O que é contracultura (Coleção Primeiros Passos) - PEREIRA, Carlos Alberto M.

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    1980/1992 - chegando aos 260 titulosmais de 6 rnl lhoes de exernplares vendidos

    NO f ina l da decada de 50, quando os jovenscornecararn a mobil izar-se para contestar a .sociedade, "rebelde sem causa" e "juventudetransviada" forarn expressoos que marcaramuma qeracao, Depois vieramos hippies e seushappenings. A "Era de Aquarlo' exigia novasmaneiras de pensar e de se relacionar com 0mundo. Ho]e, apos as new waves, punks,darks, p6s-rnodernos e tantas ondas rnals,sera que Q lema "Paz e Amor" - a granqebandeira da contracultura - ainda e a palavrade ordern?Awas de interesse:

    Comunicac;fio, PoIf tic a, Sociologia

    . j l liiiD. ...0, ....,._-~.,...._~-----.,--LiQ'EIDP.OTC/BIt Historia

    a ::Jb3C (:f - - .Zoo C arlo s A lb erto M . P ere ira,OQUEE

    CONTRACULTURAedi9do

    " s ai iw n t h aS i n lo e s B r a g aRua Rio (}ramie do NOTte1)991303"t ~"!l I S(Jvassi Bhte M.G.tI D r ~ i w r 0 J S l C.E.P. 30 1!~-131-- ' ..'---------._ _ _ _ ~ . . . " _ . - ~ , = .= c . : _ - , .

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    "Eu pensava ter dado umgrande saito para a frentee percebo que na verdade apenas ensaiei os tfmidosprimeiros passos de uma longa rnarcha."

    {AChinesa - Godard}

    Ag!"::decimentos a: Alberto Sabino Jr., HelofsaBuarque de Ho/landa,Jose Leonardo Gomes daSilva Neto, Luis CarlosMaciel, Luis Carlos Fridmane Maria Lygia M. C. Pereira.

    lIA ALGO NO AR ALEM DOS.AVIOESDE CARREIRA

    Paz e Amor. Paradise Now. Desbunde. Desre-pressao. Revolucso Individual. You Are What YouEat. Aqui e Agora. E Proibido Proibir. A Imagi-nac;:ao Esta Tomando 0 Poder. Flower Power.Turn on, Turne in and Drop out. Etc. Etc . ... Pala-vras de ordem e expressoes como estes foram, numdeterminado momento, capazes de rnoblllzsr 'rnultidoes de [evens eintelectuais, nas mais dife-rentes . partes do mundo. Corriam os anos 60e'urn novo estilo de rnobiilzacso e contestacaosocia I, bastante diferente da pratiea pol ftica daesquerda tradicional, firmava-se cadavez com maiorforca, pegando acrftica e 0 proprio Sistema desurpresa e transform ando a juventude, enquantoqrupo, num novo foco de contestacso radical. aque estava acontecendo? Falava-se no 'surgimento

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    de uma nova consciencia, de uma nova era, enfim,de novos tempos. Era uma revolucao em curso?Estava-se presenciando 0surgimento de uma novautopia?Aos poucos, os meios de cornunicacao de massacornecavarn a : velcular um termo novo: contra-cultura. tniciatmente, 0 tenomeno e caracte-rizado por seus sinals rnais evidentes: cabeloscompridos, roupas coloridas, misticismo, um tipode.rnusica, drogas e assim por diante. Um conjuntode habitos- que, aos olhos das famflias de classemedia, tao ciosas de.seu projeto de ascensao social ,parecia no rnlnirno urn desproposito, urn absurdamesmo. Rapidamente, no entanto, corneea a ficarmais claro que aquele conlunto de manlfestacoesculturais novas nao se limitava a estas marcassuperficiais. Ao contrario, significava tarnbernnovas rnaneiras de pensar,modos diferentes deencarar e de se relacionar com 0 mundo e com aspessoas. Enfim, um outro universe de significadose valores, com suas regras proprlas,Cornecavarn :a se' delinear, assim, os contornosde urn movirnento social de carater fortementeIibertario, com enorme apelo junto a uma juven-tude de camadas medias urbanas e com uma praticae urn ideario quecolocavam em xeque, frontal-mente, alguns valores centrais da culture ocidental ,especialmente certos aspectos essenciaisda raciona-lidade veiculada e privilegiada por esta mesmacultura.Ainda que diferindo muito dos tradiclonais

    o qu e e Con tracu l tura

    movimentos organizados dacontestacflo sociale isto tanto pelas bandeiras que levantava, quantopelo modo como asencaminhava _. a contraculturaconseguia se afirmar, aos olhos d? Siste,ma. e d.asoposicoes (ainda que gerando mcansavers dls-cussdes), como um rnovlmento profundamentecatal isador equestionador, capaz de inauqurar parasetores significativos da populacso dos EstadosUnidos e da Europa, inicialmente, e de varies parsesde fora do mundo desenvolvido t posteriormente, umestilo urn modo de vida e uma cultura underground,marginal, que, no rninirno, davarn 0que pensar ..Esse espfrito libertario e questionador da racro-nalidade ocidental, que vida a marcar tao forte-mente isto que ficou conhecido como a contra-culturajase anunciava nos Estados Unidos, desdeos anos 50 com urna gerac;:aode poetas - a beatgtmeratjon ~que produziu um verdadeiro sfrnbolodo fenorrreno com 0 poema "Howl" (AllenGinsberg, 1956), que, traduzido, significa uivo ouberro. Nesta mesma epoca, com seu apogeu porvolta dos anos 1956-1968, surge o. rock- 'n-roll,sintet izado na figura provocativa de Elvis Presley,aglutinando um publico jovem que cornecava afazer deste tipo de musica a expressao de. seudescontentamento e rebeldia, tornando mse~paraveis a rnuslca (au a arte) e 0 comportamento.E a chamada juventude transviada, com suas gangs,motocicletas e revoltas contra os professores nassalas de aula. Sao os "rebel des sem causa" tao

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    retrata~os, nae>importa se justa ou InJustamente,pelos filmes da epoca e encarnados na figura deJames Dean. Ja cornecava a se delinear, de modob~st~nte claro, alga que seria de grande impor-tancia para a cornpreensao da decada seguinte: umaconscisneia eta ria. A oposlcso jovem/nao-jovemcorneceva a ganharcada vez rnaior sentido para acompreensao dedeterminados movimentos sociais .~'. no entanto, nos anos 60, que essa explossopolitico-cultural ganha potdncia maxima. Narnusica, 0 ie-fe-ie dos Beatles e a novo som de BobDylan cornecavam a reunir urn publico crescente ec~da. vez mais significativo diante da opinlsopublica, A segunda meta de da decade e marcada -por grandes concertos e festivais de rock que,naverdade: se transforrnavam sempre em grandeshappenmgs. Entre alguns dos mais importantese~tao 0 de Monterey, em 1967, quando surgemJimmy Hendrix e Janis Joplin; a de WOOdstock,em 1969; 0 de Altamont, ainda no rnesrno ana,q~ando. urn negro e assassinado pelos Hell's Angels,eVfdenclando-se a presencada violencia no interiorda corrtracultura, e, final mente, 0da llha de Wight..Este, por sua vez, contou com a presencade.figurasimportantes da musica brasileira, ou melhor, doTropicalismo, como Caetano Veloso, Gilberta Gil(ambos vivendo em 'Londres na epoca) e GalGosta, ao lado de pessoas de outrssareas comoRogerio Sganzerla, Jose Vicente ou Antonio Bivarque realizava a cobertura jornal (stica do feStivai

    o_Q,...u-e-t-'G-o-n-tr,-a-cu-l-tu..:_ra-----------------...ll! ~ ! , . -para um jornal underground brasileiro. Toda essarnovlmentacao na rnuslca era seguida de perto pelomovimento hippie, com suas comunidades epasseatas pela paz. Por volta de 1967, na mesm~epoca em que na lendaria Sao Franci~co:r~ reall-zado com grande alarde 0 enterro slmbollco. domesmo movirnento hippie, surgia urn CUriOSOpartido: 0 Youth International Party (PartidoInternacional da Juventude), que vinhalam;:ar afigura do yippie (0 hippie .pol~izado). Ainda u_?lfatci importante na caracterizacao desse quadro saoas revoltas nos campi universitarios que culrninamcom a radicalizacao do movimento estudantil inter-nacional . sintetizada pelo Maio de 68, na Franca.A partir de entao, era diffcil ignorar-se a contra-cultura como forma de contestacso radical. Seseria facil e total mente absorvida pelo Sistema,pelo Establishment - palavr~s' con~agradas p~lojargao da epoca -, se era urn Sinai evldente da alie-naCao de parcelas cada vez maiores das populacoesde pa fses situ ados nos quatro cantos do rnundo ~use significava a crftica rna is radical que ja se haviaproduzido a cultura ocidental como urn todo,estaseram algumas das questoes centrais que estavamcolocadas na- pauta de urna discussao quente eprofongada, que nao deixa de apontar para urnsaldo que parece exigir e merecer urn balancecuidadoso do qual possam sair pistas 9ue aponte~no sentido de urna melhor compreensao do que fOIou do que e a contracultura .. . ... ..," nL

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    A ASCENSAO DE UM_ PODER JOVEM

    Embora bastante proximo no tempo, 0 rnovi-mentode contracultura, num certo sentido, ja fazp~rte de urn passado historien, estando um poucodistants do nosso dia-a-dla, Os tempos mudam efica entao dif icil reeonstituir 0 vigor, 0 piquedarnovlmentacso daqueles anos pO que tanto marca-ram, de modo radical e definitivo,a experiencla dajuventude internsctonat. ." Por outro lado, descrever, em poucas paginas, anatureza de urn movimento complexo e rico comoa contracultura,ou mesmo contar um pouco de suahistorla, nao e~arefa facil. Especialmente se 0 quese pretende e cornpor um quadro capaz de passar. de modo. vivo e atual urn pouco do clima daquelememento,Nesse senti do, urn born ponte de. partida para

    o quee Contraculturaurna aproximacao mais direta do fenorneno dacontracultura e, sem duvlda alguma, 0 depoi-mento de alquern que, pelo menos no Brasil, teveum papel fundamental tanto na atuallzacao quantana divulgar;:ao das ideias da contracultura. Seunome eLu IS Carlos Maciel - colaborador doPasqu im do comeco dos anos 70 e de varies outrosjornais underground, bern como autor de variesllvros sobre 0 assunto em questao -, que nestasanotar;:5es que seseguem, publicadas j8 nos anos 80,nos dii algumas pistas fundamentais que vale a penaseguir.

    Primeira anota~oo termo "contracultura" foi inventado peIaimprensa

    norte-americana; nos anos 60, para designar urn conjuntode rnanifestacoes culturais novas que tlorescerarn.nao s6nos Estados Unidos, como em varios outros pafses, espe-ciaImente na Europa e, embora com manor intensidade erepercussso, na America Latina. Naverdade, e urn termoadequado porque uma das caracter fsticas basicas do feno-meno e 0 fate de se opor, de diferentes rnaneiras , a cul-tura vigente e oficializada pelas principals instltulcdesdas sociedades do Ocidente.

    Contracultura e a cuI tura marginal , independente doreconhecimento oflcial. No sentido unlversitario do ter-rna e umaant icultura. Obedece a inst intos desclassi-ficados nos quadros acadernlcos,

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    Segunda anotal;ioPode-se entender cont racultura, a palavra, de duasmaneiras:a) como urn fenorneno historlco concreto e parti-

    .cular, cuja origem pode ser localizada nos anos 60; eb} como uma postura, ou ate uma posiCao, em face

    da cultura convencional, de crftica radical.No primeiro sentido, a contracultura nao e,so foi; nosegundo, foi, e e certamente sera.

