... E: E aí vem aquela série de questionamentos. Por que? Como reverter? A1: É. E:Uma outra questão é se, qual é a relevância, assim, no caso, pra banca, como um todo, das condições de produção? Tem essa questão do nervosismo, a tensão. A1: Isso fica muito ao cargo do revisor, não chega a ser, não é um critério pré estabelecido. (...) (...) E: Mas isso existe, a escola trabalha muito com isso, quer dizer, nivela... A1: O problema tá aí, tá na escola. E: Tu tem que partir do pressuposto de que os outros não sabem, então esse sabe um pouquinho mais. A1: A impressão que a gente tem, principalmente nas escolas da SEC, que nunca tinham feito uma redação antes. Usaram termos do dia a dia, ... (...) A1: Eu comecei a ver assim, oh, que as melhores redações eram as de cidades onde havia uma universidade federal. O que isso quer dizer? Porto Alegre, Santa Maria, Rio Grande, Pelotas. As de Santa Maria tinham o mesmo nível das de Porto Alegre, tu entendes? E: Quer dizer que as escolas estariam, então... A1: Aí eu cheguei à seguinte conclusão, comecei a pensar o seguinte, posso estar errado, mas eu penso o seguinte, nessas cidades onde existe uma universidade federal é que existe aquele tipo de clientela que faz o primeiro grau, faz o segundo grau e pensa em fazer uma universidade, até porque tem uma universidade próxima a tua casa, na tua cidade, que é federal, que é pública, que é de graça. Então, tudo te encaminha, como nós, nós fizemos nossa universidade, tem a UFRGS, tem a UFSM. Então existe um direcionamento da própria família para que isso aconteça. Agora, em

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cidades onde não há uma universidade federal...O cara lá de (...). Por que que ele vai fazer vestibular? E o curso de português dele, por que que vai visar o vestibular? Logo, o cara vai se formar pra atender a farmácia do pai dele, pra fazer a capina... (...) E: Isso significa então que a clientela determina o tipo de escola? A1: Mais ou menos isso. Não sei se a clientela ou se as condições, porque eu comecei a pensar sobre isso, Jandira, em função dessa questão, quer dizer as redações não eram que fossem extamente as melhores, mas eram as que tinham mais "cara" de redação, as que se aproximavam mais daquilo que a gente conhece como redação, eram as das cidades que tinham uma universidade federal. Isso foi uma coisa que eu constatei. E: E em relação a esse formato, a gente observa também que a maioria dos vestibulares pedem o quê? Dissertação, né? Não o argumentativo em si. (...) Por que eles determinam isso? (...) A1: Eu acho que não é nem a questão de ser dissertativo ou argumentativo ou não, porque os textos que eu lia, destas cidades que eu achava terríveis, eles não eram nem textos narrativos, eram textos, textos eram, mas ele não era nem narrativo, nem dissertativo, nem descritivo, nem nada. E: Não há um trabalho com a linguagem para fim nenhum. A1: De escrita, não. E: Sim, porque se não atendesse um tipo de texto, mas atendesse a outro. A1: Sim. (...) A1: Os professores não têm que se preocupar com o currículo do vestibular, daí eu fico imaginando que isso não deve ser só com a redação. E: (...) Mas a pergunta é se, na tua opinião, há semelhanças entre texto solicitado em redação de vestibular e editorial?(...) É, digamos assim, tu pega um tema da nossa universidade, por exemplo, ou pega um tema da UFRGS e em essa estrutura, e tem uma certa exigência em relação ao argumento, à progressão temática que nós falamos.. Eu penso isso em relação à estrutura, basicamente na estrutura do argumento do texto, do editorial tu vê direitinho, né? A1: Essa concatenação de progressão. E: E também tem outra coisa que eu vejo aí, que eu queria ver contigo, essa questão do interlocutor. Que dizer do aluno vestibulando que já está fazendo a prova, ele tem uma pessoa para quem ele escreve, que é o corretor, o texto do jornal também tem, que é a população, então a pergunta. A1: É aquela velha história , tu tem que convencer alguém que aquilo, tanto que aí entra a questão ideológica no meio, mas sem briga, quando é um tema muito, meio polêmico demais, nós sempre recebemos dos coordenadores do grupo de correção, um lembrete, né? para que a gente cuide, para lembrar que o que importa é o que ele está escrevendo, se o cara diz que é nazista, é a favor do nazismo, tudo bem, desde que ele construa um bom argumento a favor do nazismo e muito bem feito – essa é a idéia. Isso eu dizia pros meus alunos de redação quando eu dava aula. Querem dizer que vocês são racistas, que vocês não gostam de homossexuais, não gostam não sei do quê, tudo bem. Os alunos perguntavam “Ah! Mas os corretores não vão descontar

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da gente?” Não. Pelo menos não deve, em princípio não pode. Agora, o problema é como vocês vão desenvolver isso, vocês tem de ter uma idéia clara. Podem colocar a maior barbaridade, mas aí é que está a força do argumento. Quer dizer, argumento, isto é, formule uma argumentação que até convença, claro, talvez não vá convencer, mas que pelo menos o corretor olhe e diga, pensando por esse prisma...(...) E: É, que faça ele refletir, de repente. O aluno tem muito medo do corretor. A1: Claro, claro... E: Realmente aí entra a questão do trabalho. O corretor tem esse respeito pela opinião do aluno, o papel dele é outro. É de ver se o aluno articula as idéias. Tu pode ver antes aquele tabu que o aluno não podia se posicionar, mais que coisa mais absurda e mais abstrata, né? Como é que não vai se posicionar? Por isso que eu digo assim, oh, tem todos esses problemas, mas parece que agora a coisa tá mudando. A1: Mas tá mudando.

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Entrevista com o avaliador A2

E: Uma coisa bem interessante... que eu acho que descobri (...) Eu me encantava com o tema da UFRGS, e me perguntava, o que que tem de diferente neste tema? (...) Eu me encantei exatamente com essa questão da primeira pessoa que vocês usam. A2: Quem implantou isso no Estado foi o Fischer, que trabalhou comigo neste ano. Porque a história é assim, oh, em 77, quando a redação voltou pro vestibular, ninguém sabia como é que ia ser, e aí, eu e o Cláudio... Nós inventamos um dispositivo que era assim, nós tínhamos 700 alunos e aí dávamos um tema por semana, a gente pegava de cada turma 5 alunos, os melhores alunos de português reconhecidamente bons em outras disciplinas e esses caras corrigiam a redação. Então, como a gente tinha que contar com aluno, a gente fazia roteiro. A gente tinha experiência em roteiro de avaliação que vinha do básico lá da universidade, daqueles livros. Foi um troço meio intuitivo,...mas também era meio assim, aqueles troços lá da redação escolar dos Estados Unidos de trabalhar a questão pessoal. Então a gente pedia assim para eles, como é que é uma boa festa? (...) E assim foi, a gente dava geralmente um polígrafo até por que era alunos que iam corrigir e isso evoluiu. Eu trabalhei lá de 77 a 84 E: Então, tu corriges redação há quantos anos? A2: (...) Então a redação de vestibular voltou em 78 e eu só comecei a trabalhar lá por 82, 80. Mas eu nunca trabalhei corrigindo (...), e depois eu saí para o doutorado e a minha vaga foi preenchida como coordenador e só em 97 eu voltei, no ano passado, eu voltei na coordenação e elaborei esses materiais. E: A gente tem acesso a esses materiais? Eu preciso. A2: Tem. É só eu te mandar. (...) E: O trabalho em equipe é feito a partir uma correção holística e uma analítica, tu já colocaste isso daí. Eles se identificam... esses corretores ou não? A2: Não, não. Nem dá tempo. Há duas fichinhas, aliás, tem três canhotos na avaliação...antes tinha quatro, agora o quarto foi dispensado. As redações são corrigidas de manhã, a nota é dada no canhoto da manhã, depois o pessoal do apoio arranca esse canhoto e volta à tarde com o canhoto da tarde. Depois troca a terceira... só que na terceira a gente sabe quais foram as notas dadas. Claro que o sistema sabe. Cada avaliador tem um número, ele se identifica pelo número, até pra fazer o sistema de avaliação. (...) E: (...) Vocês tem um critério separado para essa argumentação? A2: Tem, tem. (...) Bah, eu não tenho de cabeça... se eu tivesse trazido os critérios, poderia te explicar melhor. É assim, ó, a gente tem, vamos ver se eu consigo me lembrar, a primeira questão que a gente tem é o ponto de vista, tá. A2: É porque eu queria, a argumentação, ela entra... O que eu quero dizer é o seguinte. Nós tentamos montar assim... tem alguns, nós tentamos achar um jeito de encaminhar essa avaliação de tal modo que ficasse distinguido mais ou menos ãã o texto, que o texto bom tivesse um tratamento especial. Por exemplo, o nosso último item...a gente tentou ir do mais simples, do mais elementar ao mais sofisticado, digamos assim. O nosso último item é qualidade estilística, tá? E aí qualidade estilística seria assim, ó. Uma idéia de que tu olha o texto, né? e faz as contas regulares, né. Isso é uma coisa que acontecia antes e dizia “ tá, mas esse texto se eu fizer a soma aqui é sete, mas

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para o meu gosto ele não é sete, é mais. Então a qualidade estilística, por exemplo, entra e a idéia é mais ou menos assim..., não está escrito assim mas a figura que a gente usa é assim. Tu tem um texto que sofre as regras e tu tem outro texto que surfa sobre as regras, né? Tu pode ter um texto que é..., que não é canônico, pode ter um texto canônico, bonitinho, que reconhece, que conta a história ... e dizer tá, tem que dar um três, um dois, não vou dar nenhum zero, né? não vou dar nenhum um ... e tu soma e tá feliz, né? E tu tem um texto que não consegue fazer isso, então, com certeza tu sofre com essa coisa toda e tu tem um texto que não é canônico, mas que tu nota que o cara tá... ao fazer um texto não canônico, ele tá fazendo uma coisa melhor que se ele tivesse feito pelo cânone, então a gente tenta avaliar dessa maneira. E: Tá, e aí nessa questão assim, pra ti, por exemplo, como é que tu me definiria um texto argumentativo? A argumentação, ele implica uma tese. Seria isso? A2: É, a gente não fala em tese, a gente fala em ponto de vista. Primeiro a gente pivilegia... tá isso, agora me lembrei...Tem assim, ponto de vista que se divide em clareza. O ponto de vista tem que ser claro, tem que saber identificar que em algum lugar do texto que tem ponto de vista. Primeira qualidade é esta. Tem que lê, não, o ponto de vista do cara é que tal coisa é assim, tá? Meramente clareza, tá? Segundo, é o que a gente chama de autonomia, de autonomia não, consistência, desculpe. Então o ponto de vista não pode ser contraditado em nenhum momento do texto, tudo o que ele diz no texto contribui para expressão desse ponto de vista. E o terceiro item a gente chama de autonomia, não é obviedade, é autonomia. Esse cara não tá "lugarcomunseando". Isso é bem difícil...Isso que dizer que a gente tem uma idéia de qualidade. E: Então o texto argumentativo, no caso, seria isso aí: ele ter um ponto de vista, ele deve colocar com clareza. A2: Ah, isso é o primeiro item. É um item dividido em três, enfim, são notas. E: Concisão, no caso, e aí ele ter um ponto de vista diferenciado? A2: Clareza, consistência, autonomia. Autonomia consiste em originalidade. O cara pode ter três em clareza porque o ponto de vista está claro e pode ter zero em autonomia e o ponto de vista, apesar de claro pode ser uma bobagem ... pode ter três em consistência, por exemplo por causa daquela besteira que ele disse, porque mantém a bobagem, pode ter essa hipótese. Depois a gente trabalha, se não me engano o item seguinte é a escritura dos parágrafos, que esse ano eu até dei uma reforçada nesse troço porque isso aí era questão de... E: E onde é que entra essa, essa questão, esse argumento, esse ponto de vista, essa clareza, essa concisão e essa autonomia dentro da estrutura do parágrafo. É a estrutura do parágrafo? A2: É, a estrutura do parágrafo é mais ou menos o seguinte ó, tu tem assim, a visão do parágrafo é consistente, quer dizer, cada parágrafo pega uma parte do texto. É uma coisa que eu acrescentei aí para apertar um pouco, porque é uma coisa interessante que eu não tinha me dado conta... O Fischer (colega da instituição) me disse assim “alguma coisa se conquistou ao longo do tempo”, por exemplo, tu pega a estrutura do parágrafo e não precisa quase nem olhar tu dá três direto. Isso foi, acho que ficou muito claro porque no ano passado, a gente fez, a SEC (Secretaria da Educação e Cultura) fez a primeira avaliação com redação e o Fischer coordenou a correção do terceiro ano, ele dizia assim: “ isso aqui é o que era a redação do vestibular da UFRGS há vinte anos atrás", então tu tinha problemas, inclusive na ordem de

