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191 R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 191-203, jul./dez. 2017 O que é potencialidade-gravidade- proporcionalidade nas ações de cassação de mandato: a jurisprudência do TSE sobre o tema (Debate realizado entre Marcus Vinicius Furtado Coelho 1 e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto 2 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral) Relator Luiz Eduardo Peccinin 3 Resumo: A cassação de mandato, registro ou diploma significa a interferência da Justiça Eleitoral na vontade popular. Nesses casos, o poder será exercido não por aquele que foi eleito pelo povo, mas pelo Judiciário. A decisão acerca de tais questões, sobretudo em decorrência de suas gravosas consequências, deve atentar-se à análise de três aspectos: potencialidade, gravidade e proporcionalidade. Muito se discute a respeito dos limites e parâmetros de tais requisitos. Contudo, certo é que o objetivo de tal análise é buscar a solução mais adequada, sopesando a necessidade de preservação da lisura do pleito e a vontade popular manifestada nas urnas. Palavras-chave: Cassação. Proporcionalidade. Gravidade. Potencialidade. Democracia. Sumário: 1 Introdução – 2 Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: conceitos e semelhanças – 3 Aplicação dos requisitos pelo Tribunal Superior Eleitoral – 4 Conclusão – Referências 1 Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca. Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil nos anos de 2013 a 2016. Advogado. Professor. 2 Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB). Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Subprocurador-Geral do Distrito Federal. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. 3 Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (2016). Bacharel em Ciências Jurídicas, habilitação em Direito do Estado, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (2010). Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2012). Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2015). Coordenador do setor de Direito Eleitoral e do Administrador Público do Escritório Vernalha Guimarães & Pereira Advogados Associados. Vice-Presidente do iprade – instituto Paranaense de Direito Eleitoral. Coordenador Executivo do curso de Pós-Graduação em Direito Eleitoral da Universidade Positivo. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraná.

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O que é potencialidade­gravidade­proporcionalidade nas ações de cassação de mandato: a jurisprudência do TSE sobre o tema (Debate realizado entre Marcus Vinicius Furtado Coelho1 e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto2 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral)

Relator

Luiz Eduardo Peccinin3

Resumo: A cassação de mandato, registro ou diploma significa a interferência da Justiça Eleitoral na vontade popular. Nesses casos, o poder será exercido não por aquele que foi eleito pelo povo, mas pelo Judiciário. A decisão acerca de tais questões, sobretudo em decorrência de suas gravosas consequências, deve atentar-se à análise de três aspectos: potencialidade, gravidade e proporcionalidade. Muito se discute a respeito dos limites e parâmetros de tais requisitos. Contudo, certo é que o objetivo de tal análise é buscar a solução mais adequada, sopesando a necessidade de preservação da lisura do pleito e a vontade popular manifestada nas urnas.

Palavras-chave: Cassação. Proporcionalidade. gravidade. Potencialidade. Democracia.

Sumário: 1 introdução – 2 Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: conceitos e semelhanças – 3 Aplicação dos requisitos pelo Tribunal Superior Eleitoral – 4 Conclusão – Referências

1 Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca. Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil nos anos de 2013 a 2016. Advogado. Professor.

2 Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB). Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Subprocurador-Geral do Distrito Federal. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral.

3 Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (2016). Bacharel em Ciências Jurídicas, habilitação em Direito do Estado, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (2010). Especialista em Direito Administrativo pelo instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2012). Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2015). Coordenador do setor de Direito Eleitoral e do Administrador Público do Escritório Vernalha Guimarães & Pereira Advogados Associados. Vice-Presidente do iprade – instituto Paranaense de Direito Eleitoral. Coordenador Executivo do curso de Pós­graduação em Direito Eleitoral da Universidade Positivo. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraná.

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LUiz EDUARDO PECCiNiN

1 introdução

Ao falar em cassação de mandato, verifica­se, de início, um aparente conflito

entre dois princípios constitucionais e democráticos: a prevalência da vontade popular

e a legitimidade das eleições. De acordo com o primeiro, o eleito através do sufrágio

deve exercer o mandato, o que é basilar ao funcionamento de qualquer democracia.

isso porque, normalmente, a vontade da maioria deve ser respeitada. Partindo­se de

uma análise da democracia crítica, não há justa verificação de um critério adequado

para saber quem serão os ocupantes do mandato eletivo,4 haja vista a impossibili­

dade de se separar os indivíduos em bons e maus.

