O Que e o Espiritismo ?

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Alan Kardec - O que é o Espiritismo?

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  • O QUE O ESPIRITISMO

  • por

    Allan Kardec

    Contendo o RESUMO DOS PRINCPIOS DA DOUTRINA ESPRITA E RESPOSTAS S PRINCIPAIS OBJEES

    QUE PODEM SER APRESENTADAS.

    (Contm a Biografia de allan KardeC por Henri SauSSe.)

    O QUE O ESPIRITISMO

    Introduoao conhecimento do mundo invisvel,

    pelas manifestaes dos espritos.

    Traduo da Redao de Reformador em 1884

  • Copyright 1884 byFEDERAO ESPRITA BRASILEIRA FEB

    56a edio 1a impresso 2 mil exemplares 12/2013

    ISBN 978-85-7328-766-0

    Ttulo do original francs:Quest-ce que le spiritisme(Paris, junho de 1859)

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida, total ou parcialmente, por quaisquer mtodos ou processos, sem autorizao do detentor do copyright.

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    Texto revisado conforme o Novo Acordo Ortogrfico.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Federao Esprita Brasileira Biblioteca de Obras Raras)

    K18q Kardec, Allan, 18041869

    O que o Espiritismo / por Allan Kardec. [traduo da Redao de Reformador em 1884] 56. ed. 1. imp. Braslia: FEB, 2013. 213 p.; 23 cm

    Traduo de: Quest-ce que le spiritisme

    Introduo ao conhecimento do mundo invisvel, pelas manifestaes dos espritos. Contendo o resumo dos princpios da doutrina esprita e resposta s principais objees que podem ser apresentadas.

    Contedo parcial: Biografia de Allan Kardec / por Henri Sausse.

    ISBN 978-85-7328-766-0

    1. Espiritismo. I. Federao Esprita Brasileira. II. Ttulo.

    CDD 133.9 CDU 133.7 CDE 00.06.01

  • Sumrio

    Biografia de Allan Kardec ............................................................. 7

    Prembulo ................................................................................... 39

    Captulo I Pequena conferncia esprita .................................. 41Primeiro dilogo O crtico .............................................................. 41 Segundo dilogo O ctico .............................................................. 52

    Espiritismo e espiritualismo: 53; Dissidncias: 55; Fenmenos espritas simulados: 56; Impotncia dos detratores: 58; O maravilhoso e o sobrenatural: 59; Oposio da Cincia: 61; Falsas explicaes dos fenmenos: Alucinao Fluido magntico Reflexo do pensamento Superexcitao cerebral Estado sonamblico dos mdiuns: 66; No basta que os incrdulos vejam para que se convenam: 70; Boa ou m vontade dos Espritos para convencer: 71; Origem das ideias espritas modernas: 72; Meios de comunicao: 75; Mdiuns interesseiros: 79; Mdiuns e feiticeiros: 84; Diversidade dos Espritos: 85; Utilidade prtica das manifestaes: 89; Loucura, suicdio e obsesso: 90; Esquecimento do passado: 92; Elementos de convico: 95; Sociedade Esprita de Paris: 97; Interdio do Espiritismo: 98.

    Terceiro dilogo O padre ................................................................ 99

    Captulo II Noes elementares de Espiritismo ....................... 123Observaes preliminares:123; Dos Espritos: 125; Comunicao com o mundo invisvel: 128; Fim providencial das manifestaes espritas: 137; Dos mdiuns: 138; Escolhos da mediunidade: 142; Qualidades dos mdiuns: 145; Charlatanismo: 148; Identidade dos Espritos: 149; Contradies: 150; Consequncias do Espiritismo: 151.

    Captulo III Soluo de alguns problemas pela Doutrina Esprita ... 155Pluralidade dos mundos:157; Da alma:158; O homem durante a vida terrena:160; O homem depois da morte: 168.

    Posfcio ...................................................................................... 177O que o espiritismo, de Allan Kardec O primeiro livro publicado sob os auspcios da FEB: 177.

    Nota Explicativa ........................................................................... 183

    ndice Geral ................................................................................. 189

  • BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC1

    Minhas senhoras, meus senhores:Muitas pessoas que se interessam pelo Espiritismo manifestam mui-

    tas vezes o pesar de no possurem seno muito imperfeito conhecimen-to da biografia de Allan Kardec, e de no saberem onde encontrar, sobre aquele a quem chamamos mestre, as informaes que desejariam conhecer. Pois para honrar Allan Kardec e festejar a sua memria que nos achamos hoje reunidos, e um mesmo sentimento de venerao e de reconhecimento faz vibrar todos os coraes. Em respeito ao fundador da filosofia esprita, permiti-me, no intuito de tentar corresponder a to legtimo desejo, que vos entretenha alguns momentos com esse mestre amado, cujos trabalhos so universalmente conhecidos e apreciados, e cuja vida ntima e laboriosa existncia so apenas conjeturadas.

    Se fcil foi a todos os investigadores conscienciosos inteirarem-se do alto valor e do grande alcance da obra de Allan Kardec pela leitura atenta das suas produes, bem poucos puderam, pela ausncia at hoje de elementos para isso, penetrar na vida do homem ntimo e segui-lo passo a passo no desempenho da sua tarefa, to grande, to gloriosa e to bem preenchida.

    No somente a biografia de Allan Kardec pouco conhecida, seno que ainda est por ser escrita. A inveja e o cime semearam sobre ela os mais evidentes erros, as mais grosseiras e as mais impudentes calnias.

    Vou, portanto, esforar-me por mostrar-vos, com luz mais verdadei-ra, o grande iniciador de quem nos desvanecemos de ser discpulos.

    Todos sabeis que a nossa cidade se pode honrar, a justo ttulo, de ter visto nascer entre seus muros esse pensador to arrojado quo metdico,

    1 N.E.: Seu verdadeiro nome Hippolyte-Lon-Denizard Rivail, conforme estudo de autoria de Zus Wantuil, inserto em Reformador de abril de 1963, p. 95 e 96, intitulado Kardec e seu nome civil.

  • Biografia de Allan Kardec

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    esse filsofo sbio, clarividente e profundo, esse trabalhador obstinado cujo labor sacudiu o edifcio religioso do Velho Mundo e preparou os no-vos fundamentos que deveriam servir de base evoluo e renovao da nossa sociedade caduca, impelindo-a para um ideal mais so, mais elevado, para um adiantamento intelectual e moral seguros.

    Foi, com efeito, em Lyon, que, a 3 de outubro de 1804, nasceu de antiga famlia lionesa, com o nome de Rivail, aquele que devia mais tarde ilustrar o nome de Allan Kardec e conquistar para ele tantos ttulos nossa profunda simpatia, ao nosso filial reconhecimento.

    Eis aqui a esse respeito um documento positivo e oficial:Aos 12 do vindemirio2 do ano XIII, auto do nascimento de

    Denizard Hippolyte-Lon Rivail, nascido ontem s 7 horas da noite, filho de Jean-Baptiste Antoine Rivail, magistrado, juiz, e Jeanne Duhamel, sua esposa, residentes em Lyon, rua Sala, no 76.

    O sexo da criana foi reconhecido como masculino.Testemunhas maiores:Syriaque-Frdric Dittmar, diretor do estabelecimento das guas mi-

    nerais da rua Sala, e Jean-Franois Targe, mesma rua Sala, requisio do mdico Pierre Radamel, rua Saint-Dominique, no 78.

    Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assim como o Maire da regio do Sul.

    O presidente do Tribunal.(assinado): Mathiou

    O futuro fundador do Espiritismo recebeu desde o bero um nome querido e respeitado e todo um passado de virtudes, de honra, de probi-dade; grande nmero dos seus antepassados se tinham distinguido na ad-vocacia e na magistratura, por seu talento, saber e escrupulosa probidade. Parecia que o jovem Rivail devia sonhar, tambm ele, com os louros e as glrias da sua famlia. Assim, porm, no foi, porque, desde o comeo da sua juventude, ele se sentiu atrado para as Cincias e para a Filosofia.

    Rivail Denizard fez em Lyon os seus primeiros estudos e completou em seguida a sua bagagem escolar, em Yverdun (Sua), com o clebre pro-fessor Pestalozzi, de quem cedo se tornou um dos mais eminentes discpu-los, colaborador inteligente e dedicado. Aplicou-se, de todo o corao,

    2 N.E.: Veja-se Reformador de abril de 1947, p. 85.

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    propaganda do sistema de educao que exerceu to grande influncia sobre a reforma dos estudos na Frana e na Alemanha. Muitssimas vezes, quando Pestalozzi era chamado pelos governos, um pouco de todos os lados, para fundar institutos semelhantes ao de Yverdun, confiava a Denizard Rivail o encargo de o substituir na direo da sua escola. O discpulo tornado mestre tinha, alm de tudo, com os mais legtimos direitos, a capacidade requerida para dar boa conta da tarefa que lhe era confiada. Era bacharel em Letras e em Cincias e doutor em Medicina, tendo feito todos os estudos mdicos e defendido brilhantemente sua tese.3 Linguista insigne, conhecia a fundo e falava corretamente o alemo, o ingls, o italiano e o espanhol; conhecia tambm o holands, e podia facilmente exprimir-se nesta lngua.

    Denizard Rivail era um alto e belo rapaz, de maneiras distintas, hu-mor jovial na intimidade, bom e obsequioso. Tendo-o a conscrio inclu-do para o servio militar, ele obteve iseno e, dois anos depois, veio fundar em Paris, rua de Svres, no 35, um estabelecimento semelhante ao de Yverdun. Para essa empresa se associara a um dos seus tios, irmo de sua me, o qual era seu scio capitalista.

    No mundo das letras e do ensino, que frequentava em Paris, Denizard Rivail encontrou a Srta. Amlie Boudet, professora com diploma de 1a classe. Pequena, mas bem-proporcionada, gentil e graciosa, rica por seus pais e filha nica, inteligente e viva, ela soube por seu sorriso e predicados fazer-se notar pelo Sr. Rivail, em quem adivinhou, sob a franca e comuni-cativa alegria do homem amvel, o pensador sbio e profundo, que aliava grande dignidade mais esmerada urbanidade.

    O registro civil nos informa que:Amlie-Gabrielle Boudet, filha de Julien-Louis Boudet, propriet-

    rio e antigo tabelio, e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe, nasceu em Thiais (Sena), aos 2 do Frimrio do ano IV (23 de novembro de 1795).

    A Srta. Amlie Boudet tinha, pois, mais nove anos que o Sr. Rivail, mas na aparncia dir-se-ia ter menos dez que ele, quando, em 6 de fevereiro de 1832, se firmou em Paris o contrato de casamento de Hippolyte-Lon-Denizard Rivail, diretor do Instituto Tcnico rua de Svres (Mtodo de Pestalozzi), filho de Jean-Baptiste Antoine e senhora, Jeanne Duhamel, residentes em Chteau-du-Loir, com Amlie-Gabrielle

    3 N.E.: Ver Reformador de maro de 1958, p. 67.

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    Boudet, filha de Julien-Louis e senhora Julie-Louise Seigneat de Lacombe, residentes em Paris, rua de Svres, no 35.