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estruturação do parágrafo. Quer dizer, então tu tem um saber acumulado, né? Quer dizer, nesses 20 anos quem fez redação de vestibular no nível da UFRGS, a estrutura do parágrafo é conquista. E: E aí, a gente tá falando em... A2: Eu tô querendo chegar no item sobre argumentação, a gente tem um item específico sobre... E: Isso aí me interessa muito,(...), e para ensinar redação? Eu tava falando em parágrafo por causa disso. Então ele estrutura argumentos a partir dessa estrutura que se trabalha ali. (...) A2: Eu tô ficando radical, tô ficando radical pelo seguinte, oh. Eu acho que tu aprende a escrever no momento que tu olhas pra dentro de ti, para o que tá perto de ti, e tu pergunta: "O que eu tenho com isso?" E esse primeiro momento é que tem que dar o tom do teu texto. Claro, quando eu começo a trabalhar na universidade, eles já vem com alguma coisa solidificada, que eu acho que tem que quebrar... e é na porrada... E: É um outro momento, né? A2: Mas eu acho o seguinte, ó, eu acho que o problema desse livrinho ali, mas a minha desconfiança, aliás já é uma certeza, é que esse nível de funcionamento é ainda mecânica. (...) Porque não teria nenhum problema se a gente não vivesse numa sociedade, vamos dizer assim, da profunda, da arraigadíssima distinção entre conteúdo e forma, né? E: (...) Eu percebo assim, que de uns anos para cá, eles (os alunos) pararam com aquela bobagem de perguntar qual é o provável tema, como é que se faz a redação, sabe, então ele vai olhando, ele quer escrever. A2: Eu acho que tem alguma coisa assim com o escrever que tá, tá no ar... E: Mexendo, né? A2: É a escola, né? Se a gente pode dizer que há uma literatura gaúcha, ela é uma obra da escola. A escola fez isso. Mas eu estou convencido, assim, oh, se eu ensinar o cara a narrar, eu vou ensinar ele mais facilmente a dissertar, porque a dissertação é, na verdade, um texto que abrange os gêneros todos. E: Todos, né? A2: Ele é um texto que... Se tu pensar, né? num cara como Nelson Rodrigues, por exemplo, que está posto na ordem do dia, a tese dele é assim, o ensaio brasileiro começa a existir a partir do Nelson Rodrigues. Então, na verdade, ele é um cara que faz ensaio jornalístico e conta uma história, conta-me uma situação, que aconteceu isso, eu vi isso, não sei o que. E a reflexão brota muito fortemente de dentro dessa história que ele tá contando, como é a grande matriz do ensaio brasileiro, que é Os Sertões. Os Sertões é uma reportagem. O cara vai lá e diz, oh, aconteceu isso, isso... Ali que se enriquece com a reflexão que ele vai fazendo, sobre o que tá contando, a gente tem essa matriz, muito fortemente. (...) Vai contando a história, vai caracterizando, vai refletindo em cima. Quando eu trabalho com os meus alunos na universidade texto dissertativo, assim, deixa eu te dizer como é que é o meu roteiro. Meu roteiro é assim, primeiro texto, apresentação pessoal, me diz quem tu é. Aí a gente discute isso. E eu vou discutir principalmente a questão da unidade temática, porque esse texto vira lista com muita facilidade. E:A unidade temática, me coloca assim, um conceito, uma definição. A2:Tu tem que falar de uma coisa, não adianta tu dizer assim, sou loira, alta, de olhos azuis. E: Que é a tarefa proposta na verdade, né? (...) A2: Não me diz coisas que eu possa (inteligível) e nem me diz coisas que eu não guarde na memória. Tem que enxergar problematicamente e dizer alguma coisa de

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uma característica. Uma aluna minha que escreveu um texto que eu botei no meu manual para exemplificar é uma menina que se chama Semíramis Bastos. Quando eu era pequena, eu morria de inveja das Marias, depois de grande eu achei que esse nome grande poderia ser indício de que eu poderia ser uma grande mulher e ela conduz tudo em torno do nome e conta uma série de coisas da vida dela, um aglomerado até nessa questão do nome. Depois eu trabalho um texto sobre cotidiano. (...) Depois eu peço uma situação que provocou uma emoção forte ou de uma situação que eles aprenderam alguma coisa, né? Depois eu peço assim, descreva uma pessoa, descreva um objeto, que descrevam o processo, que descrevam um tipo de pessoa... (...) Quando eu entro no dissertativo eu peço assim “me escrevam um texto comparando duas coisas". Eles têm que fazer um texto fazendo uma comparação, depois eu peço... Bom, mas aí eu faço assim, de preferência vocês peguem coisas que são tidas como iguais, e me digam que diferença há entre essas coisas iguais, ou então vocês peguem coisas completamente dessemelhantes e me digam que semelhanças têm. Aí eu justifico que isso é a ciência, né? A ciência pega lá os bichinhos que vão ao corpo humano, que causam mal. Aí um cara vai lá e diz, peraí não são iguais, têm os vírus e as bactérias. (...) Depois eu peço assim, eu queria que ãã vocês olhassem o mundo lá fora e identificassem, na realidade social que vocês vivem, alguma coisa que tá lá, que existe, mas que é tão nova que ainda não foi muito bem percebida por ninguém, que não tem um nome ainda e eu quero que vocês me dêem um nome e me digam como é que é essa coisa que ninguém percebeu ainda . Isso é horrível. Isso é horrível, porque é muito difícil de fazer, mas no fundo o que eu quero é um texto que faça uma análise, que enxergue o todo e me digam o que compõe esse todo, ou postulando que o todo existe, né? Não é para descrever uma coisa que existe, não é para descrever uma coisa que não existe. Depois eu peço que eles façam o seguinte: que eles examinem que eles peguem um determinado fenômeno qualquer e que digam ãaa que outros fenômenos são semelhantes a esse tal que esse fenômeno possa ser juntamente com outros e possam ser englobados numa categoria maior. Ou então que eles peguem uma categoria qualquer e espichem essa categoria para englobar alguma outra coisa que ainda não tinha aparecido. E eu tô tentando ver se eles trabalham com a questão da classificação. E por último eu peço que eles façam a definição de uma palavra significativa. Então eu tô lidando com comparação, com análise, com classificação, com definição, e tô propondo um ingresso no texto dissertativo nas vias que eu chamo lá de processo de conhecimento. (...) E: É o que eu tava pensando agora, pra trabalhar com aluno enquanto ensinando redação não precisa de estrutura. A2: Só que lá pelas tantas eu começo a me dar conta, isso já aconteceu mais de uma vez, de eu olhar um texto dissertativo lá no terceiro semestre que já tem uma qualidade, e dizer assim: olha, isso aqui é a tua questão, aqui tá a tua tese, ou talvez fosse bem confortável pro teu leitor se isso que tá escrito aqui tu botasse lá no início, e o meu argumento para não trabalhar estrutura é assim, oh, se tu te fixa na estrutura o aluno é levado por uma questão até de sobrevivência, assim, de necessidade de escrever, de chegar, de começar a escrever e a considerar que o que ele botou no início é o início e de perder a possibilidade de escrever, escrever, escrever até descobrir o que ele sabe falar e de dizer ah, tá aqui, é isso que eu quero. E descartar

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aquilo que ele escreveu até agora e pegar aquilo que estava lá no meio e passar ... entende? É descobrir o início do processo e o início do produto. É tu aproveitar essa característica de, esse processo de descoberta que é o próprio ato de sair escrevendo (...) E: Isso é maravilhoso. Porque aí é que tá. Eu tô falando de redação de vestibular, de ensino de redação de vestibular. Um ano antes, tu vai trabalhando, trabalhando e de repente o aluno te olha e diz: "é isso". Ele descobre. Um mês antes do vestibular, quando ele vem só pra tu dares aquela noção horrorosa, aí é cruel. Aí você tem que dizer, não, tu faz assim... A2: Como a gente também não tem na nossa tradição a idéia do longo prazo, quer dizer, ninguém tem longo prazo, o governo não pensa a longo prazo, o industrial não pensa a longo prazo, o político não pensa, aí tudo é em cima da hora... E: (...) A minha preocupação seria a redação nota dez. A2: Porque não... é porque eu quero uniformizar, porque eu dou um papelzinho pro cara que vai avaliar a redação dizendo como é que ele deve fazer, que esse cara vai corrigir, porque esse cara também é preso dos mesmos terrores que os alunos estão presos, assim, oh, por exemplo, nós tínhamos uma tradição lá na UFRGS, porque esse troço é muito complicado, eu acho que deve acontecer em toda a parte. ÃÃ Como é que tu trata a questão da competência do teu colega, como se trata esse troço, quer dizer, como é que tu encara, por exemplo, a questão corporativa? Quer dizer, é dogma numa escola tu ter compromissos com os teus colegas de acobertar os erros, e as burrices e as incompetências e o mau caráter dos teus colegas, né? Isso é um dogma. Esse corporativismo horroroso (...) Então, na verdade, tu avalia, a questão da avaliação é muito complicado, né? e isso como é que era feita, como é que historicamente se constituiu as nossas bancas de avaliação? Foi uma constituição histórica, primeira vez que fez vestibular, alguém coordenou, chamou fulano, fulano e fulano, por critérios pessoais, e chamou fulano, fulano, fulano e a coisa se montou, né? Foi historicamente, tu tem uma banca montada a partir de indicações feitas por pessoas que participavam assim, assim, assim. E a gente teve uma boa renovação de uns dez anos para cá. Renovação, a gente apostava em alunos recém-formados. Porque se renova, né, ah, esse ano eu não posso, fulano não vai ou sei lá, alguém fez uma bobagem muito grande, então não se chamou porque fez uma bobagem muito grande. (...) A2: O ano passado, eu vi duas alunas do mestrado e disse "essas gurias são espertas". " Ah, são espertas, então traz". E: Existe uma banca representativa... A2: Existe uma banca... Esse ano, a COPERSO resolveu fazer uma prova (...) pra avaliadores e foi um problemão. Muita gente antiga que trabalhava desde o início se ofendeu (...) E: E essa questão de se poder conhecer o texto do aluno... A2: Até 97 não se tinha acesso, um pouco antes. Só que o ano passado agora, em 98, nós resolvemos fazer essa pesquisa. Antes, era impossível, era dogma... E: E o aluno pode entrar com recurso? A2: Pode. E: E nós podemos ter acesso? A2: Sim. Com uma justificativa interessante.