    Terceira aootacaoAcostumamo-nos,atraves da educacso, aver na cui-

    tura que herdamos de nossos pais e antepassados umaentidade intocavel, definitiva, que se apresenta diante denos como parte da propria essdncia da realiclade - algo"natural" como 0 Sol cu.a Lua, ou 0 resuJtado de urna

    . evoluCao que se dlria "bloloqica" porque lnevltavsl.E evidente, porem, que nao e assim,Culture e urn produto hist6rico, isto e,contingente,

    mais acidental do que necessarlo, uma criacao arbltrarlada Iiberdada - cujo modelo supremo e a Arte. .

    Nao hil cultura, a r igor - como manlfestacdo de limainexistente "natureza" humana, par exemplo -, mas.culturas, no plural , criadas par di fe rentes homens emdiferentes epocas, .Iugares e condic5es, tanto objetivasquanta subjetivas. Elas expressam nao a realidade em si,mas diferentes maneiras dever essa realidade e de inter .

    r o q u e e Con tracu l turai

    /

    15. f : ~ ' . !::

    preta-la, Sao diferentes leituras do mundo e par nenhumcrlterio pretensamente objet ivo podemos afirmar queuma seja mais valida --:ou mais "objetiva", "verdadeira","cientff lca" etc.- do que outra.

    Criamos, inventamos culturas - e a todo momento,praticamente sem csssar. Trata-se, apenas, no fundo, deurn jogo cu]a graca maior ha de ser, sernpre, sua cargapoetlca, 0 valor mais alto de uma cultura e sua visaopoetlca.

    Culture, pois, e essencialmente Arte - urn dos pioresprejufzos causados P a r a visao cient ifica que domina anossa culture foi 0 de distorcer, obscurecer e final mentelqnorar esse fato.

    Quarta anotat;ioA compreensao do fenomeno da contracultura depen-

    deda erradicaedo desse prsconceito, introjetado em todosnos desde a infancia: 0 de que nossa cultura par ticular esuas formas especfficas e limitadas sao, de alguma manei-ra, superiores, ou melhores, au mais objetivas etc. do quequaisquer outras, preteritas ou a inventar.

    Esta e . uma ilusao tenaz, amparada por todas nossasInstituicdes - da universidade a politica +. e 0 primeiroato indiscutivelmente positivo e genuinamente revolu-clonarlo da contracultura foi 0de desmenti-la.

    E.sseato foi espontaneo, Osurgimento e a desenvolvimento d'o que secharnou contracultura nao foram pre-vistos - e 56 foram precariamente apreendidos, it custa

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    de dlstorcdes - pelos quadrosdeconhecimento elabora-dos par 'nossa cultura.

    Sua fonte foi 'a magia fundamental da real idade, se upoder incessante de criacao, insubmisso a todos os tipose tentativasde racionallzacao,

    Esta ea princ ipal originaf idade historlca da contra-cultura. Ela tem mais a ver com um passe de magica doque qualquer processo racionalizavel.

    Quinta anota.;aoA contracultura foi certamente proplciada pelas pro-

    prias doencas de nossa cultura tradiclonal, Tais doen-cas condicionararn seu surgimento, como um antidoto,au anticorpo, necessaria a preservacao de um m f nimo desaude exlstencial, que passou a ser social mente exiqidopelo proprio instinto de sobrevivencia de nossa vida emcomum.

    Nossa cultura e , ela propria, uma doenca, Uma artemorblda,o pensamento doseculo XIX tentou diagnost ica r es sadoenc ;: a de diferentes manei ras. Chama-sa "allenacfo",de Marx - e "neurose", em Freud. Nornarxlsmo, e 0resultado psicoloqico da exploracao econcrnlca: napsicanalise, 0 produto socia l da repressao dos instintos.H a de ser am bas as colsas - e mais ainda ..

    A origem dessa doenca perde-se na noite dos tempos:ela nao depende apenas das rnaneiras que os homens orqa-nizaram sua sobrevivencia mater ia l ou suas rel acoes farni-

    o qu e Ii Con t r acu l t u r allares: antes, suas formas morbidas - dinheiro,explC>-'rac;:,ao, repressao, autoritarismo etc. - sao suas conse-quiincias ou sintomas, ou alnda rnelhor: sao ela propria,ao n l ve l da experiencia coletiva concreta.

    Sexta anota.;aoU N a nolte dos tempos" quer dizer: aquie agora. A

    Eternidade do Instante Eflciente.

    Sirtima anctaeaoo doente e 0 homem condicionado que conhecemos

    em nossa culture. Sua perda basicae a da propria fiber-dade. Em func;:,ao disso, ele se torna, cada vez mais, urnese ravo do que os hindus chamam Maya.

    Maya significa Husao rnaqica, arte, jogo. 0olho des-perto 0 vii assirn: 0 adormeeido 0 confundecom 0 real,prende-se em sua te la.

    Nas teias de Maya, 0 sujeito vive um estado de alucl-nar ;: ac i cornple ta, de absolu te confusao menta l. Sua menteconturbada criaunia serle lntermtnevelde monstruosi-dades aconomicas, soclais, pslcologlcas e existenclais,o grande obstacu!o e que es se est ado on Irico, aluc lna-torlo, e considerado "normal" por sua propria otica, quee a vigente; dessa forma, a preservacao e mesmo a evo-lur ;: ao da doenca sao assequradas , Cons lderando-se "sau-davel", 0 doente nao procura medico nem rernedio - e

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    atribui seu sofrimento a urnafatalidade absurda e incorn-preensivel. Essa condicso caracteriza 0 nosso cotidiano.

    A doenca Iii essencia lmente mental - e , por tanto,tanto ffslca quanto espiritual. Mente, Corpo e Espfrito -esses tres sao urn 56.

    Oitava anota~A contracultura surgiudo confronto entre acultura,

    reconhecidacomo doenca, e a visao juvenil, cujo instintonatural e para a saude. A audacla dessa v isao pao podeser considerada mera preclpitacao ingenua, poisfunda-se,antes, num desencanto radical - atingido por saturacso,maturidade - com 0mundo taJcomo 0conhecemos.

    As verten tes que conf lu fram para a for rnacfo decon-tracultura sao varias, de naturezas aparentemente diver-sas, mas sublinhadas pelo denominador comum da Inten-cao llbertaria. E a fonte instintlva dessa intencao i, semduvida, a visao juvenil. *

    * * *Surgido iniciaimente na imprensa, 0 rotulocontracultura foi ganh~mdo um espaeo ide circu-Iacso cada vez mais ample. E is to, principalmente,

    : ,. Luf s Ca rlo s Mac ie l. Rev is ta Careta, AnD LIII, n9 2736 , de20/07/1981. p. 19.

    Oque e Contracultura 19

    , na medidaem que 0 fenomenc.a que ele se referiaia tarnbern se expandindo e se revelando, aos olhosde urn numero crescente de pessoas, como um ternaobrlqatcrio dadlscussao. J : cia ro que ni30 se podeesquecer ou deixar de levar em conslderaeso a fon; :a,o poder da irnprensa; especial mente da grande im-prensa, no sentido de lancer rotu los ou modismos.Mas isto, por si s6, nao parece ser suficiente paraexplicar a enorme e rapida difusao do termo con-tracultura,Assim que, de urn lado, -ternos a expansao edifusao do feriorneno a que 0 rotulo se referia e,deoutro - 0que e um ponte fundamental -, 0grandevigor expresslvodo propriorotu lo, Desta forma, 0termo "colava" nao apenas porque se referia a urnfenorneno que assumia proporc;:5escada vez maio-res, ou porque era veiculado por uma imprensa maisou menos poderosa, mas, talvez, especial mente, por-que continha em si mesmo uma express iva carga d.elnformacso a respeito do movimento que designava.Tratava-se, 'de fato, de urn rnovimento decontes-tar;:ao que colocava frontal mente em xeque a cultureoficial, prezada e defendida pelo Sistema, peloEstablishment. Diante desta culture privilegiada evalorizada a contracultura se encontrava efetlva-,mente do outro ladodas barricadas. A afirmacao ea sobrevivencia de uma parecla s ignificar a negat; :aoe a morte da outra. E agora , amplificada e difundidapelos nleios de cornunlcacao de massa,' a recuseradical da juventude ganhava a cena com grande

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    alarde e assumia ares de uma verdadeira contra-cultura ..Podemos entender por contracultura duas coisasate certo ponte diferentes, ainda que multo ligadasentrs si, E, quando alquem usa 0 terrno, eposslvelque esteja se referindo a uma au a ambas as coisas.De um lado, 0 te rmo contracultura pode se refe-

    rir.ao conjunto de movimentos de rebellsoda juven-tude de que falavamos anteriormente e que rnarca-ram os anos 60: 0movimentohippie, a musics rock,uma certamovirnentacao nas universidades,viagensde rnochila, drogas, orientalismo e assirn por diante.E tudo Jsso levado afrente comum forte espfritode contestacao, de insatisfacao, de experiencia, debusca de uma outra realidade, de um outro modode vida. Trata-se, entao, de um fen6meno datado esituado historicamente e que, emboramuito pro-xirnode nos, jafaz parte do passado. Hoje, mesmoquando nos vernos diante de urn ou outro desteselementos, eles ja nao tern 0 mesmosentido deantes, au pelo menos nao com aquelaforc;:a.Deoutro lado, 0 mesmo termo pode tarnbern sereferi r a alguma coisa rnais geral, mais abstrataumcerto espfrito, urn certo modo de contestacao, deenfrentarnento diante da ordem vigente,de caraterprofundamente radical e bastante estranho a s for-mas mais tradicionais daoposlcao a esta mesmaordem dominante. Urn tipo de crftica anarquica -esta pareee ser a palavra-chave - que, de certa rna-nelra, "rornpe com as regras do [oqo" em termos de

    o quee Contracultura" ... ur n ce rto e spir ito , ur n ce rto m odo de co nte sta ca a ...u rn t ip o d e c ri ti ca a n dr qu ic aq ue , d ec er ta m an ei ra , r om pe. co r n a s r eg ra s do jo g o ... "

    Colagem sabre 0 happening ' Pa r a C o n ju r ar 0 Esptritoda C at ds tr ofe ", d e J ea n- Ja cq ue s L eb el e T et su mi K ud o,

    1964.

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    modo. de se .fazer oposicao a uma determinadasituacao. Aquela postura au posicao de crfticaradical em face da cul tura convencional, a qual serefere Macie l em suas anotacdes, Uma contracul-tura, entendida assirn, rea parecede tempos emtempos, em diferentes epocas asttuacdes.e costuma-ter urn papel fortemente revigorador da crfticasocial.Tanto no sent idomais geral quanto no especffico,o termo aponta para uma realldade cuja naturezaextremamente radical, questionadora, e bastante"diferente" se comparada as formas mais tradi-c ionais de oposicao ao statusquo, sugere a idela deque estamos de fato diante de algo situado fora daoucontra a cultura oflclal, E isto na medida em queesta nova realidade se apoia sobre urna recusa fun-damental.iexpl lc ita ou irnplfcita , de alguns dos va-lores mais sagrados e prezados poraquela cul tura.Fiel a fi losofia utoplca do drop out; a juventudeengajadana contracultura dosanos 60 buscava,atraves deste conjunto de ldeias ecomportamentos,cair fora do Sistema. Descrente do futuro edesen-cantada com a presente - uma sociedade e uma cul-tura que, segundo 0 consenso da epoca , estavamsimplesmente "doentes" -, 0 que tentava criar eraurn mundo alternat ivo, underground, situado nosinterstfeios daquele mundo desacreditado, ou noque se acreditava ser o.outro lado de suas rnuralhas,Rompia-se com praticamente todos os habitos con-sagrados de pensamento e comportamento da cul- .

    o que e Contraculturatura dominante, realizando-se uma especie de"cr ftica selvagem" a esta mesrna cultura e.sociedadeoeidentais. .