    O scio do Sr. Rivail tinha a paixo do jogo; arruinou o sobrinho, perdendo grossas somas em Spa e em Aix-la-Chapelle. O Sr. Rivail reque-reu a liquidao do Instituto, de cuja partilha couberam 45.000 francos a cada um deles. Essa soma foi colocada pelo Sr. e Sra. Rivail em casa de um dos seus amigos ntimos, negociante, que fez maus negcios e cuja falncia nada deixou aos credores.

    Longe de desanimar com esse duplo revs, o Sr. e Sra. Rivail lan-aram-se corajosamente ao trabalho. Ele encontrou e pde encarregar-se da contabilidade de trs casas, que lhe produziam cerca de 7.000 francos por ano; e, terminado o seu dia, esse trabalhador infatigvel escrevia noite, ao sero, gramticas, aritmticas, livros para estudos pedaggicos superiores; traduzia obras inglesas e alems e preparava todos os cursos de Levy-Alvars, frequentados por discpulos de ambos os sexos do faubourg Saint-Germain. Organizou tambm em sua casa, rua de Svres, cursos gratuitos de Qumica, Fsica, Astronomia e Anatomia comparada, de 1835 a 1840, e que eram muito frequentados.

    Membro de vrias sociedades sbias, notadamente da Academia Real dArras, foi premiado, por concurso, em 1831, pela apresentao da sua notvel memria: Qual o sistema de estudo mais em harmonia com as neces-sidades da poca?

    Dentre as suas numerosas obras convm citar, por ordem cronolgi-ca: Plano apresentado para o melhoramento da instruo pblica, em 1828; em 1829,4 segundo o mtodo de Pestalozzi, ele publicou, para uso das mes de famlia e dos professores, o Curso prtico e terico de Aritmtica; em 1831 fez aparecer a Gramtica francesa clssica; em 1846, o Manual dos exames para obteno dos diplomas de capacidade, solues racionais das questes e problemas de Aritmtica e Geometria; em 1848 foi publicado o Cate-cismo gramatical da lngua francesa; finalmente, em 1849, encontramos o Sr. Rivail professor no Liceu Polimtico, regendo as cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Qumica e Fsica. Em uma obra muito apreciada resume seus cursos, e depois publica: Ditados normais dos exames na Municipalidade e na Sorbonne; Ditados especiais sobre as dificuldades ortogrficas.

    4 N.E.: Houve engano dos bigrafos. No foi em 1829, mas em 1824. Ver Reformador de 1952, p. 77 e 79.

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    Tendo sido essas diversas obras adotadas pela Universidade de Frana, e vendendo-se abundantemente, pde o Sr. Rivail conseguir, gra-as a elas e ao seu assduo trabalho, uma modesta abastana. Como se pode julgar por esta muito rpida exposio, o Sr. Rivail estava admiravelmente preparado para a rude tarefa que ia ter que desempenhar e fazer triunfar. Seu nome era conhecido e respeitado, seus trabalhos justamente aprecia-dos, muito antes que ele imortalizasse o nome de Allan Kardec.

    Prosseguindo em sua carreira pedaggica, o Sr. Rivail poderia viver feliz, honrado e tranquilo, estando a sua fortuna reconstruda pelo traba-lho perseverante e pelo brilhante xito que lhe havia coroado os esforos, mas a sua misso o chamava a uma tarefa mais onerosa, a uma obra maior, e, como teremos muitas vezes ocasio de o evidenciar, ele sempre se mos-trou altura da misso gloriosa que lhe estava reservada. Seus pendores, suas aspiraes, t-lo-iam impelido para o misticismo, mas a educao, o juzo reto, a observao metdica, conservaram-no igualmente ao abrigo dos entusiasmos desarrazoados e das negaes no justificadas.

    Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas mesas girantes, a princpio do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual mantinha relaes, em razo dos seus estudos sobre o Magnetismo. O Sr. Fortier lhe disse um dia: Eis aqui uma coisa que bem mais extraordinria: no so-mente se faz girar uma mesa, magnetizando-a, mas tambm se pode faz-la falar. Interroga-se, e ela responde.

    Isso, replicou o Sr. Rivail uma outra questo; eu acreditarei quando vir e quando me tiverem provado que uma mesa tem crebro para pensar, nervos para sentir, e que se pode tornar sonmbula. At l, permita--me que no veja nisso seno uma fbula para provocar o sono.

    Tal era a princpio o estado de esprito do Sr. Rivail, tal o encontra-remos muitas vezes, no negando coisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer; tais nos devemos mostrar sem-pre no estudo to atraente das manifestaes do Alm.

    At agora, no vos falei seno do Sr. Rivail, professor emrito, autor pedaggico de renome. Nessa poca, porm, da sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizonte se rasga para esse pensador profundo, para esse sagaz observador. Ento o nome de Rivail se obumbra, para ceder o lugar ao de

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    Allan Kardec, que a fama levar a todos os cantos do globo, que todos os ecos repetiro e que todos os nossos coraes idolatram.

    Eis aqui como Allan Kardec nos revela as suas dvidas, as suas hesi-taes e tambm a sua primeira iniciao:

    Eu me encontrava, pois, no ciclo de um fato inexplicado, contrrio, na aparncia, s Leis da natureza e que minha razo repelia. Nada tinha ain-da visto nem observado; as experincias feitas em presena de pessoas hon-radas e dignas de f me firmavam na possibilidade do efeito puramente ma-terial, mas a ideia, de uma mesa falante, no me entrava ainda no crebro.

    No ano seguinte era no comeo de 1855 encontrei o Sr. Carlotti, um amigo de h vinte e cinco anos, que discorreu acerca desses fenmenos durante mais de uma hora, com o entusiasmo que ele punha em todas as ideias novas. O Sr. Carlotti era corso de origem, de natureza ardente e enrgica; eu tinha sempre distinguido nele as qualidades que ca-racterizam uma grande e bela alma, mas desconfiava da sua exaltao. Ele foi o primeiro a falar-me da interveno dos Espritos, e contou-me tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencerem, aumentaram as mi-nhas dvidas. Voc um dia ser dos nossos disse-me ele. No digo que no respondi-lhe eu ; veremos isso mais tarde.

    Da a algum tempo, pelo ms de maio de 1855, estive, em casa da sonmbula Sra. Roger, com o Sr. Fortier, seu magnetizador. L encontrei o Sr. Ptier e a Sra. Plainemaison, que me falaram desses fenmenos no mes-mo sentido que o Sr. Carlotti, mas noutro tom. O Sr. Ptier era funcionrio pblico, de certa idade, homem muito instrudo, de carter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu-me viva impresso, e, quando ele me convidou para assistir s experincias que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, rua Grange-Batelire, no 18, aceitei com solicitude. A entrevista foi marcada para a tera-feira5 de maio, s 8 horas da noite.

    Foi a, pela primeira vez, que testemunhei o fenmeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em condies tais que a dvida no era possvel.

    A vi tambm alguns ensaios muito imperfeitos de escrita medinica em uma ardsia com o auxlio de uma cesta. Minhas ideias estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que devia ter uma causa.

    5 N.T.: Esta data ficou em branco no manuscrito de Allan Kardec.

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    Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espcie de divertimento que com esses fenmenos se fazia, alguma coisa de srio e como que a revelao de uma nova lei, que a mim mesmo prometi aprofundar.

    A ocasio se me ofereceu e pude observar mais atentamente do que ti-nha podido fazer. Em um dos seres da Sra. Plainemaison, fiz conhecimento com a famlia Baudin, que morava ento rua Rochechouart. O Sr. Baudin fez-me oferecimento no sentido de assistir s sesses hebdomadrias que se efetuavam em sua casa, e s quais eu fui, desde esse momento, muito assduo.

    Foi a que fiz os meus primeiros estudos srios em Espiritismo, me-nos ainda por efeito de revelaes que por observao. Apliquei a essa nova cincia, como at ento o tinha feito, o mtodo da experimentao; nunca formulei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava, dedu-zia as consequncias; dos efeitos procurava remontar s causas pela de-duo, pelo encadeamento lgico dos fatos, no admitindo como vlida uma explicao, seno quando ela podia resolver todas as dificuldades da questo. Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores, des-de a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, desde o princpio, a gravidade da explorao que ia empreender. Entrevi nesses fenmenos a chave do problema to obscuro e to controvertido do passado e do futuro, a solu-o do que havia procurado toda a minha vida; era, em uma palavra, uma completa revoluo nas ideias e nas crenas; preciso, portanto, se fazia agir com circunspeo, e no levianamente; ser positivista, e no idealista, para me no deixar arrastar pelas iluses.

    Um dos primeiros resultados das minhas observaes foi que os Es-pritos, no sendo seno as almas dos homens, no tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana cincia; que o seu saber era limitado ao grau do seu adiantamento, e que a sua opinio no tinha seno o valor de uma opi-nio pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o comeo, evitou-me o grave escolho de crer na sua infalibilidade e preservou-me de formular teorias prematuras sobre a opinio de um s ou de alguns.

    S o fato da comunicao com os Espritos, o que quer que eles pu-dessem dizer, provava a existncia de um mundo invisvel ambiente; era j um ponto capital, um imenso campo franqueado s nossas exploraes, a chave de uma multido de fenmenos inexplicados. O segundo ponto, no menos importante, era conhecer o estado desse mundo e seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Cedo, observei que cada Esprito, em razo

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    de sua posio pessoal e de seus conhecimentos, desvendava-me uma fase desse mundo, exatamente como se chega a conhecer o estado de um pas interrogando os habitantes de todas as classes e condies, podendo cada qual nos ensinar alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar-nos tudo. Cumpre ao observador formar o conjunto, com o auxlio dos documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e confrontados entre si. Eu, pois, agi com os Espritos como o teria feito com os homens: eles foram, para mim, desde o menor at o mais elevado, meios de colher informaes, e no reveladores predestinados.

    A estas informaes, colhidas nas Obras pstumas de Allan Kardec, convm acrescentar que a princpio o Sr. Rivail, longe de ser um entu-siasta dessas manifestaes e absorvido por outras preocupaes, esteve a ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito se no fossem as instantes solicitaes dos Srs. Carlotti, Ren Taillandier, membro da Academia das Cincias, Tiedeman-Manthse, Sardou, pai e filho, e Didier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenmenos e tinham reu-nido cinquenta cadernos de comunicaes diversas, que no conseguiam pr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptides de sntese do Sr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse conhecimento e os pusesse em termos , os arranjasse. Este trabalho era rduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicaes; e o sbio enciclopedista recusava-se a essa tarefa enfadonha e absorvente, em razo de outros trabalhos.

    Uma noite, seu Esprito protetor, Z., deu-lhe, por um mdium, uma comunicao toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras coisas, t-lo co-nhecido em uma precedente existncia, quando, ao tempo dos Druidas, viviam juntos nas Glias. Ele se chamava, ento, Allan Kardec, e, como a amizade que lhe havia votado s fazia aumentar, prometia-lhe esse Esprito secund-lo na tarefa muito importante a que ele era chamado, e que facil-mente levaria a termo.

    O Sr. Rivail, pois, lanou-se obra: tomou os cadernos, anotou--os com cuidado. Aps atenta leitura, suprimiu as repeties e ps na respectiva ordem cada ditado, cada relatrio de sesso; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a aclarar, e preparou as perguntas necessrias para chegar a esse resultado.

