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Raça

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    Mdulo I Situando a violncia contra a Mulher

    Disciplina: Conceito de Gnero e sua interseo com classe, raa/etnia

    Referencia do texto para trabalho em grupo

    Soares, Eliane Veras, Albernaz, Lady Selma F., Lewis, Liana O que raa? Estratgias para definir e combater o racismo. In: SCOTT, Parry, LEWIS, L., QUADROS, M. T. Gnero, diversidade e desigualdades na educao: interpretaes e reflexes para a formao docente. Recife : Editora Universitria da UFPE, 2009. p. 175-185 Na aula trabalharemos apenas parte do texto. Esta reproduo segue a formatao do livro, portanto a numerao das paginas podem ser usadas em eventuais citaes. O livro est venda no PPGA-UFPE CFCH 13 andar. Ele contm outros textos relativos a gnero, inclusive sobre violncia de gnero na escola.

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    CAPTULO 8

    O QUE RAA?

    ESTRATGIAS PARA DEFINIR E COMBATER O RACISMO

    Eliane Veras Soares Lady Selma F. Albernaz

    Liana Lewis Introduo

    A finalidade deste texto aprofundar a dimenso conceitual e

    prtica do debate sobre raa no contexto da escola brasileira, tentando contribuir para o enfrentamento e combate ao preconceito e discriminao racial. Baseia-se em referncias bibliogrficas, bem como nos resultados dos trabalhos apresentados pelos/as cursistas, os quais trataram das experincias dos/as professores/as nas escolas relativas a este tema.

    O texto est divido em trs partes. Na primeira delas apresentamos a discusso sobre raa, fazendo-se necessrio abordar conceitos de suporte para seu entendimento, no caso, uma rpida discusso sobre natureza e cultura e como operamos com as classificaes como uma forma de ordenar o pensamento. Nesta parte, ainda, tratamos de como o conceito de raa foi retomado e sua interface com o enfrentamento ao racismo na sociedade brasileira (BASTIDE e FERNANDES, 2008; FERNANDES, 2008; FERNANDES, 2007; GOMES, 2006; PINHO e SANSONE, 2008; BRYM et al, 2006) . A segunda parte analisa e sintetiza as vivncias das/os professoras/es em sala de aula em relao ao tema raa/racismo relatadas nos seus trabalhos de finalizao do mdulo. Com isso queremos chamar a ateno como muito daquilo que se pensa ser um evento isolado resultado de uma experincia comum, a qual refora a existncia do racismo no espao da escola. A terceira parte do texto finaliza nosso debate apresentando exemplos desses mesmos trabalhos, a partir dos quais discutimos formas de agir no cotidiano escolar, de modo a enfrentar e combater o preconceito e a descriminao racial

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    (BEZERRA,2007; MEC, 2004, 2005, 2006; GOMES, 2006; MONTEIRO, 2007; MUNANGA, 2001; OLIVEIRA, 2003). 1. Raa e racismo: observaes conceituais

    Para iniciar vamos relembrar algo que todas/os sabemos, de certa forma, um trusmo. O ser humano um animal, ele vem da natureza como os outros animais, mas diferente dos outros animais. Uma das diferenas fundamentais que ns pensamos ou, como se costuma dizer, somos racionais. Porque aquilo que ns precisamos fazer para sobreviver, ou seja, a satisfao das necessidades fisiolgicas, ns temos que aprender com nossos pais ou pessoas mais velhas, atravs da interao entre as geraes. Os outros animais no so assim, suas necessidades fsicas que preservam a vida so, na sua maioria, instintivas. No que se refere ao comportamento, o que no precisamos aprender instinto comportamento padronizado que trazemos conosco ao nascer. Aquilo que precisamos aprender cultura, aquilo que no precisamos aprender natureza. Os pssaros fazem ninhos a partir do instinto. Sabe-se que os animais tm instinto porque eles repetem os padres de comportamento dos adultos mesmo sem ter convivido com eles. Por exemplo, as tartarugas marinhas saem sozinhas dos ovos e caminham em direo ao mar, encontram, sem ajuda de adultos, as correntes marinhas por onde navegam e voltam para a mesma praia onde nasceram para desovar. Isto caracteriza um comportamento instintivo.