    Nao setratava da revolta de uma elite que, em-boraprivilegiada, visasse uma redlstrlbuicso dariqueza social e do poder em favor dos mais humil-des. Nem de uma "revolta de despossu Idos", Aocontrarlo, Era exatamente a juventude das camadasaltas e medias dos grandes centros urban os que,tendo pleno acesso aos privilegios daculturadomi-nante, por suas grandes possibil idades de entrada nosistema de ensino e no mercadode trabalho. reiei-tava esta mesma cultura de dentro. E mais. Rejei-tavam-se nao apenas os valores estabelec idos mas,. .. .basicarnente, a estrutura de pensamento que preva-lecia nas sociedades ocidentais . Crit icava-se e rejel-tava-se, por exemplo, 0 predornlnio da raciona-l idade eientf fica, tentando-se redefinir areal idadeatraves do desenvolvimento de formas sensoriais depercepcao. Nas palavras de William James, estu-diose dos agentes alucinoqenos do final do seculo .passado: " ... a consclencia racional, como a cha- .mamos, constitui apenas urn tipo especial de cons-clencia, enquanto, a seu redor, dela separadas porum tenu Isslmo blombo, jazem formas potenciaisinteiramente diferentes ( ... ). Nenhuma con-cepcao do universe em sua totaJidade queignore essas outras tormas de consciencia pode serdefinitiva ( . .. ). Elas impedem um fechamentoprematuro de nossas contas com a realidade",

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    ~ a recusa radical destes prine [pios mais do queconsagradosque pareee emprestar ao rotulo con t r a -cul tura seu for te sentido, just if icando sua facH aeei~tal;:ao de ambos os lados das barricadas. Tanto daparte daqueles que se coloeavam ao lado do novofenorneno, quanto da parte dos que Ihefaziamoposicao, 0 que se pressentia era uma ruptura, nosenti.do mals essencial da palavra, com a ordemd.ommante. E a f talvez -;.. na sua furia, na falta deslstem~ticidade de suacrItica - esteja a dirnensao.essencial da radicalidade da contracultura,

    Em~ora a .contraeultura nao seja uma invencsoexclusive da juventude, 0 que e facll de demonstrarpela idade avancada de alguns de seus teoricos egurus mais destaeados, ela encontra no jovem 0 sellInterprete principal e 0 seu motivo mais forte.Eramestes mesmos jovens que atualizavarn ecolocavam. ~.m pr?t~ca, no seu cotidiano, algu-mas das idelas, .hipoteses e suposicoes daqueleste6ricos "rnais velhos", Esta, assim, profunda-mente ~arcada por urn inegavel"esprrito juvenil",no senti do mais rico da expressso. De urna certaforma, podia-sa falar agora da entrada em cenade, un:' poder jove": que, nao apenas palo seu vigorpropno, mas tambem pelas a liancas que conseguiaestabelecer com grupos de contestacao as vezesrnuito difere~te~, i~ se revelando uma presencecad a vez mats mcomoda do ponto de vista 80status quo.'A partir de urn certo momento cornecou a ser

    o que e .Con t racu l turacada vez mais frequents e comum 0 emprego, emcontextos diversos, da expressao conflito de gera-90es. Falar entao de conflito de geracoes era tocarem urn problema essencialmente pol Itico, Nao setratava mais de urn fenorneno episodico e parti-cular, mas de urn foco importante de contestacaosocial de nossa epoca, Oespayoprivado e intimoda fam flia - palco por excelencla destes conflitos- ganhava ares de arena pol itiea. Houve quem dis-sesse que a "revolucso" havia chegado as salas devisits de algumas das mais pacatas ta m flias bur-guesas ou mesmo sentado a mesa do jantar. Aoinves de encontrar seu inimigo de classe no ope-rariado das fabrlcas - afirmavam alguns -, a bur-guesia a sncontrava na figura de seus filhos cabe-ludos, .

    Mas nao era apenas no interior da fam Ilia que 0jovem se constltu fa num foco de contestacao. 0mesmo acontecia naescola, nos campi universi-tarios, na rnuslca, nas rnovimentacoes de rua, emgrand es movlmentossocials, enfim, em todos aslugares e/ou lnstltulcces onde sua presence se fazianotar, Com especial destaque para certos pafsesepara certos grupos socials, jovem e juventude pas-savam a ser sinonlmo de contestacso. Pelo menosiniciaimente, e a juventude branca de camadasmedias de pafses como as Estados Unidos euaqueles da Europa Ocidental que vai se constituirem algoque poderia serdefinido como a nucleobasico deste novo espfrito de contestaeao radical

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    da contracul tura. E, ass irn, a oposiC;ao fi lhos/pais~ou melhor, aoposiC;ihjovem/adulto, ganhava, cadavez rnals, uma dimensao nova e radical.Contudo, parece hao re r side tao de repente quetudo isto aconteceu. Efetivamente, de modo mais

    acenWado a partir da 1 / Grande Guerra, e especial-mente nos pa [ses ditos desenvolvidos _ com des-taque para os Estados Unidos -, as condic;oes devida e a definit;:ao mesma do quefosse 0jovem oua juventude haviam se transformado bastante etodas estas transformac;oes apontavam no sentldode fazer deste mesrno jovem urna peca importante:,de destaque no grande xadrez social.Certamente , para quem esta situado deste nossolado nao-afluente do mundocomemporaneo, nao

    deve ser multo facil perceber e avaliar de modoimediato 0 alcance e 0 significado destas alte-ra

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    mais longa, 0 que adiava urn pouco mais 0 contatomais direto entre 0joveme 0 "m undo dos adultos" ~decorrente, por exemplo, da profissionalizacao.. ~omo se tudo isso nao bastasse pars reforcar asfllelras, ~este e:

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    rejeitava, cada vez com mais torca, seja a Sistema,sejam os valores tradlclonais, de outro nao conse-guia canalizar este descontentamento para as for"masconsagradas de luta pol itica, par nao encon"trar nestetipo de contestacao respostas a sua novaproblematfca.Oeste modo, grande parte da energia crftica

    desta nova gerar;:ao de descontentes vai ser c an ali - ..zada para atividades ate entao nao descobertas p ela s .forrnas tradlclonais de luta polltlca, rnanifestando-se de maneiras as mais surpreenderrtes para quemnao estivesse suficientemente atento ao surgimentodaquele novo fenorneno de contestacao social int i"tulado par Marcuse - umde seus te6ricos e ideolo-gos mais destacados .......omo a Grande Recusa.

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    HISTORIADE UM SONHO?

    Quando, no comeco da decada de 70, 0 ex"Beatie John Lennon declarou, em alto e bornsom, para 0 mundo inteiro: "0 .sonho 'acabou",cettamente deve ter havido quem, sem consequiresconder uma ponta de satisfac;:ao, la com os seusbotdestenha pensado que, afinal de contas, aquilonao podia dar cerro mesmo, pols aquele projeto derevolucao individual, cultural, nao passava de urnsonho. E asslrn, depois de muita fantasia e llusao,havia-se chegado novamente ao duro terreno darealidade. Tratava-se apenas de mais urn castelorevoluclonario que desmoronava e ate que, destavez a Hist6ria havia andado rapldo. E certamentehouve tarnbern muitos jovens que, apesar de suas csimpatias para com aquelas novas propostas detransforrnacao social, se surpreenderam e se decep-cionaram com a possfvel e cantada "falencia revo-"

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    lucionaria" da contracultura.Mas sera a hlstoria da contracultura apenas a his-toria.de urn sonho, de uma ilusao? E de urn sonhofracassado? Seria s6 iS50 que diziam as versos deLennon? E diffcil negar que a contracultura seja amais recente ou a ultima (pelo menos ate agora)grande utopia radical de transforrnacao social que

    se produziu no Ocidente. Mas a utopia se resumenurna Ilusso, num sonho? Como se move uma uto-pia ao longo da Historia? E possfvel afirrnar quetodaaquela energia, toda aquela ansi a de transfor-macae revolucionaria, que tanto marcou 0 Oci-dente nos anos 60e parte dos 70, simplesmente seesgotou 'au nao deu em nada? Foi um sonho quepassou e. deixou suas marcas frageis em algunshippies de boutique ou em fsstinhas elegantes,regadas com born vinho e algumadroga da rnoda ?Nao seriam as coisas mais complicadas e a Hist6riamenos cruel?

    * * *-_Falar da contracultura 8, num certo senti do,falar dos Estados Unidos - pelo menos num mo-mento inicial . AfinaJ, foi Iii onde primeiro se mani-festou, de modo mais rnarcante e evidente, essenovo espfrito de contestacao que os movimentosde rebeliao da juventude dosanos 60 viriam colo-car na ordem do dia. Apesar da irnportancia do

    papel que a Europaseguramente desempenhou naformacao de toda essanova ideoJogla da juventude,certas condicoes especiais dos Estados Unidosfaziarn deste pars 0 berco por excelencia da contra-cultura.Ja desde osanos 50 , erabastante vis Ivel na socie-dade americana a famliaridade crescente que anocao de antiintelectualismo vinha ganhando. Umexemplo desse fato e 0 surgimento de tad a umatradicao b oe rn ia - aquela dos beatniks - de verda-.deiros representantes de urn anarquismo roman-tico, cujoestilo de contestacso e aqltacao, novaeradical quando cornparado a Juta da esquerda tradi-cional, estava apoiado sabre nocoes e crencas taiscomo a da necessidade do "desengajamento emmassa" ou da "inercia.qrupal",~ no interior destaqeracao de rebeldes margina-l izados dos bairros boemios que surge a poesia beat,a qual se ligam nomescomo Allen Ginsberg, I lder einspirador do flowerpower (0 Roder da flor] dosanos 60. Ginsberg foi urn dos verdadeiros ideali-zadores do estilotfpico de concentracao e mani-festacao doshippies, sendo presence obrigat6rianesses acontecirnentos, Sua formula deintervencaose encontra em um de seus poernas, intituJado"How to Make a March/Spectacle", Por sua vez,seu jii rnencionado poema "Howl" (1956) foi obje-to, na epoca, de um processo por obscenidadeemSao Francisco, 0berco dos beetniks. Os versosiniciais deste poema - "I saw the best minds of my

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    generation destroyed by madness?" - exprimerritoda a dramaticidade da angustiante experienciadesta gerac;:ao, cuja busca passava frequentementepelos carnirihos dolorosos da loucura edos hospi-tais psiquiatricos, comoocorreu com 0 poetaCarlSolomon, a quem 0 poema e dedicado. Aindaoutros nomes exprsssivos sao as de WilliamBurroughs ouJack Kerouac,autor do livre OnTheRoad, de 1958, que, em dado memento; afirmou:"Eliminai a inlbicao literaria, gramatical e sinta-tica", seguindo com a preqacao deobedlenciaa"nenhumadiscipliha que nao seja a da exaltacao 'ret6rica e da afirrnacao nao censurada",Foram os beatniks um dos grupos de destaque aencarnar, de modo especial mente vigoroso, a rebel-dia marginalizada dos anos 50 nos Estados Unidos.Ja fascinados pelas doutrinas orientals, ponte fun-damental de encontro entre eles e os a!egres hippiesdos anos 60, rejeitavam 0caminhodo intelectualis-mo, devotando-se a uma vida marcadarnente senso-rial e deixando-se arrastar par sua Iudicidade edesprezo pelas satisfacoes de uma carreira e de urnrendi mento regu lar. E este estilode cornportarnentoque as faz umdos grupos pionelros do espfrito decontestacao da contracultura dos anos 60,sendo, deuma certa forma, os hippies prematuros de urn

    " Em portuques: "Vi as rnelhores cabecas da minha gerayao des-trufdas pela loucura".

    memento anterior. .E Norman. Mailer, romancista americana indisso-luvelmente ligado a todo est! novo esplrito derevoltaque jii comecavaa se afirrnar na decada de50 nos Estados Unidos, quem vai charnar a atencaopara urn outro .fen6meno de contestacao contem-poranea ao dos beatniks. Trata-se dos hipsters, istoe , aquelesque se' opoern aos square - os "caretas",os "quadrados", aqueles que q Sistema pode trans-formar com sucesso em conformistas bem ajus-tados. Da mesmaforma como 0 On The Road deKerouac havla felto do beatnik urn grande assuntoda imprensa de todo 0mundo, 0 termo e 0 assuntohipster sao, no mesmo ana de 1958, definitiva-mente consagrados porum artigo de Mailer intitu-lado "The White Negro: Superficial Reflections onthe Hipster". yale lernbrar que coubera a Ginsberq,um ano ,ante5,0 lancarnento Iiterario do termoatraves de.seu poema ,sHowl". _ .