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E: Uma pesquisa? A2: Sim, uma pesquisa. A2: Eu acho que a gente... eu acho que o texto não pode ser uma caixa preta... E: Esse é o primeiro ponto. A2: Tem que encarar... Não tem uniformidade mesmo...Não tem investimento nisso... E: O texto é o texto. A2: A gente fez algumas experiências, tipo, pegar o texto, chamar o cara que corrigiu e pedir para ele corrigir de novo.Ele mesmo dá uma nota diferente. Eu queria, nessa redação aí, uma coisa que eu queria fazer era, essa da Magali (pesquisadora), identificar o corretor, pedir pro cara corrigir de novo e dizer, olha, essa redação tu deu dez e eu quero saber por que tu deu dez. Provavelmente o cara ia dar uma outra nota, então eu queria discutir o critério com..., mas isso ia ser muito complicado tanto para eu conseguir o dado na COPERSO, quanto por causa do tempo, então eu pensei deixa isso aí pra outro. E: Eu acho bem interessante essa coisa de o aluno fazer no vestibular e depois tu caçar ele de novo e ver onde ele anda... A2: Essa nós vamos fazer... E: É? A2: Nós vamos pegar as redações de todos os alunos de Letras, Economia, Jornalismo e, no primeiro dia de aula, vamos dar o tema do vestibular de novo e pedir pra eles fazerem em aula. No fim do terceiro semestre, dá de novo a redação do vestibular de novo e as condições de trabalho do semestre e ele faz de novo e no final dá as três e pergunta pra ele: O que aconteceu contigo? E: (...) A2: Eu só avalio o texto reescrito...

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Entrevista com o avaliador B1

E: Há quanto tempo tu corriges redação? B1: Desde 85. Teve um lapso de tempo, que eu fui para o Doutorado, mas, desde 85 até agora eu tenho participado de todas correções da UFSM e duas edições do vestibular da FAMES. E: E essa equipe é institucionalizada, no caso, com vocês, assim, tem, é a mesma banca, a mesma equipe? B1: Tem uma variação muito grande , em função, evidentemente, nesse período de 85 até 99, são 14 anos, né? Uma mudança no departamento, como é o departamento que se responsabiliza pela correção, quer dizer, vai havendo mudanças no grupo de pessoas. É claro que existem algumas situações, afinidades em relação à velocidade do trabalho. Eu tenho... eu tenho uma leitura muito rápida de correção, porque, como eu trabalho na comunicação com redação, estou habituado a corrigir textos, a ler textos, justamente nessa questão que é a proposição temática e a avaliação do desempenho. (...) Eu tenho uma leitura muito rápida (...)

E: Quanto tempo tu leva para corrigir?

B1: Ah, não sei precisar assim, exatamente, até por nunca ter feito uma cronometragem, (...), não sei dizer, não saberia dizer, até porque existe essa situação de que, dependendo do tema, o desenvolvimento do trabalho é mais rápido, ou mais demorado.

E: Quantas pessoas, assim, formam a equipe? B1: Entre 12 , 14 pessoas. 7 ou 8 duplas. E: Sempre em dupla, então? B1: Sempre em dupla, um corrige e outro revisa. Faz a leitura e se estabelece um diálogo com a avaliação (...) Havendo discordância, uma discrepância de notas, se volta à correção. E: Um conhece a correção do outro, no caso? B1: Há um formulário onde vão se atribuindo notas, há um quadro de notas em que se atribui notas para o desempenho lingüístico ou para a abordagem. E: Então são dois corretores pra cada redação? B1: Certo. São duas leituras. Um corrige, o outro revisa. Outro lê, outro revisa a nota. Se há uma concordância de nota, tudo bem, senão se muda. Como se tem o quadro de atribuição da notas no quadro se pode com facilidade se ver onde pode ter havido uma supervalorização da nota. E: Uma pergunta, assim, oh, a correção é só analítica? Ou vocês têm a holística? B1: A gente faz uma leitura, vamos dizer assim, a gente lê o texto, e daí submete, é claro, no momento que vai lendo, eu e normalmente as pessoas com quem eu trabalho, vai assinalando, no próprio texto, as situações, para erro, para pontuação, e problema de estrutura.(...) Quanto menos marcação, mais ele tende ser um texto bom em relação ao desempenho lingüístico e a estruturação de texto. Então, se não há progressão, se houve redundância. E: Quais são os critérios estabelecidos pela UFSM? B1: ããã Os critérios envolvem tanto a parte do desempenho lingüístico quanto a capacidade expressiva e justamente isso que serve, vamos dizer assim, para se fazer a correção e é submetida em primeiro lugar dessa leitura do conjunto, essa leitura

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global do texto. Se essa leitura do texto condiciona os outros, se houve uma abordagem do tema, uma abordagem satisfatória do tema, já se tem uma atribuição de nota...

E: Primeiro seria adequação do texto ao tema?

B1: A adequação do texto ao tema, a capacidade expressiva, a capacidade de abordar, de produzir pensamentos, refletir esse pensamento através desse processo escrito na divisão do texto em parágrafos, unidades, essas unidades têm uma progressão, tem coesão, né? elementos de coesão, elementos de coerência, que são analisados. O uso, aí então depois o outro conjunto de coisas a ser observado, a adequação com relação à língua, a estruturação sintática, o uso de tempos verbais, a pontuação, a acentuação, mas em primeiro lugar é a abordagem do tema, os elementos que são usados no sentido de dar consistência à argumentação, né? Houve exemplificações ou não houve? A abordagem aproximada, aliás, a proposição né? de reflexão está de acordo com o que está sendo solicitado para que ela se desenvolva, quais os recursos utilizados para essa abordagem?

E: Tu estavas falando em argumentação, tu podia me dar assim, quando vocês analisam, isso é um critério, argumentação, ou não?

B1: Sim, argumentação. Houve argumentação, ou seja, houve apresentação de idéias que escapam do senso comum a respeito do tema proposto, ou a apresentação de argumentos está baseada em apenas frases feitas?

E: E aí teria pra mim um conceito de argumento?

B1: Não há conceito de argumento. Não é a idéia de ver se o texto é argumentativo ou não, nem de classificá-lo desta forma. É se o texto apresenta elementos de argumentação, ou seja, de apresentação de propósitos ou de reflexão a respeito, que representem a tese a respeito do que foi proposto no tema. Vamos dizer assim, a proposta de elaboração da redação condiciona ou induz um pensamento qualquer a respeito dos elementos que têm ali. (...)

Essa tese vai ter algum tipo de sustentação, armar uma estrutura de linguagem com palavras, com expressão, com exemplos que traduzem de alguma forma a idéia de argumentação. Não é o caso de dizer assim: esse texto é argumentativo ou não é. Há elementos de apresentação de uma opinião, de uma posição a respeito do que está sendo pedido.

E: Então o argumento poderia ser independente de estar lá ou não, poderia ser alguma coisa. B1:Sim, eu estou dizendo a minha e a tua, porque eu não tenho uma reflexão embasada em estudos ou qualquer linha de pensamento que possa dizer olha, a minha idéia de argumentação é essa, ou a idéia de ...argumentativa deve ser assim, não, a idéia de argumento é essa e que a pessoa lendo a proposta, o quadro estabelecido no qual deve produzir um pensamento e traduzir isso em forma de texto escrito e a sustentação da tese, daquilo que ele está pensando e o que ele pode apresentar de novidade, mas que vá além daquilo, os elementos estão ali, que há muitas pessoas simplesmente que pegam os elementos e fazem paráfrase em relação ao que está proposto e não apresentam pensamento, uma reflexão sobre o que está dado. E: A sustentação seria através do quê? (...) B1: Desde lugar comum, ou seja, aquilo que todo mundo pensa a respeito do que deve ser determinada coisa, (...), até uma opinião a respeito, uma posição pessoal a respeito, em que a linguagem não se dá em cima de frases feitas, de chavões. O

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clichê e o chavão vão denunciar o senso comum. A elaboração de um pensamento escapa desse modo da frase feita e que traz exemplificações indicam de alguma forma que têm argumentos (...) E: Como é que é essa progressão, como é que ela...? B1:A progressão se propõe a pensar determinada coisa, então ele parte daquilo que está dado, parte daquela situação que está apresentada no quadro que é a proposta do tema,né? com algum tipo de observação pessoal, o quadro é esse e eu penso isso a respeito. Então vem a apresentação de elementos que de alguma forma sustentam o que está sendo afirmado, desdobram isso que ele está dizendo em relação ao que ele pensa e traz exemplificações, traz os prós e os contras, isso que ele está fazendo, isso já é um crescimento em relação à argumentação, ele diz coisas que são favoráveis àquilo que ele pensa das coisas que pode representar alguma crítica e um fechamento, vamos dizer assim, que é a conclusão, parte do que está dado, a sua proposta pessoal, a sustentação do que está sendo dito e o fechamento. A conclusão disso que vem a ser, no caso, a propaganda, alguma coisa que, se ele diz, se ele coloca em algum momento que as coisas estão ruins, ele faz uma proposta para que haja conversão, seria o fechamento que está sendo proposto, ou se ele acha que a propaganda é assim e deve continuar do jeito que é, então dá a sustentação final para essa afirmação de reafirmar ou afirmar o que está dado, o que está posto aí. Para mim seria essa evolução. E: E o texto desejável? B1: Seria aquele que apresentasse recursos de linguagem que denotassem capacidade de reflexão, ou seja, em outras palavras, um texto original. Há originalidade, esse é o desejável. É muito difícil de dizer o que é original. Até pelo universo de pessoas que estão fazendo o vestibular, não têm experiência de mundo e nem de vida para ser original. A originalidade estaria nessa capacidade muito pouco possível em uma pessoa de 16 ou 17 anos de pensar o mundo e dar uma opinião pessoal. (...) Aquele que não reproduzisse o lugar comum. Exemplificação rica. (...) E: Quando tu fala em melhor, isso inclui posicionamento do aluno ou não? Você acha que eles se posicionam mais do que antes... ou não? B1:Não, não! Quando eu falo que é melhor, é que há uma compreensão do que é um texto, e é melhor também em relação à língua que ele note que as pessoas estão, o seu olhar está mais habituado a ler textos de forma que ele não cometa erros de representação escrita, né?, como a falta de letra, colocar dois “ss” em lugar de “ç” e coisa assim, flagrante, ããã ou então, ããã estrutura, bom domínio do padrão frasal da língua portuguesa. E: A estrutura dissertativa? B1:Mais nesse sentido. O texto é mais limpo, nesse sentido, não no sentido aquele que ele se posiciona mais. Acho que também talvez não seja isso exatamente que tenha que pedir para os alunos que eles se posicionem, porque tenho minhas dúvidas, se existe essa possibilidade de ensino dessa, disso, porque eu vejo assim, é um avanço a redação no vestibular, é um avanço só no sentido de provocar o ensino de redação, o ensino não, mas o trato ao menos, o tato com a redação do 2º grau. Mas eu sinto que falta muito ainda para que se trabalha com outras categorias que não aquelas formais da realização do texto, é muito comum a gente achar uma fórmula.