Por outro lado, segundo o princípio da legitimidade das eleições, é necessário

verificar se o eleito assim o foi de forma legítima, ou seja, se a escolha popular que

o elegeu se deu com base nas regras procedimentais para tanto, se foi respeitado

o princípio da igualdade entre os candidatos e, por fim, se foi observada a vontade

popular, consubstanciada na liberdade do exercício do voto.

Há, aparentemente, um choque entre esses princípios, do qual resulta o ques­

tionamento quanto a como é possível superar tal conflito. Tendo em vista a impos­

sibilidade de deixar de aplicar um princípio em detrimento do outro, é necessário

pensar em um meio de alcançar o equilíbrio e a concordância prática entre eles.5 A

resolução dessa colisão é, pois, tarefa que se deve propor não só aos julgadores, mas

também aos demais operadores da prática eleitoral, Ministério Público e advogados.

A jurisprudência eleitoral evoluiu muito na análise das ações que pleiteiam a

cassação do mandato eletivo, sobretudo após o advento da Lei Complementar nº

135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que conferiu nova redação ao art. 22, XiV da LC

nº 64/90, estabelecendo a possibilidade de cassação mesmo após a proclamação

dos eleitos.

Não obstante, ainda remanescem entendimentos dissonantes a respeito dessa

revisão da decisão popular soberana, principalmente em relação ao preenchimento

e análise dos requisitos necessários para afastar o candidato eleito. Três são os

elementos constantemente presentes na análise do caso concreto: a juris pruden­

cialmente consagrada “potencialidade” de alterar o resultado do pleito, a legalmente

exigida “gravidade da conduta” e, enfim, o postulado geral de proporcionalidade da

sanção aplicada à luz do ato ilegal, de seu resultado e de suas consequências.

Esse espectro de conceitos foi o objeto central do presente debate.

4 ZAgREBELSKY, gustavo. A crucificação e a democracia. Tradução de Monica Sanctis Viana. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 135­138.

5 Como bem conhecida é a lição de Ronald Dworkin, os princípios, diferentemente do que ocorre com as regras, não são normas aplicáveis segundo uma lógica do “tudo ou nada” (DWORKiN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39).

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O qUE É POTENCiALiDADE-GRAViDADE-PROPORCiONALiDADE NAS AÇÕES DE CASSAÇÃO DE MANDATO: A JURiSPRUDêNCiA DO...

2 Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: conceitos e semelhanças

É importante, de início, conceituar o trinômio potencialidade­gravidade­propor­

cionalidade a partir de aspectos históricos, conferindo a cada um desses institutos

conteúdo jurídico para facilitar o cotejo.

A partir de tal análise, pergunta­se se existem, de fato, diferenças normativas,

axiológicas e ontológicas em cada uma dessas ferramentas, ou se essas diferenças

não passam de discurso de legitimação formal para a manipulação de resultados

jurisprudenciais. E em resposta ao questionamento, Tarcísio Vieira de Carvalho exem-

plifica que, se fossem representadas por círculos, a proporcionalidade seria um cír culo

maior, abrangente das demais, ao passo que as duas outras noções – potencial idade

e gravidade – estariam unidas, como se elos fossem.

Primeiramente, é importante asseverar que a análise da proporcionalidade, da

gravidade e da potencialidade propõe o exercício de ponderações para qualquer um

desses conceitos.

A questão da ponderação, na doutrina, possui exposição bastante verticalizada.

José Maria Rodriguez de Santiago afirma, em sentido amplo, que ponderar significa

determinar, quantificar o peso de alguma coisa; e a ponderação, nesse quesito, impõe

equilíbrios. Para o jurista, a ponderação é mais do que apenas um método jurídico,

sendo também uma forma de pensar e atuar. Em um sentido jurídico, pode­se dizer

que ela é, inclusive, forma de decidir, com apelo à justiça material. Em termos de

estrutura, a ponderação possui três fases. A primeira é a identificação dos princípios

em conflito, seguida pela atribuição de um peso ou importância para cada um deles,

atentando-se às particularidades do caso e, por fim, a decisão sobre a prevalência

de um princípio sobre outro.6

A partir de tais esclarecimentos iniciais, indaga­se a respeito das diferenças

entre proporcionalidade, potencialidade e gravidade.