    Ao contrario dosquare, conforrnista e fiel defen-sor do american way of life, o hipster e aquele quese rebela contra aquela situacao ..Diante da falenciada revolucao proletaria nestas+sociedades indus-trials avancadas, ele e aquele que se revolta e negaviolentamente os valores estabelecidos. 'Na socie-dade americana, ele _pode ser definidocomo urn"negro branco" (0 white negro de Mailer), exata-mente porque nestasociedade osnegros sao aquele 'grupo que, por sua poslcso rnarginalizada, se ve Iobrigado a manter sempre uma atitudede rebel lao,

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    C a r lo s A l be r to M e s se d er P e re i ra o q u e e C o n t r a cu l tu r a6urna ve z que esta constantementeexposto aoperiqo, Finalmente, hipster e square sao, antes demais nada, um "estado de espfrito", uma atitudede revolta ou de conformismo diante do status quodas entao modernas sociedadestecnocratlcas. '

    Apesar do valor que Mailer percebe na atitudebeat de "busca da sensacso" e da "satlsfacsoorqastica", naQ aceita aquilo que ele v e como suapassividade oufalta de afirmatividade. Assirn,acima dobeatnik, ele colocaria 0hipster, cuja cons-clencia dos extremos terrores da vida assernelha-see e derivada da que tem 0 negro, "po is nenhumnegro pede andar por urnarua seguro de que avlolsncia nao vinl encontra-Io em seu passeio", aque Mailer admirava no hipster era sua disposlcaode aceitar 0desafio "de se desligar da scciedade , deexistir sem ralzes, de empreender essa viagem semrumo pelos rebeldes imperativos do ego. Em suma,seja ou nao uma vida crirninosa, a decisao esta emencorajar 0 psicopata que existe dentro de simesmo, de explorer aqueles domfnios de experi-e r i c i a em que a seguranc;a e tedio e portanto doencaC : . . I", t:, assim, neste senti do , que aquela formade JI del lnquencia juveni l" atualizada pela atitudehipster estava "desafiando 0 desconhecido".Mas nao era apenas nos Estados Unidos que essacornbinacao de marginafidade, boemla e revoltavinha se evidenciando. Assim como Sao Francisco,Chicago ou Nova Yorkexibiam suas hordas del_ estranhos e novos rebel des, tambem as bairros

    boernios de cidades europeias como Londres ouParis se enchiam daqueles mesmos rebel des quecomec;avam a falar um a linguagem de revolta econtestacso, com uma maroa fortemente existen-clal e anarquica, e voltada principaJmente para atransforrnacao da consciencia, dos valorese docomportamento, na busca de novas espac;:osenovas canals de expressao para indivfduo e paraas pequenas realidades do cotidiano. .De ambos os lados do Atlantico sopravam tam-bern novos ventos, que evidenciavarn atentativa derenovacao par parte do proprio pensamenta teo-rico critico, de esquerda.rdiante dasnovas contra- 'dicfies surgidas no perfodo do pas-guerra e diantedotlpo de organizaC;:80 e vida social que vinha seevidenciando naquelas sociedades industrials avan-cad as. "

    Era, par exemplo, a Nova Esquerda (para a quala pol I tica e feita, antes de tudo,de envolvimentospessoais e nao de ideias abstratas} que comecava adespontar com suas ideias e publicacoes, as quaisteriarn, nos anos 60, umpapel e urn desenvolvi-mente extrema mente importantes junto aos seto-res da contracultura que levavam a frente uma for-ma de contestacao mais explic itamente pol (tica e,de modo especial; junto ao movimentoestudant ilinternaciona! que provocaria a grande explosao do 'Maio de 68 frances, com suas barricadas e seuss l o g a n s renovadores. 0 vigor da presence da NovaEsquerda nas novas forcas de contestacao social

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    pode tarnbem ser avaliado pelo papel de enormeirnportancla que tern, ao longo dos anos 60, aSO S (Students for a Democratic Society), organi-zacao estudantil de amplitude mundial.'Por suavez, nomescomo PaLlIGoodman, DwightMcdonald e, especialmente, C. Wright Mills, aolado de grupos que sustentavam publicac;:5es radi-cais como Liberation e Dissent, vinham, nos Esta-dos Unidos, tentando desvendar a nova realidadedas sociedades tecnocratices, Os trabalhos de pen-sadores como Herbert Marcuse ou Norman Brown,pelo confronto que forneciam entre as obras deMarx e Freud e pelo que exploravam no .sentido dedescobrir os rnecanismos, as rafzesou a sentidodefenornenostais como a dominacao, a repressao QUa alienacao bem como as possibilidades de trans-formaca~ s~cial radical nas modernas sociedadesindust~iais viriarna constituir, por sua vez, urn dosmais solidos pilares teoricos da crftica da contra-culture, E m 1954, aparecia 0 One Dimensional

    Man de Marcuse, e, em 1955, do mesmo autor, 0E r a ; and Civilization, ambos anallsando ie discu-tindo a natureza das sociedades industria is avan-cadas e suas possibil idades de transformacao revo-luclonaria. Norman O. Brown,por sua vez, publi-cava em 1959 0 livre intitulado Life againstDea;h: The PsY~hoanalitical Meaning _of History,cruzando, como sugere 0proprio tftulo, a pslca-'mll ise ea investlqacao social. .Se, de um lado-nern a psique nem a classe social

    podiam ser disperisadas, deoutro, os projetos detransforrnacao social revolucionaria expl icitavam,cada vez rnaisclararnente, a enfase na busca naoapenas da liberdade :mas, fundarnentalrnente, dopraze r. Em suma, 0 que se pode observer por todaparte e uma tentativa de renovar eatualizar 0instrumental teortco de analise da crftica socialmais progressista,nosentido de dar conta dasnovas realidades que se apresentavam 'aqueles quese ernpenhavam num projeto e numa pratica detransformacao social nas novas condicoes de desen-vofvimentoindustrial e afiuencla que rcaracter i-zavamespecialmente as sociedades europeias oci-dentais e a norte-americana.

    No entente, uma vezmais, as proprias condicdesda sociedade americana faziam com que opsnduloda contraculturacafsse mais fortemente na dire-dio dos Estados Unidos. Ao contrario da [uven-tudeeuropeia, que trazia as costas todo 0 peso delima longa tradic;:aode luta pol ltlca de esquerdabastante institucionalizada, 0 jovem norte-ameri-cano contava com um background radical deesquerda bem menos solido. Oeste modo, era nosEstados Unidos que as novas formas decontes-tac;:ao e luta pol Itica postas em cena pelos movi-mentos de rebeliao da juventude iam encontrar 0campo mais tertii de surgimentoe desenvolvi-menta.A populacao jovem norte-americana, maisl ivredo peso de uma tradic;:ao que seus colegaseuropeus,

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    sentia-se especial mente estimulada pela presencadegrupos bastantesignificativos do ponte de vistapol itico (rninorias etnlcas 01,.1 cultura ls), mas quenao encontravarn urn lugar muito definido e estabe-leeido em espacos ins ti tucionais t radicionalmentevoltados para uma atuacso pol ftica mais reconhe-c ida, como sindicatos ou partidos. Assim, a juven-tude americana mostrava-se rnais sens lvel aquelasnovas formas de contestacao, menos sisternaticas emen os explici tamentepolft icas , bern como, de umacerta forma, se revelava ainda mais inovadora eradical na formulacao e concretizacao daquelestipos de luta que deixavam em rnuitas cabecas umamesma duvida: mas isso e pol ft ieo?.Em linhas certamente rnuito gerais, este e 0pan ade fundo contra 0 qual vemos frorescer toda acuJtura jovern dos anos60, batizada com a r6tulode contracultura. Esta, por sua.vez, se concretizouatraves de lnurneras manifes tacoes surgidas em dife-rentes campos, como odas Artes, com especial des"taque para a rnuslca, ou melhor, para 0 rock; 0 daorqanizacao social, aparecendo em primeiro planoaenfase dada pelo moyimento hippie a vida comuni-taria, na cidade ou no campo; e,ainda, 0 da atua-c;ao pol Itica. Aquichama a atencao tanto 0ovoestilo de manifestacao e intervencao surgido nobojode toda a cultura pslcodelica que.os mesmoshippies popularizavam, quanto a atuacao da NovaEsquerda. Isto pode ser melhor observado tanto riapratica do movimento estudantil internacional

    o que IiContraculturaIespecla lmente na sua grande demonstracao de for-ca que foio Maio de 68), como em inurnerosoutros momentos, quando aliancas com hippies,negros ou outras "torcas ernerqentes" permitiramaosestudantes abrlr as portas de novos espac;:osdelntervencao pol Itica, .

    Especialrnente no que se refere aos Estados Uni-dos, . t oda a movirnentacfo t;!m,.torno das variasrnanltestacoes da cultura jovem, indo do flowerpower aos estudantes e intelectuais da NovaEsquerda, passando por movimentos como 0 gaypower ou. women's lib, e acompanhada de pertopelo surgimento e pela consolldacao do blackpo_wer, 0 poder negro, cuja luta teve como pontode partida e ponte de articulacao com a revolta deoutros grupos a diflc il .ba ta lha pelos dlreitos c iv isque marcou, desde o Infcio, a decade de 60 nosEstados Unidos.Pela posicao especial que 0 negro ocupa na soc i e- 'dade americana, visive lmente oprirn ido e radical-mente exclu Ide frente ao american way of life,'elenao apenas detem urn enorme potencial de revolta,como tambern se constitui nurn aliadoquase que.natural do jovem branco de .carnadas medias que serebela diante do Sistema, recusando suas eventuaisofertas e vantaqens, ainda que nao seja pass [velomitir a diferenca racial existente entre os do is qru-pas. Para este jovem brancoo negro e , ao mesmotempo, um coraloso sfrnbolo de rebeldia diante daopressao e de recusa de urn estilo de vida contra 0

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    /,.qual aquele mesmo jovem - filho do Establishment- luta desesperadamente. Oeste modo, 0 negroassume, de certa forma, a papel de depositario devalores ja nostalgicamente perdidos para a branco,e 0 encontro com ele, suas tradicdes, sua rnusica,sua culture, enfirn, e 0 encontro com a torca deurna vigorosa fonte "natural" de rebeldia e recusa,Nao e de estranhar, portanto, todo a peso e a siqni-ficado que a negro vaiganhar - e, par a I,0 podernegro - aos olhos daquela cultura jovem ... ebranca.