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E: Categorias formais, dissertação, narração e descrição? B1:Não! É! entre outras coisas, isso. Mas isso que é introdução, desenvolvimento e conclusão, se..., quase que silogístico, se é isso, não, é isso, se, nesse caso, apresenta isso, logo, a conclusão é essa. É quase silogístico a apresentação da redação numa fórmula, chega a existir o mesmo tipo de introdução anafórica. Quase como um formulariozinho que eles aprendem para produzir seu texto. E: Pois é, daí é que eu queria te fazer uma pergunta: Quem corrige, existe uma situação "X", queiramos ou não o vestibular é a mesma história do cara lá do jornal que tá escrevendo , tem que escrever pro público "X". B1: Não. Essa é uma diferença crucial, que o cara do jornal escreve para um público e o vestibulando escreve para quem? Esse é, para mim, o problema mais crucial, para quem vai produzir, ou seja, quem é o meu interlocutor? E: Ele não sabe. B1: É uma banca, mas..., e outra. A banca pode se colocar no lugar? Quer dizer, em última análise, quem produz, para quem produz, para quem se dirige o texto da redação do vestibular seria a banca, mas a banca é uma entidade, é impessoal. (...) É uma entidade, eu escrevo uma redação para quem?, quem é meu interlocutor?, então eu posso usar isso, eu vou dizer isso, eu vou aderir a uma tese que tá apresentada. Se a tese apresentada na proposta do tema é contrário ao meu pensamento, eu vou me violentar meu pensamento para não expor a minha tese, isso é um problema, essa é uma redação escolar, a redação do vestibular ela é uma excrecência na produção, porque não ensina ninguém a escrever, porque ninguém escreve para a banca. Compreende? Quer dizer, quem é que anda escrevendo no mundo assim para uma banca? B1: O que se avalia? Se avalia o desempenho lingüístico, baseado, sujeito à capacidade expressiva. Se a capacidade expressiva de alguém é a possibilidade dele fazer a abordagem de um tema através de uma crônica, ele tá muito acima daquele que simplesmente vai se limitar a produzir um texto objetivo em relação ao que foi proposto. E: Pode apresentar um outro texto, um texto que foge do padrão? B1: Mas esse é o problema da redação. Essa é a idéia, parece que essa é a idéia geral das pessoas que olham o vestibular com essa preocupação. A banca tem uma fórmula de correção e que não há nenhuma margem para nada mais. Absolutamente, o que se prevê é a atenção ao tema, desempenho lingüístico, capacidade expressiva. Claro que se a proposta é de uma dissertação e vem lá um poema em forma fixa, evidente que está de fora, mas não vai se dar um zero, desde que a pessoa consiga ter uma abordagem. (...) Tem que criar uma circunstância em que vai tá inserido o texto. (...) O vestibular como instrumento. Como instrumento pedagógico eu não vejo. E: Fuga do tema é comum ou não? B1:Nos últimos anos, não. E: Eles estão lendo mais a proposta? B1 : É, eu acredito que sim. Tem essa capacidade abstrativa hoje maior, porque as propostas também estão mais facilitadas, não que sejam mais fáceis, estão mais facilitadas. Antigamente se propunham coisas muito genéricas ou muito restritas, para

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que se produzisse uma reflexão, ultimamente tem se colocado situações, não temas, porque essa coisa assim de também a gente tem que pensar, o que é que é um tema. Um tema é o conjunto de situações que, quem lê, só vai deprender no final de tudo. Logo, quem vai produzir só vai ter a compreensão geral daquilo produzindo o todo, como que alguém produz um todo? Então, aí se a gente propõe uma coisa que é uma, que se resume numa palavra ou numa expressão ou está aberta demais a possibilidade de querer produzir seu pensamento ou está restrito demais. O texto pode resultar impróprio porque no espaço não cabe a abrangência daquilo que ele imaginou, são só 20/ 25 linhas. Ou é lacônico, a pessoa extremamente restrito aquilo que está propondo e as 25 linhas são demais para dizer, segundo o que ele está pensando. Então, hoje, se tem situações, e uma carta do leitor falando da questão do problema da propaganda política é uma situação. (...) Eu não estou dizendo “fale sobre a propaganda política”. Não, eu estou propondo uma situação. Compõe lá um trecho, uma carta ao leitor, ali reproduzida, ele sabe que é que é isso. (...) Na situação, porque se eu chego e coloco “olha, ããã faça a dissertação sobre a propaganda política” , é um problema. Que isso aí, que é que é propaganda política no conceito geral, propaganda geral, da televisão, do telejornal, que é que é uma propaganda política? Que seria uma propaganda política boa? E: É impossível, no estado que o aluno chega, descer, aterrissar Se criou uma tipologia do texto que é a redação do vestibular. Não é nada no ponto de vista da pragmática, da vida da pessoa, não é nada, porque ninguém vive fazendo... (...) E: E essa coisa também do texto dissertativo, por exemplo, assim, oh, (...), lá no livro tem assim, o texto dissertativo se caracteriza pela defesa de um ponto de vista e aí vai. Mas se tu pegar um texto descritivo e um texto narrativo, eles também têm um ponto de vista. (...)Então, às vezes eu fico pensando, por que o vestibular pede a dissertação? B1: O privilégio da dissertação talvez seja nessa situação que no discurso prosaico, coloquial, na função do dia a dia o que mais vai se ocupava, predominantemente, o dissertativo argumentativo. Não quer dizer que o narrativo também não, o narrativo talvez seja o fundamento da linguagem. (...) E: (...) Se tu vai analisar a linguagem e essa capacidade de organizar as sentenças, pode ser em qualquer texto. B1: Ah, sem dúvida. Eu poderia até contar uma historinha e argumentar da mesma forma. E: E ser uma coisa muito boa? B1:O que se observa é que as pessoas, os vestibulandos se omitem de produzir um pensamento justamente pelo temor que se vá julgar a posição dele. Não, agora, se julga se a proposta é coerente, a coerência nessa proposta que está fazendo, em relação ao que ele se propõe a fazer não entra no mérito se aquilo que ele está dizendo é defensável ou não. No meu ponto de vista, se alguém está falando sobre determinada coisa, lança uma estatística ali, para mim é recurso original. As pessoas, os vestibulandos ficam tentando fazer argumentação em cima da sua própria experiência, que é muito restrita. Agora, se uma pessoa se preocupa em dizer, citar determinada coisa. E: Seriam os dados?

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B1: É, de sustentação. Eu não vou pesquisar se aquele número é verdadeiro ou não. E: Tu vai analisar como um recurso? B1: Exatamente, essa é uma pessoa que sabe que para sustentar ele tem que apresentar dados. Isso que eu vou valorizar. E: Uma coisa que eu também queria te perguntar, a questão da pessoa, né? Quer dizer, primeira pessoa, terceira pessoa. O aluno, primeira pessoa, nem pensar. B1: Esse é um problema dessa última redação. Isso não quer dizer, isso não é um ensaio científico, onde o que é privilegiado é a impessoalidade. Esse é um texto em que ele vai falar da forma como achar melhor. E: Mas eles têm um medo, acho que só se alguém da banca for lá e disser pra eles "não, realmente, vocês podem se incluir no texto". B1: Mas é para ver o absurdo dessa situação criada em cima do vestibular. Se criam mistificações que, de certa forma, vêm compensar determinadas deficiências de trabalho, de levar as pessoas a raciocinar e estruturar esse raciocínio de forma a verbalizar esse raciocínio. Esse é o papel de quem trabalha com redação, é levar essa capacidade, mas aí, então, criam mistificações, não pode primeira pessoa, não pode,... Como não pode? Não pode é usar a concordância errada do verbo. (...) B1: É em função exatamente disso, de um empate, culpa de quem elabora, de quem propõe, por não criar situação discursiva propícia, né? que aquela proposta temática é uma proposta que não estabelece, aliás, circunstância, eu apresento um quadro ali e digo pra que ele fale a respeito daquele quadro. Mas qual é a circunstância discursiva que vai se estabelecer aí? Vai escrever para um amigo dele, para um jornal? (...) E: O ambiente, né, é uma espécie de contextualização. B1:Que a pessoa pode se inserir.(...) Pode escrever um folheto com a campanha que está sendo feita aí na cidade.para isso. Não quer dizer assim que as redações serão brilhantes de modo geral, mas elas pelo menos têm desafogo. As pessoas sabem pra que que tão escrevendo e aí isso pra mim é o mais importante em relação ao vestibular. Se tem alguma coisa importante é isso, o resto entra nesse quadro assim de perversidade que é não tem vaga para todo mundo, tem que fazer um funil. (...) As pessoas começam a trabalhar, então vão trabalhar de outra forma, a redação do vestibular pela própria redação não leva a nada. Se a redação do vestibular não é uma proposição como entidade lá que não se sabe quem é a banca que examina, não vão escrever um texto que é folheto, escrever um texto que é para uma propaganda para determinada coisa, escrever uma carta para um amigo, né? criando essas situações aí as pessoas, quer dizer, tem fundamento no sentido geral da educação. (...) E: (...) Se pensa que a banca é uma coisa horrorosa, que só quer dar zero pro aluno. B1: Não, ao contrário, a banca, no geral, faz esforço para não dar zero. (...) E: Eu queria te perguntar uma última coisa, que é a questão do texto dez.E ele tem um estrutura bem formal, né? B1: É um texto correto, é um texto que tu não pode retirar, vamos dizer assim, a proposta dele é limpa nesse sentido e não tem como usar contra ele os deméritos típicos daquela produção caótica. Então, como ele é um texto que não tem aquele

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elemento originalidade muito restrito, é um texto certinho, a gente chama isso de dez, a nota máxima. A pessoa organiza corretamente, bem estruturado em termos de apresentação de propostas, e não tem erros ortográficos, erros de estruturação sintática. Não é um texto modelar. Até a gente divulga justamente pra mostrar isso, o texto nota dez não é um texto original, naquele sentido de apresentar situações, alusões, apresentar metáforas, figuras de linguagem e recurso de retórica, seleção vocabular. (...)