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    At ento, diz ele prprio, as sesses em casa do Sr. Baudin no tinham nenhum fim determinado; propus-me, a, fazer resolver os proble-mas que me interessavam sob o ponto de vista da Filosofia, da Psicologia e da natureza do mundo invisvel. Comparecia a cada sesso com uma srie de questes preparadas e metodicamente dispostas: eram respondidas com preciso, profundeza e de modo lgico. Desde esse momento as reunies ti-veram carter muito diferente, e, entre os assistentes, encontravam-se pessoas srias que tomaram vivo interesse pelo trabalho. Se me acontecia faltar, fica-vam as sesses como que tolhidas, tendo as questes fteis perdido o atrativo para o maior nmero. A princpio eu no tinha em vista seno a minha pr-pria instruo; mais tarde, quando vi que tudo aquilo formava um conjunto e tomava as propores de uma doutrina, tive o pensamento de o publicar, para instruo de todos. Foram essas mesmas questes que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O livro dos espritos.

    Em 1856, o Sr. Rivail frequentou as reunies espritas que se reali-zavam rua Tiquetonne, em casa do Sr. Roustan, com Mlle. Japhet, so-nmbula, que obtinha como mdium comunicaes muito interessantes, com o auxlio da cesta aguada;6 fez examinar por esse mdium as comu-nicaes obtidas e postas precedentemente em ordem. Esse trabalho foi efetuado, a princpio, nas sesses ordinrias; mas a pedido dos Espritos, e para que fosse consagrado mais cuidado, mais ateno a esse exame, foi continuado em sesses particulares.

    No me contentei com essa verificao, diz ainda Allan Kardec, que os Espritos me haviam recomendado. Tendo-me as circunstncias posto em relao com outros mdiuns, toda vez que se oferecia ocasio, eu a aproveitava para propor algumas das questes que me pareciam mais melindrosas. Foi assim que mais de dez mdiuns prestaram seu concurso a esse trabalho. E foi da comparao e da fuso de todas essas respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes refeitas no silncio da meditao, que formei a primeira edio de O livro dos espritos, a qual apareceu em 18 de abril de 1857.

    Esse livro era em formato grande, in-4, em duas colunas, uma para as perguntas e outra, em frente, para as respostas. No momento de public--lo, o autor ficou muito embaraado em resolver como o assinaria, se com o seu nome Hippolyte-Lon-Denizard Rivail, ou com um pseudnimo.

    6 N.T.: Arranjada em forma de bico.

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    Sendo o seu nome muito conhecido do mundo cientfico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo originar uma confuso, talvez mesmo prejudicar o xito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o assinar com o nome de Allan Kardec que, segundo lhe revelara o guia, ele tivera ao tempo dos Druidas.

    A obra alcanou tal xito que a primeira edio foi logo esgotada. Allan Kardec reeditou-a em 18587 sob a forma atual in-12, revista, correta e consideravelmente aumentada.

    No dia 25 de maro de 1856 estava Allan Kardec em seu gabinete de trabalho, em via de compulsar as comunicaes e preparar O livro dos es-pritos, quando ouviu ressoarem pancadas repetidas no tabique; procurou, sem descobrir, a causa disso, e em seguida tornou a pr mos obra. Sua mulher, entrando cerca das 10 horas, ouviu os mesmos rudos; procura-ram, mas sem resultado, de onde podiam eles provir. Moravam, ento, rua dos Martyrs, no 8, no segundo andar, ao fundo.

    No dia seguinte, sendo dia de sesses em casa do Sr. Baudin, escre-ve Allan Kardec, contei o fato e pedi a explicao dele.

    Pergunta: Ouvistes o fato que acabo de narrar; podereis dizer-me a causa dessas pancadas que se fizeram ouvir com tanta insistncia?

    Resposta: Era o teu Esprito familiar.P. Com que fim, vinha ele bater assim?R. Queria comunicar-se contigo.P. Podereis dizer-me o que queria ele?R. Podes perguntar a ele mesmo, porque est aqui. P. Meu Esprito familiar, quem quer que sejais, agradeo-vos ter-

    des vindo visitar-me. Quereis ter a bondade de dizer-me quem sois?R. Para ti chamar-me-ei a Verdade, e todos os meses, durante um

    quarto de hora, estarei aqui, tua disposio.P. Ontem, quando bateis, enquanto eu trabalhava, tnheis algu-

    ma coisa de particular a dizer-me?R. O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho que fazias; o que

    escrevias me desagradava e eu queria fazer-te parar.

    Nota O que eu escrevia era precisamente relativo aos estudos que fazia sobre os

    Espritos e suas manifestaes.

    7 N.E.: A 2a edio foi impressa em 1860, e no 1858.

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    P. A vossa desaprovao versava sobre o captulo que eu escrevia, ou sobre o conjunto do trabalho?

    R. Sobre o captulo de ontem: fao-te juiz dele. Torna a l-lo esta noite; reconhecer-lhe-s os erros e os corrigirs.

    P. Eu mesmo no estava muito satisfeito com esse captulo e o refiz hoje. Est melhor?

    R. Est melhor, mas no muito bom. L da terceira trigsima linha e reconhecers um grave erro.

    P. Rasguei o que tinha feito ontem.R. No importa. Essa inutilizao no impede que subsista o

    erro. Rel e vers.P. O nome de Verdade que tomais uma aluso verdade que

    procuro?R. Talvez, ou, pelo menos, um guia que te h de auxiliar e

    proteger.P. Posso evocar-vos em minha casa?R. Sim, para que eu te assista pelo pensamento; mas, quanto a

    respostas escritas em tua casa, no ser to cedo que as poders obter.P. Podereis vir mais frequentemente que todos os meses?R. Sim, mas no prometo seno uma vez por ms, at nova ordem.P. Animastes alguma personagem conhecida na Terra?R. Disse-te que para ti eu era a Verdade, o que da tua parte devia

    importar discrio; no sabers mais que isto.De volta a casa, Allan Kardec apressou-se a reler o que escrevera e pde

    verificar o grave erro que com efeito havia cometido. A dilao de um ms, fixada para cada comunicao do Esprito Verdade, raramente foi observada.

    Ele se manifestou frequentemente a Allan Kardec, mas no em sua casa, onde durante cerca de um ano no pde este receber nenhuma comunicao por mdium algum e, cada vez que ele esperava obter al-guma coisa, era obstado por uma causa qualquer e imprevista, que a isso se vinha opor.

    Foi a 30 de abril de 1856, em casa do Sr. Roustan, pela mdium Mlle. Japhet, que Allan Kardec recebeu a primeira revelao da misso que tinha a desempenhar. Esse aviso, a princpio muito vago, foi precisado no dia 12 de junho de 1856, por intermdio de Mlle. Aline C., mdium. A 6 de maio de 1857, a Sra. Cardonne, pela inspeo das linhas da mo

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    de Allan Kardec, confirmou as duas comunicaes precedentes, que ela ignorava. Finalmente, a 12 de abril de 1860, em casa do Sr. Dehau, sendo intermedirio o Sr. Crozet, mdium, essa misso foi novamente confirma-da em uma comunicao espontnea, obtida na ausncia de Allan Kardec.

    Assim, tambm, se deu a respeito do seu pseudnimo. Numerosas comunicaes, procedentes dos mais diversos pontos, vieram reafirmar e corroborar a primeira comunicao obtida a esse respeito.

    Urgido pelos acontecimentos e pelos documentos que tinha em seu poder, Allan Kardec formara, em razo do xito de O livro dos espritos, o projeto de criar um jornal esprita. Havia-se dirigido ao Sr. Tiedman, para solicitar-lhe o concurso pecunirio, mas este no estava resolvido a tomar parte nessa empresa. Allan Kardec perguntou aos seus guias, no dia 15 de novembro de 1857, por intermdio da Srta. E. Dufaux, o que deveria fazer. Foi-lhe respondido que pusesse a sua ideia em execuo e que no se inquietasse com o resto.

    Apressei-me em redigir o primeiro nmero, diz Allan Kardec, e o fiz aparecer no dia 1o de janeiro de 1858, sem nada dizer a pessoa alguma. No tinha um nico assinante, nem scio capitalista. Fi-lo, pois, inteiramente por minha conta e risco, e no tive de que me arrepender, porque o xito ultra-passou a minha expectativa. A partir de 1o de janeiro, os nmeros se sucede-ram sem interrupo, e, como o previra o Esprito, esse jornal se me tornou em poderoso auxiliar. Reconheci, mais tarde, que era uma felicidade para mim no ter tido um scio capitalista, porque estava mais livre, enquanto que um estranho interessado teria pretendido impor-me as suas ideias e a sua vontade e poderia embaraar-me a marcha. S, eu no tinha que prestar con-tas a ningum, por mais onerosa que, como trabalho, fosse a minha tarefa.

    E essa tarefa devia ir sempre crescendo em labor e em responsabili-dades, em lutas incessantes contra obstculos, emboscadas, perigos de toda sorte. medida, porm, que a lide se tornava mais spera, esse enrgico trabalhador se elevava, tambm, altura dos acontecimentos, que nunca o surpreenderam; e durante onze anos, nessa Revista esprita, que acabamos de ver como comeou to modestamente, ele afrontou todas as tempes-tades, todas as emulaes, todos os cimes que no lhe foram poupados, como ele mesmo relata e como lhe fora anunciado ao ser-lhe revelada a sua misso. Essa comunicao e as reflexes de que as anotou Allan Kardec nos mostram, sob um prisma pouco lisonjeiro, a situao naquela poca, mas

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    fazem tambm ressaltar o grande valor do fundador do Espiritismo e o seu mrito em ter sabido triunfar:

    Mdium, Mlle. Aline C. 12 de junho de 1856:P. Quais so as causas que me poderiam fazer fracassar? Seria a

    insuficincia das minhas aptides?R. No, mas a misso dos reformadores cheia de escolhos e pe-

    rigos; a tua rude; previno-te, porque ao mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar. No creias que te seja suficiente publicar um livro, dois livros, dez livros, e ficares tranquilamente em tua casa; no, preciso te mostrares no conflito; contra ti se aularo terrveis dios, implacveis inimigos tramaro a tua perda; estars exposto calnia, traio, mesmo daqueles que te parecero mais dedicados; as tuas melhores instrues sero impugnadas e desnaturadas; sucumbirs mais de uma vez ao peso da fadiga; em uma palavra, uma luta quase constante que ters de sustentar com o sacrifcio do teu repouso, da tua tranquilidade, da tua sade e mesmo da tua vida, porque tu no vivers muito tempo. Pois bem. Mais de um recua quando, em lugar de uma vereda florida, no encontra sob seus passos seno espinhos, agudas pedras e serpentes. Para tais misses no basta a intelign-cia. preciso antes de tudo, para agradar a Deus, humildade, modstia, de-sinteresse, porque abatem os orgulhosos e os presunosos. Para lutar contra os homens, necessrio coragem, perseverana e firmeza inquebrantveis; preciso, tambm, ter prudncia e tato para conduzir as coisas a propsito e no comprometer-lhes o xito por medidas ou palavras intempestivas; pre-ciso, enfim, devotamento, abnegao, e estar pronto para todos os sacrifcios.

    Vs que a tua misso est subordinada a condies que dependem de ti.