Acerca da proporcionalidade, num primeiro momento, vale rememorar que o

próprio texto original da Magna Carta, de 1215, continha, em seu art. 20, minucio­

samente o seu conceito, ao afirmar que, para uma ofensa trivial, um homem livre só

pode ser condenado na proporção exata desta ofensa.7

Marcus Vinicius Furtado Coelho, por sua vez, atenta que não se pode fazer do

princípio da proporcionalidade a ditadura da magistratura e do Judiciário, vez que

6 RODRiGUEz DE SANTiAGO, José Maria. La ponderación de bienes e interesses em el derecho administrativo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 121­141.

7 “Artigo 20. A multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito, será proporcionada à gravidade do delito; e pela prática de um crime será proporcionada ao horror deste, sem prejuízo do necessário à subsistência e posição do infrator; a mesma regra valerá para as multas a aplicar a um comerciante e a um vilão, ressalvando­se para aquele a sua mercadoria e para este a sua lavoura; e, em todos os casos, as multas serão fixadas por um júri de vizinhos honestos”.

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LUiz EDUARDO PECCiNiN

desse poder seja necessário exigir a devida fundamentação e a máxima objetividade

possível. Logo, a conduta indevida deve ser proporcional à sanção aplicada. Nesse

sentido, a cassação do registro é a punição mais gravosa existente no âmbito elei­

toral não penal, a qual, por ser absolutamente grave, deve ter por base uma conduta

juridicamente relevante.

Na doutrina europeia, e em particular na alemã, o princípio da proporcionali­

dade, para se fazer presente, deve preencher três elementos (ou, em outros termos,

três subprincípios): adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Para o primeiro, em linhas gerais, deve­se verificar se o meio utilizado é adequado a

atingir o fim ao qual ele se destina. Ultrapassado esse elemento, faz-se necessário

apreciar a necessidade, que deve ser entendida como a busca, entre as interven­

ções possíveis por qualquer operador do direito, pela medida mais adequada e mais

necessária. Por fim, surge o terceiro critério, correspondente à proporcionalidade em

sentido estrito (ou razoabilidade), representativo da medida exata, segundo a qual se

deve adotar um critério nem aquém nem além do exato para se alcançar a finalidade

a que se destina.

Ausentes tais elementos, há o ferimento à proibição do excesso, nas palavras

de Canotilho:

Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso (Übermassverbot), foi erigido à dignidade de princípio constitucional [...]. Na qualidade de regra de razoabilidade – rule of reasonableness – desde cedo começou a influenciar a jurisprudência de países de Commom Law.8

E conclui:

Através de standards jurisprudenciais como o da proporcionalidade, ra zoa­bilidade, proibição de excesso, é possível hoje recolocar a administração (e, de modo geral, os poderes públicos) num plano menos sobran ceiro e incontestado relativamente ao cidadão. Assim, quando se pedir a um juiz uma apreciação dos danos causados pela carga policial numa ma­nifestação, o que se visa não é contestar a legitimidade da admi nistração na defesa do interesse e ordem públicos mas sim o de averiguar a razoabilidade, proporcionalidade e necessidade da medida de polícia.9

Nos mais diversos ramos do direito está presente a ideia de proporcionalidade.

No direito penal, por exemplo, é muito claro que a pena deve ser proporcional à

8 CANOTiLHO, Joaquim José gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 267.

9 CANOTiLHO, Joaquim José gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 268.

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O qUE É POTENCiALiDADE-GRAViDADE-PROPORCiONALiDADE NAS AÇÕES DE CASSAÇÃO DE MANDATO: A JURiSPRUDêNCiA DO...

ação (como o é no ordenamento constitucional brasileiro desde 1822). Ademais,

esse entendimento é utilizado no direito administrativo, no qual os atos devem ter

moderação e justificativa. Por fim, também no direito constitucional se encontra tal

noção, vez que é a partir da teoria do devido processo legal em sentido substancial,

além do seu sentido procedimental, que advém a presença da proporcionalidade, ao

se demonstrar que as decisões judiciais não devem ser destemperadas, mas devem

buscar sempre a paz social.