B1: Tem que ter um parâmetro, um parâmetro único, sob pena de cometer, quer dizer, a injustiça pode existir, mas vamos minimizar as possibilidades de injustiça. Então se estebelece critérios, em função dessa discussão.

E: E a subjetividade da avaliação? B1:Ela existe, impossível que não vá ter elemento de subjetividade. Os critérios estão aí exatamente para minimizar a importância da subjetividade. Ela vai existir, que é segura, que ela não vai interferir no processo de avaliação de modo a prejudicar, o que assegura que é a mesma dupla trabalha com o mesmo curso. Então, a gente sempre trabalha normalmente assim com dez redações. Trabalhamos com dez correções, se trabalha ali vendo o que se espera daquele curso, e aí os componentes de critérios objetivos e as possibilidades de subjetividade vão ficar mais ou menos homogêneas (...) E: Porque até, assim, oh, em relação aos critérios da universidade, qualquer universidade, mas aparece muito assim, oh, aparece no de vocês o dois :"há progressão na apresentação da idéias", então, ainda, pra gente, fica meio privado. B1: A progressão se dá de duas formas. Ou tu vais do particular pro geral, ou do geral para o particular. Então, não é uma progressão no sentido estrito, ele tem que ir do geral para o particular. Sabe? Não é essa, critério único, é assim, na introdução tem que dar uma visão geral e a conclusão tem que chegar a uma situação específica desse relato. Então não é..., a progressão é nesse sentido assim , tem que ter... Basicamente a progressão é essa, tem uma proposta, na primeira, na abertura do texto a pessoa vai ter que fazer uma referência a essa proposta, e qual é a direção que ele vai dar para o processo de reflexão próprio, aí vem a sustentação do que ele diz, a apresentação, exemplificação, a apresentação de dados que sustentem isso que ele está afirmando, e o fechamento a respeito disso, a respeito não mais da referência à proposta, mas a respeito do que ele está dizendo, do que ele afirma lá na introdução, do que ele vai falar, a linha de pensamento que ele vai seguir. A progressão é nesse sentido.

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Entrevista com o avaliador B2

E: A primeira pergunta é "Há quanto tempo tu corriges redação de vestibular?" B2: Desde o vestibular de 1985.

E: E como é essa correção, ela é dividida por cursos? B2: Ela é dividida, bom, a sistemática é por cursos. Você corrige em dupla.(...) São, normalmente de doze a dezesseis professores... sete, oito ou nove duplas, normalmente.Os cursos ou a COPERVES , a pessoa responsável pela redação divide as duplas conforme os cursos. Vai distribuindo assim cursos pesados, que a gente chama, que têm uma concorrência alta, com cursos que não têm uma procura tão grande, né? Uma dupla não fica assim só com cursos pesados, medicina, odonto. Uma divisão feita, por exemplo, eu me lembro que nos últimos anos, com exceção desse que nós pedimos, eu e meu colega tínhamos ficado, por exemplo, com a medicina, um curso considerado pesado. Daí , outros ficam com Odonto, com Direito. A gente considera pesado aqueles que têm mais procura, né? e depois os cursos de Letras, por exemplo. Nós tínhamos ficado com Letras que tinha um número de candidatos bom, considerando que é um curso de licenciatura, que estava três por um. Depois, nós temos cursos aí que vão variando: Física, tínhamos Filosofia, Pedagogia. Então, tem cursos também intermediários, assim como a Fono, a Fisioterapia, Enfermagem. Acho que a gente poderia dizer, assim, que as duplas recebem, né, os cursos pesados, os intermediários e os mais leves, no sentido assim da procura. E: Uma dupla não fica com um curso só? B2: Não, senão fica sobrecarregado. E nós começamos, normalmente, com os cursos mais leves, pra gente sentir como a proposta foi recebida, como foi desenvolvida. Bom, no primeiro dia, a banca que formulou a proposta explica qual era o objetivo, a expectativa, quais são as possibilidades mais certas, no sentido assim de probabilidade, não de corretas, as mais comuns de abordagem, as possíveis abordagens, as mais comuns que iriam aparecer. Como a dupla já tem o envelope de um curso, a gente lê cada uma e depois as duplas, numa grande sala, trocam opiniões. (...) A gente faz um tipo de negociação, do que vai ser aceito, do que não vai ser aceito, tentando evitar o zero, por exemplo, que ultimamente não tem aparecido muito. É a questão também de nós começarmos com os cursos ditos mais leves é que normalmente a gente começa a correção quando todo o processo ainda não está acabado, o processo de contagem. É que nós não nos envolvemos com esse aspecto, a gente sabe que a COPERVES ainda está selecionando alguns cursos. Alguns cursos só são fechados depois. E: Por isso que vocês começam com os mais leves? B2:Sim. (...) B2: A gente considera o candidato, quem produziu, pra correção também. E o fato deles conhecerem a escrita, na Comunicação, por exemplo, a familiaridade, faz com que os textos sejam melhores. E: Mais exigidos ou não? B2: Não, não sei... Você tem uma expectativa, né? quando a gente pega um texto da comunicação que nós vamos encontrar bons textos. Então, você tem a ficha, nós nos atemos a ela, mas você tem também essa expectativa. Assim como às vezes a gente tem a expectativa que na medicina, que normalmente o texto dez, é escolhido, sai da

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medicina; que a medicina teria redações muito boas e às vezes isso não se confirma. Só que daí vem a questão da ficha. A ficha é um modo de garantir uma avaliação consensual em relação à expectativa. Só que assim, tem o sete da medicina e tem uma variação, não digo uma grande variação, e o sete em outro curso. E: Uma espécie assim de subjetividade? B2: Eu não sei se é subjetividade, eu acho que é, a gente, agora eu falo pela minha dupla, porque tem outros professores que têm ponto de vista diferente, e se você considerasse a escrita dentro do que hoje a gente tenta aproximar assim que elas realmente seja uma situação de interação verbal, você não pode desconsiderar quem está produzindo quais as dificuldades que ele tem em lidar com a escrita, exemplo, um aluno de agronomia. Ele vai para produzir um bom texto, certamente ele tem que superar maiores dificuldades do que alguém da medicina, não que ele tenha melhores ou piores condições. O da medicina, até pela concorrência, ele se prepara melhor. Isso é uma questão de familiaridade com a escrita. (...) É uma questão de ele estar exposto à escrita mais tempo. Ele, por si só, procura. Um aluno da agronomia dificilmente faz ao longo do ano um cursinho de redação ou redação com professor particular. E: Ele vem com aquilo que ele tem do segundo grau. B2: E isso, quando você corrige, você tem que contextualizar o produtor. Nós temos a ficha justamene para não ficar dependente de aspectos subjetivos, mas quando você olha a produção de textos, assim, tentando percebê- la como interação, esse aspecto entra, né? E: Quanto tempo vocês levam para corrigir uma redação, em média? B2: Não sei, porque eu e o meu colega fazemos uma leitura, assim, na primeira, holística. Uma primeira leitura de contato com o texto e uma segunda leitura depois, para ir marcando, para ir aplicando a ficha. Só que com o tempo, assim, essa ficha já está internalizada e você já tem um perfil do texto que você espera. Isso já facilita a correção, embora eu e meu colega sejamos a dupla mais lenta, mais vagarosa. Eu tenho uma dificuldade de lidar com números. Mas eu acredito que entre a leitura do primeiro e segundo texto, não mais do que cinco minutos. E: E aí um lê e outro revisa, ou um corrige o outro ou os dois corrigem? B2: Não, nós fazemos assim: a gente tem um pacote de quarenta, nós dividimos, assim, que fique vinte para cada um. Cada um faz sua leitura, marca a ficha. Depois de corrigido o pacote, nós trocamos, eu faço a leitura do texto. Nós evitamos de marcar para não induzir a leitura, eu coloco a nota num papel branco. Quando tu termina a correção, a revisão que seria, né? tu já tem uma nota na tua mente. Ah, esse texto é de 5 e pouco como eu corrigi e tu olha assim se normalmente é coincidente, não é? Tu daria 5,2 e tem 5,0, né? então isso não atrapalha. (...) Quando há assim, que ocorre de ter um ponto de diferença, ou até 0,5, dá 6,0, dá 6,5, a gente discute, daí, quem corrigiu defende seu ponto de vista e quem revisou também. A gente tenta chegar a um consenso. Isso ocorre não com muita freqüência, de quarenta, às vezes, dez. E:Dá disparidade? B2: Dá disparidade, e com o tempo, assim, eu tenho trabalhado com a mesma pessoa e, com isso, a gente cria uma afinidade muito grande. O fato de não variar o parceiro de correção cria uma afinidade muito grande, o que funciona como um critério de justeza da nota, porque a dupla corrige o texto sempre o mesmo curso. Se é uma dupla muito exigente ou menos exigente, não é prejudicado o curso, né? Os candidatos são tratados de igual maneira e quando também a gente tem essa afinidade a gente acaba ããã coincidindo quase as notas e as disparidades não são muitas, elas ocorrem às vezes.

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E: E essas duplas são formadas por professores da universidade? B2: Ultimamente são os professores da universidade. (...) Nos últimos vestibulares têm sido só do departamento de Literatura e Português. (...) E: Eu queria conversar contigo sobre a argumentação. Onde é que entra? Nós temos os critérios, em termos de conteúdo e estrutura, que é a primeira parte, e depois a expressão lingüística. Que medida ela pesa? B2: Bom, ele é básico, porque todas as propostas de redação trabalham com texto de base argumentativa. Então, o teor argumentativo é imprescindível no texto E: Dá para dizer que é o diferenciador do texto? B2: É, sim. Ele é um pré- requisito para o texto ter um bom desempenho. Nos critérios ali, a questão da tese ela vem associada à questão de defender um ponto de vista, né? O que a gente procura, ao longo do texto, é se há uma manifestação explícita ou mesmo implícita do ponto de vista claro. Que tenha clareza de saber o que ele está defendendo, e tem a questão dos argumentos, de fundamentar. São duas exigências básicas. Até a tese exposta com clareza e ter essa tese fundamentada através de argumentos ou explorando relações lógicas, causa, conseqüência, condição, hipótese, ou então trazendo exemplos ou até depoimentos pessoais, mostrando que ele tem esse domínio de que ele deve provar sua tese, fundamentando com argumentos, né, as evidências do que ele está declarando. Isso, assim, é aquela primeira parte, porque é a primeira leitura do texto, é feita tentando detectar tese e os argumentos, posição. O lingüístico, na realidade, tem sido agora, porque em geral os alunos têm trabalhado a questão da argumentação. Ela aparece, são poucos os textos que não têm, assim, um posicionamento definido. Há problemas na argumentação; os argumentos, às vezes, não são pertinentes ou são insuficientes. E também o que seria o diferencial seria aquela questão da argumentação, e o desempenho lingüístico. Então ele fica num segundo momento, que seria para diferenciar os textos e a questão básica, ter a tese, o posicionamento, argumentar e ter um bom desempenho lingüístico, organizar o texto em torno da argumentação e ater- se à proposta feita. Por isso que eu digo que a argumentação, nesse sentido, é requisito, que a proposta é sempre a produção de um texto argumentativo e que vai variar certamente. O aluno deve ter uma orientação, ou da escola ou do cursinho, no sentido de ter um posicionamento, ter uma tese, e o que vai trazer a qualidade do texto é a questão da argumentação, nos tipos de argumentos até a existência ou não da consistência e o desempenho lingüístico. E: Então tem uma estruturação de argumentos? Os alunos estruturam os argumentos. Nos bons textos, por exemplo, eles conseguem estruturar? B2: Conseguem. Num bom texto, você nota que o candidato, em uma hora, percebe o texto como resultado de estratégias que ele escolhe. Ele traz exemplos, ele traz citações, ele traz uma relação, ele traz comparações. O que é mais comum é analisar causas e conseqüências. Se a gente vai fazer um levantamento geral num período de cinco anos, a estratégia básica de argumentação é explorar a relação causa/ conseqüência. Acho que é reflexo da escola, a escola trabalha esse modelo ou do cursinho. E: A gente observa, talvez por isso que eu digo que seja reflexo, geralmente eles chegam no cursinho, mais ou menos assim, porque eles sempre tentam colocar tudo em causa e conseqüência. E é por isso que eu sou contra o modelo. B2: Isso que é a diferença de um bom texto. Bom texto é aquele que rompe isso. Trabalha argumentos, uma relação nova, assim, não essa esperada, talvez trabalha a

