O renascimento da agricultura

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10 Março/Abril de 2012 STORE MAGAZINE Grande Plano Nos últimos anos intensificou-se a atenção dada aos produtos portugueses e isso tem “promovido maiores contactos comerciais e uma muito maior interligação entre a produção e a distribuição”, diz João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). O aparecimento de jovens agricultores “bem preparados” também tem ajudado ao renascimento e competitividade da agricultura portuguesa preparar os produtores para ven- derem à distribuição – até com formação profissional incluída – bem como mostrar à distribuição e aos seus compradores como é que a produção funciona para eles não pedirem coisas impos- síveis. Há um conjunto de visitas, acções, formação e seminários que constituem um programa anual e juntam produtores e a dis- tribuição para, no fundo, aproxi- mar as áreas de negócio. Store | E é uma relação que tem funcionado bem entre as duas partes? JM | O protocolo tem funciona- do bem. Esta relação produção/ distribuição tem óbvias vanta- gens para ambas as partes mas com momentos de stress, em Store | Que balanço faz do pro- tocolo existente entre a CAP e a APED? João Machado | Trata-se de um protocolo de cooperação que existe desde 1995 que se desti- na a juntar os produtores a quem vende os produtos, a distribuição. Ou seja, a promover os negócios entre ambos. Contempla um con- junto de acções cujo objectivo é “Admitindo que temos de viver com esta PAC, ela não nos trata bem” O renascimento da agricultura João Machado, presidente da CAP Hermínio Santos jornalista [email protected] Ramon de Melo

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10 Março/Abril de 2012 STORE MAGAZINE

grande Plano

Nos últimos anos intensificou-se a atenção dada aos produtos portugueses e isso tem “promovido maiores contactos comerciais e uma muito maior interligação entre a produção e a distribuição”, diz João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). O aparecimento de jovens agricultores “bem preparados” também tem ajudado ao renascimento e competitividade da agricultura portuguesa

preparar os produtores para ven-derem à distribuição – até com formação profissional incluída – bem como mostrar à distribuição e aos seus compradores como é que a produção funciona para eles não pedirem coisas impos-síveis. Há um conjunto de visitas, acções, formação e seminários que constituem um programa anual e juntam produtores e a dis-

tribuição para, no fundo, aproxi-mar as áreas de negócio.

Store | E é uma relação que tem funcionado bem entre as duas partes?JM | O protocolo tem funciona-do bem. Esta relação produção/distribuição tem óbvias vanta-gens para ambas as partes mas com momentos de stress, em

Store | Que balanço faz do pro-tocolo existente entre a CAP e a APED?João Machado | Trata-se de um protocolo de cooperação que existe desde 1995 que se desti-na a juntar os produtores a quem vende os produtos, a distribuição. Ou seja, a promover os negócios entre ambos. Contempla um con-junto de acções cujo objectivo é

“Admitindo que temos de viver com esta PAC, ela não nos trata bem”

o renascimento da agriculturaJoão Machado, presidente da CAP

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que existem problemas e não po-demos ignorar isso. Sobre esta matéria o protocolo, embora não tenha esse objectivo, permite o diálogo entre as partes e, muitas vezes, a CAP e a APED funcio-nam como amortecedores destas relações para tentar resolver um ou dois problemas.

Store | Nos últimos anos assis-te-se a uma maior abertura da distribuição à produção agríco-la nacional…JM | Em algumas áreas a pro-dução agrícola nacional sempre esteve muito presente na distri-buição moderna, como é o caso do vinho, do azeite e de algumas outras matérias. Desde a crise de 2008 que há uma nova cons-ciencialização de que é preciso produzir e consumir no local. Tem havido uma maior atenção aos produtos portugueses e isso tem promovido maiores contactos comerciais e uma muito maior interligação entre a produção e a distribuição. Todos os grupos de distribuição em Portugal com-pram a produtores portugueses regularmente e há um grupo que tem promovido uma relação mais institucional nessa matéria com o Clube de Produtores Continente, que promoveu, com um conjunto de produtores, que eu julgo que são mais de 200, uma relação mais estreita.