Nessa linha, aliás, são as manifestações de parte da filosofia. Em Ética

a Nicômaco, por exemplo, a noção de justiça significa distribuição proporcional,

bem como na própria definição de justiça entre os gregos se encontra a ideia de

propor cionalidade:

O justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior.10

Dessa forma, cada ação deve ter uma reação proporcional, sendo essa máxima

aplicável, com ainda mais razão, na interferência da Justiça Eleitoral nas eleições.

Desde o advento da Constituição de 1988, houve momentos de esforço da

Justiça Eleitoral na tentativa de se estabelecerem critérios para a cassação de man­

datos, a fim de evitar a sua banalização. A cassação de mandatos, portanto, deve ser

levada a efeito quando necessária, com o devido equilíbrio e com a devida cautela.

Assim, as primeiras manifestações jurisprudenciais se voltavam à linha de

que seria necessário comprovar um nexo de causalidade entre as condutas e a cas­

sação de mandatos. isto é, seria praticamente necessário demonstrar que a eleição

do candidato se dera em função das condutas ilícitas praticadas, segundo fórmulas

que eram praticamente matemáticas.

Posteriormente, a jurisprudência evoluiu, afastando-se de seu subjetivismo

inicial e passando a exigir a potencialidade, ou seja, um juízo de probabilidade de

influir no resultado das eleições ou de atingir sua normalidade e legitimidade. Tal

entendimento foi aplicado nas eleições de 2008 e 2010.11

10 ARiSTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 199.11 “[...] No presente caso, por se tratar das eleições de 2010, o abuso de poder deve ser aferido com base no

requisito da potencialidade que era exigido pela jurisprudência de então e que, não se faz presente no caso concreto em razão de suas circunstâncias” (BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Ordinário n. 265.308/RO. Rel. Henrique Neves da Silva. DJE, 5 abr. 2017).

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LUiz EDUARDO PECCiNiN

Para alcançar abordagem mais técnica sobre tal visão, Rodrigo López Zílio12

defende a divisão das ações eleitorais em ações genéricas e ações específicas.

As ações eleitorais genéricas, como a AiJE e AiME, detêm algumas caracterís-

ticas, como (i) origem em diplomas normativos diversos (e.g., Código Eleitoral,

Cons tituição, Lei Complementar nº 64/90), (ii) generalidade (ou seja, ausência de

taxa tividade), (iii) possibilidade de responsabilização do candidato na condição de

mero beneficiário (mesmo sem ter sido responsável diretamente pelo ilícito), (iv)

proteção de bem jurídico comum (normalidade e legitimidade do pleito), e (v) neces­

sidade da demonstração da potencialidade para assegurar a procedência do pedido.

Por outro lado, as ações ou representações eleitorais específicas possuem carac­

terísticas totalmente diversas, a exemplo da (i) origem em diploma normativo comum

(Lei nº 9.504/97), (ii) especificidade (adequação do fato), (iii) responsabilidade do

candidato (com uma única exceção no art. 73 da lei mencionada), (iv) fundamento

no elemento subjetivo, (v) proteção a bens jurídicos diversos e, por derradeiro,

(vi) desnecessidade de demonstração da potencialidade lesiva, entendida como

afeta ção do resultado do pleito.

A primeira síntese conclusiva, de acordo com Tarcísio, é a de que as ações

genéricas necessitam de prova da potencialidade, pois tutelam bens jurídicos comuns,

e as específicas não, pois tutelam bens jurídicos diversos e específicos.

Nesse sentido, o entendimento do TSE é de que, na análise das condutas

vedadas do art. 73, é mais recomendável adotar o princípio da proporcionalidade,

deixando o exame do requisito da potencialidade para os casos mais graves.13

Potencialidade, então, é perquirir se houve afetação da lisura do pleito, a

partir de elementos que indiquem o comprometimento da legitimidade da eleição.

Necessita­se, então, provar que o comportamento abusivo tenha comprometido as

eleições. E essa prova de contaminação se dá segundo o livre convencimento do

juiz, sem olvidar a existência do art. 23 da Lei Complementar nº 64/90.14 São sufi­

cientes, portanto, elementos convergentes, desde que robustos, sendo despicienda,

todavia, a apresentação de cálculos aritméticos.

A potencialidade, portanto, é elemento constitutivo do abuso de poder. Os

cálculos aritméticos lhe são desnecessários, pois algumas ações como a AiJE

podem ter resultado cabal antes mesmo das eleições, o que tornaria inócuo se exigir

do juízo a adivinhação sobre a robustez quanto ao resultado deste abuso.