    Os seres humanos, desde que nascem, esto imersos na sociedade e na cultura, dependendo dos adultos e do que aprendem com eles para sobreviver. Assim, no possvel estabelecer quais comportamentos so gentica ou culturalmente determinados, ou seja, o que foi aprendido com a gerao mais velha. Para ser conclusiva, uma pesquisa sobre o tema ter-se-ia que isolar os recm nascidos e esperar como se comportariam para definir com preciso cientfica quais so os instintos humanos. Como sabemos que os bebs morrero, esta pesquisa no possvel. A cincia usa ento o recurso da comparao de comportamento entre culturas diferentes, considerando que aqueles que se repetem igual em todas elas consistiriam em instintivos, porque decorrentes da gentica

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    semelhante de todos os seres humanos. Os resultados encontrados de uma comparao desse tipo evidenciam a variedade de solues humanas para os mesmos problemas, no sendo possvel discernir um mesmo padro de comportamento independente da cultura. Assim, os cientistas sociais tendem a considerar que instinto no existe entre seres humanos, prevalecendo na reproduo da espcie o comportamento aprendido culturalmente1 (BRYM et al, 2006; LARAIA, 2007).

    Para compreender o que raa tambm preciso relacionar cultura e natureza. Sabemos que os seres humanos dependem da cultura para manter o seu corpo biolgico e para gerar novos seres humanos. Agora precisamos saber como fazemos isso. J sabemos que a educao fundamental para aprender a cultura. Educao no apenas o que se aprende na escola, mas todas as formas de aprender, isto chamamos socializao. A socializao ento so todas as formas de aprendizado dos seres humanos. Por meio dela transmitimos valores que regulam nosso comportamento. Estamos acostumados a ver na escola apenas a transmisso de conhecimento sistematizado nos livros. Mas na escola tambm so vivenciados e reforados os valores sociais, ou seja, formas de ver o mundo que ela compartilha com todos os grupos sociais. Sempre estamos aprendendo e ensinando e foi assim que fomos criados e criamos os nossos filhos.

    Os seres humanos aprendem usando sua capacidade de pensar. Esta capacidade de pensar muito grande, inclusive pensarmos sobre coisas diferentes ao mesmo tempo. Por isso, temos que organizar o pensamento, fazendo classificaes. Por exemplo: o mesmo tecido eu posso classificar como pano de cho, ou como pano de prato, como ns fazemos com o pano de saco. Outro exemplo, ns separamos nossa casa: h um lugar para cozinhar, h um lugar para 1 A maioria dos cientistas sociais no aceita que h instinto entre os seres humanos,

    primeiro pela dificuldade de determinar um comportamento inteiramente natural,

    conforme dito acima. A outra razo para no aceitar a presena de instinto porque

    os resultados de pesquisa deste tipo podem e j foram usados para constituir

    polticas eugenistas com a proposta de eliminar os indivduos de comportamento inadequado. Por fim, porque com base no instinto pode-se correlacionar tipos fsicos

    dos seres humanos com tipos de morais estabelecidos pela cultura (ver o

    documentrio Homo Sapiens 1900, Peter Cohen).

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    dormir, h um lugar para receber visita. Tambm fazemos esta classificao com aquilo que no vemos, cheiramos, pegamos: deus e o diabo. Deus o bem, o diabo o mal.