Store | Está satisfeito com os apoios que existem à produção nacional?JM | A questão dos apoios é mui-to particular para a agricultura. Numa Europa comunitária onde existe uma Política Agrícola Co-mum (PAC) os produtores agríco-las não podem viver sem ela. Nes-te contexto Portugal é sempre mal tratado dentro da PAC. Estamos em 23.º lugar ao nível dos apoios per capita e por agricultor, o que, claramente, não é o nosso lugar na Europa até porque aderimos noutra altura e deveríamos estar noutra posição. Portanto, em pri-meiro lugar, a PAC não favorece os agricultores portugueses. Em segundo, e passando para o nível nacional, esta política é aplicada através de programas que não têm sido os melhores. O último,

o PRODER (Programa de Desen-volvimento Rural), é muito mau. É muito burocrático, tem medidas que, muitas delas, não se aplicam à realidade nacional e têm uma grande dificuldade de execução. Dificulta a vida dos agricultores no acesso aos apoios comunitários ao investimento. Depois temos as ajudas directas, 100 por cen-to comunitárias, e aí é outro ca-pítulo. Também aqui temos várias dificuldades e devolvido dinheiro a Bruxelas porque o Estado por-tuguês é demasiado pesado não só a gerir esta distribuição das ajudas como a controlá-las e de-pois harmonizar isto com a legis-lação comunitária. Admitindo que temos de viver com esta PAC, ela não nos trata bem. Depois, a nível nacional, para dificultar o acesso dos agricultores ao investimento, pagamos tarde, a más horas e ainda devolvemos dinheiro. Por-tanto, o panorama não é bom.

Store | Como é que pode mudar esse estado de coisas?JM | Em primeiro lugar poder--se-ia mudar o enquadramento comunitário. Isto é, levar Portugal para um nível diferente daque-le que tem hoje. Infelizmente, as notícias que nos chegam da úl-tima proposta da Comissão Eu-ropeia, pois estamos a negociar um novo quadro comunitário de apoio 2014-2020, é de que Portu-gal continuará a ocupar a mesma posição relativa entre os mem-bros da União Europeia. Portanto, do ponto de vista do orçamento, Portugal não vai sair beneficiado. Vamos ter um orçamento comu-nitário que vai ser igual ou infe-rior ao actual e a dividir por mais. Apesar disso, e pelas contas da Comissão, Portugal não vai ter muito menos dinheiro e até pode ser que tenha um pouco mais, o que, nesse aspecto, não é mau. O que é mau é que continuamos na mesma posição relativa, não subimos na escala. O que é que pode melhorar significativamen-te? É termos um programa de desenvolvimento rural melhor, menos burocrático, com menos medidas, mais transparente, mais acessível e próximo dos interes-ses doa agricultores. Se tivermos isso já melhoramos muito.

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“Das fileiras da agricultura a que mais tem crescido nos últimos anos é a

dos produtos horto-frutícolas”

“Em algumas áreas a produção agrícola nacional sempre esteve muito presente na distribuição moderna, como é o caso do vinho, do azeite e de algumas outras matérias. Desde a crise de 2008 que há uma nova consciencialização de que é preciso produzir e consumir no local”

“Há um discurso de alguns sectores, sobretudo de alguma comunicação social e de algumas pessoas, em relação à agricultura que não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, há vários tipos de agricultura em Portugal. Tem imensas facetas, umas mais positivas outras negativas”

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“Vamos ter um orçamento comunitário que vai ser igual ou inferior ao actual e a dividir por mais. Apesar disso, e pelas contas da Comissão, Portugal não vai ter muito menos dinheiro e até pode ser que tenha um pouco mais, o que, nesse aspecto, não é mau”

“A recuperação na área do azeite só foi possível por causa do Alqueva, o grande impulsionador dos novos olivais”