12 ZíLiO, Rodrigo López. Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: uma análise do art. 22, inciso XVi, da Lei nº 64/90. Disponível em: <http://www.flaviocheim.com.br/wp­content/uploads/2013/06/Artigo­Potencialidade­gravidade­e­proporcionalidade.pdf>. Acesso em: 17 maio 2017.

13 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental no Agravo de instrumento nº 12.165. Rel. Arnaldo Versiani Leite Soares. DJE, 1º out. 2010.

14 “Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

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O qUE É POTENCiALiDADE-GRAViDADE-PROPORCiONALiDADE NAS AÇÕES DE CASSAÇÃO DE MANDATO: A JURiSPRUDêNCiA DO...

Com o advento da Lei da “Ficha Limpa”, surge o entendimento de que, para

configurar o abuso de poder, não se poderia mais falar em nexo de causalidade,

probabilidade ou potencialidade, advindo o elemento da “gravidade das circunstâncias”,

segundo o qual somente se deveria tomar em consideração questões como quem

praticou o ato, ou como, quando e onde ele fora praticado. Dessa forma, a própria

redação da LC nº 64/90 passa a desconsiderar tal fator em seu art. 22, in verbis:

Art. 22. [...]

XVi - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a poten-cialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Para Marcus Vinicius Furtado, tal gravidade não pode guardar relação com

o resultado das eleições, pois é o fato ilícito e a sua relevância que devem ser

considerados.

Já para Tarcísio Vieira, o art. 22, XVi, da Lei nº 64/90 não substituiu o requi-

sito da potencialidade pelo da gravidade, visto que é inviável conceder resultado

fatal à compra de um único voto. É demasiado grave, mas nem por isso se exige

a potencialidade. Para o jurista, o art. 22 revigorou a AiJE, que passava por crise

de inefetividade. Esse entendimento, todavia, não teria aplicabilidade nas ações

específicas.

Conforme pondera Rodrigo López Zílio, a gravidade do ato ilícito praticado

isoladamente “não é suficiente para reconhecer como configurado ato de abuso apto

a levar a procedência de uma ação de abuso genérico (AiJE, AiME, RCD), já que

o bem jurídico protegido pelas ações genéricas não restará afetado pela conduta

perpetrada”.15

Não obstante, conclui que na análise da gravidade das circunstâncias é indis­

pensável aferir a forma, natureza, finalidade e efeitos dos atos praticados, bem

como a visualização dos critérios cronológico (temporal), quantitativo e em relação ao

impacto junto ao eleitorado.16

3 Aplicação dos requisitos pelo Tribunal Superior EleitoralA justiça eleitoral deve evitar a consideração de elementos puramente subjetivos

para determinar a cassação do mandato. Assim, deve haver parâmetros mínimos

dentro da análise dos requisitos abordados.

15 ZíLiO, Rodrigo López. Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: uma análise do art. 22, inciso XVi, da Lei nº 64/90. Disponível em: <http://www.flaviocheim.com.br/wp­content/uploads/2013/06/Artigo­Potencialidade­gravidade­e­proporcionalidade.pdf>. Acesso em: 17 maio 2017.

16 ZíLiO, Rodrigo López. Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: uma análise do art. 22, inciso XVi, da Lei nº 64/90. Disponível em: <http://www.flaviocheim.com.br/wp­content/uploads/2013/06/Artigo­Potencialidade­gravidade­e­proporcionalidade.pdf>. Acesso em: 17 maio 2017.

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LUiz EDUARDO PECCiNiN

inicialmente, à luz do advento da Lei Complementar nº 64/90, o TSE exigia o

nexo de causalidade. Assim, somente poderia haver cassação se as irregularidades

praticadas fossem de tal monta e grandeza que se pudesse chegar à conclusão

de que sem as irregularidades o resultado das eleições seria outro, juízo este que

beirava o cálculo matemático. Tal entendimento, porém, já foi superado há muito:

[...] 1. Para a configuração de abuso de poder, não se exige nexo de causalidade, entendido esse como a comprovação de que o candidato foi eleito efetivamente devido ao ilícito ocorrido, mas que fique demons­trado que as práticas irregulares teriam capacidade ou potencial para influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o resultado do pleito. 2. Se fossem necessários cálculos matemáticos, seria impossível que a representação fosse julgada antes da eleição do candidato, que é, aliás, o mais recomendável, visto que como disposto no art. 22, inc. XiV da LC nº 64/90, somente nesse caso poderá a investigação judicial surtir os efeitos de cassação do registro e a aplicação da sanção de inelegibilidade.17