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seleção lexical e o que está presente também com a questão do texto que sobressai o eixo que mostra um comprometimento, um domínio do próprio léxico, que a pobreza do vocabulário restrito é um dos problemas que a gente encontra nos textos, então, teria, assim, a pobreza de argumentos e também a pobreza do léxico. E:Talvez a pobreza de argumento, não sei, assim pelo que eu tenho observado quando começo um trabalho, é porque falta um ponto de vista também para ele, ele meio que se perde naquela tentativa. B2:O ponto de vista tem muito a ver com, normalmente, as orientações que os livros didáticos davam e ao próprio professor, aquela velha estrutura, ponto positivo, ponto negativo e a conclusão naturalmente não, então ele tem, eu noto que essa estrutura, a maioria tem, a mais eu falei só de um aspecto, tem que falar do outro, e não concluo com nada, mas já noto que a escola já aponta pra questão de que tenha que se posicionar. E: Eu acho um pouco pela questão da tese, porque lendo os critérios, e aí que está, eu penso o seguinte, que a gente trabalha a redação baseada no livro didático, e eu acho que mais assim recentemente a partir dos critérios de correção. Neles, aparece a questão da tese. (...) B2: É que se tu trabalha só com aspectos positivos ou negativos tu não tem uma tese, porque a banca, aqui eu falo só por minha responsabilidade e do meu colega. A gente tenta sempre ser cooperativo, ser leitor cooperativo. Então, muitas vezes, nem que a tese não esteja claramente exposta, mas pela seleção dos argumentos você vai percebendo que há um posicionamento, vamos assim dizer, na clareza ou na exposição, mas tu pode ver assim, um germe de posicionamento na própria hierarquização. Às vezes, nos argumentos é o que ele traz como principal, ou deixa pro final, sendo assim, colaborador de um leitor. Agora, uma outra dupla pode ter um pensamento já correto também de que se le não deixou claro, tu não tem obrigação de ser tão cooperativo, assim, por isso, eu faço essa ressalva. E: Sempre vai ter um pouco de subjetividade, né? B2: Não tem como. E: Então um texto desejável para a banca seria isso? B2: É, que tenha um posicionamento claro e que tenha defesa desse posicionamento, que são os argumentos numa expressão lingüística correta, adequada a um uso pertinente do vocabulário da estrutura E: Tu me falaste também em hierarquização dos argumentos. Como seria essa hierarquização? B2: Você tem, na defesa de uma idéia, numa tese você tem argumentos que são muitas vezes de apoio, secundários. Não seriam tão relevantes para aquela situação, e o domínio da argumentação passa para que, o que seria mais relevante, o que seria um argumento mais adequado para aquela tese e um argumento que pode servir para aquela tese. A hierarquização passa também pelo domínio das marcas lingüísticas de destacar a subordinação, por exemplo, se presta para o texto dissertativo ela acaba mostrando o ponto de vista, selecionando o modo de você organizar os argumentos e colocar a conjunção. Não é só relação lógica que tem ali, daí vem o uso argumentativo dos operadores, o porém, o embora, que servem de sinalização, muitas vezes, em primeiro lugar, em segundo lugar. E: E a progressão temática, ela estaria relacionada mais a que especificamente? B2:Isso para evitar a circularidade de repetir, repetir, repetir. A progressão temática vai estar ligada diretamente na defesa da tese na argumentação, na variedade dos argumentos, as idéias vão progredindo, você traz porque o argumento é colocar uma

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luz sobre algum aspecto da tese, então você trazendo argumentos que vão estar relacionados à tese, tanto que serve de suporte de defesa, mas vão trazendo novos aspectos, tem a ver com a paragrafação também, é uma questão de estrutura, você vai dividindo o texto em parágrafos, provavelmente à medida que você vai trazendo novos aspectos. e juntando agora as idéias com conteúdos normalmente assim o ideal, a expectativa é que a tese seja um parágrafo de introdução e depois ela é retomada pelos argumentos. Ela é explicitada, é desenvolvida e esses argumentos são divididos pela progressão temática em parágrafos, depois chega a conclusão, e que é um todo. (...) E: Por exemplo, se se trabalhava com a influência da tevê sobre as crianças, a influência negativa da tevê sobre as crianças, por exemplo, há toda uma delimitação. Então ele tem que começar o texto neste momento. B2: É uma questão de no próprio parágrafo de introdução já apresentar, que é um dos critérios, se há indicação da delimitação do tema. A tese não é obrigatória estar no parágrafo de introdução, ela está numa ordem mais lógica, mais canônica, porque ela pode estar ao longo de todo o texto. (...) Por uma questão de economia ele já deveria começar no primeiro parágrafo. (...) E: Então o parágrafo da introdução apresenta o tema proposto com eficiência seria o tema delimitado? B2: Apresentar, fazer uma referência ao tema, à delimitação, aqui eu não posso dizer que também é tese, porque não é obrigatório, mas você situar o leitor no tema e na delimitação que vai ser dado, essa é a função do parágrafo de introdução e o primeiro contato junto com o título que a banca tem, ele teria um certo compromisso com a originalidade, como a eficiência também a que o modo interessante de abordar o tema porque num texto argumentativo o desenvolvimento é aquela parte mais racional, a apresentação dos argumentos não tem uma criatividade, a criatividade vai estar no título, provavelmente,o parágrafo de abertura e na conclusão, porque o modelo do texto dissertativo argumentativo aponta para o desenvolvimento com a argumentação, o momento mais assim, aquela concretização do argumento. E: E se poderia iniciar o texto dele a partir de um fato? B2:Pode, pode ficar interessante, e depois, com uma pequena narração e depois fazer uma análise do que está aplicado ali. E: E a coerência estaria ligada? B2: A coerência é em relação se a proposta está adequada, se não houve fuga do tema, a coerência da própria tese com seus argumentos. A coerência também se manifesta pela progressão, se não há circularidade, pela não contradição, às vezes, ocorre caso de contradição. Da relação adequada entre as idéias, basicamente. (...) (...) B2: O 10 não é um texto maravilhoso. Considerando até o momento, né?, o vestibular, o nervosismo, o tempo que ele tem. E: O corpus do meu trabalho são redações nota dez. (...) B2: Porque o 10, a gente notou uma questão muito pertinente aqui que é a questão da originalidade, onde colocar a originalidade, se seria o momento de cobrar a

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originalidade e tal, porque a originalidade não entra, embora ela acabe sendo, por exemplo, o que diferencia um nove do dez. É a propriedade de vocabulário e um título criativo, é um início do texto criativo, é uma conclusão instigante. Ela acaba se manifestando como um critério, só que assim, um texto dez não termina assim. Parece incoerente, mas em princípio não tem obrigação de ser original, todo texto original (não posso afirmar todo texto original porque aí pode ter problema de ordem. O texto original tem boas chances de ser um bom texto, mas o dez não precisa ser um texto original, tanto que, quando a gente, às vezes seleciona um dez e depois seleciona por esses textos, tem muitos dez que ficam de lado, mas não foi injusto, foi um texto que todos os requisitos da ficha foram cumpridos. Ele é um texto argumentativo, tem clareza na tese, tem argumentos, está bem fundamentado, tem bom desempenho lingüístico, não tem problemas, mostra assim que o aluno tem segurança de produzir um texto, então ele é dez, ele não tem nenhuma obrigatoriedade de ser original. É que a originalidade também é valorizada de um certo modo. E: E pode acontecer de um 10 ser original também, mas não obrigatoriamente? B2:Ser original também, mas não obrigatoriamente, porque é pedir muito pro candidato. Assim, em uma hora, agora, tem textos, assim, muito,..eu me lembro do ano passado, um texto que era uma letrinha pequeninha, assim, se notava que era pouco espaço, a pessoa gostava de escrever e também dava para perceber que era um leitor assíduo, assim, e provavelmente com mais de 30 anos, que ele dominava as expressões em latim, que ele colocou assim, uso criativo de uma expressão em latim, que mostrava que não era uma expressão corriqueira, tinha um bom domínio e era um percurso assim, reflexivo, muito bom, se notava, e impressionante, assim, em uma hora, como é que consegue fazer um texto assim. (...) Ele viu o título e as idéias afloraram. E: Aí tem a ver com o tema também, essa é a questão? B2:O tema é uma coisa que a gente cuida. Ah! Não é um tema original, mas a gente pode trabalhar com tema original, tem que ser que todo, que a maioria ou grande parte tenha algo para escrever, por isso que a UFRGS trabalha com aquela questão do depoimento pessoal, daí não tem como você fugir do tema. (...) E: É importante tirar esse medo deles (em relação à banca). B2: Coincidentemente, a aula que estava trabalhando agora eram fragmentos de redações do vestibular do Tiririca e tinha uma parte assim de uma construção que mostrava bem claro que era um texto construído para uma banca e a idéia, assim, de que tinha que ser um texto grandioso, com imagens, infelizmente recorrendo a lugar comum, mas tentando criar uma imagem assim, emocional, com metáforas grandiosas que certamente não é o discurso do aluno, mostrou que ele tinha uma determinada imagem da banca. E: Aí entra a questão da pessoa do discurso, eles também têm medo, mas eu posso colocar a primeira pessoa, é a melhor pessoa. B2:É a indeterminação, e “nós” e “eu” daí , às vezes, tem a questão assim, o aluno começa com, é uma falta de domínio na questão de tratamento, ele começa com a terceira pessoa e lá no meio clareia a opinião dele e ele coloca a primeira pessoa. Mas fica incoerente. (...) Mas é uma questão que mostra que ele estava tentando aprisionar o "EU".