Store | Quais as fileiras da agri-cultura portuguesa que têm grandes possibilidades de te-rem, de facto, um argumento distintivo no estrangeiro?JM | Há um discurso de alguns sectores, sobretudo de alguma comunicação social e de algumas pessoas, em relação à agricultura que não corresponde à realida-de. Em primeiro lugar, há vários tipos de agricultura em Portugal. Tem imensas facetas, umas mais positivas outras negativas. A agri-cultura portuguesa tem sido um dos sectores da economia que mais tem investido. O PRODER, um programa que tem fundos comunitários e nacionais para in-vestimento, está esgotado até ao seu final – o QREN, nem de per-to nem de longe…O sector criou emprego líquido nos últimos anos e continua a criar. Globalmente tem aumentado as exportações e batido recordes todos os anos em valor, toneladas e litros e que tem cada vez mais evitado impor-tações. Apesar da situação de cri-se que estamos a viver temos um sector que tem criado emprego, investido, exportado e produzido mais. Há muitos problemas mas os dados globais da agricultura são muito positivos atendendo ao quadro do País em que estamos a viver. Aliás, há uma nova clas-se de agricultores que é absolu-tamente dinâmica. A imagem do agricultor velho com uma enxada não existe na agricultura produ-tiva. É um facto que também há agricultura de subsistência e que estas duas realidades coexistem, mas a realidade dos números é indesmentível e essa mostra que a agricultura está a crescer.

Store | E sobre as fileiras mais dinâmicas?JM | Das fileiras da agricultura a que mais tem crescido nos últi-mos anos é a dos produtos horto--frutícolas – voltámos a bater to-dos os recordes em 2011, com as exportações a ficarem muito per-to dos 1000 milhões de euros. A taxa de cobertura na balança nes-te sector é de 200 por cento, ex-portamos mais 100 por cento do que importamos. Estamos a ter um percurso fantástico. O vinho bateu novamente recordes em

2011 e a cortiça voltou a aumentar as exportações. Temos aqui três fileiras que têm estado sempre a crescer. A do azeite, uma fileira que estava morta há uns anos, tem vindo a aumentar imenso a produção nacional, sendo grande parte dela exportada, sobretudo para o Brasil. Depois temos sec-tores onde a nossa performance é muito razoável mas não tem cres-cido tanto: o leite, um sector com problemas mas auto-suficiente para o consumo nacional; cere-ais não panificáveis, onde somos dos melhores produtores a nível mundial na área do milho; na área dos panificáveis é onde temos mais dificuldades e produzimos 10 a 12 por cento do que consu-mimos - o que não é bom e pode mudar ligeiramente no futuro se tivermos mais trigo regado mas não temos uma óptima posição para produzir trigo a preço com-petitivo. Outro sector onde temos tecnologia de ponta e onde so-mos altamente exportadores é no tomate para a indústria. Na área da pecuária temos um mercado equilibrado nas aves, com altos e baixos no que diz respeito ao suí-no – temos um novo sector que é a recuperação do porco ibérico e bísaro – e claras dificuldades nos bovinos, pois Portugal não é um País com muita pastagem natural e portanto tem mais dificuldades em alimentar bovinos a preços competitivos.

Store | O Alqueva está a cumprir o seu papel de projecto estrutu-rante da agricultura portugue-sa?JM | É um projecto que os agri-cultores desejaram muito, que tem 50 anos, com grandes dificul-dades de implementação e que finalmente foi construído. Foi pen-sado de raiz para ser uma gran-de albufeira – a maior da Europa – mas com aplicação agrícola, o que faz a diferença em relação a todas as outras grandes albufei-ras em Portugal, que não regam. Tem vindo a ser extremamente importante para a região e veri-fica-se que há um panorama no Alentejo e à volta que já mudou, embora se tenha um pouco me-nos de metade da área regada e um terço da área total aproveitada

“Numa Europa comunitária onde existe uma Política Agrícola Comum (PAC) os produtores agrícolas não podem viver sem ela. Neste contexto, Portugal é sempre mal tratado dentro da PAC”