    Esprito Verdade

    Nota ( Allan Kardec que assim se exprime) Escrevo esta nota no dia 1o de ja-neiro de 1867, dez anos e meio depois que esta comunicao me foi dada, e verifico que ela se realizou em todos os pontos, porque experimentei todas as vicissitudes que nela me foram anunciadas. Tenho sido alvo do dio de implacveis inimigos, da injria, da calnia, da inveja e do cime; tm sido publicados contra mim infames libelos; as minhas melhores instrues tm sido desnaturadas; tenho sido trado por aqueles em quem depositara confiana, e pago com a ingratido por aqueles a quem tinha prestado servios. A Sociedade de Paris tem sido um contnuo foco de intrigas,

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    urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e que, mostrando-se amveis em minha presena, me detratavam na ausncia. Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. No mais tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do trabalho, tem-se-me alterado a sade e comprometido a vida.

    Entretanto, graas proteo e assistncia dos bons Espritos, que sem cessar me tm dado provas manifestas de sua solicitude, sou feliz em reconhecer que no tenho experimentado um nico instante de desfalecimento nem de desnimo, e que tenho constantemente prosseguido na minha tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a malevolncia de que era alvo. Segundo a comunicao do Esprito Verdade, eu devia contar com tudo isso, e tudo se verificou.

    Quando se conhecem todas essas lutas, todas as torpezas de que Allan Kardec foi alvo, quanto ele se engrandece aos nossos olhos e como o seu brilhante triunfo adquire mrito e esplendor! Que se tornaram es-ses invejosos, esses pigmeus que procuravam obstruir-lhe o caminho? Na maior parte so desconhecidos os seus nomes, ou nenhuma recordao despertam mais: o esquecimento os retomou e sepultou para sempre em suas sombras, ao passo que o de Allan Kardec, o intrpido lutador, o pioneiro ousado, passar posteridade com a sua aurola de glria to legitimamente adquirida.

    A Sociedade Parisiense de Estudos Espritas foi fundada a 1o de abril de 1858. At ento, as reunies se realizavam em casa de Allan Kardec, rua dos Martyrs, com Mlle. E. Dufaux, como principal mdium; o seu salo poderia conter de quinze a vinte pessoas. Cedo, a reuniu ele mais de trinta. Tornando-se, ento, esse local muito acanhado e no querendo onerar Allan Kardec com todos os encargos, alguns dos assistentes se pro-puseram formar uma sociedade esprita e alugar um outro local em que se efetuassem as reunies. Era preciso, porm, para se poderem reunir, obter o reconhecimento e a autorizao da polcia. O Sr. Dufaux, que conhecia pessoalmente o prefeito de polcia de ento, encarregou-se de dar os passos para esse fim, e, graas ao ministro do Interior, o general X., que era favo-rvel s novas ideias, a autorizao foi obtida em quinze dias, quando pelo processo ordinrio teria exigido meses, sem grande probabilidade de xito.

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    A Sociedade foi, ento, regularmente constituda e reunia-se todas as teras-feiras, no local que fora alugado no Palais-Royal, galeria Valois. A ficou durante um ano, de 1o de abril de 1858 a 1o de abril de 1859. No podendo l permanecer por mais tempo, reunia-se todas as sextas-feiras em um dos sales do restaurante Douix, no Palais-Royal, galeria Montpensier, de 1o de abril de 1859 a 1o de abril de 1860, poca em que se instalou em sede prpria, rua e passagem Sainte-Anne, no 59.

    Depois de haver dado conta das condies em que se formou a So-ciedade e da tarefa que teve a desempenhar, Allan Kardec assim se exprime (Revista esprita, julho de 1859):

    Dei em minhas funes, que posso dizer laboriosas, toda a exatido e todo o de-votamento de que fui capaz. Do ponto de vista administrativo, esforcei-me por manter nas sesses uma ordem rigorosa e lhes dar um carter de gravidade, sem o qual o prestgio de assembleia sria logo teria desaparecido. Agora que a minha tarefa est terminada e que o impulso foi dado, devo comunicar-vos a resoluo que tomei, de futuramente renunciar a qualquer tipo de funo na Sociedade, mesmo a de diretor de estudos. No ambiciono seno um ttulo: o de simples membro titular, com o qual me sentirei sempre honrado e feliz. O motivo de minha determinao est na multiplicidade de meus trabalhos, que aumentam diariamente pela extenso de minhas relaes, considerando-se que, alm daqueles que conheceis, preparo outros mais considerveis, que exigem longos e laborio-sos estudos e por certo no absorvero menos de dez anos. Ora, os trabalhos da Sociedade no deixam de tomar muito tempo, tanto na preparao quanto na coordenao e na redao final. Alm disso, reclamam uma assiduidade por vezes prejudicial s minhas ocupaes pessoais e tornam indispensvel a iniciativa quase exclusiva que me conferistes. por essa razo, senhores, que tantas vezes tive de tomar a palavra, lamentando que os membros eminentemente esclarecidos que possumos nos privassem de suas luzes. H muito eu desejava demitir-me das minhas funes; deixei isso bastante claro em diversas circunstncias, seja aqui, seja em particular, a vrios de meus colegas, notadamente ao Sr. Ledoyen. T-lo-ia feito mais cedo, sem receio de trazer perturbao Sociedade, retirando-me ao meio do ano, mas poderia parecer uma defeco, alm do que me veria obrigado a dar satisfao aos nossos adversrios. Tive, pois, de cumprir a minha tarefa at o fim. Hoje, porm, que tais motivos no mais subsistem, apresso-me em vos dar parte da minha resoluo, a fim de no entravar a escolha que fareis. justo que cada um participe dos encargos e das honras.

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    Apressemo-nos a acrescentar que essa demisso no foi aceita e que Allan Kardec foi reeleito por unanimidade, menos um voto e uma cdula em branco. Diante desse testemunho de simpatia, ele se submeteu e se conservou em suas funes.

    Em setembro de 1860, Allan Kardec fez uma viagem de propaganda nossa regio, e eis aqui como a ela fez referncia na Sociedade Parisiense de Estudos Espritas:

    O Sr. Allan Kardec d conta do resultado da viagem que acaba de fazer, no interesse do Espiritismo, e felicita-se pela cordialidade do aco-lhimento que por toda parte encontrou, especialmente em Sens, Mcon, Lyon e Saint-tienne. Observou, em todo lugar em que se demorou, os progressos considerveis da Doutrina; mas o que sobretudo digno de nota, que em parte alguma viu que dela se fizesse um divertimento, mas que, ao contrrio, dela se ocupam de modo srio, e que por toda parte lhe compreendem o alcance e as consequncias futuras. H, sem dvida, muitos adversrios, sendo os mais encarniados os inimigos interessados, mas os motejadores diminuem sensivelmente; vendo que os seus sarcas-mos no colocam do seu lado os gracejadores, e que auxiliam mais do que impedem o progresso das novas crenas, comeam a compreender que nada ganham com isso e que consomem o seu esprito em pura perda, e assim se calam. Uma frase muito caracterstica parece ser em toda parte a ordem do dia, e esta: o Espiritismo est no ar; s por si desenha ela o estado das coisas. Mas sobretudo em Lyon que so mais notveis os resultados. Os espritas so, a, numerosos em todas as classes, e na classe operria contam-se por centenas. A Doutrina Esprita tem exercido sobre os operrios a mais salutar influncia, sob o ponto de vista da ordem, da moral e das ideias religiosas; em resumo, a propagao do Espiritismo marcha com a mais animadora celeridade.

    No decurso dessa viagem, Allan Kardec pronunciou um discurso magistral, no banquete realizado a 19 de setembro de 1860, do qual eis aqui algumas passagens, prprias a nos interessar, a ns que aspiramos a substituir dignamente esses trabalhadores da primeira hora:

    A primeira coisa que me impressionou foi o nmero de adeptos; eu sabia perfeitamente que Lyon os contava em grande escala, mas esta-va longe de imaginar que o nmero fosse to considervel, porque por

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    centenas que eles se contam, e, em pouco tempo eu o espero , j se no podero contar mais.

    Se, porm, Lyon se distingue pelo nmero, no o faz menos pela qua-lidade, o que ainda vale mais. Por toda parte no encontrei seno espritas sinceros, compreendendo a Doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista. H, meus senhores, trs categorias de adeptos: uns que se limitam a crer na realidade das manifestaes e que procuram, antes de tudo, os fenmenos; o Espiritismo simplesmente para eles uma srie de fatos mais ou menos interessantes. Os segundos veem outra coisa nele alm dos fatos, compreen-dem o seu alcance filosfico, admiram a moral que deles decorre, mas no a praticam; para eles, a caridade crist uma bela mxima, e nada mais. Os terceiros, finalmente, no se contentam de admirar a moral: praticam-na e aceitam-lhe as consequncias. Bem convencidos de que a existncia terrestre uma prova passageira, esforam-se por aproveitar esses curtos instantes, para marchar na senda do progresso que lhes traam os Espritos, empe-nhando-se em fazer o bem e em reprimir as suas ms inclinaes; as suas relaes so sempre seguras, porque as suas convices os afastam de todo pensamento do mal; a caridade , em toda ocasio, a regra da sua conduta: so esses os verdadeiros espritas, ou, melhor, os espritas cristos.

    Pois bem, meus senhores, eu vo-lo digo com satisfao: ainda no en-contrei, a, nenhum adepto da primeira categoria; em parte alguma vi que se ocupassem do Espiritismo por mera curiosidade, com frvolos intuitos; por toda parte o fim grave, as intenes so srias; e, a crer no que me dizem, h muitos da terceira categoria. Honra, pois, aos espritas lioneses, por terem, assim, entrado largamente nessa senda progressista, sem a qual o Espiritismo no teria objetivo. Este exemplo no ser perdido, ter suas consequncias, e no sem razo eu o vejo que os Espritos me res-ponderam noutro dia, por um dos vossos mdiuns mais dedicados, posto que dos mais obscuros, quando eu lhes exprimia a minha surpresa: Por que te admiras disso? Lyon foi a cidade dos mrtires; a f a vivaz; ela fornecer apstolos ao Espiritismo. Se Paris a cabea, Lyon ser o corao.

    Essa opinio de Allan Kardec, sobre os espritas lioneses de sua po-ca, para ns uma grande honra, mas deve ser tambm uma regra de conduta. Devemos esforar-nos por merecer esses elogios, aprofundando por nossa vez as lies do mestre e, sobretudo, conformando com elas o

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    nosso proceder. Noblesse oblige,8 diz um adgio; saibamo-nos recordar sem-pre disso e conservar alto e firme o estandarte do Espiritismo.

    Allan Kardec, porm, no se contentava em atirar flores sobre nossos companheiros; dava-lhes, sobretudo, sbios conselhos, sobre os quais, por nossa vez, deveremos meditar.

    Vindo dos Espritos o ensino, os diferentes grupos, tanto como os indivduos, se acham sob a influncia de certos Espritos que presidem aos seus trabalhos, ou os dirigem moralmente. Se esses Espritos no se acham de acordo, a questo est em saber qual o que merece maior confiana; ser, evidentemente, aquele cuja teoria no pode provocar nenhuma objeo sria, em uma palavra, aquele que, em todos os pontos, d maior nmero de provas de superioridade. Se tudo nesse ensino bom, racional, pouco im-porta o nome que toma o Esprito; e a esse respeito a questo de identidade inteiramente secundria. Se, sob um nome respeitvel, o ensino peca pelas qualidades essenciais, podeis imediatamente concluir que um nome ap-crifo e que um Esprito impostor ou galhofeiro. Regra geral: o nome nunca uma garantia; a nica, a verdadeira garantia de superioridade o pensa-mento e a maneira por que ele expresso. Os Espritos enganadores tudo podem imitar, tudo, exceto o verdadeiro saber e o verdadeiro sentimento.

