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Sociedade das Ciências Antigas O Sacrifício Por Paul Sedir Tradução feita a Partir do Original Francês Le Sacrifice Paris – 1926

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Sociedade das Ciências Antigas

O Sacrifício

Por

Paul Sedir

Tradução feita a Partir do Original Francês

Le Sacrifice Paris – 1926

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APRESENTAÇÃO

O Mistério do Sacrifício de Sedir, que hora apresentamos, reúne algumas conferências que este

destacado autor Martinista deveria apresentar na França, no início deste século. Contudo, as

conferências não se realizaram. O grande sacrifício que é a morte lhe impediu. O autor iniciaria o

ciclo de conferências falando do Sacrifício na Antiguidade para seguir com o Sacrifício de Jesus

Cristo e culminar com o Sacrifício do Discípulo.

São três palestras com objetivo essencialmente didático, sem pretensão literária e, talvez com uma

intensão precisa, que o autor não manifestará abertamente até o final da terceira palestra: O Mestre

apareceu sem aviso, “como um ladrão”.

Contudo, apesar do delicioso tratamento que Sedir dá ao polêmico tema do Sacrifício, o realmente

interessante é o sentido do Sacrifício em si, que o autor sugere, mas não diz abertamente, sentido

esse tão esquecido pelo homem moderno.

Atualmente impera a ideia de que um sacrifício é algo doloroso, penoso, onde perdemos algo ou

temos que ceder algo, mas não era assim para os antigos, mais perto que nós do sobrenatural, do

mágico, para quem o sacrifício era, antes de tudo, um ato de magia.

Sacrificar, do Sacer faceré é um “fazer sagrado”, daquele que até o momento do Sacrifício

pertencia ao mundo profano. É endireitar o que está torto ou restituir ao seu estado primordial

aquilo que caiu na prisão deste mundo inferior. Para que esta saída se opere é preciso realizar uma

limpeza; por esta razão muitos sacrifícios são realizados na fogueira, com um fogo purificador.

Mas, cabe aqui a pergunta: o sacrifício físico é o verdadeiro sacrifício e o fogo da fogueira é o

verdadeiro fogo? Ou nos estão falando de outro fogo?

Sacrifícios “aos deuses” para “aplacar sua ira” aparecem em muitas tradições. Este é outro sentido

do Sacrifício no qual Sedir não se estende: a pacificação. É o sentido do conselho evangélico que

nos exorta a “fazer as pazes com nosso inimigo” (Mateus 5:25). Mas quase sempre queremos

encontrar esse inimigo, este adversário, fora de nós, quando na realidade, se temos alguns inimigos

fora é precisamente porque temos um Inimigo dentro.

O episódio dos Atos de Tomé denominado “O Hino da Pérola” é bastante conhecido, onde o

protagonista, que se instalou acidentalmente no Egito, símbolo deste mundo, esquece suas origens

reais, desaparecendo na ignorância de sua Verdadeira Identidade. É necessário que leia a Mensagem

que lhe traz um anjo para tomar o caminho de volta a casa.

O que era sagrado foi recoberto pelo profano, perdendo a memória de suas origens. A mensagem

veio recordar-lhe o que era, exortando a fazer uma metanóia, dar meia volta, voltar ao seu estado

primogênito. Talvez por isso Sedir diga que “o sacrifício é o Verbo”. Porque, no fundo, o

protagonista do Canto da Pérola não é senão o Filho do Pai, Cristo em nós, esse pobre do Evangelho

que disse: “Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber...” (Mateus 25:35).

Devolver-lhe Sua dignidade e sua glória, esse é o sacrifício.

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O Sacrifício na Antiguidade

Podemos afirmar que o intercâmbio é a expressão mais generalizada nas relações entre os seres.

Cada criatura recebe de todas as que a rodeiam e por sua vez as devolve outro tanto. O mesmo

ocorre entre os sistemas solares e planetários, entre os minerais, as plantas, animais, entre o mar e a

atmosfera, entre os homens e a natureza, entre os mundos visíveis e invisíveis, entre os deuses e os

demônios, entre os próprios homens, entre o homem e Deus; em tudo e entre todos não existe mais

do que o intercâmbio de forma interessada ou desinteressada, consciente ou involuntária.

Estes numerosos contratos, quando são tácitos, conformam o que se chama o jogo das leis que

regem a vida universal. Quando o intercâmbio se dá de forma voluntária é o resultado do imperioso

desejo de um ser em busca de uma ajuda extraordinária. Não vamos entrar de cheio na interminável

enumeração de todos os casos de intercâmbio em suas múltiplas facetas e que ocorrem devido a

situações com predominância físico, moral, intelectual ou espiritual, no qual as diferentes criaturas

podem se encontrar, mas sim nos restringiremos exclusivamente aos casos em que o intercâmbio

tenha uma matiz exclusivamente religiosa.

O homem primitivo, perdido na selva pré-histórica, buscava através do intercâmbio entre os seus

conseguir o que desejava; sem intercâmbio não se chegava ao um termo feliz, as expectativas não

eram as desejadas ou era necessário se lançar numa luta sangrenta para conseguir aquilo que o outro

não lhe queria facilitar. Mas às vezes se sentia só, fraco e desarmado, sobretudo diante das forças da

natureza. Concebeu-se então a possibilidade da existência de seres mais poderosos que ele: gênios,

deuses maus ou bons, etc., e rapidamente se colocou em movimento para encontrar um modo de

chegar até eles, seja comovendo os primeiro, conciliando-se com os segundos e inclusive

confrontando-os entre si em seu benefício. Tudo isso compunha a semente que germinaria, com o

tempo, na ideia primitiva de religião. Ou seja, com base em um temor, em virtude de uma chamada

e com o lento transcorrer do tempo, se foi constituindo pouco a pouco o conjunto das práticas

empíricas, origem da magia dos selvagens.

Esta concepção religiosa entre o homem e um ser invisível mais poderoso, vista do ponto de vista

comercial e proveitoso, vai se depurando aos poucos com o passar dos séculos na medida em que se

vai formando a ideia de um Ser Supremo, podendo assim se constatar nas grandes religiões da

Antiguidade como as da China, Índia, Irã, Egito e, mais tarde, Israel, Grécia e Roma nas quais se

estabelece um uso duplo: um culto social no qual todo o povo participa e outro mais pessoal que

eleva os elementos esotéricos do sacrifício e organiza a prática da religião na vida interior de certo

número de indivíduos de elite.

Com tão pouco tempo me é impossível analisar nesta conferência o espírito e as formas dos rituais

adaptados às necessidades dos diferentes povos e de seus próprios pontos de vista sobre a vida

universal, como são os elaborados por Fo-Hi, Vvasa, pelo primeiro Zoroastro ou Moisés, entre os

mais importantes. Mas, se estão de acordo, daremos uma passada rápida sobre o conjunto das

concepções hindus do sacrifício e passaremos logo a analisar rapidamente os principais elementos

do culto antigo mais perto de nós: o israelita. Tentarei deixar bem claro, com o pouco tempo que

dispomos, as crenças prévias que possuíam e os meios utilizados para que os homens fizessem

descender sobre eles as forças superiores que acreditavam poder ajudar-lhes a viver.

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Considero que a Índia é o país que oferece a matéria mais rica em questão de sacrifícios.

Necessitaria anos para expor a fundo todo este tema, de modo que apenas esboçarei umas

pinceladas gerais.

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Os orientalistas opinam que a ideia do sacrifício surge do descumprimento do fogo. O fogo, Agni, é

invocado em cada linha dos rituais védicos. Para o homem primitivo a importância do fogo para e

preservação de sua vida é tal que de forma instintiva e repetitiva rodeia o nascimento e conservação

do fogo com uma série de palavras e gestos que se vão transformando em costume e que com o

tempo tomaram o caráter de um ritual indispensável.

Quando se constitui a sagrada ciência das relações do homem com o invisível, o fogo físico se

converte no símbolo de outros fogos mais sutis como são o fogo elemental, o etéreo, o do

firmamento, o solar, o intelectual e o cósmico. Estes seis tipos de chama, mais o fogo físico,

combinando-se com as outras formas de força universal, engendram as quarenta e nove chamas de

Agne, a chama número cinquenta, indescritível e incansável, é a considerada idêntica ao Bramam e

ao Atman.