    Tambm classificamos as pessoas, geralmente por contraste: dividimos as pessoas em parentes e no parentes, conhecidos e estranhos, amigos e inimigos. Assim, orientamos nossas relaes: no se fala com inimigos, no se fala com estranhos antes de uma apresentao; da mesma forma ficamos prximos de outras pessoas: respeita-se o conjunto de parentes, fala-se com os vizinhos, ama-se os amigos. Com base na classificao ns organizamos o pensamento e orientamos nosso modo de agir (comportamento) com todas as pessoas que vivem em sociedade. A classificao cria valores e orienta nossa ao. Sem haver classificao no saberamos como agir.

    Classificamos as pessoas por meio da cultura, s vezes isto feito relacionando com a natureza. Por exemplo, sabemos o que um homem pelo sexo, que da natureza. Mas um homem ter pnis no suficiente para orientar nossa ao. Por qu? Porque ns classificamos os homens tambm pelo gnero, que cultural. Em nossa cultura dividimos os homens de acordo com as suas caractersticas de masculinidade (ter emprego, ser bomio, ser violento, ser gentil, ter fora etc). Assim, classificamos os homens como bons para ser pai dos nossos filhos, ou apenas bons amigos, colegas, namorados. Quando classificamos pela masculinidade estamos falando de gnero, estamos falando de cultura.

    Para os cientistas sociais as classificaes so institudas socialmente. So elaboraes histricas que resultam das disputas entre os grupos nos quais a sociedade se divide. Elas so um meio para se compreender uma cultura e como so formadas ideologias que justificam as hierarquias e desigualdades criadas ao longo do tempo como imutveis.

    Outra forma de classificar as pessoas pela aparncia: cor da pele, o tipo de cabelo, a forma do rosto etc. Estas caractersticas ns usamos para classificar as pessoas por raa. Relacionamos cultura e natureza para fazer mais uma classificao. Por exemplo, na nossa sociedade muitos acham que as pessoas brancas podem ser doutoras, e as pessoas de pele escura muitos acham que so melhores para

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    trabalhos pesados ou braais. A maioria considera que as pessoas brancas sabem ganhar dinheiro e as pessoas de pele escura no sabem. Assim, existe, no senso comum, uma associao da inteligncia com a aparncia. Isso acontece no nosso dia a dia. Quando uma pessoa de pele mais escura est num carro de luxo, a maioria considera que ele o motorista e no o proprietrio. Ao associar natureza e cultura dessa forma, ocorre uma naturalizao de nossos valores e comportamentos atravs de uma operao de classificao cultural. Ou seja, nossa cultura, para dar maior eficcia aos valores, nos ensina que este valor foi dado pela natureza, como um componente instintivo, como foi definido acima. Isto significa que, ao colocarmos estas classificaes como dadas pela natureza, estamos dizendo que elas so verdadeiras e imutveis. Isto refora o que h de hierarquia e poder dentro das classificaes, contribuindo para a manuteno do poder dos grupos que ficam classificados como melhores para os trabalhos intelectuais e que possuem maior status e prestgio dentro da sociedade.

    Tambm com base na aparncia muitos julgam a moral das pessoas. H quem diga que os brancos sabem separar o certo do errado e que as pessoas de pele mais escura confundem o certo e o errado. Este tipo de julgamento moral est presente nos ditados populares, por exemplo: negro quando no suja na entrada, suja na

    sada. Ou ento quando se diz: branco correndo atleta, preto

    correndo ladro. Ser que isso verdade? H muitos exemplos no nosso

    cotidiano que mostram que no. H pessoas brancas que so pobres e no so formadas, h pessoas negras que so ricas e que so formadas. H pessoas brancas honestas e desonestas, h pessoas negras honestas e desonestas. Ento porque se continua acreditando que a raa determina a moral e a inteligncia? Porque estes valores foram criados ao longo do tempo, constituindo-se como verdades que so repassadas pelos diversos agentes de socializao: mdia, famlia, escola, grupos de amigos, entre outros. Estes valores se tornam inconscientes e naturalizados, por isso estas classificaes so feitas sem sentir, sem refletir sobre seus efeitos, sem se questionar o fato de que elas criam mecanismos que reproduzem desigualdades entre as pessoas e entre os diversos grupos sociais (raciais).