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Entrevista com o avaliador AVALIADOR C1

E: Então, quanto tempo corriges redações, mais ou menos desde 1997? C1: É, corrigi redação durante uns 20 anos, em várias instituições. E:Por que tu corriges redação? Como é que tu vê esse trabalho de redação? C1:É que foi assim, quando eu estava na faculdade, eu comecei, no segundo semestre, eu tive Semântica; no terceiro semestre eu comecei a trabalhar como monitor na área de Semântica; no quarto ano da faculdade eu comecei a trabalhar como pesquisador no Centro de Pesquisas da PUC, e quando eu saí, em 1973, eu já comecei a dar aula na PUC. Eu já trabalhava como monitor e comecei a dar aulas. Eu comecei a dar aulas na PUC de redação e leitura para os alunos do curso de Letras, então, eu já entrei no Mestrado e a partir daí, eu comecei a carrear minha pesquisa de Mestrado para o ensino de redação e leitura. Então, aí em 76 a redação entrou no vestibular, né? e o primeiro ano que na PUC teve redação no vestibular em 1976, aí, como eu era professor de redação da casa, eu fui convidado para fazer parte da banca. E: Como é que é corrigir redações e avaliar redações, por exemplo, avaliar redações no concurso vestibular e corrigir no curso regular? C1:Bom, você tem, na verdade, objetivos bem diferentes, porque o objetivo da redação no vestibular é um objetivo seletivo, que faz uma seleção, que o objetivo do vestibular é fazer uma classificação, então você vai selecionar um certo número de alunos candidatos ao vestibular. Aí você, frente a essa seleção que você faz, você faz uma classificação, então, é bem menos corrigir com o intuito de selecionar e classificar, porque nenhum contato pessoal você tem com o candidato. Para você poder fazer uma devolutiva para ele da correção que você faz, agora, quando você corrige a redação ou até quando você corrige a redação no curso regular, a sua correção não é nem para selecionar, nem classificar o aluno. E eu particularmente acredito que não é nem para aprovar ou reprovar o aluno, mas é para orientar o aluno quanto à produção do texto, embora tenha muito mais a função de orientar. Eu oriento o aluno assim, eu digo “você tem potencial, você tem essas dificuldades, então vamos fazer isso daqui para melhorar isso, vamos atacar esses problemas que você tem para conseguir superá- los.” Inclusive, quando eu curso de redação na graduação, seja no curso de Letras, seja em qualquer outro, eu não coloco nota na redação deles, nem nota, nem conceito, nem nada. Eu simplesmente faço um encaminhamento para eles, eu escrevo para eles , está certo. A leitura que eu fiz no texto dele, como eu fiz aquela leitura, quais foram os pontos positivos, quais os pontos fracos, e aí eu tenho uma folha que eu vou fazendo anotações, como o aluno foi no desenvolvimento dentro dessa disciplina com todas as atividades de redação, porque praticamente eu acabo dando uma atividade a cada quinze dias. Então, durante o semestre eu tenho várias produções do aluno, então eu vou percebendo qual é o desenvolvimento dele. E por esse desenvolvimento é que ele é aprovado, mas não que ele tenha uma nota. E: Então seriam objetivos diferentes? C1: Muito diferentes, porque um é de orientar, esse do curso ... é de uma correção que eu faço é para orientar o aluno, na sua produção pessoal para que ele possa se desenvolver, possa crescer, para que ele possa apresentar um resultado cada vez melhor, sempre numa curva ascendente. Agora, quando é vestibular, vestibular é única e exclusivamente, é uma nota, para que você possa selecionar e classificar esse selecionado. E: Não há interferência de um no outro?

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C1: Não há, não há interferência, porque o vestibular, a tua correção é muito impessoal, você não tem o aluno, você não conhece o aluno, você não sabe quem é o aluno. Agora, quando você está no curso regular, você conhece o aluno, você tem uma convivência semanal com o aluno, então você vai tendo esse envolvimento, e vai tendo uma identificação pessoal com o aluno que está produzindo. No vestibular não, não existe pessoa, existe o texto. E: Em cima disso aí vou fazer uma pergunta. Que tu acha então dessa coisa, desse ato então de o aluno escrever, que da mesma forma que tu corrige uma redação e é impessoal como é que tu vê ele no vestibular escrevendo para uma banca que não conhece? C1:Mas ele não está escrevendo para uma banca, não é uma carta ou um texto que tenha destinatário. O objetivo da redação do vestibular é o aluno demonstrar a sua capacidade de expressão e a sua capacidade, o seu amadurecimento. Então, é assim “qual é a capacidade que eu tenho de expressar a respeito de um determinado assunto e mais, me expressar a respeito desse assunto, não de uma maneira inocente, infantil, mas de uma forma madura, de uma forma correta, de uma forma segura, e isso que se avalia quando se vai avaliar uma redação. Então, não importa se o aluno saiba ou não quem é a banca”. Ele tem que ter consciência que tem que se expressar de uma forma clara, com segurança e com maturidade, e é por isso que se seleciona, porque não é para orientar o aluno, por isso que a redação, e isso tem que ficar claro pro vestibulando, que a redação dele com a banca é uma relação impessoal, a relação dele tem que ser com o texto dele, e a relação da correção da banca não é a correção do aluno, não é a avaliação do aluno, é a avaliação do texto. E: Então não se ensina o aluno a escrever para o concurso vestibular? C1:Não se deve nunca. Você deve ensinar o aluno a escrever para que ele possa ter um bom desempenho, aí nós vamos dizer assim, ensina- se a língua portuguesa na escola, porque eu não ensino a língua portuguesa pra brasileiro, porque brasileiro é falante nativo, desde um ano , dois anos de idade eles falam a língua portuguesa, e falam muito bem. Então, o que acontece, eu ensino língua portuguesa para... O que que eu estou ensinando, o que que estou fazendo na minha aula de língua portuguesa? Eu estou desenvolvendo a competência que ele tem a potencialidade que ele tem, para que um bom desempenho lingüístico, um bom desempenho comunicativo, discursivo e todas as situações inseridas. Então, quando eu ensino o aluno a escrever mesmo no vestibular, pra mim, não é pra mim, eu sou um leitor crítico, mas eu tenho de sã consciência, como professor, que eu tenho que ensinar meu aluno a escrever para a vida, por ele, para todos os tipos de situações que ele tiver e dos papéis que ele tiver desempenhando nessas situações. Então, ele tem que saber escrever desde um bilhetinho de amor, bem informal, até um documento. E: Essa questão da audiência. Por exemplo, como é que funciona, então, essa questão. O aluno tem que escrever um bilhete de amor, pra namorada, pra amiga, ou pra mãe, também seria objetivo, e no vestibular? C1:Não, mas mesmo em sala de aula a situação é simulada. E: Quer dizer que tem que ter uma noção dessa simulação para que ele consiga escrever o texto dele, imaginar. C1:Mas é simples, nunca é do mesmo jeito, agora, aqui não, nesse momento que estamos conversando aqui eu tenho... Se você fala e muda sua expressão, eu já estou entendendo. Agora, quando eu vou escrever um bilhetinho de amor pra alguns eu não sei como... Então eu vou precisar, pegar esse bilhetinho, escrever, reescrever, etc, etc, até que ele tente o formato daquilo que eu pretendia, então esse processo da reescritura ele é muito importante, e se você reescreve, você faz ajustes, faz isso e

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aquilo, e porque você está projetando. (...) a situação de escrita é sempre uma situação de simulação, de uma simulação imperativa, certo? Porque eu não sei se interação vai se dar ou não porque aquilo que eu estou escrevendo, certo? Porque você pode perceber muitas coisas que nós escrevemos, ou até que nós falamos, sem uma determinada intenção, o outro lê com outra intenção completamente diferente, e, às vezes, dá até briga. Mas o porquê, por que você não mencionou adequadamente, qual seria o tipo de aceitabilidade? (...) O que se tem é assim, quando você pega o momento da produção de texto, jamais o autor dialoga com o leitor, esse diálogo jamais existe. O autor dialoga com o sujeito enunciatário; seu enunciatário, portanto, virtual, ele dialoga com sujeito virtual que é ele mesmo cindido no tu. Agora, como você vai escrever uma dissertação de mestrado, vai ter uma banca para te avaliar? Você sabe quem é a banca? Você vai ter um enunciatário virtual, vai ter determinada banca que vai avaliar você em seu trabalho. (...) Então, sempre a situação é simulada. (...) Ensinar o aluno a redigir é, antes de tudo, ensiná- lo a rasurar o seu texto para adequá- lo a uma determinada aceitabilidade previsível do leitor. Porque eu sei qual é a intenção que eu tô tendo quando eu vou escrever. (...) E: Quantas pessoas trabalhavam na equipe? C1: Olha, trabalhavam mais ou menos umas 20 pessoas. E: Quantos textos vocês corrigiam? C1: Uma média entre dez a quinze dias, porque aí flutua um pouco, não tem como precisar ... Mas uma média de mil redações cada um, que daria mais ou menos umas vinte mil redações, certo? Então, nós trabalhávamos de dez a quinze dias mais ou menos com isso. E: E quantas pessoas corrigem a mesma redação? C1: Duas. E: Que tipo de avaliação cada um faz ? C1: A mesma avaliação. E: Analítica? C1: Nós fazíamos uma avaliação bem analítica, não era uma avaliação holística, assim, ler e dar uma nota, certo? E:Só analítica, então?

C1: Só analítica, nós fazíamos, eram estabelecidos os critérios, está certo? Tipo de coisa assim, eu não vou lembrar agora, mas uma coisa assim, é a adequação texto/ tema, certo? Porque o tema era proposto, adequação do texto ao tema, depois, assim, a articulação coerente entre idéias e entre o texto está certo?. A correção gramatical, a argumentatividade, a criticidade, a criatividade, está certo? Então, eram determinados critérios que eram adotados e que aí tinha: o primeiro tinha uma fichinha, está certo? E tinha uma fichinha do segundo, aí o primeiro corrigia, o segundo e aí então era feita uma média. E: E o texto dissertativo? C1: É, de preferência o texto dissertativo. E: Por que o texto dissertativo? C1: Porque o texto dissertativo é um texto que a escola consagra, como sendo o texto em que o aluno consegue apresentar um posicionamento mais claro.

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E: A escola?