    Acontece muitas vezes que, para fazer adotar certas utopias, alguns Espritos fazem alarde de um falso saber e pensam imp-las, escolhendo no arsenal das palavras tcnicas tudo o que pode fascinar aquele que facilmente crdulo. Eles tm, ainda, um meio mais certo: afetar as ex-terioridades da virtude; com o auxlio das grandes palavras caridade, fraternidade, humildade esperam fazer passar os mais grosseiros ab-surdos e o que acontece muitas vezes, quando se no est precavido. preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir pelas aparncias, tanto da parte dos Espritos, quanto da dos homens; ora, eu o confesso, a est uma das maio-res dificuldades, mas nunca se disse que o Espiritismo fosse uma cincia f-cil; tem seus escolhos que se no podem evitar seno pela experincia. Para escapar cilada, preciso, antes de tudo, fugir ao entusiasmo que cega, ao orgulho que leva certos mdiuns a acreditarem-se os nicos intrpretes da verdade; preciso que tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado, e, se desconfiamos do prprio julgamento, o que muitas vezes mais prudente, preciso recorrer a outras pessoas, segundo o

    8 N.E.: A nobreza obriga.

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    provrbio: que quatro olhos veem melhor do que dois. S um falso amor--prprio ou uma obsesso podem fazer persistir em uma ideia notoriamen-te falsa e que o bom senso de cada um repele.

    Eis os conselhos to sbios e to prticos dados por aqueles que qui-seram fazer passar por um entusiasta, um mstico, um alucinado; e essa regra de conduta, estabelecida no comeo, ainda no foi invalidada, nem pela observao, nem pelos acontecimentos; sempre a vereda mais segu-ra, mais prudente, a nica a seguir por aqueles que se querem ocupar do Espiritismo.

    Allan Kardec trabalhava, ento, em O livro dos mdiuns, que apa-receu na primeira quinzena de janeiro de 1861, editado pelos Srs. Didier & Cia., livreiros-editores. O mestre expe a sua razo de ser nos seguintes termos, na Revista esprita:

    Fruto de longa experincia e de laboriosos estudos, nesse trabalho procuramos esclarecer todas as questes que se ligam prtica das manifestaes. De acordo com os Espritos, contm a explicao terica dos diversos fenmenos, bem como das condies em que os mesmos se podem reproduzir. No obstante, sobretudo a matria relativa ao desenvolvimento e ao exerccio da mediunidade mereceu de nossa parte uma ateno toda especial.

    O Espiritismo experimental cercado de muito mais dificuldades do que geral-mente se pensa, e os escolhos a encontrados so numerosos. isso que ocasiona tantas decepes aos que dele se ocupam, sem a experincia e os conhecimentos necessrios. Nosso objetivo foi o de prevenir contra esses escolhos, que nem sem-pre deixam de apresentar inconvenientes para quem se aventure sem prudncia por esse novo terreno. No podamos negligenciar um ponto to capital, e o trata-mos com cuidado que a sua importncia reclama.

    O livro dos mdiuns , ainda, o vade-mcum de quantos se querem entregar com proveito prtica do Espiritismo experimental; nada apa-receu de melhor nem de mais completo nessa ordem de ideias. ainda o mais seguro guia de que nos podemos servir para explorar, sem perigo, o terreno da mediunidade.

    No ano de 1861, Allan Kardec fez uma nova viagem esprita a Sens, Mcon e Lyon, e verificou que em nossa cidade o Espiritismo atingira a maioridade.

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    Com efeito, no mais por centenas, diz ele, que a se contam os espritas, como h um ano; por milhares, ou, para melhor dizer, j se no contam, e pode-se calcular que, seguindo a mesma progresso, dentro de um ano ou dois eles sero mais de trinta mil. O Espiritismo, a, tem feito adeptos em todas as classes, mas sobretudo na classe operria que se tem propagado com maior rapidez, e isso no de admirar: sendo essa classe a que mais sofre, volta-se para o lado que lhe oferece maior consolao. Se aqueles que clamam contra o Espiritismo lhe oferecessem outro tanto, essa classe se voltaria para eles; mas, ao contrrio, querem tirar-lhe exatamente aquilo que a ajuda a carregar o seu fardo de misria. E isto tem sido o meio mais seguro de perderem as suas simpatias e faz-la engrossar as nossas filei-ras. O que vimos com os nossos prprios olhos de tal modo caracterstico e encerra ensino to grande, que acreditamos dever consagrar aos operrios a maior parte do nosso relatrio.

    No ano passado, s havia um nico centro de reunio, o dos Brotteaux, dirigido por Dijoux, chefe de oficina, e sua mulher; depois, formaram-se outros em diferentes pontos da cidade: em Guillotire, em Perrache, em Croix-Rousse, em Vaise, em Saint-Just etc., sem contar gran-de nmero de reunies particulares. Ento, havia apenas dois ou trs m-diuns nefitos; hoje os h em todos os grupos e muitos so de primeira ordem; em um s grupo vimos cinco escreverem simultaneamente. Vimos, igualmente, um rapaz muito bom mdium vidente, no qual pudemos ve-rificar essa faculdade desenvolvida no mais alto grau.

    Sem dvida, muito para desejar que se multipliquem os adeptos, mas o que mais vale ainda do que o nmero a qualidade. Pois bem, de-claramo-lo bem alto: no vimos, em parte alguma, reunies espritas mais edificantes do que as dos operrios lioneses, quanto ordem, ao recolhi-mento e ateno que prestam s instrues dos seus guias espirituais; h homens, velhos, senhoras, jovens, crianas mesmo, cuja atitude respeitosa contrasta com a sua idade; jamais uma nica criana perturbou por instan-tes o silncio das nossas reunies, muitas vezes longas; pareciam quase to vidas quanto seus pais, em recolher as nossas palavras.

    Isto, porm, no tudo: o nmero das metamorfoses morais , entre os operrios, quase to grande quanto o dos adeptos: hbitos viciosos reformados, paixes acalmadas, dios apaziguados, lares tornados tranquilos, em uma palavra, as mais legtimas virtudes crists desenvolvidas, e isso pela

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    confiana, de agora em diante inabalvel, que lhes do as comunicaes esp-ritas, no futuro em que no acreditavam; uma felicidade para eles assistirem a essas instrues, de que saem reconfortados contra a adversidade; muitos chegam a galgar mais de uma lgua, sob qualquer tempo, inverno ou vero, tudo arrostando para no faltarem a uma sesso; que neles no h a f vul-gar, mas a baseada sobre uma convico profunda, raciocinada, e no cega.

    Por ocasio dessa viagem, um banquete novamente reuniu sob a presidncia de Allan Kardec os membros da grande famlia esprita lione-sa. No dia 19 de setembro de 1860 os convivas eram apenas uns trinta; a 19 de setembro de 1861 o nmero era de cento e sessenta, representando os diferentes grupos, que se consideram todos como membros de uma grande famlia, entre os quais no existe sombra de cime e de rivalidade, o que diz o mestre , temos, de passagem, grande satisfao em re-gistrar. A maioria dos assistentes era composta de operrios e toda gente notou a perfeita ordem que no cessou de reinar um s instante. que os verdadeiros espritas pem sua satisfao nas alegrias do corao, e no nos prazeres ruidosos.

    A 14 de outubro do mesmo ano encontramos Allan Kardec em Bordeaux, onde, como em todas as cidades por que passava, semeava a Boa Nova e fazia germinar a f no futuro.

    Alm das viagens e dos trabalhos de Allan Kardec, esse ano de 1861 permanecer memorvel nos anais do Espiritismo por um fato de tal modo monstruoso que quase parece incrvel. Refiro-me ao auto de f levado a efeito em Barcelona, e em que foram queimadas pela fogueira dos inquisi-dores trezentas obras espritas.

    O Sr. Maurcio Lachtre estava nessa poca estabelecido como li-vreiro, em Barcelona, em relaes e em comunho de ideias com Allan Kardec. Assim, pediu a este que lhe enviasse certo nmero de obras esp-ritas, para as expor venda e fazer propaganda da nova filosofia.

    Essas obras, em nmero de trezentas aproximadamente, foram expedidas nas condies ordinrias, com uma declarao em ordem do contedo das caixas. sua chegada Espanha, foram os direitos da al-fndega cobrados ao destinatrio e arrecadados pelos agentes do governo espanhol, mas a entrega das caixas no se fez: o bispo de Barcelona, tendo julgado esses livros perniciosos f catlica, fez confiscar a expedio pelo Santo Ofcio.

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    Uma vez que no queriam entregar essas obras ao destinatrio, Allan Kardec reclamou a sua devoluo, mas a sua reclamao foi de nulo efeito, e o bispo de Barcelona, erigindo-se em policiador da Frana, fundamen-tou a sua recusa com a seguinte resposta: A Igreja Catlica universal, e sendo esses livros contrrios f catlica, o governo no pode consentir que eles passem a perverter a moral e a religio de outros pases.

    E no somente esses livros no foram restitudos, mas tambm os direitos aduaneiros ficaram em poder do fisco espanhol. Allan Kardec po-deria promover uma ao diplomtica e obrigar o governo espanhol a efetuar o retorno das obras. Os Espritos, porm, o dissuadiram disso, dizendo que era prefervel para a propaganda do Espiritismo deixar essa ignomnia seguir o seu curso.

    Renovando os fastos e as fogueiras da Idade Mdia, o bispo de Barcelona fez queimar em praa pblica, pela mo do carrasco, as obras incriminadas.

    Eis aqui, a ttulo de documento histrico, o processo verbal dessa infmia clerical:

    Aos nove dias de outubro de 1861, s 10h30min da manh, na es-planada da cidade de Barcelona, no lugar em que so executados os crimi-nosos condenados pena ltima, por ordem do bispo desta cidade foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:

    A Revista esprita, diretor Allan Kardec;A Revista espiritualista, diretor Pirart;O livro dos espritos, por Allan Kardec;O livro dos mdiuns, pelo mesmo;O que o espiritismo, pelo mesmo;Fragmento de sonata, ditado pelo Esprito Mozart;Carta de um catlico sobre o espiritismo, pelo Doutor Grand; A histria de Joana dArc, por ela mesma ditada a Mlle. Ermance

    Dufaux;A realidade dos Espritos demonstrada pela escrita direta, pelo Baro de

    Guldenstubb.Assistiram ao auto de f:Um padre revestido de hbitos sacerdotais, trazendo em uma das

    mos a cruz e, na outra, uma tocha;Um tabelio encarregado de redigir o processo verbal do auto de f;

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    O escrevente do tabelio;Um empregado superior da administrao das alfndegas;Trs mozos9 da alfndega, encarregados de alimentar o fogo; Um agente da alfndega, representando o proprietrio das obras

    condenadas pelo bispo; Uma multido incalculvel aglomerava-se nos passeios e cobria a es-

    planada em que ardia a fogueira.Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e brochuras esp-

    ritas, o padre e os seus ajudantes se retiraram cobertos pelos apupos e as maldies dos numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisio!