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    Estas classificaes raciais so usadas para muitas coisas. So usadas para escolher com quem iremos casar. So usadas para escolher com quem vamos trabalhar. E, tambm, para orientar as escolhas dos nossos amigos, dos amigos dos nossos filhos. Muitas outras escolhas so feitas assim. Estas classificaes servem para nos definir e, ao mesmo tempo, definir quem so os outros. Nesse processo estabelecemos caractersticas para os grupos sociais, e com base nisso elaboramos nossas identidades sociais, coletivas e individuais2.

    A elaborao de identidades situa as pessoas socialmente e orienta como elas iro se relacionar entre si. Reunidas num conjunto, as identidades so estruturadas por meio de valores sociais e culturais, baseados nas classificaes que orientam nossas aes. Dessa forma, hierarquias so produzidas e regras morais para lidar com os outros so estabelecidas. a que se sedimentam as classificaes raciais que podem redundar em valores racistas. As sociedades que hierarquizam as pessoas por cor, expressam o racismo por meio da distribuio desigual do poder, do prestgio e da riqueza produzida coletivamente. Acredita-se, nestas sociedades, que para ser igual necessrio ser idntico. Dessa maneira, acionam-se as diferenas para estabelecer e justificar desigualdades. Assim, estabelece-se uma desigualdade com base na raa, de forma que alguns tero privilgios e outros tero prejuzo na distribuio do poder, do prestgio e da riqueza. Portanto, o racismo um conjunto de valores e atitudes que hierarquizam e discriminam as pessoas com

    2 Identidade define o que somos (auto-definio) e quem so os outros (atribuda),

    num jogo relacional de diferenas. Identidades so coletivas e individuais, elas so

    elaboraes histricas, elas no so inatas, ns selecionamos nos smbolos culturais

    aqueles que so significativos na definio de identidades. Quando nos sentimos pertencentes a um grupo ns nos identificamos, e com base nisso, definimos nossa

    identidade individual. Para nos definir como pessoa, ns acionamos vrias

    identidades: gnero, etnia, raa, sexualidade, nao etc. Nas diferentes situaes de

    nossas vidas uma pode predominar sobre a outra. Por exemplo, nas situaes de

    racismo, podemos evitar nos identificar como uma pessoa negra. O mesmo acontece

    em situaes de homofobia, podemos evitar afirmar que somos homossexuais. O

    contrrio tambm vlido, nas situaes de valorizao das pessoas negras elas

    podem se identificar como negras.

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    base na cor (e em outras caractersticas fsicas), redundando em severas desigualdades sociais.

    Racismo: averso e dio a pessoas e grupos sociais baseados na aparncia, na sua forma mais explcita, ou sutilmente, quando no se admite sua existncia. So idias e imagens de superioridade e inferioridade entre grupos humanos (grupos com defeitos morais e intelectuais que lhes so prprios), que sustentam a distribuio desigual de prestigio, poder e riqueza. uma maneira de impor uma verdade ou crena particular como nica

    Podemos dizer que o Brasil racista? Sim. A maioria das pessoas

    ricas no Brasil branca. As pessoas negras, ou seja, as pessoas pardas e pretas, so as mais pobres do pas3. As pessoas brancas passam mais tempo na escola, as pessoas negras estudam menos. Nas universidades tm mais pessoas brancas do que pessoas negras. A maioria das pessoas que no sabe ler negra. Exercendo o poder poltico predominam pessoas que pela aparncia ns chamamos de brancas. Podemos dizer que o Brasil um pas racista, porque, baseado em valores e atitudes, distribui riqueza, prestgio e poder de acordo com a aparncia, em beneficio das pessoas brancas e com prejuzo para as negras. Vejamos como isso ocorre.