C1: A escola tradicional, não estou querendo dizer com isso que no texto narrativo também não haja um posicionamento do indivíduo, certo? Que no texto descritivo não tenha um posicionamento. Porque você, veja asssim, se você pega o Machado de Assis, “Dom Casmurro”, está certo? O que é Dom Casmurro? O Dom Casmurro não é outra coisa se não uma parábola do olhar, é uma parábola do ponto de vista, é isso. O Machado de Assis pega ali é uma parábola de um ponto de vista, o que ele disserta é o ponto de vista, certo? Isso fica muito evidente no momento do velório do Escobar, quando o Bentinho olha como a viúva e a ... olha pro defunto, e como a Capitu olha pro defunto, certo? E é todo esse jogo de olhares, então, nós podemos dizer assim, que Dom Casmurro é uma parábola do ponto de vista, e uma parábola desse olhar. É claro, nessa parábola do olhar que estabelece um determinado ponto de vista, nessa concepção de Dom Casmurro a Capitu poderia ser ... não poderia ser outra coisa, a Capitu não é boca, a Capitu não é, sei lá ... seios, ela é olhos, porque, porque o que está importando ali, o que está interessando ali é o olhar, o ponto de vista que é estabelecido por cada um, está certo? E é isso que o Machado de Assis trabalha ali, então você veja que aí ele tem um posicionamento, e um posicionamento crítico ... que é bem a característica do realismo, certo? Agora veja você que, na própria descrição da história da Capitu, aparece o ponto de vista, aparece o posicionamento dele, mas a escola não analisa assim, certo? Então o que a escola tradicional normalmente faz é dizer que esse posicionamento só aparece dentro do texto dissertativo por meio dos recursos argumentativos que o aluno usa e desconsidera, a escola tradicional, não estou dizendo agora vestibular, a escola tradicional considera que só a argumentatividade no texto dissertativo, mas a argumentação não é do texto, a argumentatividade é uma característica da própria linguagem, e se ela é da linguagem, ela está presente em qualquer tipo de texto. E:Então, tu estarias me dizendo que a escola determina o tipo de texto pedido no vestibular? Não é o contrário? C1: Porque o tipo, quando surgiu o vestibular, a partir da década de setenta, quando a redação foi incluída no vestibular, a partir da década de setenta, veio já o privilégio pelo texto dissertativo em função do que a escola tradicional determinava como sendo um texto em que esse posicionamento do aluno ficaria mais claro e por meio desse posicionamento poderia der avaliado o grau de maturidade do aluno, porque um dos critérios para essa maturidade era assim, o aluno, para ser universitário, ele não precisa ter só conhecimento, ele precisa ter maturidade. E: E ele expressaria essa maturidade com seu ponto de vista? C1:Com seu ponto de vista, com seu posicionamento, e o texto que ele deixaria esse posicionamento mais claro para a banca poder avaliar essa maturidade do vestibulando seria o texto dissertativo E: Então nós estávamos também falando dos critérios estabelecidos pela banca, então vamos já pegar o texto dissertativo, tá? Então os critérios que geralmente estão nessa avaliação é a questão da estrutura, né? Da coesão também? C1: Dele saber fazer a adequação do texto que ele tá desenvolvendo com aquela determinada proposta que é feita pelo examinador. (...) Se ele sabe ler adequadamente as instruções, ele já começa a ser selecionado por aí. (...) Adequação do texto ao tema, então isso já é um critério. E: A estrutura também? C1: Aí vem a estrutura também. E: Se ela não pertence ao texto que foi solicitado,...

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C1: Isso é uma questão de gênero, que foge do gênero. Se é pedido um texto dissertativo e ele faz um texto narrativo, tá certo? ele não correspondeu àquele determinado tipo de gênero. Estou falando de gênero, tipo de texto tradicional, como uma escola tradicional trata, está certo? E: Então seria essa estrutura, e depois nós temos essa questão da coesão, da coerência. C1:Da coesão, da coerência, que a coesão é vista – geralmente não aparece a coerência com esse nome nos critérios, mas normalmente aparece assim, articulação lógica, entre as idéias, articulação clara entre as idéias, geralmente eles põem assim, tá certo? Não se tem um trabalho claro com a coerência, e da mesma maneira como a coesão também não aparece com o nome de coesão, tá certo? Mas a coesão aparece assim, as articulações e as conexões entre frases, entre parágrafos, você entende, aparece alguma coisa mais ou menos assim. E: Aí nós estamos na questão da argumentação, qual é o conceito de argumento que perpassa na banca, por exemplo? C1: O tipo de argumento que perpassa na banca é assim, aquilo que dá fundamento, aquilo que dá sustentação, aquilo que alicerça, certo? esse posicionamento que o aluno demonstra. E: E há uma estruturação desses argumentos? C1: Não, não, esses argumentos podem ser da ... até um fato narrativo que ela acabou colocando, até dados estatísticos. E: Desde que defenda seu posicionamento? C1: Desde que defenda seu posicionamento. Pode ser um fato narrativo, pode ser uma experiência pessoal, pode ser dados estatísticos, está certo? Pode ser um fato histórico. O que é importante é assim, que ele se posicionou. Esse tipo de sustentação que ele está dando para esse posicionamento, isso é adequado para esse posicionamento. E: Fundamenta? C1: Isso fundamenta esse posicionamento, então esse é o argumento, o argumento é aquilo que dá fundamentação. E: Esse seria o conceito da banca? C1: Nós sempre trabalhamos assim, esse é o argumento. Agora, é claro que há, nós consideramos também, além do critério da argumentatividade, o critério da criatividade, tá certo? E: A originalidade? C1:É, porque há alguns alunos que eles chegam a fazer até, eles constroem, vamos dizer assim, metaforicamente o argumento e muito bem. E: E aí entra outra questão, a subjetividade e a objetividade na correção. C1:É! Não é claro, por isso que nós colocamos um item que é assim, criatividade, certo? Aí nós destacamos, certo? Esta questão da interação do leitor com o texto, isso pode ser considerado, que é esse o ponto da subjetividade, quer dizer, isso pode ser considerado, de repente, um determinado tipo de argumento que ele não monta pra mim, certo? Pode ser um argumento muito limpo que eu considero. E: Aí entraria a questão da subjetividade tua enquanto corretor. C1: Enquanto corretor, claro. Quer dizer assim, como eu, enquanto corretor agora, certo? Que nota eu daria para esse texto, independente desses critérios todos

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estabelecidos pela banca, mas enquanto eu leitor do texto, como eu entro nesse texto, como eu avalio esse texto. E: (...) Algumas universidades têm a correção holística, né? C1: Isso, têm. Lê e dá uma nota. (...) E: (...) Tem uma questão que eu vou ter que discutir que é a questão da linguagem. Então, tipos de textos dissertativos, tu consegue fazer aquela separação entre subjetivo, objetivo? C1: Quem faz essa distinção muito bem é o Hildebrando André. Ele faz uma divisão bem clara sobre o que é dissertação objetiva e o que é dissertação subjetiva. É que na verdade, a dissertação objetiva ou a dissertação subjetiva, para ele, tá centrada na forma de expor os argumentos. (...) Agora, eu vou ver o que é mais adequado pra mim, para aquele momento, para aquele tema. E: Pois é, eu tenho passado um pouquinho de trabalho com isso daí, inclusive por causa da linguagem, não é? Porque alguns livros apresentam assim, que a dissertação objetiva tem uma linguagem clara, denotativa... C1:É a denotação, você percebeu? E: Tudo bem, mas linguagem clara e concisa também vai ter que ter no outro tipo de texto. C1: A coisa mais concisa é o poema, não é?(...) E: É, essa coisas assim... C1: Agora você pegou num ponto chave, é aquilo que eu falei da questão ... ou é a denotação ou é a conotação. Se tende mais pro lado denotativo, certo? é mais objetivo. Se vai mais pro lado conotativo, aí é mais subjetivo. (...) E: Mas eu, orientando meu aluno dessa forma, eu vou atender àquilo que a banca espera? C1: Mas é isso que eu tô tratando, ou seja, o que a banca espera? A banca espera que ele se expresse com clareza e com correção. É isso que a banca espera, por isso que eu falei pra você assim, quando vai se analisar, se analisa o que? Certo? O que se espera, se espera que o indivíduo saiba se expressar com maturidade, sem ser naquele senso comum. (...) E: (...) Quem me garante que a banca vai trabalhar? ... C1: Aí você entra num processo asim: eu só vou poder escrever se eu tiver conhecimento do outro. (...) E: Agora, quando a gente trabalha com aluno, (...), e tem um menino que escreve metaforicamente, mas uma beleza de texto. Os outros todos duvidaram, "mas isso pode?" C1: Pode. Isso pode. E: Eu sei. Mas eu não sei se eu poderia encaminhar um aluno nosso aqui para escrever dessa forma. C1: Eu acho que pode. Ele pode fazer um belíssimo texto dissertativo todo metafórico, e a banca tem sensibilidade para isso. (...) O que a banca não gosta é de senso comum. (...) E: (...) Tu quer coisa melhor do que derrubar esse mito de que o texto de vestibular é um absurdo? Não é, é lindo.

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C1: Eles gostam de criar muitas lendas e muitos mitos em torno do texto de vestibular, tipo de coisa assim, que corre em São Paulo, não sei se ocorre aqui. Um dia, na FUVEST, a FUVESTE é o grande bicho papão de São Paulo porque é a que faz a seleção pra USP. (...) E: Uma coisa que incomoda muito o aluno é questão da pessoa gramatical. C1: É o que acontece, inclusive em redação. Vamos supor, tu vai fazer uma dissertação de mestrado, certo? e aí vai vir uma orientação pra você, assim, não escreva em primeira pessoa, e aí você pode até questionar, assim, porque que eu não escrevo em primeira pessoa, certo? Porque aquele trabalho que você está fazendo, na verdade, não é um trabalho só seu, é um trabalho seu a partir de determinadas leituras que você fez, inclusive para estabelecer o problema que pesquisa, certo? A partir de uma leitura crítica, orientação, que tem orientador, entendeu? Você percebeu que aí existe uma polifonia, certo? Então, são várias vozes que concorrem no momento em que você produz esse texto, é isso daí, é uma peculiaridade muito grande do texto dissertativo, porque, a partir de um determinado fato que se deu, você formula uma opinião sua, sobre aquele fato e depois você se utiliza de recursos, os mais diversos para fundamentar sua opinião, seu posicionamento. Não é só você que está implicado no texto, certo? É uma confluência de vozes que ocorre naquele texto, então, daí, a peculiaridade do texto dissertativo, certo? Deve ser um texto que tenha a impessoalização do enunciador, certo? (...) E: Mas ele precisa ter um posicionamento. (...) E: Esse critério 5 , que eu tô tentando relacionar com a estrutura dos argumentos. Por que tu trabalha com parágrafo, né? Mas então, como ele é montado? C1:Então, você veja que é assim, através de exemplos, dados estatísticos, citações, paralelos, contrastes, causas, conseqüências, definições, etc. Isso daqui são as formas como a Magda Soares, o Othon Garcia, eles apresentam como o desenvolvimento do parágrafo. (...) O que significa isso? Qualquer coisa, desde que isso seja adequado para dar sustentação. (...) Agora, se você tiver dados estatísticos e você acha que fica melhor, use dados estatísticos, certo? Se você tiver sei lá o quê? Paralelos? Então use, mas use aquilo que você achar mais adequado para que o seu posicionamento seja de fato bem fundamentado. (...) Não há estruturação dos argumentos, há dados estatísticos (conceito da banca) O que dá sustenção para este texto? O que importa é: ele se posicionou? qual palavra dá sustentação C1: Se você disser assim, o critério de correção, ou que se espera da sua redação, é que você consiga se expressar sobre o tema que foi proposto, isso seria a agilização de todos os aspectos que estão aqui.