    Nao apenas nos Estados Un idos, mas em todosas lugares onde floresceu, a cultura jovem dos anos60 foi extremamente sensivel e sirnpatlca a toda equalquer rnovimentacso -de grupos etnicos au cul-turais que se vissem nessa posicso de margirialidadeou exclusao diante das vantagens e promessas dasociedadeocidental. Alem disso, 0 tipo deluta queestes grupos se viam obrigados a levar adiante -fora dos espacos polit icos tradicionaise, portanto,tendo quese valer de urn alto grau de inventividade- os aproximava da utopia revolucionarla daquelajuventude que, por suas ideias e tarnbern pela posi-c;ao que ocupava naquela rnesrna.sociedade, sa viana continqencia de ter que buscar safdas alternativaspara expressar seu descontentamento e fazer yarersuas crencas e sua voz.

    E, certamente, estas sa ldas foram encontradas.Urna delas, por exernplo, ea rnusica. No quadro dacontracultura, 0 rock e um tipo de manlfestecso

    Oquee Con tracu l tura

    que esta longe de ter urn significado apenas musi-cal. Por tudoque conseguiu expresser, portodo aenvolvlrnento social que conseguiu provocar, e ~mfenorneno verdadeiramente cultural, no sentidomais amplo da palavra, constituindo-se num d~sprincipais ve lculos da nova cultu:a que .e~plodlaem plene coracao das sociedades industrials avan-cadas. .Mas algum tempo antes do rock dosanos. ? O , u~outro ritmo nao muito afastadodaqueleja haviatarnbern demonstrado sua enorme capacidade dernobilizacao social . Era 0 rock-tn-roll, em mead osdos anos 50, com seu balance frenetico e sensual ,seus estridentes acordes de guitarra eletrica e seufiel e alucinado publico jovem. Quem nao se lem-bra de nomes como Bill Haley, Alan Freed, ChuckBerry, Little Richard, Fats Domino. au The Plat-ters? Ou de muslcas como "Rock around t~;Clock", "Only You!', "Roll over Beethoven,"Hock and Roll Music", "Back in the USA",

    "Carol" "Tutti Frutti" ou "Sweet Little Sixteen"?E, afin~I, quem nao selembrade figuras _comoJames Dean - s imbolo maximo da contestacao dos"rebel des sernoausa" - ou Elvis Presley, que, comsua voz sensual e seus requebros audaciosos, faziamuita moca desmaiar nas primeiras filas da platelade seus shows? Esta era a epoca do rock-in-roll,Ainda que feito par rnusicos mais velhos, 0=:'n-roll dos anos 50 j13 inha um publico certoe defi-nido: a [uventude branca rebel d e e com uma forte

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    consciencia de idade. Ao mesma tempo, este tipode rnusica aperava uma vigorosa e expressive sfn-tese de rnuslca brancae rnuslcaneqra, Por outrolado, e deste filao musical que surge toda uma su-I , cessao de dancas e ritrnos tais como a twist, 0Me-dison, 0Watusi, 0hully gully, 0surf, 0jerk e assimpordiante. Foi, finalmente, este sam do rock-tn-rotlque acompanhou e embalou a dia-a-dla de urnajuventude que entso cornecava a descobrlr a forca eo alcance de seu potencial de contestacao.Mas 0 rock dosanos 60 nao apenas levaria toda .esta hist6ria adiante como tambern traria dadosnovos. Urn deles - e que nao era de pequena impor-tancia - refere-se a umarnalor' aproximacso deidade entre os compositores e/ou interpretes e publico da musica jovem. Ao contrario do rock- 'n -roll, criadopara [ovens por musicos mais velhos, 0rock dos anos 60 era um tipo de musics feito par[ovens e psre [ovens, Desta forma, para aqueles queainda nao acreditavam que a juventude havia se tor-nado uma poderosa forca social, a f estava a rnusicaa evidenciar ruidosamente este fato novo.Diante do grande numero de lnterpretes, cornpo-sitores e grupos que compoern 0 mundo do rockintemacional, e diffcll saber quem apontar no sen-tido de reavivar urn pouco desta hist6ria. Entre-tanto, urna coisa e certa: h a tre s nomes que inicia-ram, pelo menos em suas grandes linhas, esta verda-deira revolucso cultural que a rnusica rock dos anos60 slntetiza, constituindo-se, assirn, em referencias

    .

    obrigat6rias para quemqu iser evocar 0 "esp frito"desta epoca. Sao eles: Os Beetles, Bob Dylan e osRolfing Stones. De ambos os lados do Atlantico, 0trabalhodestas pessoas abria novos caminhos paraa rnusica. Mas, alem disso, elas eram capazes, prin-cipalmente, de encarnar a revolts e as aspiracoes detoda uma juventude rebelde que via na aliancaentre Arte, comportamento e contestacso umanova possibilidade de expressaoe sustentacaodesua identidade.No comeco da decada de 60, na cidade operarlade Liverpool, Inglaterra, quatro rapazes colocavamno ar sua muslca eletrizante. Eram eles JohnLennon, Paul McCartney, George Harrison e RingoStarr. Rapidamente, a palavra B ee t l e s passava a sig-nificar nao apenas musiea, mas, especial mente,todo urn novo estilo de vida que, ao lado de novoscomportamentos, inclu fatarnbern humor, inveneao,novas roupas e ate rnesrno urn novo corte de cabelo,Aos poucos.: uma verdadeira beatlemania t.omavaconta da [uventude, 0que evidentemente era acorn-panhado de perto pela industria da comun icacao demassa. Certarnente nao era a toa que, em 1966,Lennon afirrnava: "Somes mais populares que Je-sus Cristo". Afinal de contas, apenas urn ana antes,eles haviam side condecorados pela rainha da lnqla-terra, fato que provocou uma enorme onda de pro-testos na tradicional Camara des Lordes.Ja desde 1956, Lennon e Paul McCartney toea-vam juntos no conjunto Th e Quarrymen, que 0 pri-

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    metro havia orqanizado naquele -anD. Em 1958, eraa vez de George- Harrison se juntarao grupo, que,agora ,' passava ase chamar The Silver'Seatles.Em1961 iera contratado 0 ernpresario Brian Epstein,que, durante todo seu contrato com 0 conjunto,foi 0 responsavel par uma certa orlentacao discipl i-nadora e pelo constante- reparo da imagem publicado grupo, o que se constituiunuma fonte fre-quente de conflitos. Briansempre demonstrou, porexemplo,grande preocupacao com as roupas eaaparencia do grupo, tendo pra ticamente inventadoos terninhos e 0 corte de cabelodos Beatles. Con-forme declaracoes do proprio Lennon, em 1971:"Brian litera l mente limpou a nossa imagem. Haviabrigas .homertcasporque eu me recusava va meernbonecar, Ele e Paul formaram ate uma especlede allanca para me manter na linha: eu estava sern-pre sujando a imagemdos Beatles". Em 1962, Hin-go Starrvinha se juntar aos outros tres, ocupando alugar do baterista Pete Best, e causando por issoenormes protestos por parte das fas do bateristaanterior, as quais, nas apresentacdes, gritavam frasescomo: "Peteis best" e "Pete Best Forever -, Ringonever!". Estava assim formado 0 conjuntoque,segundo a declaracao do crftico do jornal $.f/ndayTimes, de Londres, reunia "os rnaiores cornposi-tores, desde Beethoven". -Em 'outubro de 1962, surge 0 primeiro grandesucesso dos Beatles: e lancado 0compacto de LoveMe Do. Em janeiro de 1963,0 grupo lancava oseu

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    primeiro LP: Please Please Me. Estava no ar 0 Liver-pool Sound. Em novembro do mesmo ano, 0 can-junto se apresentava para a Fam I li a H eal , no RoyalVariety Show, e, rapidamente, se tornava 0 assuntodo memento em todo 0mundo. Foi nesta apresen-tac;::aoque Lennon, com seuhumorcrftlco, convi-dou a platela a participar do espetaculo dizendo:"Quem estiver nos lugares mais baratos, bata pal-mas; os outros, nos assentos mais cares, apenasagitem suas jolas", No mesmo ano, depois de variasapresentacoes por toda a Inglaterra, provocandoverdadeiras reacoes de rnassa com jovens gri tando edesmaiando,o conjunto batia urn recorde: 6 LP W;ththe Beetles chegava a s lojas corn mais de 250 mil pe-didos antecipados, s6 na Inglaterra. A partir dar, osBeetles seguiam sua enorme carreira de sucesso.

    Uma vez conquistado 0 Reino Unido, partiarnagora para a conquista dos Estados Unldos. Em1964,0 conjunto e recebido por mais de del milfa s no aeroporto Kennedy, em Nova York. Alemdisso, aparecem no Ed Sullivan Show e sao assis-tidos por mais de setenta milh5es de pessoas. Suasapresentacoes no Washington's Coliseu e no Carne -g;eHall sao um estrondoso sucesso. No rnesmoano,o filrne A Hard Day's' Night {que, no Brasil,recebeu 0 titulo de as Refsdo /e-Ie-/e} e urn enor-me sucesso de publico e crftica, Em 1965,ea vezdo album e do filme He/p. Ainda nesteano, grupo lanes 0 disco Rubber Soul, que vai marcaro comeco de sua maior sofisticacao - na faixa

    "Norwegian Soul",por exemplo, George Harr ison,crescentemente interessado pela fndia, fazia usoda cftara,o ano de 1967 marca 0 comeco de uma serie dernodificacdes navida e na producao do grupo. Emagosto, o empresario Brian Epstein se suicida. Apartir deste mesmo ana, passam a trabalhar apenasem estudio - a ultima apresentacso ao vivo haviasido em Sao Francisco, em agosto de 1966. 0mis-ticismo e, especial mente, a alusso ao uso de drogascomecavarn a aparecer no trabalho do grupo.Asslm, por exernplo. "A Day in the Ufe" tern suaexecucso proibida em estacoes americanas e ingle-sas por referencia direta a drogas. 0ano de 1967foi uma epoca de grande lnfluencia oriental, atravesprincipal mente do contato com 0 Maharishi - 0gum da Medrtacao Transcendental, No ana seguin-te os Beatles ainda se encontrariam na India estu-dando meditacao com 0 mesmo Maharishi. Emjunho de 1967, surgia 0 LPSGT Pepper's LonelyHearts Club Band - verdadeiro marco na hist6riados Beatles, que praticamente inaugura a era doexperimentalismo eletronico na muslca popularcontemporanea =, cuja faixa "Lucy in the Skywith Diamonds" trazia asiniciais LSD, asmesmasque identificavam oalucin6geno responsavel pelasgrandes "viagens" daquele momento. Em dezem-bro deste mesmo ano, e lancado 0 filme Mag;calMistery Tour, que foi duramente criticado.Por estaepoca, cada urn dos Beatles comec;:ava a

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    se tornar mais independente um do outro, ao mes-mo tempo que suas posicoes individuais jam to-mando rumos cada vez mais especff icos: 0agressivoativ ismo politico radical e inovador de Lennon, 0carisma romantico epraqrnatico.de Paul, 0orienta-lismo psicodelico de Harrison ou 0 humorismosimpat ico de Ringo.

    No ano de 1968, aparaciarn, entre outras produ-

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    juventude dos anos 60 tinha urn pouco a ver comaquele clirna de desencanto, ela nao deixava deapontar para urn novo momenta que mais umavez se traduziria no trabalho individual de cada umdeles a partir dali, .