Um doa brahmanes, o Çatopatha, nos mostra que a criação não é mais que um imenso e contínuo

sacrifício, o primeiro e o último, o principal, o modelo a seguir de todos os sacrifícios. Já que o

Senhor (Pradjapati) o preside como sacerdote, vítima, agente (fogo) e como beneficiário ou

destinatário. Podemos encontrar uma teoria muito parecida na religião católica.

O Çatopatha afirma que para que a vida no mundo siga seu ritmo normal, o sacrifício deve ser

realizado de maneira contínua e com a realização de distintas cerimônias e não ser uma trama sem

fim de holocaustos e homenagens que se estendem desde toda a superfície da terra sagrada até os

universos visíveis e invisíveis que giram ritmicamente ao redor de um ponto original, que abarca o

todo e onde tudo se converge. Este ponto faz descender os deuses e eleva os homens às moradas

celestes, concede o segundo nascimento e inclusive o terceiro, que é o que outorga a liberação

definitiva.

Do ponto de vista do brahman, tudo é sacrifício: a comida que se dá aos animais, a esmola que se dá

ao mendigo, a oferenda funerária que serve de alimento aos mortos e lhes conduzem ao lar familiar,

o culto rendido aos deuses que se nutrem do humo das madeiras, grãos e perfumes, o asceticismo do

iogue elevado ao Absoluto.

Em contrapartida, os animais ajudam o homem, o pobre socorrido apaga os pecados, os ancestrais

protegem ao filho piedoso, os deuses enviam a saúde, a sorte e a riqueza e Parabrahma libera seu

devoto. Assim, pois tudo fica resumido entre as relações entre os seres, como falamos no princípio

desta conferência, ao intercâmbio.

É certo que nos séculos primitivos se ofereciam em sacrifício cabras, ovelhas, vacas, cavalos e até

seres humanos. Não eram mais que variações do rito original cuja finalidade era alimentar o fogo

tutelar com madeira e aspersões de gordura. O brahmanismo outorgava uma força misteriosa e um

sentido secreto às palavras mais simples com as quais os assistentes acompanhavam o nascimento

do fogo e dariam lugar, com o passar do tempo, aos mantras ou encantamentos. Enquanto que, de

forma paralela, se concretizava a ideia que seria a base da magia, que não é nem mais, nem menos

que aquela em que a forma material do ato religioso produz seu afeto espiritual e que, como

consequência, qualquer erro, inclusive involuntário ou mínimo durante a celebração do rito, leva

tanto para o sacerdote, como para seus assistentes, uma série de catástrofes inevitáveis, do mesmo

modo que se poderia produzir um desastre por um erro técnico de um mecânico nas caldeiras de um

barco a vapor.

Estas mesmas ideias gerais podem ser encontradas no Avesta, nos hieróglifos egípcios e nos livros

de Moisés. Nestes últimos, o plano desta ciência misteriosa se mostra ainda maios conciso, claro e

simples que em qualquer outro escrito.

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Moisés divide as cerimônias de seu culto em duas categorias: os sacrifícios propriamente ditos e

seus ritos.

Na primeira se encontram:

- O holocausto no qual a vítima é imolada em sua totalidade (Olah)

- O sacrifício de sangue (Mincha)

- O sacrifício de comunhão (Zebach schelamim)

- O sacrifício expiatório de um pecado ou um delito

Os ritos para o sacrifício são:

- A consagração do Grande Pai

- A consagração do altar

- A purificação das mulheres depois do parto

- A reintegração dos leprosos

- A preparação da água lustral.

- O rito do varão emissário

- O voto de Nazir

- O sacrifício para que chova

- O sacrifício do cordeiro pascal

- Um grande número de outros ritos realizados nas festas solenes.

O HOLOCAUSTO

Recordemos antes de tudo que a religião judaica é monoteísta. Nos tempos em que Moisés

promulgava sua religião, todas as outras crenças além de propor também um Deus supremo,

povoavam os mundos e os espaços cósmicos de um sem fim de divindades secundárias, que

outorgavam a gerência das numerosas funções da vida universal e às quais os fiéis elevavam suas

orações para ver seus desejos realizados, ao invés de esperar, com estoica resignação, o desenlace

de seus destinos. Absolutamente tudo, na mentalidade de nossos ancestrais, obedecia a um deus ou

a um gênio e não só o que se referia à fortuna terrestre, a produtividade dos campos, a saúde, os

fenômenos meteorológicos, a guerra ou a paz, mas também o curso dos planetas visíveis e

invisíveis, o êxodo de nossos antepassados e o movimento dos rios e forças cósmicas.

Para a vida religiosa da humanidade era de vital importância que em um lugar da Terra, um

pequeno povo recebesse e conservasse zelosamente o dogma do Ser Único, causa primeira e mestre

supremo da criação. Condição sine qua non era que este povo mantivesse íntegro o legado da

Revelação primitiva e para ele era necessário que estes homens estivessem dotados de uma

mentalidade impermeável, constante e de um orgulho de raça, para que nenhum pensamento

estrangeiro pudesse lhes influir e afastar de sua ideia original. Mas, assim como sé possível

encontrar nas raízes do carvalho substâncias nocivas que ajudam no crescimento e desenvolvimento

de suas folhas e frutos com os quais se preparam bálsamos curativos, o povo hebreu comporta

grandes defeitos em suas virtudes. Entre os mais importantes se poderia citar a severidade da lei de

Moisés e a dureza de seus mandamentos. Tais são as razões nas quais me baseio para afirmar que o

Deus do Sinai é terrível, zeloso, vingativo e impiedoso.

Muito se tem escrito sobre o sentido real do Tetragrama sagrado: Jehová. Creio que a tradução mais

acertada seria a do Ser que existe por si mesmo já que foi apresentado ao povo como o Criador, o

mestre Todo Poderoso, o Justiceiro, sendo um símbolo ou representação de todo aquele que na

Terra leve o selo da força positiva, ativa e inflexível.

Podemos afirmar que no holocausto a vítima, seja um touro, uma cabra ou carneiro, é macho e

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possui cornos, signo da vitalidade. A vítima é incinerada, queimada no elemento ativo por

excelência: o fogo. O sacerdote tinha que primeiramente impor as mãos sobre a cabeça do animal

para comunicar-lhe sua alma, a fim de que a alma da vítima( neste caso do animal a se sacrificar) se

elevasse ao Altíssimo no lugar do sacerdote. Minutos depois da vítima ser degolada sobre o altar, no

espaço secundário onde vibram os dinamismos ocultos, tudo deveria transcorrer como se o

sacerdote tivesse imolado a si mesmo diante de Deus.

O altar era retangular, devendo ter cada canto orientado a cada ponto cardial como mandam os

cânones da ciência egípcia:

O norte corresponde ao Fogo

O sul, à Terra

O oriente ao Ar

O ocidente Água

Sacrificava-se a vítima na parte norte do altar com a cabeça voltada ao ocidente, símbolo de seu

retorno à substância mãe.

Uma vez que o cadáver era cortado em pedaços e levado à pia situada ao ocidente, se queimavam as

gorduras ao Oriente para que o humo fosse levado pelo ar.

A rampa pela qual se subia à plataforma do altar se elevava do solo – representação do mundo

material – na parte sul, de modo que o sacrificador e a vítima subiam ao norte, até o altar, símbolo

do polo dinâmico no qual se concentra as energias vitais do planeta, que pelo fato de estar no alto

eram sublimadas aos mundos superiores. A antiga crença de que as almas liberadas da Terra

partiam em direção ao polo norte, apoia este ato. Já os sacerdotes egípcios pensavam como Moisés,

que a raça branca, raça nova naqueles tempos, havia sido a última a nascer e procedia do norte.