    Em seguida muitas pessoas se acercaram da fogueira e apanharam cinzas.

    Seria diminuir o horror de tais atos, acompanh-los com a narrati-va dos comentrios; constatemos somente que ao claro dessa fogueira o Espiritismo tomou um incremento inesperado em toda a Espanha e, como o haviam os Espritos previsto, conquistou, a, um nmero incalculvel de adeptos. S podemos, pois, como o fez Allan Kardec, alegrar-nos com o grande reclamo que esse ato odioso operou em favor do Espiritismo. A propsito, porm, da propaganda que ns mesmos devemos fazer da nossa filosofia, nunca deveremos esquecer estes conselhos do mestre (Revista esprita, dezembro de 1863):

    [...] O Espiritismo se dirige aos que no creem ou que duvidam, e no aos que tm uma f e aos quais esta f basta; que no diz a ningum que renuncie s suas crenas para adotar as nossas, e nisto ele consequente com os princpios de tolerncia e de liberdade de conscincia que professa. Por este motivo no poderamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas, para converter s nossas ideias o clero de qualquer comunho. Repetiremos, pois, a todos os espritas: acolhei prontamente os homens de boa vontade; dai luz aos que a buscam, pois no tereis xito com os que julgam possu-la; no violenteis a f de ningum, nem a do clero, nem a dos laicos, j que vindes semear em campo rido; ponde a luz em evidncia, a fim de que a vejam os que quiserem ver; mostrai os frutos da rvore e dai a comer aos que tm fome, e no aos que se dizem fartos. [...]

    Estes conselhos, como todos os de Allan Kardec, so claros, simples e sobretudo prticos; cumpre que deles nos recordemos e os aproveitemos oportunamente.

    9 N.E.: Termo em espanhol que significa moo, jovem; empregado, criado.

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    O ano de 1862 foi frtil em trabalhos favorveis difuso do Espiri-tismo. No dia 15 de janeiro apareceu a pequenina e excelente brochura de propaganda: O espiritismo na sua expresso mais simples. O fim desta pu-blicao, diz Allan Kardec, apresentar, em quadro muito resumido, um histrico do Espiritismo e uma ideia suficiente da Doutrina dos Espritos, para permitir ser compreendido o seu fim moral e filosfico. Pela clareza e simplicidade do estilo, procuramos p-lo ao alcance de todas as intelign-cias. Contamos com o zelo de todos os verdadeiros espritas, para que lhe auxiliem a propagao. Este apelo foi ouvido, porque a pequena bro-chura se espalhou em profuso, devendo muitos a esse excelente trabalho o terem compreendido o fim e o alcance do Espiritismo.

    Tendo os nossos predecessores no Espiritismo transmitido a Allan Kardec, por ocasio do Ano-Novo, a expresso dos seus sentimentos de gratido, eis aqui como respondeu o mestre a esse testemunho de simpatia:

    Meus caros irmos e amigos de Lyon:A manifestao coletiva que tivestes a bondade de transmitir-me,

    por ocasio do Ano-Novo, produziu-me vivssima satisfao, provando-me que conservastes de mim uma boa recordao, mas o que me causou maior prazer, nesse ato espontneo de vossa parte, foi encontrar, entre as numero-sas assinaturas que nele figuram, representantes de quase todos os grupos, porque um sinal da harmonia que reina entre eles. Sou feliz por ver que compreendestes perfeitamente o fim dessa organizao, cujos resultados desde j podeis apreciar, porque deve ser agora evidente para vs que uma sociedade nica seria quase impossvel.

    Agradeo, meus bons amigos, os votos que fazeis por mim; eles me so tanto mais agradveis quanto sei que partem do corao, e so os que Deus atende. Ficai, pois, satisfeitos, porque Ele os ouve todos os dias, proporcionando-me a extraordinria satisfao no estabelecimento de uma nova Doutrina, de ver aquela a que me tenho dedicado engrandecer e pros-perar, em minha vida, com uma rapidez maravilhosa; considero um grande favor do Cu ser testemunha do bem que ela j produz.

    Esta certeza, de que recebo diariamente os mais tocantes testemunhos, me paga com usura todos os meus sofrimentos, todas as minhas fadigas; no peo a Deus seno uma graa, e a de dar-me a fora fsica necessria para

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    ir at o fim da minha tarefa, que longe se encontra de estar concluda, mas, como quer que suceda, possuirei sempre a maior consolao, pela certeza de que a semente das ideias novas, espalhada agora por toda parte, imperec-vel; mais feliz que muitos outros, que no trabalharam seno para o futuro, -me permitido contemplar os primeiros frutos.

    Se alguma coisa lamento, que a exiguidade dos meus recursos pes-soais me no permita pr em execuo os planos que concebi para um avano ainda mais rpido; se Deus, porm, em sua sabedoria, entendeu dispor de modo diferente, legarei esses planos aos nossos sucessores, que, sem dvida, sero mais felizes. A despeito da escassez dos recursos mate-riais, o movimento que se opera na opinio ultrapassou toda a expectativa; crede, meus irmos, que nisso o vosso exemplo no ter sido sem influn-cia. Recebei, portanto, as nossas felicitaes pela maneira por que sabeis compreender e praticar a Doutrina.

    No ponto a que hoje chegaram as coisas, e tendo em vista a marcha do Espiritismo atravs dos obstculos semeados em seu caminho, pode dizer-se que as principais dificuldades esto superadas; ele conquistou o seu lugar e est assente sobre bases que de ora em diante desafiam os esforos dos seus adversrios.

    Perguntam como uma Doutrina, que torna feliz e melhor, pode ter inimigos; natural; o estabelecimento das melhores coisas choca sempre interesses, ao comear. No tem acontecido assim com todas as invenes e descobertas que tm revolucionado a indstria? As que hoje so considera-das como benefcios, sem as quais no se poderia mais passar, no tiveram inimigos obstinados? Toda lei que reprime um abuso no tem contra si todos os que vivem dos abusos? Como querereis que uma Doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva no fosse combatida por todos os que vivem no egosmo? E sabeis que so eles numerosos na Terra!

    No comeo contaram sepult-la com a zombaria; hoje veem que essa arma impotente e que, sob o fogo dos sarcasmos, ela prosseguiu o seu caminho sem tropear. No acrediteis que se confessem vencidos; no, o interesse material tenaz. Reconhecendo que uma potncia com que necessrio de hoje em diante contar, vo dirigir-lhe assaltos mais srios, mas que s serviro para melhor atestar a fraqueza deles. Uns a atacaro di-retamente por palavras e atos, e a perseguiro at na pessoa dos seus adep-tos, que eles se esforaro por desalentar a poder de embaraos, enquanto

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    que outros, secretamente e por caminhos disfarados, procuraro min-la surdamente.

    Ficai prevenidos de que a luta no est terminada; fui avisado de que eles vo tentar um supremo esforo. No tenhais, porm, receio: o penhor da vitria est nesta divisa, que a de todos os verdadeiros espritas: Fora da caridade no h salvao. Arvorai-a bem alto, porque ela a cabea de Medusa para os egostas.

    A ttica, posta j em prtica pelos inimigos dos espritas, mas que eles vo empregar com novo ardor, tentar dividi-los criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiana e o cime. No vos dei-xeis cair no lao, e tende como certo que quem quer que procure um meio, qualquer que seja, para quebrar a boa harmonia, no pode ter boa inteno. por isso que vos recomendo useis da maior circunspeo na formao dos vossos grupos, no somente para vossa tranquilidade, como no prprio interesse dos vossos labores.

    A natureza dos trabalhos espritas exige calma e recolhimento. Ora, no h recolhimento possvel se se est preocupado com discusses e com a manifestao de sentimentos malvolos. No haver sentimentos ma-lvolos se houver fraternidade; no pode, porm, haver fraternidade em egostas, ambiciosos e orgulhosos. Entre orgulhosos, que se suscetibili-zam e ofendem por tudo, ambiciosos que se sentiro mortificados se no tiverem a supremacia, egostas que no pensam seno em si, a ciznia no pode tardar a introduzir-se, e com ela a dissoluo. o que desejariam os nossos inimigos, e o que eles procuram fazer.

    Se um grupo quer estar em condies de ordem, de tranquilidade e de estabilidade, preciso que nele reine o sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se formar, sem ter caridade efetiva por base, no tem vi-talidade; enquanto que aqueles que forem fundados de acordo com o ver-dadeiro esprito da Doutrina olhar-se-o como membros de uma mesma famlia que, no sendo possvel habitarem todos sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes. A rivalidade entre eles seria um contrassenso; ela no poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade no se pode entender de duas maneiras.

    Reconhecei, pois, o verdadeiro esprita na prtica da caridade por pensamentos, palavras e obras, e persuadi-vos de quem quer que nutra em sua alma sentimentos de animosidade, de rancor, de dio, de inveja ou de

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    cime, mente a si prprio se tem a pretenso de compreender e praticar o Espiritismo.

    O egosmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como ma-tam os povos e a sociedade em geral...

    Tudo mereceria citao nestes conselhos, to justos quo prticos, mas preciso que nos limitemos, em razo do tempo de que podemos dispor.

    A pedido dos espritas de Lyon e de Bordeaux, Allan Kardec fez, em setembro e outubro, uma longa viagem de propaganda semeando por toda parte a boa-nova e prodigalizando conselhos, mas somente aos que lhos pe-diam; o convite feito pelos grupos lioneses estava subscrito por quinhentas assinaturas. Uma publicao especial deu conta dessa viagem de mais de seis semanas durante a qual o mestre presidiu a mais de cinquenta reunies em vinte cidades, onde por toda parte foi alvo do mais cordial acolhimento e se sentiu feliz por verificar os imensos progressos do Espiritismo.

    A respeito das viagens de Allan Kardec, como certas influncias hos-tis houvessem espalhado o boato de que eram feitas a expensas da Socie-dade Parisiense de Estudos Espritas, sobre cujo oramento igualmente ele sacava de antemo todos os seus gastos de correspondncia e de manuten-o, o mestre rebateu, assim, essa falsidade:

    Vrias pessoas, sobretudo na provncia, haviam pensado que os gastos com essas viagens corriam por conta da Sociedade de Paris. Vimo-nos forados a refutar esse erro quando a ocasio se apresentou. Aos que pudessem ainda partilhar dessa opinio, lembramos o que foi dito em outra circunstncia (nmero de junho de 1862), que a Sociedade se limita a prover as despesas correntes e no possui reser-vas. Para que pudesse formar um capital, teria de visar o nmero; o que no faz, nem quer fazer, pois seu objetivo no a especulao e o nmero nada acrescenta importncia de seus trabalhos. Sua influncia toda moral e o carter de suas reu-nies d aos estranhos a ideia de uma assembleia grave e sria. Eis o seu mais pode-roso meio de propaganda. Assim, no poderia ela custear semelhante despesa. Os gastos de viagem, como todos os necessrios s nossas relaes com o Espiritismo, so cobertos por nossos recursos pessoais e por nossas economias, acrescidos do produto de nossas obras, sem o que nos seria impossvel acudir a todas as despesas consequentes obra que empreendemos. Dizemos isto sem vaidade, unicamente em homenagem verdade e para edificao dos que imaginam que entesouramos. (Revista esprita, novembro de 1862.)