    Cada sociedade organiza as relaes de acordo com raa de uma maneira particular. Apesar das estatsticas sociais evidenciarem as desigualdades com base na cor, no Brasil no h segregao implantada pelo Estado que separe escolas, bairros, tipos de trabalho de acordo com a cor. O racismo brasileiro fundamenta-se em mecanismos que impedem sua visibilidade e favorecem sua negao. Entre estes mecanismos destacamos: a crena na miscigenao como forma de equalizao social; as prticas cotidianas de etiqueta racial;

    3 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) agrupa os resultados

    censitrios relativos aos pardos e pretos (termos raciais usados no censo) porque os

    indicadores de renda, escolaridade, expectativa de vida etc, entre eles so muito

    semelhantes. Este grupo quando comparado com o branco apresenta muitas

    diferenas. Ou seja, pretos e pardos so agrupados como negros porque socialmente

    e em termos de direitos so semelhantes entre si e muito desiguais na comparao

    com brancos.

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    e ainda, a existncia de um paralelismo entre condio social de classe e pertencimento racial. Vejamos como eles funcionam:

    1.1. A idia de miscigenao usada para explicar a gnese da sociedade brasileira uma forma de dissimular o racismo socialmente praticado. Esta idia uma maneira de dizer que todos so iguais e no existe distino pela cor ou aparncia, por isso todos poderiam ocupar qualquer posio social. Entretanto, no isso que ocorre, pois as posies sociais so demarcadas pela cor e pela aparncia das pessoas, justamente o que a idia de miscigenao procura esconder. A frase do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, todo brasileiro tem um p na cozinha ao mesmo tempo

    em que admite a miscigenao, e parece defend-la, coloca as pessoas negras em posio inferior. Sutilmente ela afirma que as pessoas brancas esto nas salas das casas, enquanto as negras esto na cozinha. Outra forma de mostrar esta face da miscigenao quando se julga o casamento entre pessoas de grupos raciais diferentes. H muitos exemplos de pessoas negras casadas com pessoas brancas, mas isto no uma combinao simples. Para as pessoas brancas que casam com pessoas de pele muito escura, com o cabelo crespo, com lbios grossos e nariz achatado, apresenta-se o desafio de re-elaborar noes scio-culturais de esttica e de valorizao. Ou seja, precisam se desfazer dos julgamentos sociais que consideram aquelas feies feias, bem como das avaliaes relativas s qualidades morais e capacidades cognitivas baseadas na aparncia. O casamento entre pessoas de raas diferentes mais a exceo que a regra. Na verdade, no Brasil, a maioria das pessoas casa com algum da mesma cor ou de cor semelhante, preferencialmente sem estar acompanhado dos traos relacionados negritude (forma de nariz e do tipo de cabelo, principalmente). Casamentos entre pessoas de cores diferentes so mais comuns nos estratos sociais de baixa renda. 1.2. Brasil o racismo no legalizado, como por exemplo, o apartheid na frica do Sul j foi. Aqui o racismo socialmente sancionado, mas dentro de uma etiqueta de relaes raciais (Fernandes, 2008a). Esta etiqueta paradoxal: o racismo socialmente recriminado embora seja abertamente praticado. Por exemplo: quando ocorre fazer

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    referncias negativas cor na presena de pessoas negras, o que muito freqente nas piadas, ditados populares e situaes de conflito, espera-se que as pessoas ofendidas no reajam. Outro exemplo: tende-se a chamar de moreno (com gradaes) as pessoas amigas, ou parentes, de pele mais escura. No caso de pessoas estranhas usa-se negras ou pretas para referir-se a elas. Evitar chamar as pessoas mais prximas de negras ou pretas, comunicar que o termo negro ou preto, para ns, uma forma de ofensa. O racismo tambm institucionalmente internalizado, resultando na sua reproduo sutil, sem que a maioria das pessoas se d conta das aes racistas que pratica e/ou de que vtima. 1.3. Como no Brasil a maioria das pessoas negras pobre e a maioria das pessoas ricas branca, ocorre um paralelismo entre a condio social de classe e o pertencimento racial. De modo que comum atribuir-se a causa do preconceito e da discriminao condio social (ser pobre). Paralelamente, nega-se a existncia de qualquer dimenso racial (ser negro) como causa da desigualdade social. O ditado popular, negro rico branco e branco pobre negro