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Store | Assiste-se a um fenómeno de re-gresso à agricultura potenciada pela crise financeira e que até já entrou no discurso do Governo. Como é que encara este movi-mento? Vêm aí novos agricultores?JM | Acho que Portugal cometeu um erro enorme – e a CAP disse-o sempre – que foi desinvestir nos sectores primários, principal-mente na agricultura. Perdemos algum tempo, despovoámos uma parte do território nacional e tornámos mais difícil o equilíbrio da balança e da produção nacional. De facto, desde 2008 e depois do sinal de alerta de que não se pro-duzirão alimentos em quantidade suficiente para alimentar toda a gente – a FAO diz que em 2025 necessitaremos de mais 70 por cen-to do que aquilo que produzimos hoje e em 2050 será 100 por cento mais – e de repente a comunidade internacional, principalmente os países mais desenvolvidos, percebeu que tinha sido um erro desinvestir na produção.

Para além da nossa crise nacional há um en-quadramento comunitário e mundial que nos é favorável. A PAC que estamos a discutir agora é para produzir mais e a política que existia era para produzir menos. Temos todas as condi-ções para haver mais investimentos e mais gente nova a chegar à agricultura. A agricul-tura faz-se com empresários agrícolas, não se faz tanto com assalariados. Temos um milhão de pessoas ligadas à agricultura em Portugal e só 50.000 é que são assalariados, os ou-tros trabalham para si próprios. Esse regresso está a ser feito por imensos jovens formados, com outro tipo de enquadramento em termos de educação e muito preparados em termos tecnológicos. Só por isso é que o investimen-to tem produzido resultados tão rapidamente, que se vêem nas exportações e no produto. As pessoas que estão a investir hoje na agricultura são muito preparadas e dominam ferramentas como a tecnologia de produção, o marketing,

a comunicação. Assistimos ao regresso à agri-cultura de uma geração bem preparada e que tem permitido ao longo dos últimos anos tirar imediatamente dividendos do investimento. Mas é preciso disponibilizar ferramentas para apoiar os investimentos. Uma coisa de que temos falado muito ao Governo é da questão do crédito. Grande parte dos projectos envolve investimento intensivo que na agricultura têm paybacks muito longos e que muitas vezes de-pendem em 70 por cento de capitais próprios, o que implica recorrer à banca. Temo então dois problemas graves: o acesso ao crédito e o seu custo, que pode inviabilizar o investi-mento. Ou nós resolvemos este problema do crédito ou estamos de facto a travar um dos sectores que mais tem contribuído para a cria-ção de emprego e exportações. Temos vindo a discutir isso com o Governo e esperemos que haja boas notícias com, por exemplo, a recapi-talização da Caixa Geral de Depósitos.

Jovens agricultores bem preparados tecnologicamente

TENDêNCIA

já com irrigação. A recuperação na área do azeite só foi possível por causa de Alqueva, o grande impulsionador dos novos olivais. Está a cumprir o seu objectivo e até 2015 temos grande esperan-ça de que o Alqueva cumpra in-tegralmente o seu papel. O que é que é preciso para que isso acon-teça? O Alqueva tem uma rede de rega que tem de ser construída pelo Estado português, que tem uma comparticipação comuni-tária e do Orçamento de Esta-do, que era de 25 por cento e passou agora para 15 por cento. O volume de obra é tão grande que o Governo não tem esse di-nheiro e o que se coloca neste momento é passar essas verbas do PRODER para o QREN, onde a participação comunitária pas-sa para 95 por cento, para que a comparticipação nacional seja só de cinco por cento e a obra seja concluída o mais rapidamente possível. É nisso que estamos a trabalhar com o Governo e está no acordo de concertação social. É preciso pôr os três ministérios – Agricultura, Finanças e Economia – de acordo e depois propor isso a Bruxelas. “Temos todas as condições para haver mais investimentos e mais gente nova a chegar à agricultura”