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    Em 1862 Allan Kardec fez tambm aparecer uma Refutao s crticas contra o espiritismo no ponto de vista do materialismo, da cincia e da religio.10

    Em abril de 1864 publicou a Imitao do evangelho segundo o espiri-tismo, com a explicao das mximas morais do Cristo, sua aplicao e sua concordncia com o Espiritismo. O ttulo dessa obra foi depois modifica-do, e hoje O evangelho segundo o espiritismo.

    Aproveitando-se da poca das frias, Allan Kardec fez em setembro de 1864 uma viagem a Anturpia e a Bruxelas. Expondo aos espritas belgas o seu modo de ver acerca dos grupos e sociedades espritas, recorda o que j havia dito em Lyon, em 1861: Vale mais, portanto, haver em uma cidade cem grupos de dez a vinte adeptos, em que nenhum se arrogue a suprema-cia sobre os outros, do que uma nica sociedade que a todos reunisse. Esse fracionamento em nada pode prejudicar a unidade dos princpios, desde que a bandeira uma s e que todos se dirigem para um mesmo fim.

    As sociedades numerosas tm sua razo de ser sob o ponto de vista da propaganda, mas, quanto aos estudos srios e continuados, prefervel constiturem-se grupos ntimos.

    No dia 1o de agosto de 1865, Allan Kardec fez aparecer uma nova obra O cu e o inferno ou a Justia divina segundo o espiritismo, na qual so mencionados numerosos exemplos da situao dos Espritos, no mun-do espiritual e na Terra, e as razes que motivaram essa situao.

    Os admirveis xitos do Espiritismo, seu desenvolvimento quase in-crvel, criaram-lhe inmeros inimigos e, proporo que ele se foi engran-decendo, aumentou, tambm, a tarefa de Allan Kardec. O mestre possua uma vontade de ferro, um poder de combatividade extraordinrios; era um trabalhador infatigvel; de p, em qualquer estao, desde s 4h30min, respondia a tudo, s polmicas veementes dirigidas contra o Espiritismo, contra ele prprio, s numerosas correspondncias que lhe eram dirigidas; atendia direo da Revista esprita e da Sociedade Parisiense de Estudos Espritas, organizao do Espiritismo e ao preparo das suas obras.

    Esse excesso fsico e intelectual esgotou-lhe o organismo, e repetidas vezes os Espritos precisam cham-lo ordem, a fim de obrig-lo a poupar a sade. Ele, porm, sabe que no deve durar mais que uns dez anos ainda:

    10 N.E.: Allan Kardec, no livro Viagem esprita em 1862, revela ter desistido da ideia de publicar o opsculo que anunciara um ano antes (Revista esprita, dezembro de 1861) e que seria intitulado Refutao s crticas contra o espiritismo no ponto de vista do materialismo, da cincia e da religio.

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    numerosas comunicaes o preveniram desse termo e lhe anunciaram mesmo que a sua tarefa no seria concluda seno em nova existncia, que sucederia a breve trecho sua prxima desencarnao; por isso ele no quer perder ocasio alguma de dar ao Espiritismo tudo o que pode, em fora e vitalidade.

    Em 1867 faz uma curta viagem a Bordeaux, Tours e Orlans; em seguida pe novamente mos obra, para publicar, em janeiro de 1868, A gnese, os milagres e as predies segundo o espiritismo. das mais importan-tes esta obra, porque constitui, sob o ponto de vista cientfico, a sntese dos quatro primeiros volumes j publicados.

    Allan Kardec ocupa-se, em seguida, de um projeto de organizao do Espiritismo, por meio do qual espera imprimir mais vigor, mais ao filosofia de que se fez apstolo, procurando desenvolver-lhe o lado prtico e fazer-lhe produzir seus frutos. O objeto constante das suas preocupaes saber quem o substituir em sua obra, porque sente que o desenlace est prximo; e a constituio que elabora tem precisamente por fim prover s necessidades futuras da Doutrina Esprita.

    Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kardec havia com-prado, com o produto das suas obras pedaggicas, 2.666 m2 de terreno na avenida Sgur, atrs dos Invlidos. Tendo essa compra esgotado os seus recursos, ele contraiu com o Crdit Foncier um emprstimo de 50.000 francos para fazer construir nesse terreno seis pequenas casas, com jardim; alimentava a doce esperana de recolher-se a uma delas, na Vila Sgur, e torn-la-ia, depois da sua morte, asilo, a que se pudessem recolher na velhice os defensores indigentes do Espiritismo.

    Em 1869 a Sociedade Esprita era reconstituda e tornada sociedade annima, com o capital de 40.000 francos, dividido em quarenta aes, para a explorao da livraria, da Revista esprita e das obras de Allan Kardec. A nova sociedade devia instalar-se no dia 1o de abril, rua de Lille, no 7.

    Allan Kardec, cujo contrato de arrendamento na passagem Sainte--Anne estava quase a terminar, contava retirar-se para a Vila Sgur, a fim de trabalhar mais ativamente nas obras que lhe restava fazer e cujo plano e documentos se achavam j reunidos. Estava, pois, em todos os preparati-vos de mudana de domiclio, quando a 31 de maro a doena de corao que o minava surdamente ps termo sua robusta constituio e, como um raio, o arrebatou afeio dos seus discpulos. Essa perda foi imensa para o Espiritismo, que via desaparecer o seu fundador e mais poderoso

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    propagandista, e lanou em profunda consternao todos os que o haviam conhecido e amado.

    Hippolyte-Lon-Denizard Rivail Allan Kardec faleceu em Paris, rua e passagem Sainte-Anne, 59, 2a circunscrio e mairie de la Banque, em 31 de maro de 1869, com 65 anos, sucumbindo da ruptura de um aneurisma.

    Unnimes sentimentos acolheram a dolorosa notcia, e numeross-sima concorrncia acompanhou ao Pre-Lachaise,11 sua derradeira mo-rada, os despojos mortais daquele que fora Allan Kardec, daquele que, atravs dos tempos, brilhar como um meteoro fulgurante na aurora do Espiritismo.

    Quatro oraes foram proferidas beira do tmulo do mestre: a primeira, pelo Sr. Levent, em nome da Sociedade Esprita de Paris; a segunda, pelo Sr. Camille Flammarion, que no fez somente um esbo-o do carter de Allan Kardec e do papel que cabe aos seus trabalhos no movimento contemporneo, mas ainda, e sobretudo, um exame da situao das cincias fsicas, no ponto de vista do mundo invisvel, das foras naturais desconhecidas, da existncia da alma e da sua indestrutibi-lidade. Em seguida, tomou a palavra o Sr. Alexandre Delanne, em nome dos espritas dos centros afastados; e, depois, o Sr. E. Muller, em nome da famlia e dos seus amigos, dirigiu ao morto querido os ltimos adeuses.

    A senhora Allan Kardec tinha 74 anos por ocasio da morte de seu esposo. Sobreviveu-lhe at 1883, ano em que, a 21 de janeiro, se extin-guiu, com 89 anos, sem herdeiros diretos.

    Erraria quem acreditasse que, em virtude dos seus trabalhos, Allan Kardec devia ser uma personagem sempre fria e austera. No era, en-tretanto, assim. Esse grave filsofo, depois de haver discutido pontos mais difceis da Psicologia e da Metafsica transcendental, mostrava-se expansivo, esforando-se por distrair os convidados que ele frequente-mente recebia na Vila Sgur; conservando-se sempre digno e sbrio em suas expresses, sabia adub-las com o nosso velho sal gauls em rasgos de causticante e afetuosa bonomia. Gostava de rir com esse belo riso franco, largo e comunicativo, e possua um talento todo particular em fazer os outros partilharem do seu bom humor.

    11 N.E.: Ver Reformador de abril de 1957, p. 93.

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    Todos os jornais da poca se ocuparam da morte de Allan Kardec e procuraram medir-lhe as consequncias. Eis aqui, a ttulo de lembrana, o que a esse respeito escrevia o Sr. Pags de Noyez, no Journal de Paris, de 3 de abril de 1869:

    Aquele que por to longo tempo ocupou o mundo cientfico e religioso sob o pseudnimo de Allan Kardec, chamava-se Rivail e morreu na idade de 65 anos.

    Vimo-lo deitado num simples colcho, no meio da sala das sesses a que h tantos anos ele presidia; vimo-lo com o semblante calmo como se extinguem aqueles a quem a morte no surpreende e que, tranquilos quanto ao resultado de uma vida honesta e laboriosamente preenchida, imprimem como que um reflexo da pureza de sua alma sobre o corpo que abandonaram.

    Resignados pela f em uma vida melhor, e pela convico da imortalidade da alma, inmeros discpulos tinham vindo lanar um derradeiro olhar queles lbios desco-rados que, ainda na vspera, lhes falavam a linguagem da Terra. Mas eles recebiam j a consolao de alm-tmulo: o Esprito Allan Kardec veio dizer-lhes quais haviam sido as suas comoes, quais as suas primeiras impresses, quais, dos que o haviam precedido no alm-tmulo, tinham vindo ajudar-lhe a alma a desprender-se da ma-tria. Se o estilo o homem, aqueles que conheceram Allan Kardec em vida no podem deixar de ficar emocionados pela autenticidade dessa comunicao esprita.

    A morte de Allan Kardec notvel por uma coincidncia estranha. A Socieda-de fundada por esse grande vulgarizador do Espiritismo acabava de desaparecer. Abandonado o local, retirados os mveis, nada mais restava de um passado que devia renascer sobre novas bases. No fim da ltima sesso, o presidente fizera as suas despedidas; preenchida a sua misso, retirava-se da luta cotidiana, para se consagrar inteiramente ao estudo da Filosofia espiritualista. Outros, mais jovens intrpidos deveriam continuar a obra e, fortes por sua virilidade, impor a verdade por sua convico.

    Para que referir os detalhes da morte? Que importa o modo por que se partiu o instrumento, e por que consagrar uma linha a esses fragmentos de ora em diante mergulhados no turbilho imenso das molculas? Allan Kardec morreu na sua hora prpria. Com ele terminou o prlogo de uma religio vivaz, que, irradiando todos os dias, cedo ter iluminado toda a humanidade. Ningum melhor que ele podia conduzir a bom termo essa obra de propaganda, qual era necessrio sacrificar as longas viglias que alimentam o esprito, a pacincia que educa com o correr do tempo, a abnegao que afronta a estultcia do presente, para no ver seno a irradiao do futuro.

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    Allan Kardec ter, com suas obras, fundado o dogma pressentido pelas mais anti-gas sociedades. Seu nome, apreciado como o de um homem de bem, est h muito tempo vulgarizado pelos que creem e pelos que receiam. difcil praticar o bem sem chocar os interesses estabelecidos. O Espiritismo destri muitos abusos, reanima mui-tas conscincias doloridas, dando-lhes a certeza da prova e a consolao do futuro.

    Os espritas choram hoje o amigo que os deixa, porque o nosso entendimento, por assim dizer, material, no se pode submeter a essa ideia de transio; pago, porm, o primeiro tributo a essa inferioridade do nosso organismo, o pensador ergue a cabea e atravs desse mundo invisvel, que ele sente existir alm do tmulo, estende a mo ao amigo, que j no existe, convencido de que o seu Esprito nos protege sempre.