Marcava-se as quatro paredes do altar com o sangue da vítima, do mesmo modo que a água de

chuva, considerada como o sangue da terra, fecundava a terra regando-a; o sangue, veículo de toda

vitalidade física do animal, dinamizada através da consagração, vitaliza as pedras inertes, a energia

saturada, convertendo-a em centro de atenção para uma multidão de criaturas invisíveis e

transformando o altar em uma espécie de polo de atração que fazia descender do alto do firmamento

e das trevas das atmosferas ocultas os raios todo poderosos daquele cujo nome não se pode

pronunciar. Assim pois, podemos observar que o sangue desempenha um papel essencial.

Quanto a carne da vítima, em alguns casos era reduzida a cinzas que se amontoavam na parte sul do

altar. Considerava-se o sul como lugar baixo, inferior, onde se acumulavam todos os resíduos

inertes e todas as corrupções do planeta. Era o lugar onde se encontravam as portas do inferno.

O sacrifício no qual se queimava a vítima por completo era considerado sacrossanto, pois não ficava

nada de matéria viva e as cinzas eram consideradas substâncias mortas. Depois da morte do animal,

tudo o que se poderia acreditar possuir uma vitalidade difusa se acreditava espargido na segunda

atmosfera do mesmo modo que o humo se eleva na atmosfera física.

Esta incineração completa se praticava sobre todos os sacrifícios de caráter purificador naqueles que

o sacerdote carregava com todos os pecados do povo e se convertia assim na vítima. Logo, através

da imposição das mãos, transmitia seu caráter de vítima ao animal e este, morto e incinerado,

transportava ao mesmo tempo através das ondas de sua vida física desmaterializada e através de sua

alma liberada, as larvas obscuras engendradas pelos pecados do povo.

Os sacerdotes de Osíris compartilhavam esta mesma concepção, assim como os cabalistas, anos

mais tarde, que acreditavam na existência de uma alma corporal unida aos ossos e à carne e uma

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alma espiritual cuja vitalidade propriamente dita estava unida ao sangue.

Quando se cortavam algumas partes do corpo do animal para que servisse de alimento aos

sacerdotes, queimando somente os ossos e as gorduras, se considerava o sacrifício de valor muito

menor.

Os israelitas de condição mais humilde queimavam uma pomba no lugar de um quadrupede. Entre

os pássaros, a pomba era símbolo do fogo que se correspondia com a energia criadora universal.

No altar dos holocaustos o fogo devia permanecer permanentemente aceso, símbolo do fogo

perpétuo de Jehová.

A vítima ardia durante toda a noite, já que a correnteza de forças que formam a vitalidade

magnética da Terra mudam de polarização quatro vezes ao dia. Por tanto, é importante que a

emissão do sacrifício continue elevando-se ao Senhor e aproveite esses breves instantes em que as

quatro portas das quatro mudanças de sentidos cotidianos do magnetismo terrestre estejam abertas.

O SACRIFÍCIO SEM SANGUE

O sacrifício sem sangue se compunha de farinha branca, azeite e incenso. O trigo e a oliva eram

considerados como os mais puros do reino vegetal. O incenso servia para afastar alguns espíritos

invisíveis perto da matéria corrompida. Era permitido amassar a farinha com o azeite e assar

formando uma espécie de “pão” com a condição de não agregar nem mel, nem fermento, já que as

substâncias fermentadas estavam proibidas na pratica religiosa, devido a que sua assimilação destrói

a regularidade das correntes magnéticas no corpo humano.

Antigamente, para elevar o homem à divindade era preciso partir do exterior e do inferior para

chegar ao interior e subir ao superior. Paralelamente, era preciso purificar todas as partes do corpo,

primeiro o físico através de uma alimentação sana, estrita com o mínimo de calorias; logo seu corpo

fluídico através de diferentes meios com a respiração rítmica na Índia e os rituais de purificação nas

outras regiões e para terminar, se deveria levar à cabo a purificação de seu corpo anímico através da

observação da moralidade.

Seguindo estas preparações conscientemente, que são em si a cerimônia do culto e a obtenção da

pureza corporal e fluídica, o homem buscava no sacrifício a recuperação de sua pureza moral. Esta é

a razão pela qual o sacerdote, que ocupava diante de Jehová o lugar do pecador, realizava um ritual

tão minucioso.

Mas, voltemos ao “pão”. Já falamos que não era possível agregar nem mel, nem fermento, mas

deviam ser salgados. O sal representa a flor da matéria, impede a fermentação orgânica, regulariza

os intercâmbios e conduz à pureza. Estes cristais simbolizam a sabedoria, ou melhor, a sapiência

que é a quintessência do saber. É por isso que o Levítico vê ali o selo da aliança com Deus.

Já no Egito, toda iniciação se baseava na cristalografia, e Cristo nos recorda disso quando fala de

que Ele é a pedra.

Neste tipo de sacrifício se poderia oferecer também grãos amassados e assados, azeite e incenso. O

sacerdote queimaria um punhado no altar ficando com o resto como tributo.

Este tipo de sacrifício é, assim como no holocausto, de caráter sacrossanto. Representa a oferenda

ao Criador do mais puro que produz o reino vegetal de igual forma que representa a vítima do reino

animal. Um é o sacrifício do pastor e outro do agricultor. Não devemos esquecer que os hebreus

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formavam um povo de campesinos e não começaram a se dedicar ao comércio e à indústria até que

se instalaram na terra prometida, do mesmo modo que não foi até depois de seu exílio quando se

dedicaram a traficar não só com coisas materiais, mas também com valores significativos: ouro,

dinheiro, papeis de valor, etc.

O Sacrifício da Comunhão

Outro sacrifício de sangue é o da comunhão. Neste caso se pode admitir que se realize também a

oferenda de fêmeas. Podia celebrar-se como sacrifício de ação de graças, votivo ou também

voluntário.

O sacrifício de ação de graças se caracterizava pela queima das entranhas ou gordura do animal que

era a vítima, oferendas de diferentes espécies de pães e de carne da vítima, que logo se repartiria

para comer entre a congregação e os sacerdotes.

Caso a carne da vítima tocasse qualquer coisa impura não se poderia mais come-la e deveria ser

queimada. A gordura do peito era muito apreciada e se oferecia à Jehová na pira. A carne e o peito

eram para os sacerdotes, enquanto que o sacerdote que havia oferecido o sangue o a gordura recebia

a pata direita do animal.

Recordemos que era e ainda é absolutamente proibido comer a gordura ou o sangue de um animal

qualquer que tenha ou não sido oferecido em sacrifício.

Para tentar compreender o sacrifício do sacrifício da comunhão devemos remontarmo-nos a

algumas das teorias cosmológicas que o sacerdócio judeu realizava:

O homem forma um pequeno universo. O universo está formado por um homem imenso. O Eterno

está em constante relação com sua obra através das hierarquias angélicas criadas por Ele para esta

finalidade. Quando o Eterno atua, passa por quatro fases descendentes: a emanação, a criação, a

formação e a facção, sendo está última a natureza física. Além destes quatro períodos originais que

se encontram sempre em eterno começar, circulam estados de existência denominados Sephirah,

que são os diferentes aspectos das emanações divinas. Estes raios comportam cinco modalidades em

uma, da mesma forma que o Deus dos cristãos se representa com três pessoas distintas em um

mesmo Deus. O inalcançável Jehová se mostra em seu esplendor sob 62 rostos, os nomes divinos.

Outras hierarquias de ideias, de anjos, demônios, glórias e trevas, reinam como dizem os cabalistas,

no espaço universal. Todos estes mundos influem uns nos outros. Todos estes seres se reúnem em

favor da concórdia ou da luta com a imensa e única meta de alcançar um estado de equilíbrio onde a

misericórdia e a justiça do Eterno, uma vez satisfeitas, parem de castigar.

Desta forma, a vida universal se apresentava ao homem piedoso israelita como um eterno sacrifício,

como uma interminável comunhão. A pedra mais insignificante de uma montanha, a lâmina de

grama, o pássaro ou o Leviatán, a menor veia do corpo, poderiam ser o ponto de atração de um sem

fim de espíritos, gênios, anjos alados, etc. Com base neste sentimento de enorme complexidade e

graças à lucidez e inteligência de Moisés, mantendo em justas proporções, viu a luz em

minuciosidade desalentadora do Talmud. Podemos afirmar, limitando-nos ao nosso tema, que

quanto mais particular seja o sacrifício, mais complicado se torna o rito.