    Nos Estados Unidos, tarnbern desde 0 comecodos anos 60, um outro nome marcava a musics dadecada. Era Robert Zimmerman au, como e bernmais conhecido, Bob Dylan, que, em 1960, comapenas 19 anos, trocava seu estado natal de Minne-sota pelo [af'amoso bairro de Greenwich Village,em Nova York, uma das cenas privifegiadas de todaa movirnentacso do underground americana.Ao fango de sua traietoria nas decades de 60 e70, Dylan desernpenhou 0 papel de uma figuraextremamente polernica, capaz de gerar os protes-tos mais radicals por parte de seu publico, ao mes-rna tempo emque era tornado como umverdadeirornito. Cantor folk, porta-voz da Nova Esquerdaamericana, guru dos hippies, inovador do rock,estes sao alguns dos rotulos com que ele teve que sedefrontar naquefes anos quentes e diffceis. De urn.modo ou de outro, 0 fato e que Dylan alcancavau rn sucessoestrondoso, nao apenas como artistamas, baslcamerrts, como urn dos Ifderes de todauma gera((ao.Sua chegada a Nova York,no comeco da decadade 60, havia significado urn encontro radical eduradouro com a rnuslca folk, ao rnesmo, tempoque Ihe facilitava urn contato rnals direto com todo

    o mundo pop que entao se concentrava especial- .mente no Village. i ' : . porvolta desta epoca, porexemplo, que Dylan S8 encontra.corn Woody Guth-rie - seu verdadeiro. Idola -, que, algum tempodepots, lhe fariaeste enorme elogio: "P~te Seeger eurn cantor de muslcas folk, Jack Ell iot e urn cantorde musicas folk; mas Bob Dylan e um cantor folk':.i ' : . . dentro das estruturas darnusica folk amen-cana que Dylan vai construir a seu LP de estreia -intitulado Bob Dylan -, lancado em marco de 1962,alguns meses antes do lanc;:a~ent? do pri~e~rosucesso dos Beetles. 0 disco inclu ra cornposicoesdo proprio Dylan, bem como cancoes ~e vel hascompositores de blues e outras que vanavarn domais tradicional ao rnais rnoderno folk.o seusegundo LP, The Freewheelin'Bob Dylan,lancado em maio de 1963, evidenciava 0 desenvol-virnento de seu trabalho. E par volta deste momen-to que Dylan corneca a se afirmar como a porta-voz da Nova Esquerda, como 0 grande cantor daprotest song. E deste LP, par exernplo, a can((.ao"Blowing in the Wind", que se tornau verdadelrohino do Movimento dos Direitos Civis que se estru-turava com mais vigor naquele momento, e diantedo qual Dylan. ao lade de Joan Baez, desempe-nhava urn papelde frerite. Assim, ambos parti-cipam, em Washington, par exemplo, em agosto de1963 da Marchados Direitos Civis.E~este mesmo ano, em julho, no Newport Fol kFestival , que ele se aflrrna definitivamente, ao lado I

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    de nornes ja consaqrados como Pete Seeger, Peter,Paul and Mary e mesmo Joan Baez. Emerge, assirn,deste Festival, como uma dasgrandes vozesdonovo movimento juventude/folk. As declaracoes deDylane Baez a imprensa reforcarn suas poslcoes eliderancas, "Minhas cancoes protestarn contra aguerra, contra as bornbas e os preconceitos raciais,contra 0 conformismo", dizia Bob Dylan. De suaparte, Joan Baez afirmava: "Ha coisas que me cho-cam profundamente: 0 assassinato de criancas porpoeira radloativa ou 0 assassinato dos espfri tos pela "segregac;:ao -racial. Gosto de cantar e nao possoesquecer tudo isso quando canto".o seu tsrceiro LP , The Times TheyAre A-Chan-gin', de janeiro de 1964, 56 vem reafirrnar 0 fatode que, ja bem mais do que urn rnusico, Dylanhavia se convertldo num verdadeiro "caminho a se-quir" -para uma juventudeque via nas suas cancossa denuncia das mazelas e contradicoes de uma socie-dade que se afirmava como 0 reino absoluto daliberdade e da qual, cada vez mais, 0 jovem arneri-cano desconfiava abertamente.

    Mas 0 ano de 1964, na trajet6ria de Bob Dylan,representaria um momento de virada. Dos temassocia is e pol Itlcos mais expl icitos, passavaagora aexplorar especial mente aqueles referentes ao amore ao seu mundo interior; e tudo isto, diga-se de pas"sagem, com 0 mesmo pique inovador e revolucio-nario de antes. Mas 0 publico nao aceitaria assimtao facilmente a rnudanca de orlentacso daquele

    que se havia convertido num autentico I ider e iriaprotester ruidosamente. _ .. _o LP Another Side of Bob Dylan, lancado emagosto de 1964, trazia urna rnusicairrtitulada "Mr.Tambourine Man", cantada no Newp~rt .F?lk Fes"tival daquele ano, que efetivamente ~Ignlflcou. urndivisor de aguas. Nela, Dylan ternanzava .a liber-dade de esp I rito e, acima de tudo, os efeitos das"viagens" de drogas. Se antes havia se tornado 0arauto da Nova Esquerda, agora 0 publico rnaisespecffico que conquistava e_ram ,? S hipl!ie~.

    -Em marco de 1965, surqia 0 LP Brmgmg It A~Iback Home, no qual Dylan, retomando os carru-nhos do rock, partia para 0 que se cornecava a cha-mar de folk-rock. Esta retomada do rock lhe custa-ria, por exemplo, a perda do apoio de J~an Baez.Cada vez rnais suas novas poslcoes aparecram, parao seu publico' de esquerda mais tradicional, comouma verdadeira traicao ao movimento de contes-tacao, - .'0 acidentede motocicleta sofrido por Dylanpouco depois dosurgimento de seu album B!onde -on Blonde (1966) 0 afasta por um ~n~ e r ne ro ?a sqravacoes e das apresentacoes em publico. lro~nlca~mente, foi durante esta ausencia prolongada e. lnV~-tunt~ria que aquela parcelada juvent~de umversr-tar ia "engajada"-conseguiu se desvencllhar de seuspreconceitos com relacao it m~s!ca :(jc~. Entre-tanto isto naoseria capaz de pacificar inteirarnenteas rel~90es de Dylan com a publico e mesmo com a

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    crftica.Sua vontade de questionar e de inovar erabern maior que a oreocupacso com urn sucessofacil e garantido. . .E : no hist6r ico anode 1968, no mes de Janeiro ,que Dylan faz sua rentree, depois-daqusls ana emeio de ausdncla . 0 LP intitulava-se John WesleyHarding e trazia a marca de urn grande despoja-menta com rnusicas cantadas numa voz tenue sua-ve. Trabalho que, pela nega~ao detoda cornplexi-dade au radicalismo, era uma verdadeira volta asrafzes e a simplicidade, opondo-se diametralmentea I!nha do ro~k progressivo, experimental, quehavia se consolidado durante seu afastamento masque rapidamen.te cornecava a dar mostras de desgas-te e ernpobrecimento. Fechando 0 disco duas rnu-sica_:;country. Aqui nao se pode esquec~r a cone-ta~a9 fortemente reaclonaria que tinha a countrymUSIC I voltada para 0 interior, para a campo, parao mundo dos pequenos camponeses e frequente-mente apropriada pela rnentalidade conservadoradas classes daminantes. E Dylan sabia muito bem .~: t~do iss? Mais do que apenas uma nova expe-rrencra musical, este seu trabalho invest ia vigarosa-mente contra sua imagem de mito, de guru, de~uem se esperam respostas a todas as perguntas' . ~m~g~mesta que 0publico, apesar dos desencontros,I~SJst la em cult ivar diante dele. Nessa mesma linhasrtua-se 0 LP Nashville Skyline, de abril de 1969 .. Mas sua grande performance de questionamentodiante do publico feria lugar no Festival da Ilha de

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    Wight, na Inglaterra, em aqosto de 1969, fechandoa turbulenta decade de 60. Recusandoa imagem dogenio mfstico e-revoluclonarlo, ele,provacativa-mente, seapresentou como alquern prospero, ele-gantemente vestido, tudo isto acompanhado deuma lnterpretacso: amena e discreta. 0 publicoreaqiaindiqnado,

    No entanto este aindanao era a ponte maximode lndignac;:ao que eleseria capaz de provocar.Emjunho de 1970 era a vez do polernlco album duploSelf Portrait, uma dose talvez excessiva, mesmopara Dylan, de convencionalismo. Ainda nestemesmo ana, e numa especie de "correcao de rota")ele grava New Morning, de certa forma uma reutili-zac;:ao no seu trabalhode urna contestacao maisexpllcita. mais evidente. Este disco Ihe valeu darevista Rolling Stone, que havia criticado dura-mente seu trabalho anterior, 0seguinte comentario:"Dylan nos pertence de novo!"Durante 0 ana de 1971, 'dais trabalhosem queele revisita com mais frequencia seu passadd: Wat-chin' the River Flowe More Gretest Hits. t: tam-bern deste ana 0 lancarnento do livro Tarantula,reunindo diversos textos seus.Os anos de 1972 e 1973 foram, para Dylan, umperfodo deatividades mais tranqiiilas.e discre tas.J a e m 1974, ele nao apenas volta ase apresentarem publico com grande frequencla - realizando,par exemplo, uma grande e bern-sucedlda tourneepelosEstados Unidos -, como lanca um de seus

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    grandessucessos de publico e decrf tica: 0 LP Pla-net Waves. Porern, rnais importante do que 0 suces-so deste seu trabalho era 0 fato dele evidenciar aextraordinaria capacidade de Dylan no sentido detrabalharsimultaneamente com as diversas vari-antes contidas em sua criac;:aomusical. E, desta for-n:a: Planet Waves fazia urn pouco a ponte entre asvanas facetas de sua controvertida tra jetoria artfs-tico-rnusicalrde arauto da Nova Esquerda a gurudo~ hippies, passando por fonte de indignac;:aogene-_rallzada de todas as partes. Mas, por estaepoca, jiiia .Ionge 0 tempo aureo da contracultura a, talvezate r:nesmo porIsso, fosse agora .possfvel este tlpode s tntese da parte de alguem que viveu tao lnten-sa mente as propostas e os conflitos de seu mo-mento . Pelos anos afora, 0 trabalho de Bob Dylanvern continuando, de. umarnaneira ou de outra adesempenhar 0 papel constante de urn verdadeiromarco na musica internacional.