A partir de então, o Tribunal considerou a análise da potencialidade, no sentido

de que o ilícito praticado deve ser apto a influenciar (e não ter concretamente

influenciado) o resultado das eleições. Para o TSE, em relação às condutas vedadas

do art. 73 da Lei das Eleições, deve ser observado o princípio da proporcionalidade

e somente se exige a potencialidade do fato naqueles casos mais graves, em que

se cogita a cassação do registro ou do diploma.18 Admitiu­se, portanto, que o reco­

nhecimento da potencialidade implica o exame da gravidade da conduta, “não se

vin cu lando necessariamente apenas à diferença numérica entre os votos ou a efetiva

mudança do resultado das urnas”.19

A legislação eleitoral não conceitua gravidade de forma expressa, e, portanto,

não é raro haver confusão com a potencialidade lesiva. Contudo, trata­se de situa­

ções diversas, sendo a gravidade ato capaz de abalar a igualdade de condições

entre candidatos, desequilibrando a disputa e maculando a legitimidade do pleito,

independentemente de efetivamente influenciar o resultado das eleições.20

A gravidade também está diretamente ligada à proporcionalidade, considerando

que “a adoção do princípio da proporcionalidade, tendo em conta a gravidade da

conduta, demonstra­se mais adequada para gradação e fixação das penalidades

17 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Ordinário n. 752/ES. Rel. Fernando Neves. DJE, 15 jun. 2004.

18 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental no Agravo de instrumento nº 12.165. Rel. Arnaldo Versiani Leite Soares. DJE, 1º out. 2010.

19 BRASiL. Acórdão no Recurso Contra a Expedição de Diploma n. 661/SE. Rel. Aldir guimarães Passarinho Júnior. DJE, 16 fev. 2011.

20 ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Processo eleitoral: sistematização das ações eleitorais. 2. ed. São Paulo: Mizuno, 2012. p. 321.

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O qUE É POTENCiALiDADE-GRAViDADE-PROPORCiONALiDADE NAS AÇÕES DE CASSAÇÃO DE MANDATO: A JURiSPRUDêNCiA DO...

previstas nas hipóteses de condutas vedadas”.21 O TSE analisa a proporcionalidade

conjuntamente com a gravidade, a exemplo do precedente a seguir, no qual se enten­

deu pela não cassação do mandato de candidato que promoveu seis veiculações

irregulares de propaganda antecipada no rádio, em ano anterior das eleições:

[...] 4. Na espécie, as seis veiculações de rádio consideradas abusivas pelo Tribunal a quo estão compreendidas entre os meses de junho e dezembro do ano de 2011. Portanto, em período bem anterior ao pleito, enfraquecendo, a meu sentir, sua capacidade de comprometer a dis puta. Desse modo, a conduta descrita, embora possa eventualmente carac­terizar propaganda antecipada, não apresenta gravidade suficiente para impor ao candidato eleito a sanção de cassação do mandato.

5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.22

O TSE aplicou o mesmo entendimento no caso da utilização de dois servidores

na pintura de comitê de campanha, consignando-se:

com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda conduta vedada reconhecida pela Justiça Eleitoral acarreta a automática cassação de diploma, competindo ao magistrado exercer um juízo de pro­porcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta.23

Por outro lado, a Corte entendeu ultrapassado o filtro de proporcionalidade

num caso de atendimentos médicos feitos por candidato, e a existência de cadas tro

desses atendimentos. Nessa hipótese, houve análise pormenorizada das circuns­

tâncias fáticas do caso e verificação do preenchimento dos requisitos necessários à

condenação:

[...] A gravidade da conduta é inequívoca (art. 22, XVi, da LC 64/90). Além das circunstâncias já referidas ­ esquema praticado por longo período de tempo, atuação direta por parte dos recorrentes, distribuição de grande quantidade de medicamentos e receituários e viabilização de cirurgias ­ é de se ressaltar também o caos na saúde pública no Município, de modo que a população passou a depender do assistencialismo dos vereadores para obterem tais serviços. [...].24

21 BRASiL. Acórdão no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 35.240. Rel. Arnaldo Versiani Leite Soares. DJE, 15 set. 2009.