O Sacrifício Expiatório

Chegamos agora aos Sacrifícios Expiatórios que encontram sua razão de ser em dois motivos: por

pecado ou por delito.

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Lembremos que a rigorosidade primitiva da Lei não concedia perdão se a falta tivesse sido

cometida conscientemente. O culpável, portanto, devia exilar-se. O sacrifício expiatório não tinha

validade se não fosse para o perdão de atos involuntários.

Caso o culpável fosse um sacerdote ou a comunidade israelita, se oferecia um touro. No primeiro

caso, o próprio sacerdote que lhe impõe as mãos e no segundo caso seria a comunidade de anciãos,

representando todo o povo, que realizará a imposição de mãos. A imolação se efetuará como

descrevemos anteriormente, mas desta vez o sacerdote marcará o véu que recobre o santuário e os

quatro cantos do altar, onde estava se queimando os perfumes, sete vezes com o sangue da vítima;

banhará ainda o pé do altar do holocausto com o sangue que sobrar. Este ato tem como finalidade

que a vitalidade física da vítima que levava a culpa fosse transportada pelo véu e pelos perfumes na

presença da clemência de Jehová e que os culpáveis se liberassem do pecado.

A gordura do animal se queimaria aos pés do altar do holocausto e o resto do corpo do animal se

levaria para longe, ao depósito de cinzas para lá ser queimado.

Levando em conta as teorias adaptadas por Moisés, uma nação, bem aquela que se encontra à beira

do Nilo, ou a multidão errante do deserto, adorada pelo verdadeiro Deus, representa em miniatura,

no lugar da terra em que habita, os numerosos povos dos céus invisíveis e suas organizações

zodiacais. São 12 as circunscrições de Misraim e 12 as tribos de Israel. Imagino que com essa

afirmação serão muitos os estudiosos do zodíaco que podem contribuir com algum simbolismo

adicional.

Do mesmo modo que na organização cósmica existe um lugar entre todos que é considerado como

sagrado, o abrigo do Mais Alto e de suas cinco formas misteriosas, na Terra o povo escolhido, judeu

ou egípcio (antigamente todos os povos se consideravam os escolhidos de Deus), assinala um lugar

que será o destinado a ser a cidade santa de onde se erigirá um templo no qual os homens só

poderão entrar uma vez que tenham sido purificados como símbolo de seu acatamento da Lei,

graças à qual o homem é capaz de subir ao abrigo celestial. Neste templo celeste habitam os

sacerdotes escolhidos que são os anjos que cantam louvores diante do Todo-Poderoso e executam

suas ordens.

Na Terra, nos altares de pedra, vitalizados pelas invocações sacerdotais, os perfumes e o sangue das

vítimas, atuam como polos negativos que atraem as forças positivas das regiões superiores.

Na religião de Moisés, o povo errante na solidão simboliza o cosmos vagando através do Nada

original. O acampamento com suas 12 tribos é o sistema de nosso universo particular. A tenda

sagrada é o mundo da glória e a Sekinah a casa do Eterno. Os sacerdotes representam o coro que

canta incansavelmente diante do trono de Deus. Os fiéis e as vítimas são as oferendas, as aspirações

e as esperanças que todas as criaturas elevam constantemente ao Autor para pedir-lhe ajuda, perdão

e apresentar-lhe seus louvores de agradecimento e de adoração.

Mas se o comparamos com nosso sacrifício expiatório, compreenderemos que tão só serve de

veículo para que suba até o Eterno a alma da vítima e implore seu perdão, enquanto que todo resto

do corpo, o cadáver inerte e sem vida se traslada ao deserto, fora do acampamento, representação do

Nada original onde acabam os resíduos dos intercâmbios universais.

Uma parte da carne da vítima imolada no sacrifício expiatório era considerada como sacrossanta e

servia de alimento exclusivamente aos sacerdotes que não podiam comparti-lo com nada exceto à

suas mulheres. Isto se devia ao ânimo de querer participar ao sacerdócio da clemência de Jehová já

que este sacrifício em questão não era mais que uma evocação da dita clemência.

O sacrifício expiatório previa a expiação do delito. O delinquente, despojado de todos os seus

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direitos sociais, devia oferecer ao altar dos holocaustos um cordeiro cuja carne serviria de alimento

exclusivamente aos sacerdotes.

Desde o ponto de vista teocrático, a casta sacerdotal representa ao povo e suas relações com Deus.

Poderíamos dizer que Deus observa o povo através de seus sacerdotes. Estes ostentam dentro do

âmbito religioso a cabeça visível da nação, participando e fazendo-se responsáveis pelos pecados

cometidos por seus representados. Por outra parte, além de representar todas as virtudes de seu

povo, as bendições e graças que Deus outorga a seu povo chegam primeiro a eles, como se fosse

uma estação de trânsito, para estender-se desde os sacerdotes a todos a comunidade.

Esta é a razão pela qual existe uma identificação dupla e constante do sacerdote: por um lado com

os fiéis que oferecem o sacrifício a Deus e por outro com o Senhor que recebe e outorga suas

graças. É importante ressaltar que esta identificação não é somente um gesto simbólico, nem uma

alegoria moral, senão que para os israelitas daquele período um fenômeno real, uma interconexão

dos espíritos dos sacerdotes entre eles mesmos e todos juntos em um Todo, no Espírito Divino. E é

este caráter de substancialidade real e não outro o que confere às religiões da Antiguidade a força

com a qual chegaram até os nossos dias e posso apontar que o catolicismo, cuja base é uma das

religiões mais antigas da Terra, renova todas estas crenças através da energia da ressurreição que

vinha sendo insinuada na época de Moisés.

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Já falamos da consagração do sumo sacerdote e do altar no qual se realizam os sacrifícios dos

animais machos: touros e carneiros entre outros; entre os numerosos ritos israelitas do sacrifício o

sexo masculino sempre pertence a Jehová como ser supremo, relegando-se ao sexo feminino a casos

impossíveis de contar com a presença do que chamavam, naquele tempo, de sexo superior ou

sacrifícios menores.

Existia uma particularidade curiosa no que se referia à reintegração dos leprosos. A oferenda se

compunha de dois pássaros, hissopo – considerado erva depuradora – anagalide escarlate – planta

curativa símbolo da pureza do sangue coberto pela enfermidade – e cedro – considerada madeira

incorruptível. Conta a tradição que o hissopo e o cedro foram testemunhos do primeiro crime cujas

consequências trouxeram a lepra a humanidade. Um dos pássaros era degolado e seu sangue era

recolhido dentro de uma grande taça com água corrente e nela se afundava o pássaro vivo, o cedro,

o hissopo, e a anagalide escarlate e então se marcava sete vezes consecutivas o leproso com este

líquido, para em seguida se libertar o pássaro. Ao término de sete dias o leproso, que se havia

raspado a cabeça, as sobrancelhas e a barba, se apresentaria de novo ao sumo sacerdote com dois

cordeiros, uma cabra e uma pequena quantidade de farinha amassada com azeite puro. Um dos

cordeiros era imolado na parte norte do altar dos holocaustos e com seu sangue o sacerdote marcaria

a orelha direita e os polegares das mãos e o pé direito do leproso. Logo se repetiria a mesma

operação com o azeite e o que sobrava se derramava sobre a cabeça do enfermo.

Como vimos, um dos pássaros é oferecido a Jeohá e o outro é abandonado para que sirva de

indenização ao demônio da lepra. As unções e as aspersões sobre os lugares do corpo do enfermo

considerados como masculinos e positivos, significam o desparecimento de uma mancha adquirida

pelo mau uso das energias positivas e masculinas.