    Voftando a Ingla terra, nos defrontamos agoracom a violerrta furla revolucionaria de urn grupoque certamente marcou como poucos uma epocanao apenas na rnusica, mas tambern na cultura: osRQI~ingStones. Quem nao se lembra, por exemplo,do mcrfvel sucesso de "Satisfaction", em meadosda decade .de 60? Mas este e um fato pequeno secomparado a historia deste grupo que hoje, nosanos 80, ja atingiu sua maioridade.Para muita gente, os Rolling Stones sao a figurade Mick Jagger. Seu jeito agressivoe provocador

    fez de sua imagem a marea registrada dos Stones e,aos poucos,ele foi se tornando a figura central dogrupo. Quando os Bea~les ja faziam.grandeNsucessona Inglaterra, os Roiling Stones ainda nao eramconhecidos. No entanto, a rapida ascensao da ban-da de Liverpoolnao deixava de ser utll aos Stones,embora este grupo trilhasse urn caminho proprio ebastante diferente daquele seguido pelos Beatles,com seu discrete ar de "bons rnocos" . Ao contrario,a imagem dos Rolling Stones era de uma rebeldiaagressiva, alucinada, ate mesmo tern I ve l, - AHomossexualismo, uso de drogas, escandalos,acidentes nos shows. conflitos e choques com auto-ridades, estes sao alguns dos ingredientes de u~aimagern que traduzia a furia radical da contesta9ao'de urna parcela da juventude internacio~al. .o perfodo de formacao do grupo val de mars .oumenos 1960 - ano em que Mick Jagger e KeithRichards se encontram nurn trem e corlVersam sa-bre sua paixao cornum pelo rhythm and blues - a1962, quando, em julho, ainda sem todos os nomesque fariam a fa rna do grupo, ele se apresenta aovivo pela prirnelra vez, no clube Marquee, em Lon-dres com 0 apoio de Alexis Korner, que, naquelaepo~a, llderava uma importante blues band cha-mada Blues Incorporated. Durante 0 segundo se-mestre de 1962, numa serie de idas e vindas, 0gru-po vai tomando sua forma rnais def~nit!va e, ~mjaneiro de 1963, estava assimconstltu ~do: MlckJagger, Bill Wyman, Keith Richards, Brian Jones,

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    Charlie Watts e, finalrnente, Ian Stewart, que logodeixaria a grupo, voltando apenas para eventuaisencontros e gravar;5es.Ao longo de praticarnente vinte anos, as HollinqStones vernproduzindo urn trabalho que incluinurnerosos discos, alguns fitmes e urna incrfvel per-formance no palco capaz de abalar qualquer plateia,o anode 1963 marcou, efetivarnente, 0 infciode carreira dos Stones. Foi ernabril que AndrewLoog Oldham os v iu p e la primeira vez. Uma s ema-na depois, ele assinava .urn contrato para ernpre-sariar 0 grupo. A partir da I, inicia-se urn verdadeiroturbilhao de atividades. No espaco de apenas selssemanas que sa seguiram, as Stones conseguiramurncontrato de gravayao com a Decca e urn com-pacta simples - Come on. Tambern poressa epocafazem sua primeira apresentacao na TV. De setern-bro a novernbro realizam uma excursao por toda aInqlaterrae, pouco antes do final da (Ournee, sur-gi a urn novo compacta: I Wanna Be Your Man.No ano seguinte, 1964, 0 grupo j6 estava plena-mente aflrmado, com enormesucesso e uma ima-gem definida. Surgia 0prirneiro album: The RollingStones. Eo ana seguiu realrnente chela de ativi-dades e eventos: apresentacoes no palco e TV,toutnees dentro e fora da fnglaterra e encontrosrnemoraveis . Em uma de suas duas viagens reali-zadas aos Estados Unidos naquele ana, grupo,durante urna grava9ao no Chess Studios, .de Chica-go, encontra-se com Chuck Berry, Muddy Waters e

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    cW ill ie D ix on . A i nd a urn fato importantetsuaapre-sentacso no EdSullivan Show,mi:quele mesrnoano;desencadeou tal h ister ia na audlencla do estudio 'q ue e le s n ao p ud eram mais aparecer por [ a. A l ia s,freqilenternente, suas apresentacbes ao vivo erambastan te turnultuadas, quase nao se podendo nemmesmo ouvi-los, 0 publico, ' enlouquecia, atiravao bje to s s ab re a p alc o, d estr u fa a s te atro s., A s tournees por diversos p ars es c on tin ua ram e m1 96 5. A lia s, elasrsempre fo ram um a constante nav id a d o grup o. N aqu ele ano foi a ve z, po r ex em plo,d a A u str alia , A us tr ia , p a ( se s d a E sc an din av ia, A le -m an ha , F ran ca, Ir landa e . n o va rn e nt e, OS EstadosU nid os . U m n ov o L P , i ntitu lad o Out of Our Heads,trazia u rn do s grand es su cesso s do s S to ne s: a c om -posicao "(I C an 't G et N o} Satisfac tio n". P or e ssaepoca,Jagger e Richards com ecarn a com por suas.proprlas ocancoes. A prim eira delas, "The" L astT im e", v ai ap are ce r e m L P d o ana seq uin te.1 966 : n ov am en te v ar la s tournees pela Europa eEstados Unidos. Quan ta aos L Ps, dois m erecemdestaque: Aftermath, com a fam osa faixa "P ain t itBlack", e Got Live If You Want It, onde aparece areferida cancao "The L ast Tim e", de auto r ia deJ ag ge r e R ic ha rd s.o ana de 1967 n a o foi fac il p ara os S ton es, te n-do sido rnarcado pelo prim elro de um a longa seriede processes por usa de droqas, K eith R ic hards eM ick Jagger fo ram julgadose condenados a pen a sde respectivam ente urn ana e tres m eses de prisao .

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    Foienorm e a reac;:ao de to do 0mundodo rock e,em ju lho, a c on de nac ;:a o d e R ic ha rd s e ra an ula da e .aJagger era dada liberdade condicional. Era 0 'prJ-m e ir o g ra nd e affair snvolvendo drogas e astros dorock de modo tao aber to , com rantoespaco naim pre nsa ln te rn ac io na l. L ogo fo i a v ez . ~e B ria.n J o-ne s condenado a nove m eses de pnsao, S al sobp ag~ me nto d e fian ce . m as acab a ho sp ltalizado so~a a leg ac ;: a ode exaustao nervosa. 0 ano de 1967 fO Ide LP s como Between The Buttons, Flowers e,f lnalmente, Their Satanic Majesties Request, qu efoi a pr im eira e ultim a grande lncursao dos Stonesn a o nd a d a m us ic s p sic od ellc a.Em ' 1 96 8; 0 gru po prod uzia d ois L Ps d e e no rm esucesso: Jumpin'Jack Flash e Beggar'sBanquet, de -fin ido pela irnprensa especial.zada com o "um dosm aiore s albu ns de rock- 'n-roll dos an os 6011, e quetrazia duas faixas que m arcar iam epoca: "Sym -pathy fo r The Devil" e "Street Fighting ~an". A ?contra r ib do ultim o LP de 1 967 - Their- SetenicMajesties Request = bastante m arc ado p elo int~ -resse d e B rian Jo ne s n o u so d e ln strum en to s e le tro -nicos os do is de 1 968 significavam a opcao par urncarnin ho d ife re nte , on de , alias, B rian tinh a p ou capar ticipacao. E a par tir dai, inc lusive , que com e"c am a s e e vid en cia r d ife re nc as m us ic ais fo rte s e ntr e~Ie e 0 r es ta nt e d o c on ju nt o. Por o utro lado , suasdificuldades de re lacionam ento com 0 grupo e,s sp ec ia lm en te , s ua d iffc il c on viv en cia c o~ 0 fatoda llderanca quase natural de Jagger term mam por

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    isola-lo cadavez mals.ate queviesse a deixar 0gru-po em junho do anoseguinte, sendo posterior-mentecontratado 0guitarrista Mick Taylor.Mas 0 ano de 1969 serla bem mars turnultuadodo que 0 afastamento de urn dos componentes doqrupo p~deria fazer supor, Havia sido programado,para 0 dia 5.de [ulho, um grande concerto gratuitono Hyde Park. Apenas dois dias antes da data pre-vista para 0 show, uma traqedia abalava a vida dosStones: Brian Jones aparecia marta ern-sua piscinavitimado par urn ataque de asma, segundo a versa~que circulou oficialmente. No entanto, os rumoressobre urn consumo constante e excesslvo de drogasnao cessavam.:Apesar do abalo causado par' aque-fa morte sublta, 0 concerto nao deixoude ser rea-lizado, tendo sido dedicado ao ex-companheiro.1969 for tarnbern 0 ana dos traqlcos epis6dios deAltamont, registrados no referido filme GimmeShelter, que estreou na Inglaterra em 1971. ~ tam-bern deste ano de 1969 a LPLet It Bleed, tituloque, traduzido, significa "deixa sanqrar".Em 1970 aparecia 0 fime Ned Kelly, que con-tava com a participacao de Mick Jagger e, em 1971,era a vez de Performance, novamente com ele.Tambern nesteano de 1971 surgia a "Rolling Sto-nes Records", cujo sfmbolo era 0 desenhode umaenorme I[ngua. 0 primeiro LPa aparecer com 0novo selo foi Sticky Fingers. A partir de entaotodos as discos do grupo seriam produzidos pelaRolling Stones Records. Foi tam bern em 1971

    que se deu 0 polernico casarnento de Mick Jagger. coma nicaraqilense Bianca Perez Morena de Macias,a partir de entao simpfesmente Bianca Jagger. Mui-tos se perguntavam como era poss lvel que uma fi-gura tao radical e contestadorado rnundo do rockcomo MickJagger fosse capaz de sesubmeter asreqras de urna cerirnenia de casamento que, afinalde contas, descontadosalguns "efeitos especlals",era igual a qualquer outra, Imediatamente, a casalpassava a ocupar lugar de destaque no jet-set inter-nacional , estando a imprensa atenta a sua presenc;:a,sempre notada em qualquer lugar. Sua separacaodefinitiva, no entanto, vlrla a ocorrer em 1979,quando se divorciarn tam bern com grande alarde.Em 1972, surgia 0 album duplo Exi le on MainStreet. Novamente, t ou r ne e s pelos Estados Unidose tarnbern Canada. E cads apresentacso era umaocasiso sernpre renovada de verdadeiro del frio parparte do publico.No ana de 1973, um fato marcante: devido a ssucessivas acusacbes de usa dedrogas, os Stonestern sua entrada proibida no Japao e Australia, em-bora este ultimo pa IS logo volte etras em sua deci-sao. Surgia a LP Goats Head Soup com a faixa"Angie"," que apareceria tambern em compactasimples.Em 1974, mais urn remanejamento na estruturado .conjunto: Mick Taylordeixa a grupo que, pos-teriormente, incorpora Ronnie' Wood, assumindoentao os Stones sua cornposicao atual, Ouanto aos

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    LPs, era a vez de It'sOn/y Rock-tn-Roll.Pass ados mais de dez anos desde seu apareci-mento, as Rolling Stones haviam alcancado urn lu -gar absolu,tamenteproprio e lncontestavsl no rnun-do do rock internacional. E, nurn certo sentido,eram umgrupo que resistia como poucos a dirni-nuic;::ao'de intensidade da contestacao da contra-cultura, que, par e ss a , epoca, ja dava mostras evi-

    dentes de desinteqracao como movimento. Ao lon-goda, decada de 70 e mesrnoentrando agorana de80, as RolJing Stones seguem com seu trabalhomusical, registrando uma longa serle de albuns 'realmente incriveis. Eis alguns: Black and Blue(1976), Love You Live (1977), Some Girls (1978)Emotional Rescue (1980), Tattoo You (1981). E ~f6J~go do conjunto, assim como 0 de seu publicocativo: nao parece diminuir com 0 passar do tem-po - multo pelo ccntrario.Mas, apesar da forca e da irnpcrtancia do papelque tiveram grupos como os Beetles e os RollingStones au urn compositor/interprete do porte de