22 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 41.848. Rel. Luciana Christina guimarães Lóssio. DJE, 8 ago. 2016.

23 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 43.580. Rel. gilmar Ferreira Mendes. DJE, 27 out. 2014.

24 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Especial Eleitoral n. 33.230. Rel. João Otávio de Noronha. DJE, 31 mar. 2016.

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200 R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 191­203, jul./dez. 2017

LUiz EDUARDO PECCiNiN

Nos casos mais recentes, percebe­se que o TSE não está mais considerando o

resultado das eleições para definir o juízo de proporcionalidade, mas a irregularidade

em si.

Apesar de a utilização de cálculos aritméticos sobre o resultado das eleições

não parecer a melhor solução, há um caso isolado em que o TSE utilizou tais cálculos

para afastar a irregularidade. Por 4 votos a 3, o Tribunal considerou que a contrata­

ção irregular de 8 servidores públicos não ultrapassaria o limite da proporcionalidade,

sob o argumento de que a diferença entre os candidatos foi de 725 votos:

[...] 8. Sendo a diferença entre a chapa vencedora, composta pelos ora Recorrentes, e a segunda colocada de 725 (setecentos e vinte e cinco) votos, o reduzido número – 8 (oito) – de contratações temporárias reputadas como irregulares não teve influência deletéria no transcurso normal das eleições de 2012 à Prefeitura de Corinto/MG, de forma a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.

9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para deferir o registro de candidatura dos Recorrentes aos cargos de prefeito e vice­prefeito do Município de Corinto/Mg, mantida, entretanto, a multa apli­cada ao primeiro recorrente.25

A partir da análise da evolução legislativa e jurisprudencial acerca do assunto,

afasta­se a ideia de que o TSE exige um juízo totalmente objetivo sobre o resultado

das eleições.

Defende­se que a potencialidade, que continua exigível para as ações gené­

ricas, de acordo com a argumentação de Tarcísio, é elemento constitutivo do próprio

abuso. Daí a primeira diferenciação em relação à proporcionalidade, que é critério

de aplicação da sanção, devendo ser utilizada tanto nas ações genéricas quanto

específicas, diferentemente da potencialidade, ainda exigível apenas nas ações gené­

ricas. Nas ações específicas já há uma preponderação da sanção feita com exatidão

pelo legislador, a exemplo do que ocorre com as sanções relacionadas ao art. 73

da Lei nº 9.504/97.

Para evitar injustiças, de acordo com Tarcísio, deve ser adotado o princípio da

proporcionalidade. Se o fato não ostentar gravidade excessiva, não se faz necessária

a aplicação de todas as penas em grau máximo. A multa terá implicação impositiva

sempre em seu grau mínimo, desde que caracterizada a infração, pois não pode o

julgador, presente a infração, aplicar multa abaixo do mínimo legal. Nessa hipótese,

não cabe aludir ao princípio da insignificância. Proíbe­se, pois, apenas o chamado

excesso sancionatório.

25 BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Especial Eleitoral nº 45.060. Rel. Laurita Hilário Vaz. DJE, 22 out. 2013.

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201R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 191­203, jul./dez. 2017

O qUE É POTENCiALiDADE-GRAViDADE-PROPORCiONALiDADE NAS AÇÕES DE CASSAÇÃO DE MANDATO: A JURiSPRUDêNCiA DO...

O princípio da reserva legal proporcional passa a presidir a fixação da pena,

de modo que a punição teria como base o desvalor da conduta. Está­se diante de

presunções objetivas nas ações específicas, considerando princípios setoriais como

a igualdade entre candidatos. Evidente que a justiça eleitoral não punirá condutas

incipientes ou irrelevantes, porquanto seja necessário diferenciar a legalidade formal

da legalidade material, para verificar se existem tipicidades meramente formais ou

materiais.

Trabalha-se dentro do sancionamento com essa correspondência entre gravi-

dades mínimas, médias e máximas, no âmbito das ações específicas. Nesse con­

texto, é sempre necessária a fundamentação, inclusive necessitando a análise da

capacidade econômico­financeira do candidato. Se a lesividade for de grau médio,

podem-se agregar à multa outros tipos de sanção, como a suspensão da conduta

e proibição de recebimento de fundo partidário. E, no grau máximo, deverá haver a

concentração de todas as sanções.