A enorme faculdade que possuem os animais para se encarregarem dos pecados cometidos pelos

homens, se faz mais evidente com os ritos de cunho expiatórios. Para os antigos, o pecado não era

só uma ação perversa ou uma negação metafísica, mas uma terrível mancha na alma viva, no

espírito vital e na matéria fisiológica. Para que esta mancha desaparecesse era necessário, segundo

eles, que fosse feita uma reparação material, uma purificação fluídica, além do arrependimento.

Este último elemento moral é mencionado algumas poucas vezes no livro de Moisés; no entanto,

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Davi lhe dá grande importância dentro de seus escritos conferindo-lhe uma expressão bastante

patética.

O rito do bode expiatório ilustra perfeitamente as teorias que acabo de mencionar. Este sacrifício

era realizado através de uma oferenda quadruple: o sumo sacerdote oferecia um touro expiatório e

um carneiro em holocausto; o povo oferecia ao mesmo tempo os bodes expiatórios e um carneiro

em holocausto. Tirava-se a sorte para ver para que um bode fosse oferecido à Jeová e outro à

Azazel. O sumo sacerdote imolava seu touro, incensando e marcando o altar com seu sangue, o

mesmo fazia então com o bode da comunidade. Como já expliquei anteriormente, o sacerdote,

através do ritual que realizava com seus gestos e movimentos, elevava à Deus seus pecados e os do

seu povo através do vento que movia o véu do tabernáculo e do altar marcado com o sangue da

vítima para que chegassem até o Supremo junto com as orações dos israelitas para que fossem todos

perdoados. O sumo sacerdote posteriormente, impunha suas mãos sobre o bode que ficava vivo para

transmitir a ele todos os pecados e o abandonava no deserto para que Azazel e os maus espíritos o

possuíssem.

*********

Seria muito cansativo continuar explicando os numerosos ritos restantes. Basta dizer que todos tem

a mesma tônica e os poucos que vimos servem como uma mostra do caráter geral dos ritos de

sacrifício realizados na Antiguidade. Podemos dizer que a teoria é sempre a mesma: o homem

sobrecarregado pelo peso da natureza, empurrado por imperiosas razões, guarda consigo um

acumulado de imperícias que a noção do Bem lhe mostra como pecados. Tendo irritado seu Deus,

ou deuses, tentará comovê-los ou implorar sua ajuda todo-poderosa através de uma aproximação

dos muros do mundo invisível onde buscará alguma fenda que possa ser alargada, para nele penetrar

ou seduzir a um guardião das portas misteriosas, ou inclusive, se nada disto funcionar e o motivo

fosse imperioso, escalaria ou derrubaria o muro. Certamente o egoísmo, sob a forma de instinto de

preservação, lhe guia e lhe cega. Crê que seu Deus se abrandará se lhe oferece alguma coisa, assim

que tomar a primeira criatura débil que vê diante de si, que pode ser um bode e o coloca em seu

lugar, para que sofra em seu nome não só de forma física quando o torturam e depois lhe matam,

mas também para que se atraia para sua alma, que também é a representação do homem pecador,

todos os vampiros infernais.

A meu ver, este é o caráter essencialmente maligno do sacrifício na Antiguidade. Fundamentado

sobre um cálculo mesquinho: ofereço um pequeno objeto com a esperança de receber uma joia em

troca. Ao atuar mediante coações e violências sobre o mais débil, acabando com sua vida corporal e

maldizendo sua vida imortal, minimizamos a ideia de Deus à imagem e semelhança da vilania

humana, já que pensamos que Ele atuaria da mesma forma que nós. Com tudo isso, sofisticamos a

verdadeira religião que não é mais que um intercâmbio entre o espírito do homem e o Espírito

Divino, submetendo-a a uma série de ritos e fórmulas totalmente egoístas e mesquinhas ao mesmo

tempo que desejamos que participem dela os mais cegos partidários que pouco a pouco a vão

encadeando mais forte dotando-a de uma rigidez que a vai convertendo em uma tirana.

O sacrifício dos antigos me sugere uma caricatura invertida do verdadeiro sacrifício, do sacrifício

único e numeroso que celebram os seres eternos ante o trono de Deus e que nós chamamos a

Criação.

Nesta glória eterna não existe nenhum culpável, nenhum carrasco, nenhum cálculo, coação, lágrima

ou formalidade. O assistente, o sacerdote, a vítima, o altar, a oração e Deus atuam movidos pelo

entusiasmo inocente e livre do Amor. Não existe o temor, só a alegria, a luz e a paz.

Hoje em dia acreditamos ter superado todos estes prejuízos que arruinavam nossos antepassados na

Antiguidade. Já não aceitamos as velhas teorias de mundos invisíveis nem tampouco a ideia de

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Deus. Não desejamos mais que ficar fora de tudo e não entrar no ponto crucial da questão. Temos

cometido em todos os campos da ação e do pensamento os mesmos erros que atualmente

condenamos nas religiões passadas. Concedemos aos signos escassa simbologia e chegamos a negar

a verdadeira realidade.

Tudo será exposto agora nesta conferência e vocês poderão aplicar às diferentes funções da vida

tanto social como individual. Deveríamos ser mais sábios que o antigo hebreu ou asiático e perceber

que nosso orgulho de homem do século XX com toda nossa indústria, riqueza, arte, conforto,

filantropia e ciência, tudo isso não são mais que símbolos, signos, aparências e conteúdos.

Devíamos notar que tudo isso não são mais do que sombras invertidas de uma Presença formidável

mas desconhecida, desprezada e caricaturada. Deveríamos ver o astro mais além das nuvens

fugazes, acima da montanha que se esconde detrás da neblina, o Ser que existe dentro de toda vida.

Em uma palavra, deveríamos nos emocionar com o Absoluto.

Coloquemos algo de Absoluto no meio deste decepcionante Relativo e dos reflexos entre os quais

transcorrem nossas vidas. Deveríamos tentar submergir de cheio a esta magnífica grande obra que

só o homem é capaz de tomar parte. Não nos deixemos seduzir pelas obras tentadoras que a Ásia, de

forma irônica, nos envia sob a forma de um destes Cristos “naturalizados” e que nossos intelectuais

aclamam. O único Cristo possível é o Cristo incompreensível dos cristãos. Se seguirmos a um Deus

normal, lógico e que não seja mais que um herói elevado à décima potência, terminaremos por ficar

sem um Deus. O único Deus que é capaz de satisfazer nossa inesgotável sede de Infinito é aquele

que nos supera infinitamente e que é Jesus. Jesus é o Mestre que deixa os sábios pensarem e os

poderosos atuarem permitindo que tenham suas próprias experiências e que estas lhes conduzam à

fadiga e à exaustão. É então que os espera, quando estes pobres descuidados, desprovidos de suas

prestigiosas e vans magnificências, verão luzir como a mais bela e doce aurora, o olhar forte e terno

de Jeus – seu Mestre e Amigo – contra o qual lançaram durante bastante tempo suas pequenas

prerrogativas, seus sistemas ingênuos e desprezos infantis. Segundo os estrategistas, a vitória é dos

do exército que aguenta em pé 15 minutos mais que o outro. Cristo terá sempre esse quarto de hora

já que Ele é quem organiza o Tempo, não se ofende nem se irrita jamais, nem se impacienta.

Na próxima palestra tentarei descrever o que chamo de sacrifício de Jesus Cristo.

O SACRIFÍCIO DE JESUS CRISTO

Na palestra anterior explicamos o sacrifício exterior oferecido na Antiguidade a um deus qualquer

através da imolação de uma vitima de maneira que a alma liberada servisse de veículo ao poder

deste deus.

Mas os tempos evoluíram e o sacrifício que oferecem os adoradores de um Deus único como culto a

seu Espírito é um sacrifício sem vítimas corporais, ou seja, sem símbolos, nem figuras.

Com este novo sacrifício se revela o verdadeiro aspecto do mistério da Criação: um Deus

independente de sua obra e que ao mesmo tempo nela transcende, infinito, incansável e cuja única

razão encontra-se na felicidade da própria criação. Logo vem a criação do ser humano, sínteses de

toda criação, dependente e prisioneiro de suas leis, limitado impotente e pela mesma razão, dotado

também de temor e embriagado de um orgulho ilusório, mas sempre egoísta e escravo de seu EU.