    Sob Dylan, a panorama da musica jovem dos anos60 e cO(l1ec;::oos 70 certamente engloba uma quan-tidade incrivel de outros nornes que seria diffcillistar 'aqui.. The Mama's and The Papa's, Genesis,Yes, Deep Purple, Led Zeppelin, Queen, Animals,The Who, Pink Floyd, Mothers of InventionJethro Tun, saoapenas algumas referencias dentr~de uma enorme serie,No entanto, ha dois nomes que, pelo impacto )

    que causaram no curto espaco 'de suas carreiras,exigem urn registro especial: Jimmy Hendrix eJanis Joplin. Fat no Festival de Monterey, nosEstados Unidos, -em 1967 , que eles fizeram suaexplosive aparicao e, em 1970, nurrr perfodo dequinzedias, ambos merriam.Tanto num case como no outro eram mortesque, de uma certa rnaneira, significavam a angus-tiante exploracao quase obriqatoria dos limites doseu tempo. Ementrevista a revista Esquire, no anode 1968, no auge da fama, Janis Joplin declarava:"Talvez eu nao dure muito tempo, mas, se eu mecontrolo, nao yOU; servir para nada, eqore" , Essemesmo sentido de urgencia diante do momentopresente, de valorizacao extrema do "aqui e agora"marcou a atuacaode Jimmy Hendrix.Enquanto Janis Joplin interpretavaos senti-mentos daepoca atraves de seus b/ues,cantadoscom vozrouca e tancinante - cheqandornesmo aser tida como acantora favarita dosHell's Angels=Hendrix 0 fazia atraves de umahabitidadetodaespecial no usa da guitarra eletrica, Nas suas rnaos,todos os sons possfveis e impossiveis deste instru-mento eram radicalmente explorados, incluindo-semesmo o usa deliberado da distorcao como ele-menta musical. Era a rnusicaeletronlca no seudesenvolvimento maximo, a n ivel da musica popu-lar. Nas palavras de Lu IsCarlos Maciel, "aguitarraeletrica, em Jimmy Hendrix, naoeapenas urn novosom: e urna nova experienciaexistencial queexige;

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    para que se estabeleca uma comunicaeao efetiva,uma alteracso profunda na propria maneira de.viver do ouvinte, nos proprios valores que norteiamse u .comportamento e no seu proprio sistema ner-voso".Uma exceJente amostra de tudoisso que vemsendo dito e, por exernplo, sua apresentacao noFestival de Woodstock, nos Estados Unidos, no anode 1969, quando, em dado momenta, Hend rix ini-cia uma longa Irnprovisacao com aguitarraa partirdo tema de "Star' Spangled Banner", 0 hino dosEstados Unidos. Pouco a pouco, atraves de um somviolentoeangustiado, a melodia vai sendo literal-mente estracalhada, dissolvida e, em segulda, semnenhuma interrupcao, ele corneea a tocar a "PurpleHaze", uma de suas composicoes mais celebres,com enorme suavidade e delicadeza, numa tenta-tiva de contrapor, a desinteqracao dohino nacionalamericano, urn novo hino da contracultura. .Ainda uma vez e Lu IS Carlos Maciel que chama aatencao para a expressiva ligac;aoentre Hendrix, de

    um lade, eo rock e a contracultura, de outro. "Doponte de vista estr itamente musical , a obra de Hen-drix encerra a grande lic;ao cultural do rock. Foiessa musics que praticamente estabeleceu a me-todo fundamental de crlacao da contracuftura.Consiste basicamente em recolher 0 lixo da culturaestabelecida, a que e , pelo menos, considerado lixopelos pad roes intelectuais vigentes, e curtir esseIiXCi, >leva~loa serio como materia-prima da crlacao

    r:de uma nova cultura. Misticismo irracionalista, filo-sofi~ . oriental, astroloqia, especulacao metafisica,hedonismo prlrnitivista etc.,geralmente conside-rados bobaqens infantis pelo melhor pensarnentomoderno, foram transformados nas principals dis-ciplinas da academia do underground."Principalmente durante a segunda meta de dadecada de 60, os grandes acontecimentos musicais .dacontracultura foram os festivais. Reunindo umnurnero enorme de grupos, compositores e inter-prates - e, obviamente.vurn publico gigantesco -,esses happenings musicaiseram uma o ca si ao u ni capara 0 encontro -daqueles que, as vezes desespera-damente, tentavam criar um mundo novo quefuqlsse aos limites do Sistema,

    Forarn lnurneros esses festivais e t iveram lugar,especial mente, nas mais diferentes cidades dos E s-tados Unidos eda Europa, No entanto,pelo menosdois deles, pela irnportancia que tiveram enquantomarcos nao apenas da.rnusica, mas do rnovirnentode contracuJtura como um todo, exigem uma refe-renda especial - Woodstock e Altamont. Porrazoes diversas mas, possivelmente, com igualimpacto sobre 0momenta, ambos extrapolaram demuito as fronteiras da musics e marcaramepoca nahistoria do movimento de rebeliao da juventudeinternacional.Ambos os festivals se realizararn no ana de 1969,tendo resultado em filmes (WoodstoCk e GimmeShelter) igualmente lncrfveis e que naopodem dei- IIIi

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    xar de ser vistas poralquern que queira entenderpor dentro urn pouco daquele tempo. No entanto,ha ~ma diferenca profunda entre eles: enquanto afestival de Woodstock representou a realizacaoa~ui e agora, ~~. utopia do peace and love, pel~clirna de tranqullidads ealegria em que transcor-reu: ~Itamont, ao contrarlo, apontou para a-des-tru rcao, para 0 f .im da chamada "era de Aquarius".pelo tom aqressivo e pelos epis6dios de violenciasanqrenta que a rnarcaram, culminando com 0assassmato de urn negro pelos Hell's. Anqels.Nas palavras de Abbie Hoffman. urn dos namesobriqatorlos da contracultura norte-americana eautor de um livro sabre urn desses festivals, intitu-!a~o W':JOdstock Nation,o clima daquele encontrofOI assrm descrito: "Se eutivesse que resumir aex~eriencia ? e Woodstock, eu diria que foi.a pri-rneira.tentat iva de aterrissar urn homem na Terril"Realmente, 0 que se configurou duranteaquelestres dias fol a "nacso" de Woodstock. um Dutropals, urn outro mundo, onde a lema " e proibido~roibir", do Maio de 68 frances, foi posto em pra-trca de verdade, nun) ambiente psicodelico commui~a musica (nornes como. Jimmy Hendrix: JanisJoplin, Ten Years After, Santana, Richie Havens,Joan Ba~z, J?e Cocker etc. etc.), muita alegria,onde mero. mllhao de pessoas forrnavarn uma ver-dadeira cornunidade, no me!hor estilo da filosofiahippie da epoca.J a Altamont, ao contrario, reaJizado quatro

    meses depois de Woodstock, em dezembro de 69, .nao teve a mesma sorte ese configurou como urndos momentos maisnegros da utopia da contra-cultura, deixando 'no arum forte sentimento defrustracao, perplexldade efracasso.E . assim que Maciel, em texto escrito na epoca;lntitulado "OFracasso da Contracultura" comentaa festival: "Para cornemorar uma bem-su~edida ex-cursaopelos Estados Unidos que Ihes rendeu maisde urn rnilhao de dolares, os Rolling Stones resol-veram oferecer urn concerto de grac;:a aos fas daCalifornia, ondee alta a percehtagem de hippieseafins.EscolheramAltamont, que fica a quarentamilhas de San Francisco, contrataram alquns gru-pos famosos para os numeros de abertura (Santana,Grateful Dead, Jefferson Airplane etc.) e derarn aosHell's Angels, a assustadora gang de motocicJistas,urn carninhao cheio de cerveja como paqarnentopar seus services como 'guarda de seguranc;:a'. Com-pareceram ceres de trezentas mil pessoas - e 0desastre foi total. a congestionamento de trafepo. transformou a area num verdadeiro inferno. Alerndo acido e da maconha, eao contrarlo do queaconteceu em Woodstock, as bebidas alcoolicas e asbol inhas de anfetamina tiveram um arnplo consu-mo. A violdncia estourava a cada momenta, emdiscussoes e brigas sanqrentas, Chamados de'fascistas' pelo publico, os Angels espancavarnquem pintasse na frente, Ouatro pessoas morreram:La afogada eduas atropeladas pelos automoveis I

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    , -, irritados. 0 restante, um estudante negro chamadoMeredith Hunter, foi esfaqueado por umAnge! nomomenta em que apontava um revolver na c;lirecaodo palco, enquanto Mick Jagger cantava as versosescabrosos de 'Sympathy for the- Devil'. ( ... ) Aeuforia criada por Woodstock era forte dernais e1970 foi, de acordo, urn ano carreqado de oti-misrno. Mas a agua continuavaa rolar sob a ponte ea proprio Woodstock teria de ser esquecido.Aquele sonho colorido nao poderia durar para sern-pre e, na falta de novas felizes conflrmacoes, Alta-mont foi ressuscitada com seus sombrios signifi-cados, como um despertarcruel para a dura reali-dade".

    Ficava assirn evidenciada a presence da vlolenciado 6dio, enfim, da contra-utopia no .interior dapropria contracultura. E a presence marcante dosHell's Angels noseplsodios de Altamont so corro-borava aindamais esta evidencia. Este grupo eraurnaorqanizacso direitista e extremamente violentaque surgiu na California, nos Estados Unidos, masquese estendeu por varies pa [ses da Europa. Decla-radamente fascistas, com urn cornportarnento pau-tado pela intolerancia e autorttarlsrno, 0 gruposempre chamou atencso pelo usa ostensivo decapacetes, suasticas e medal has sobre seus blusoesde couro negro. '

    MaS, com todas suas contradicces, estes.e outrosfestivais de musics foram, talvez, os grandes rna-mentes de atualizacso da utopia da contracultura:

    da transforrnacao, da revolucao aqui e agora, E,para isso, a musics, ou, melhor, 0 rock desempe-nhou um papel fundamental.Sobre 0 show de rock, Billy Mundi, do conjuntoMothers of Invention, afirma 0 seguinte: "No espe-taculo convencional, 0 artista procura fazer que 0publico se identifique com ele e nele se anule, Euma tecnica reacicnaria, No rock sao os rnuslcosque devem se ldentif icar com 0 publico e se anularno publico, E urn sentirnento revolucionario, 0som amplificado, que corta toda possibilidade decomunicacao nao s6 com a pessoa ao lado mas decad a pessoa consigo rnesma. As luzes relarnpejantes,que diluem as relacoes de espaco e anulam a capa-cidade de orientar-se segundo 0 habito embrute-ceder do espaco t ridimensional . Entao tudo explo-de, Explode a sequranca que 0 Sistema oferece,Explode a sequranca que oferecem a rotina e oshabitos, aceltos passlvarnente porque sao rnaiscornodos e ajudam a sobreviver. 0 hornem seencontra consigo mesmo e ao mesmo tempo con-fundido com urna multidao infinitade outroshornens. Nao somos gents de espetaculo, naofazemos espetaculo. Somos apenas provocadoresde um rite".No grande rito da contracultura, que 0 rock aju-dava a encenar, urn grupo tinha umpapel absoluta-mente fundamental: eram os hippies. Com seumundo psicodellco, seus cabelos agressivamentecompridos, suas roupas coloridas e exoticas, enfim,

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    com seu ar freak (estranho, extravagante) , elescomecararn a encher 'as ruas dos Estados Unidos,ou melhor, da California, ja desde os prirneirosanos da decada de 60. E nao e preciso dizer que, dela, eles cornacaram a seespalhar pelo mundo intei-ro, numa viagem Jongae sinuosa, Era 0 flower po-w e r que cornecava a ganhar seu Jugar ao sol, com aaval de names nada desprez fveis como Andy War-hol, Ginsberg, Thimathy Leary, Alan Watts, Me-Luhan, Marcuse e tantosoutros., Nas principais eidades dos Estados Unidos, cer-tas partes ou mesma avenidas convertiam-se, poucoa pouco, em verdadeiros centros de'hippismo. ~oque ocorre, por exemplo, com Haight-Ashbury(emSao Francisco), Sunset Boulevard (em Los Angeles),Old Town (em Chicago) au East Village (em NovaYork). Par outre lado, cidades co