    exemplifica este modo de pensar. Nele est contida a idia de que ser rico apaga a cor da pessoa, corroborando que as pessoas so discriminadas por serem pobres e no por serem negras, ou ainda, que os brancos pobres so to discriminados como os negros pobres. As estatsticas mostram, entretanto, que as pessoas negras enfrentam maiores barreiras para sarem da condio de pobreza do que as brancas. Famlias negras que acendem socialmente tm menos chances de manter a posio conquistada na gerao seguinte, do que famlias brancas em igual situao (HASENBALG, 2005).

    Estes so, portanto, os principais fatores que fazem o racismo brasileiro ser considerado como no explcito. O racismo opera socialmente por meio desses mecanismos que propiciam sua prtica e favorecem simultnea e paradoxalmente sua negao e invisibilidade.

    Mas esta situao no aceita passivamente. Desde a dcada de 1930 encontramos exemplos de movimentos sociais conduzidos por pessoas negras que reivindicam o fim das prticas racistas e suas desigualdades correlatas. As constataes das pesquisas cientficas,

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    tanto da biologia (que nega uma base gentica para raa), como das cincias sociais (que evidenciam as classificaes baseadas na aparncia que sustentam desigualdades) so utilizadas para constituir estes movimentos de combate ao racismo. Ou seja, mantm-se o uso de raa porque socialmente existe uma classificao e hierarquizao com base na aparncia que tm conseqncias para os indivduos. por conta disso que os movimentos negros utilizam o termo raa politicamente, para mostrar que mesmo no havendo determinismo biolgico sobre a moral e a inteligncia, existe seu uso social para distinguir os grupos e discrimin-los.

    Preconceito racial uma atitude fundada em julgamento negativo e prvio grupo (racial, religio, etc). No se desfaz

    com os fatos que o contesta. individual e coletivo. No inato, mas aprendido socialmente. O preconceito racial um produto

    do racismo.

    Tendo em vista este debate conceitual, o movimento negro se

    organiza para combater o preconceito, a discriminao e a desigualdade racial. Este movimento procura mostrar como a maioria das pessoas naturaliza as classificaes culturais, e com base nela constri uma relao falsa entre aparncia e qualidades cognitivas e morais. O movimento combate estas idias que afirmam que as pessoas negras so feias, pouco inteligentes e pouco confiveis, procurando inverter estas valorizaes preconceituosas. Ou seja, dessa maneira, procura elaborar novos sentidos para definir as pessoas negras, tornando suas identidades positivas, mostrando como estas idias so historicamente elaboradas e, portanto, podem ser modificadas.

    Estas definies so necessrias porque no Brasil, a maioria das pessoas acredita que vivemos numa democracia racial ou seja, que no pas no h desigualdade baseada na raa. Como foi visto, no isso o que acontece, desde que so estabelecidas desigualdades sociais com base na classificao racial. Por isso, torna-se importante combater a crena que o Brasil no um pas racista e mostrar que as diferenas de aparncia no determinam a inteligncia e a moral das pessoas. Precisa-se, portanto, combater o racismo que justifica

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    discriminar as pessoas racialmente, constituindo privilgios para os brancos com prejuzo para as pessoas negras.

    Nesse processo a escola fundamental. Na escola transmitimos conhecimento cientfico sistematizado ao longo do tempo. Na escola transmitimos valores que orientam nossa forma de agir. Atravs da escola podemos re-elaborar nossos valores, criticar nossos preconceitos e criar uma nova maneira de ver o mundo. Uma nova maneira de ver o mundo em que as diferenas no sejam usadas para justificar desigualdade e racismo.