Para poder integrar esta criatura imperfeita dentro de seu Criador perfeito é necessário sem dúvida

realizar um sacrifício. Mas dado que o princípio de debilidade do homem é seu próprio egoísmo, o

sacrifício deverá ter o caráter deste mesmo sentimento, ou seja, totalmente espiritual.

Já que a distância desta criatura limitada até seu Deus ilimitado é infinita, será necessária a injusta

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morte de uma vítima inocente para que sua dor adquira um valor infinito.

Por outra parte, dado que o Ser Supremo que se trata de alcançar é infinitamente livre, será

necessária a presença de um sacerdote muito poderoso.

Tendo em conta as necessidades do homem que roga as inumeráveis e infinitas graças a Deus e que

estas se podem resumir em uma só, não será necessário mais que um único altar, permanente, feito

de uma substância eterna.

Considerando que a fragmentação da Criação tenta por todos os meios se reunir na unidade da qual

provém propagando-se até ao mais infinito do Nada, será necessário um fogo puro, nascido da

mesma Criação e que se mantenha por si mesmo. Se reunirmos todas estas considerações

chegaremos a conclusão que a única solução possível é:

- A vítima inocente e imortal é Jesus Cristo

- O sacerdote todo poderoso é Jesus Cristo

- O altar perpétuo é Jesus Cristo

- O fogo puro é Jesus Cristo, mestre do Espírito.

*******

O Reino de Deus na Terra, ou melhor, tudo o que a Terra é capaz de receber do Reino de Deus, não

é nem mais, nem menos que Jesus Cristo. O único meio de poder imaginar tudo o que pode chegar a

ser a vida neste Reino inconcebível é olhar o que Jesus Cristo fez aqui embaixo.

Jesus Cristo é a Realidade; tudo o que teve lugar antes dele não passou de um signo premonitório e

tudo o que aconteceu depois dele não passa de uma repetição ou consagração. Já vimos que o

sacrifício, dentro da ordem religiosa, é o ato essencial e como logo veremos em outra palestra, mais

adiante, tudo o que leva a liturgia, a vida interior e exterior do discípulo, equivale ponto por ponto

ao sacrifício. Em qualquer forma de vida religiosa sempre existe o intercâmbio do que falamos do

discípulo que oferece “algo” a seu Deus na espera de receber algum favor em troca.

Este “algo” que se oferece foi escolhido anteriormente e é o que chamamos de consagração. Ato

contínuo, este “algo” é apresentado diante de Deus e é o que chamamos de oferenda.

Posteriormente, este “algo” se sacrifica e é chamado de imolação. Depois, este “algo” recebe a força

divina e passa a ser chamado de consumação.

Comparemos agora este “algo” com Jesus Cristo.

O Verbo, obedecendo a seu Pai, se fez carne. Deus nos dá o que lhe é mais precioso, seu único

Filho e ao mesmo tempo o Homem Perfeito, a flor e a nata de toda Criação. Eleito desde o princípio

dos tempos como Filho de Deus, chamado e evocado pelos suspiros de todos os justos da Terra,

tanto que o Filho de Deus se apresenta em sua qualidade de única vítima demasiado pura e preciosa

para que pudesse equilibrar os rigores da balança divina e para representar diante de Deus, seu Pai,

o conjunto das criaturas. Tal é sua consagração.

Ele é o único capaz de levar sobre seus ombros a incrível soma de todos os males do passado,

presente e futuro, cometidos pelo homem. Só Jesus Cristo, dada sua categoria, era a única vítima

que se podia oferecer à Deus e assim o fez por vontade própria de seu Pai. É o acordo perfeito entre

a decisão do Pai de oferecer seu Único Filho e a obediência deste Filho que aceita os sofrimentos,

não só físicos, como espirituais, que a perversidade humana lhe infringirá até o final dos tempos.

Ao aceitar Jesus Cristo a morte física, aceita o ser imolado sucumbindo baixo ao peso do mal do

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universo. Para nós a enfermidade não é mais que a reação fatal a uma desobediência anterior,

nossos sofrimentos não são mais que contrapartidas e penalidades. O sofrimento de Cristo resulta

absolutamente inocente e injusto. Inocente porque apaga a perversidade nos corações e injusto

porque vai mais além da justiça imanente. Seu sacrifício resulta ilógico, antinatural, ultrapassando

as leis e indo mais além do universo. Altera o sobrenatural e a força de misericórdia e liberação que

deve descender até nós.

Depois de sua morte, o corpo de Jesus Cristo se eleva aos céus como se fosse consumido por um

fogo invisível, o fogo do Espírito Santo; este é o verdadeiro aspecto da ressurreição. O fogo

terrestre, os fogos sutis e os fogos cósmicos não simbolizam mais que o fumo deste fogo

sobrenatural que não queima e nem destrói, mas subsiste por si mesmo. É este fogo o que

transforma o corpo de Jesus Cristo e o imortaliza fazendo com que se eleve sobre todas as leis

físicas, tornando-se mais forte que as cadeias mais poderosas e infundindo-lhe essa liberdade

prodigiosa que nossos filósofos creem que seja privilégio exclusivo do Espírito.

Podemos afirmar que em Jesus Cristo encontra-se de forma clara e precisa esta quinta fase do

sacrifício que nada mais é do que compartilhar a vítima entre todos os assistentes, uma vez que esta

tenha sido saturada pela força divina. A humanidade, toda a humanidade conhecerá a Jesus Cristo

um dia. Todos o receberemos. Mas para que Ele, Deus, o Infinito, possa entrar em sua criatura,

tenebrosa e limitada, sem reduzi-la à cinzas sob a incandescência de sua pureza absoluta, foi

necessário que antes visitasse esse lugar obscuro para dar-lhe a conhecer a Luz, acostumá-lo a Sua

presença, fazer com que se recorde de sua pátria eterna, suscitar-lhe os desejos do Céu e mostrar-lhe

sua própria miséria. Por tanto, era preciso que Cristo vivesse antes que nada a vida de todos os

homens.

Podemos dizer que o Verbo, adotando figura e vida humana, completou a Criação e depois da sua

ressurreição se elevou em toda a sua glória a uma vida inédita terminando uma terceira criação

ainda mais inconcebível que a eternidade anterior. Neste ponto nos encontramos no campo do

impossível depois de ter visto por duas vezes franquear o possível: uma, quando o Verbo se fez

carne e a outra, quando se elevou em toda sua glória deixando algo Dele no coração de todos os

seus fiéis seguidores e reencarnando-se neles. A cerimônia da Missa não é mais que a recordação

constante desta irracionável possibilidade. Podemos afirmar que os antigos tinham símbolos da

Verdade, mas os cristãos possuem a Verdade com símbolos. Em outras palavras, a Missa é a forma

terrestre do sacrifício eterno.

******

A religião é antes de tudo espiritual, ou melhor, será no futuro, como anunciou o próprio Cristo.

Venera-se, chama-se, se dão graças através de atos naturais a um Deus da natureza. Mas a Deus,

autor da natureza, não se venera, nem se chama, nem se Lhe dão graças mais que através de atos

sobrenaturais que são em si contrários ao egoísmo e que levam ao mais alto nível de espiritualidade.

Em uma palavra, devem ser os atos mais puros de nossa vontade. O verdadeiro sacrifício será, pois

espiritual e está escrito em qualquer página que abramos dos Evangelhos. Esta é a doutrina

constante da Igreja e já São Ambrósio, Santo Agostinho e mais adiante São Tomás, o ratificam

deste modo.

Deus é uno e una é a Sua criação, mas dado que esta busca incansavelmente sua própria

multiplicação, Deus freia sua ânsia por meio de determinados trabalhos de unificação. Através de

Seu Filho Jesus Cristo, Deus se une à natureza humana. Através do conjunto de seus discípulos

Cristo reúne as almas em um só organismo. Seu Espírito ata laços com o espírito do homem

individual. A lei da caridade busca uma composição com os espíritos divergentes dos humanos. O

sacrifício reúne Seu Filho, que é Ele mesmo, com a alma, com o espírito e inclusive com os corpos

dos fiéis. Deus é tudo e absolutamente nada do que vive fora Dele possui uma existência verdadeira.