Justamente nesse cotejo reside a proporcionalidade, com respeito à questão

da gravidade, sem ter de se recorrer ao requisito atípico para as ações específicas,

que é o requisito técnico da potencialidade que ainda existe mesmo após a LC nº

135, pois não é verossímil entender que se possa caracterizar nas ações genéricas

ofensas gerais aos valores mais abrangentes, à míngua do tipo de valor que é a

significação sobre o resultado.

Para Tarcísio, a afirmação de que “para configuração do ato abusivo não será

considerada a potencialidade” remete àquela potencialidade relativa a cálculos

arit méticos. Marcus Vinicius pontua que é importante alcançar o máximo de objeti-

vidade possível, para evitar o que Jorge Miranda, citando Emerson garcia, chamou

de “riscos de abusos por magistrados que resolvem se autoinvestir na função de

legisladores”.

Portanto, as circunstâncias são fundamentais, em análise do dano em si e

do fato tido como ilícito. E, peremptoriamente, não se deve admitir o retorno do

nexo de causalidade, do início da evolução da jurisprudência eleitoral, à pauta dos

julgamentos.

4 Conclusão

qualquer conclusão que se possa traçar deverá partir da percepção de que

não podem ser banalizadas as intervenções judiciais eleitorais ao ponto de cassar

mandatos indiscriminadamente, modus operandi que não se coaduna com nenhum

regime que se pretenda democrático. Por outro lado, e em nome do próprio prin­

cípio democrático, as condutas ilegítimas e indevidas não devem ficar sem a pronta

resposta, sob pena de se macular inexoravelmente a legitimidade do processo

eleitoral.

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202 R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 191­203, jul./dez. 2017

LUiz EDUARDO PECCiNiN

Se, de fato, houve práticas indevidas objetivando a conquista do mandato,

a cassação se impõe indubitavelmente, para que se tenha, de forma preventiva,

exemplar e didática, o devido respeito às normas eleitorais; do contrário, tais normas

serão meramente fontes de ordenamento, cumprindo no máximo funções decorativas.

Dos debates acadêmicos que fundam esta exposição, tem-se que a busca

que se deve empreender, portanto, é pela legitimidade das eleições com respeito

à vontade popular, com base no necessário princípio da proporcionalidade. Sem a

lisura das eleições ou, ainda, sem a igualdade entre os postulantes no processo de

escolha, o próprio resultado fica maculado e a democracia (como valor em si mesmo),

em longo prazo, enfraquecida.

Portanto, o princípio majoritário deve conviver com o princípio da legitimidade,

e esta concordância prática só será feita verificando o fato irregular em sua própria

ilicitude, em um cotejo de circunstâncias, não tendo como norte meramente o resul­

tado das eleições.

ReferênciasARiSTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

BRASiL. Acórdão no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 35.240. Rel. Arnaldo Versiani Leite Soares. DJE, 15 set. 2009.

BRASiL. Acórdão no Recurso Contra a Expedição de Diploma n. 661/SE. Rel. Aldir guimarães Passarinho Júnior. DJE, 16 fev. 2011.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental no Agravo de instrumento nº 12.165. Rel. Arnaldo Versiani Leite Soares. DJE, 1º out. 2010.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 41.848. Rel. Luciana Christina guimarães Lóssio. DJE, 8 ago. 2016.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 43.580. Rel. gilmar Ferreira Mendes. DJE, 27 out. 2014.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Especial Eleitoral n. 33.230. Rel. João Otávio de Noronha. DJE, 31 mar. 2016.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Especial Eleitoral nº 45.060. Rel. Laurita Hilário Vaz. DJE, 22 out. 2013.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Ordinário n. 752/ES. Rel. Fernando Neves. DJE, 15 jun. 2004.

BRASiL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Ordinário n. 265.308/RO. Rel. Henrique Neves da Silva. DJE, 5 abr. 2017.

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203R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 191­203, jul./dez. 2017

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informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

PECCiNiN, Luiz Eduardo. O que é potencialidade­gravidade­proporcionalidade nas ações de cassação de mandato: a jurisprudência do TSE sobre o tema (Debate realizado entre Marcus Vinicius Furtado Coelho e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral). Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 191­203, jul./dez. 2017.