    O presidente da Sociedade Esprita de Paris est morto, mas o nmero de adeptos cresce todos os dias, e os corajosos, os quais pelo respeito ao mestre se deixavam ficar no segundo plano, no hesitaro em se evidenciarem, por bem da Grande Causa.

    Esta morte, que o vulgo deixar passar indiferente, no deixa de ser, por isso, um grande fato para a humanidade. No mais o sepulcro de um homem, a pedra tumular enchendo esse imenso vcuo que o materialismo cavara aos nossos ps e sobre o qual o Espiritismo esparge as flores da esperana.

    Um ponto sobre o qual no atra a vossa ateno, mas que devo assi-nalar, a caridade verdadeiramente crist de Allan Kardec; dele se pode dizer que a mo esquerda ignorou sempre o bem que fazia a direita, e que esta ain-da menos conheceu os botes que outra atiravam aqueles para quem o reco-nhecimento um fardo excessivamente pesado. Cartas annimas, insultos, traies, difamaes sistemticas, nada foi poupado a esse intrpido lutador, a essa alma grande e varonil que penetrou integralmente na imortalidade.

    O despojo mortal de Allan Kardec repousa no Pre-Lachaise, em Paris, sob modesta lpide erigida pela piedade dos seus discpulos; a que se renem todos os anos, desde 1869,12 os adeptos que tm guardado fidelidade memria do mestre e conservam preciosamente no corao o culto da saudade.

    E j que um sentimento anlogo nos rene hoje, repitamos bem alto, minhas senhoras, meus senhores:

    Honra! Honra e glria a Allan Kardec!13

    Henri Sausse12 N.E.: Ver Reformador de abril de 1957, p. 93.13 N.T.: Conservamos no presente trabalho a forma de conferncia que lhe deu o autor, lendo-a por oca-

    sio da solenidade com que os espritas de Lyon celebraram, a 31 de maro de 1896, o 27o aniversrio do decesso de Allan Kardec.

  • PREMBULO

    As pessoas que s tm conhecimento superficial do Espiritismo so, naturalmente, inclinadas a formular certas questes, cuja soluo podiam, sem dvida, encontrar em um estudo mais aprofundado dele; porm, o tempo e, muitas vezes, a vontade lhes faltam para se entregarem a observa-es seguidas. Antes de empreenderem essa tarefa, muitos desejam saber, pelo menos, do que se trata e se vale a pena ocupar-se com tal coisa. Por isso, achamos til apresentar resumidamente as respostas a algumas das principais perguntas que nos so diariamente dirigidas; isto ser, para o leitor, uma primeira iniciao, e, para ns, tempo ganho sobre o que tnha-mos de gastar a repetir constantemente a mesma coisa.

    Sob a forma de dilogos, o primeiro captulo deste volume encerra respostas s observaes mais comumente feitas por aqueles que desco-nhecem os princpios fundamentais da Doutrina e, bem assim, a refutao dos principais argumentos de seus contraditores. Esta forma nos pareceu a mais conveniente, por no ter a aridez da dogmtica.

    No segundo captulo, damos uma exposio sumria das partes da cincia prtica e experimental, sobre as quais, na falta de uma instruo terica completa, o observador novato deve fixar a sua ateno para poder julgar com conhecimento de causa; , aproximadamente, um resumo de O livro dos mdiuns.

    As objees nascem, quase sempre, das ideias falsas, feitas, a priori, sobre aquilo que se no conhece bem.

    Retificar essas ideias prevenir as objees, tal o fim deste pequeno trabalho.

    No terceiro captulo, publicamos um resumo de O livro dos espritos, com a soluo, pela Doutrina Esprita, de certo nmero de problemas do

  • Prembulo

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    mais alto interesse, de ordem psicolgica, moral e filosfica, que diaria-mente so propostos, e aos quais nenhuma filosofia deu ainda resposta satisfatria.

    Procurem resolv-los por qualquer outra teoria, sem a chave que nos fornece o Espiritismo; comparem suas respostas com as dadas por este, e digam quais so as mais lgicas, quais as que melhor satisfazem razo.

    Estes resumos no somente so teis aos principiantes, que neles podero, em pouco tempo e com pouca despesa, beber as noes mais essenciais da Doutrina Esprita, seno, tambm, aos adeptos, pois lhes for-necem os meios para responderem s primeiras objees que no deixaro de lhes apresentar, e, alm disso, por encontrarem reunidos, em quadro restrito e sob um mesmo ponto de vista, os princpios que devem sempre estar presentes sua memria.

    Para responder, desde j e sumariamente, pergunta formulada no ttulo deste opsculo, diremos que:

    O Espiritismo , ao mesmo tempo, uma cincia de observao e uma doutrina filosfica. Como cincia prtica ele consiste nas relaes que se estabe-lecem entre ns e os espritos; como filosofia, compreende todas as consequncias morais que dimanam dessas mesmas relaes.

    Podemos defini-lo assim:O Espiritismo uma cincia que trata da natureza, origem e destino dos

    Espritos, bem como de suas relaes com o mundo corporal.

  • CAPTULO I

    M

    Pequena conferncia esprita

    Primeiro dilogo O crtico Segundo dilogo O ctico Terceito dilogo O padre

    Primeiro dilogo O crticoVisitante Confesso-vos, caro senhor, que a minha razo recu-

    sa admitir a realidade dos fenmenos estranhos atribudos aos Espritos, persuadido que estou de estes no terem seno uma existncia imaginria. Entretanto, eu me curvaria diante da evidncia, se disso tivesse provas in-contestveis; por isso desejo merecer-vos a permisso de assistir somente a uma ou duas experincias, para no ser indiscreto, a fim de convencer-me, caso seja possvel.

    Allan Kardec Desde que a vossa razo repele o que ns conside-ramos irrecusvel, vs a credes superior s de todos quantos no comparti-lham de vossas opinies.

    Longe de mim o pensamento de duvidar do vosso talento e a preten-so de supor minha inteligncia superior vossa; admiti, pois, que eu esteja iludido, a vossa razo quem vo-lo diz: e no falemos mais nisso.

    V. Entretanto, se consegusseis convencer-me, conhecido que sou como antagonista das vossas ideias, isto seria um milagre eminentemente favorvel causa que defendeis.

    A. K. Lamento-o, caro senhor, porm no tenho o dom de fazer mi-lagres. Julgais que uma ou duas sesses bastariam para adquirirdes convico?

  • Captulo I

    42

    Seria, realmente, um verdadeiro prodgio; eu precisei mais de um ano de trabalho para ficar convencido; o que prova que no cheguei a esse estado inconsideradamente.

    Alm disso, no realizo sesses pblicas e parece-me que vos enga-nastes sobre o fim das nossas reunies, visto no fazermos experincias com o fito de satisfazer curiosidade de ningum.

    V. No procurais, pois, fazer proslitos?A. K. Para que buscarmos fazer-vos proslito, quando no o

    quereis ser? No pretendo forar convico alguma. Quando encontro pessoas

    que sinceramente desejam instruir-se e do-me a honra de pedir-me escla-recimentos, folgo e cumpro um dever respondendo-lhes nos limites dos meus conhecimentos; quanto aos antagonistas, porm, que, como vs, tm convices arraigadas, no tento um passo para delas arred-los, atento a que grande o nmero dos que se mostram bem-dispostos, para que pos-samos perder o nosso tempo com aqueles que o no esto.

    Estou certo de que, diante dos fatos, a convico h de vir, mais tarde ou mais cedo, e que os incrdulos ho de ser arrastados pela torrente; por ora, alguns partidrios, de mais ou de menos, nada alteram na pesa-gem; pelo que nunca me vereis incomodado para atrair, s nossas ideias, aqueles que, como vs, sabem as razes que tm para fugir delas.

    V. H mais interesse em convencer-me do que o supondes. Per-mitis que me explique com franqueza e prometeis-me no ver ofensa al-guma nas minhas palavras? So as minhas ideias sobre a coisa em si, e no sobre a pessoa a quem me dirijo; posso respeitar a pessoa, sem participar de suas opinies.

    A. K. O Espiritismo me tem ensinado a desprezar essas mesqui-nhas suscetibilidades do amor-prprio, e a me no ofender com palavras. Se as vossas expresses sarem dos limites da urbanidade e das convenincias, apenas concluirei que sois um homem mal-educado, mas no irei alm.

    Quanto a mim, antes quero que os outros fiquem com os defeitos, do que compartilhar deles.

    Vedes, s por isso, que o Espiritismo j serve para alguma coisa.J vos disse, senhor, no tenho a pretenso de vos fazer adotar a

    minha opinio; respeito a vossa, se sincera, como desejo que respeiteis a minha.

  • Pequena conferncia esprita

    43

    Acreditando ser o Espiritismo um sonho sem sentido, dissestes, sem dvida, vindo a minha casa: Vou ver um louco. Confessai-o francamente, pois com isso no me escandalizarei.

    Todos os espritas so loucos, coisa sabida. Pois bem! se julgais assim, eu tenho escrpulo de transmitir-vos a minha enfermidade mental; e causa-me espanto ver-vos, com tal pensamento, buscar uma convico que vos vai colocar no nmero dos loucos. Se j estais persuadido de que no conseguiremos convencer-vos, o passo que destes intil, visto que s ter por fim a curiosidade. Abreviemos, pois, por favor, porque me falta tempo para perder em conversaes sem objeto.

    V. O homem pode enganar-se, deixar-se iludir, sem que, por isso, seja louco.

    A. K. Dizei logo: acreditais, como muitos, que isto moda que durar certo tempo, mas deveis convir que um passatempo que, em alguns anos, tem conquistado milhes de partidrios, em todos os pases, que conta entre seus adeptos sbios de toda ordem, que se propaga de prefern-cia nas classes mais esclarecidas, mania singular, que merece examinada.

    V. Tenho minhas ideias a respeito, certo, porm elas no se acham to absolutamente firmadas, que no consinta em sacrific-las evidncia.

    Disse-vos que tereis certo interesse em me convencer.Confesso-vos que tenciono publicar um livro em que me proponho

    demonstrar ex professo14 a minha opinio sobre o que considero um erro; e como esse livro deve produzir efeito, dando um golpe no Espiritismo, eu dei-xaria de public-lo, caso ficasse convencido da realidade da vossa Doutri na.

    A. K. Eu sentiria que ficsseis privado do que vos pode propor-cionar um livro que deve produzir tanto efeito; alm disso, no tenho in-teresse algum em impedir a sua publicao: ao contrrio, desejo-lhe grande circulao, porque assim ele nos servir de prospecto e anncio.

    A nossa ateno sempre chamada sobre aquilo que vemos atacado; h muita gente que quer ver os prs e os contras, e a crtica faz aparecer a verdade, mesmo aos olhos daqueles que no a procuravam a; assim que muitas vezes, sem querer, se faz reclamo do que se quer combater.

    14 N.E.: Com verdadeiro conhecimento de causa; magistralmente.

  • Captulo I

    44

    A questo dos Espritos , por outro lado, to palpitante de interesse, choca a tal ponto a curiosidade, que basta assinal-la ateno, para que nasa o desejo de aprofund-la.15

    V. Ento, no vosso entender, a crt