Inclusive no sacrifício, que é a própria essência das relações do homem com seu Criador,

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encontramos a Deus. É a Deus a quem se dedica o sacrifício e só a Ele, que é o princípio e o fim de

tudo. Deus está em tudo e em todas as partes porque Ele é tudo e todas as coisas e lugares.

Como já foi dito na palestra anterior, é preciso um sacerdote que dirija o sacrifício. Este deve ser

um homem excepcional, portador de um bom número de boas e salientes qualidades,

Resumidamente, deve tratar-se de um homem cuja inteligência seja superior à normal para que

possa compreender os pensamentos do povo e reunidos nele. Um homem suficientemente bondoso

para que possa compartilhar os sofrimentos de todos os fiéis, que seja indulgente com as debilidades

dos demais, que possa simpatizar com os desejos alheios; um homem suficientemente seguro de si

mesmo para que não se curve ante a renúncia, o medo ou qualquer treva. Depois disso, podemos

assegurar que entre os milhares de milhões de sacerdotes que já existiram, existem e existirão ao

longo da humanidade, nenhum, exceto Jesus, cumpriu todas as premissas.

Cristo representa também a vítima perfeita pelo seu caráter humano que lhe permite ter um

conhecimento perfeito do que ele carrega. Desde o ponto de vista espiritual recebeu e recebe a todas

as Visitas que chegaram até Ele: anjos, demônios, obras perversas, obras de virtude, obras de

inteligência ou simplesmente materiais. Não existe nada na Terra nem no universo, nenhum suspiro,

lágrima, entusiasmo, nobreza, baixaria, não há nada que palpite ou que se mova que não o faça

através de Seu corpo espiritual, já que Ele representa e é Seu Pai e como já dissemos antes, Deus é

tudo e tudo é Deus. Molda o mal de tal forma que o converte em bem. O Cristo foi assassinado

somente uma vez em nome de todos os pecados do mundo, mas Seu espírito, Sua alma, Sua

inteligência continuam sendo assassinados por todos os nossos pecados e faltas e continuará

sofrendo este tormento até o fim dos dias através do suplício da cruz.

Seguimos oferecendo a Cristo e se segue oferecendo Ele mesmo em sacrifício, pois, não nos disse

que qualquer pobre, perseguido, vencido, prisioneiro, desesperado, qualquer um que sofre por

qualquer motivo, era Ele mesmo quem padecia? Segundo o dito, Jesus se coloca no lugar do

pecador e carrega com seus pecados. Identifica-se com aquele que comete a falta e apresenta em seu

nome diante do Pai inclinado baixo o opróbio universal, esmagado pelas misérias e sangrando

através das profundas feridas para pedir o perdão em nome dos miseráveis. Então o Pai reconhece,

baixo esta tremenda miséria, o rosto de Seu único Filho bem amado e comovido outorga o perdão

que não haviam conseguido, nem os convincentes arrependimentos humanos, nem suas egoístas

lamentações.

Jesus Cristo segue sendo o templo eterno, a plenitude divina; Sua persona espiritual habita em sua

persona humana e habitará sempre. Todos Seus pensamentos, palavras, Suas ações humanas não

foram mais do que invocações vivas dirigidas ao Pai para que fizesse descender sobre Ele o

alimento do Espírito. Mas se consideramos o Verbo, a Deus, o Verbo criador e redentor, este ser

imenso e sempre presente no todo e incansável e não ao homem que representava, nos daremos

conta de que Jesus Cristo, enquanto Verbo e Deus, segue constituindo ao mesmo tempo do Pai no

tempo e na eternidade, no espaço e na distância sem limite já que Ele se encontra em todas as

criaturas e por elas pode elevar-se ao Pai.

O conjunto de todas as criaturas que obedeceram até o final as diretrizes deste Verbo que é parte de

cada ser e em especial dos humanos, formam o discípulo, os santos, os obreiros de Deus, Seus

soldados e amigos, em poucas palavras: a Igreja Interior, o corpo místico do Verbo sobre a Terra, o

templo vivo e real no qual cada pedra é um ser puro que, depois de que tudo se tenha consumido,

seguirá vivendo com esplendor, com força e com uma alegria infinita no reino do Pai.

É muito difícil, eu diria que praticamente impossível, falar do mundo divino com exatidão. Visto

desde aqui debaixo se nos apresenta como imóvel e homogêneo ainda que melhor seria descrevê-lo

como infinitamente móvel, infinitamente fértil e renovando-se sem parar. Na natureza a existência

se alimenta através do sofrimento e da morte, nada pode sobreviver se não é pela morte de alguns

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seres inferiores (vegetais e animais). No Não Criado existe um intercâmbio constante que dá como

resultado a plenitude e uma vida mais bela e elevada. Aqui na Terra o progresso se faz lentamente

superando mil fadigas e feridas. Acima o ser vai se superando sem medida dentro de uma alegria e

de um amor infinito.

Podemos afirmar que as perpétuas imolações do Verbo se revestem do mesmo modo sob as formas

sensíveis que Sua bondade quer outorgar-lhe e dado que estes sacrifícios buscam o fim do

sofrimento, outorgam a Sua essência a paz e a alegria que Ele oferece a Seus amigos terrestres. É

impossível dar a este paradoxo uma explicação razoável, já que tudo em Jesus Cristo nos é

apresentado como tenebroso e inexplicável para a razão, mas se reveste de grande claridade em

nosso coração.

O sacrifício é o Verbo em sua totalidade. Se o Pai reserva desde as origens uma parte da cidade

eterna para os homens justos é porque o Verbo assim Lhe pediu. Se mais tarde o Pai aumenta o Seu

palácio, a fim de receber um número maior de amigos de Seu Filho é porque este lhe obrigou. Os

homens nunca inventaram nada e se tem construído cidades, casas e templos é porque os anjos do

céu constroem cidades, casas e templos cujas pedras eram seres vivos, inteligentes e livres. Se em

nossos templos existem vestíbulos, naves, altares, tabernáculos é porque o templo eterno se compõe

de diferentes partes e entre elas existe um sanctasantórum onde reside o Pai e onde ninguém

penetrou e somente Seu Filho se apresentará o dia da libertação universal.

Peço desculpas por me estender tanto na identificação do templo eterno com o corpo gloriosos do

Verbo, mas em toda religião o lugar no qual se realiza um ato sagrado confere mais ou menos

importância ao ato, dependendo do lugar que se destine para isso. Não é a oferenda o que santifica a

igreja, mas a Igreja que santifica a oferenda. Do mesmo modo que o clima da montanha ou do mar

conferem a seus habitantes características determinadas e particulares, o lugar no qual vivem os

servidores de Deus, onde rezam ou realizam as consagrações, transmite a todo o que ali se realize

uma virtude especial.

Do mesmo modo é dito que não há nada mais puro e mais perto do Pai que Seu Filho bem amado,

este será o templo mais propício e também o sacerdote, a vítima e o povo piedoso já que o Verbo,

Jesus Cristo, contém tudo o que nós podemos imaginar de Deus.

*******

João o Evangelista nos conta que viu sobre um altar celeste as chamas daqueles que morreram a

serviço do Pai. Aqueles são os servidores de Cristo que se converteram em membros de Seu corpo

glorioso. O altar do templo divino é uma forma a mais do Verbo.

Todo o bom dos homens, tudo o que podem oferecer à Deus, adorações, reconhecimento, súplicas,

renúncias e sobretudo consagrações, não temos como realizar senão por intermédio de Jesus Cristo:

“Ninguém vai ao Pai senão através de mim”, nos disse Ele que nos demonstra, uma vez mais com

essas palavras, que o altar é Cristo. A doutrina constante da Igreja católica, apoiando-se no

Apocalipse de São João, confirma esta identidade. No manual dos subdiáconos se pode ler que

Jesus é o altar que se eleva à Deus.

Não foi o filho do homem, inclusive corporalmente falando, o altar construído pelos elementos mais

puros do que aquele que os anjos dispunham e puderam encontrar no enorme e vasto Universo, tão

puro ao menos como a impureza deste mundo podia concebê-lo? Podemos observar como vivem os

homens superiores em uma espécie de desdobramento graças ao qual é possível observar entre eles.

Jesus era um estado de dissociação constante já que desempenhava frequentemente diferentes

papéis e inclusive opostos: pedindo e suplicando, meditando e atuando, curando e repreendendo,

amando e fazendo-se amar, sempre só e sempre em meio a um gentil visível ou invisível dando-se e

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pedindo que a Ele se dessem.

Deste modo Jesus Cristo, sacerdote e vítima, Deus e fiel, pedra do sacrifício e hóstia da comunhão,

mediador entre Deus e os homens e entre estes mesmos. Ele encontra-se sempre na plenitude de

suas funções em cada um dos papéis que desempenha porque seu Ser imenso contém todos os tipos

e formas de vida e porque cada uma das substâncias ponderáveis ou imponderáveis que lhe

compõem se apresentam nele em um estado de autêntica perfeição já que nenhum tempo ou espaço

o aprisionam. Se o templo de Deus é o corpo cósmico do Verbo, o coração de Jesus Cristo é o altar

deste templo. Qualquer boa obra, qualquer petição, qualquer agradecimento vai do coração do

homem ao de Jesus Cristo e ali é aceito pelo Pai porque Deus não admite nada que não tenha antes

passado pelo coração de Seu Filho para ser ali purificado, sublimado pelos ternos cuidados de nosso

Amigo eterno.

Tudo o que o homem possa obter de mais belo e mais limpo é minimizado pelo seu toque. Tudo

aquilo que gostam de chamar de méritos próprios, deve passar pelas mãos do grande Alquimista, a

fim de ser transmutado na preciosa Quintessência e poder resistir ao Espírito Santo, senão seria

reduzido a cinzas. Isto é o que se chama santificar uma coisa, transformá-la, transplantá-la do

natural ao sobrenatural, do local ao universal, do tempo à eternidade, da morte à vida. Só o

Alquimista pode fazer isso sob a Terra, aquele que se fez homem para nos libertar: Jesus Cristo.

Com isso podemos constatar porque a Alquimia promete coisas que não pode cumprir, porque

segundo o que pensam os metafísicos o criado é incapaz de penetrar em si mesmo dentro do não

criado. Entre um homem perfeito como foi Jesus Cristo e o Verbo existe um abismo que somente a

encarnação deste Verbo e Seu sacrifício podem salvar. Inclusive o sacerdote, comemorando o

sacrifício na cerimônia da Missa, deveria ver o Verbo em tudo o que lhe rodeia: no edifício, no

altar, nas espécies, nos livros sagrados, nas palavras dos rituais e nos cantos, nas relíquias e nos

perfumes, nos fiéis e em si próprio. Todas estas coisas são as formas de Cristo, as funções do

Verbo, já que a teologia autoriza como contemplações que vão mais além da inteligência.

Da mesma forma como Deus está unido ao homem, este também está unido à Jesus Cristo e não

justaposto, mas mesclado, conjugado, combinado e por isso, qualquer coisa que apresentemos a

Deus será tomado e assimilado por Jesus Cristo até combina-lo com Sua substância. Dentro da

ordem divina do sacrifício se pode ver o amor com que nosso Mestre nos rodeia ao mesmo tempo

que nos penetra junto com os fluxos universais para que nos beatifique e nos transfigure.

*******

Vejam bem, se o Senhor a quem o sacrifício é dirigido é o Verbo contemplado sob Sua relação com

o Pai, o fogo que consome o sacrifício resultará o mesmo Verbo em Sua relação com o Espírito.

Nós mesmos e de maneira inconsciente, empregamos os meios do Pai, do Filho e do Espírito Santo

para diferenciar, com base em suas funções, distintos aspectos de um mesmo Deus. Inclusive,

depois de ter aplicado distintos nomes para distintas causas, não somos capazes mais que conceber

símbolos ou analogias quando refletimos sobre o Mistério supremo das três pessoas divinas em um

mesmo Deus.

Do ponto de vista religioso, podemos afirmar que do Espírito Santo emanam todas as lágrimas e

alegrias, já que simboliza os extremos. Ele irradia seu Ser sobre tudo e sobre nada, entre o lugar não

localizável onde habita o Pai e todos os pontos do mundo onde se encontra o Filho. Do mesmo

modo que o amor, transforma-se em inimigo daquele que o padece, porque o faz sofrer

enormemente, o Espírito é o inimigo do Filho já que é o amor Deste e por esse amor, o Filho se

entrega em sacrifício. No entanto, no mundo da Glória Eterna, o Filho é o Mestre do Espírito. Ao

morrer, Jesus Cristo, legou à Sua Mãe o gênero humano por completo e, por extensão, legou o

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gênero humano ao Espírito, ao qual gostava de chamar de o Consolador.

“O Espírito infunde seu alimento onde quer”. É livre por natureza já que é a própria liberdade. Ele é

o único que pode liberar as criaturas. É um furacão cuja violência é de tal calibre que não é sentida.

É um fogo cuja chama queima a tal extremo que consome o discípulo e o converte em filho de Deus

sem que ele se dê conta, já que Deus sempre vem até nós no momento mais inesperado e penetra

nosso interior quando baixamos a guarda de nossa obstinação. O homem não pode resistir à Deus

mais do que por seu próprio endurecimento, o que o leva a encerrar-se por vontade própria em uma

prisão de sentimentos e obstinações. Mas Jesus observa com atenção e quando baixamos a guarda

faz com que o Espírito se cole na prisão na qual nos defendemos Dele, através de uma fissura.

Começa então o árduo trabalho de nossa liberação com uma influência doce, tenaz e gratuita já que

a graça, este dom do Céu e a liberdade desenvolvem-se em nós simultaneamente.

Tal é o combate do homem com Deus: Deus recebe constantemente todos os golpes, mas quando o

orgulho chega a seu limite, começa então a nossa derrota. Neste momento Jesus se afasta de nós,

assim como faria uma mãe para encorajar os passos incertos de seu pequeno. O Consolador, que é a

sombra do Mestre, se infiltra pouco a pouco em nós, como o ar puro através dos resquícios de uma

cabana. Do Espírito nos chega a confiança, a esperança e o amor, a iluminação de nosso intelecto e

a força de nossa vontade. É graças a esta infiltração espiritual que o homem santo irradia paz.

Doçura, paciência, benevolência e equilíbrio pelos que são atraídos até eles, os desgraçados. A

razão pela qual nossa virtude se renova e vai aumentando pouco a pouco, dando claridade às

sombras, não é outra senão a possessão do Espírito Santo que se vai introduzindo em nós.

A ação do Espírito sobre o homem consiste essencialmente em transformar as sementes que cada

um leva em seu interior em atos de eternidade, mais além do consciente e do inconsciente.

No que se refere à execução do sacrifício, o Espírito procede de maneira análoga: entra na vítima

espiritual, seja uma das substâncias do Verbo ou uma das formas do nosso EU, a satura, transforma,

transmuta e regenera para leva-la, uma vez pura e livre, até a presença do Eterno. A obra do Pai

consiste em enviar perpetuamente Seu Filho para reconstruir o mundo, sustenta-lo, remediar suas

faltas, conduzi-lo à harmonia e ao amor e dirigir suas criaturas até a unidade, inspirando-lhes o

desejo do Céu. Toda esta obra que teve início desde o primeiro dia da Criação e que verá seu fim no

último dia, é realizado pelo Espírito Santo. Tomemos o exemplo de uma obra numa casa em que o

Pai é o dono e a encarrega a um arquiteto, que é seu Filho, mas quem a constrói, o obreiro, é o

Espírito Santo.

******

Todo o imenso dispositivo do Universo, os inumeráveis movimentos da natureza e os trabalhos de

todos os seres visíveis e invisíveis perseguem um único objetivo: a síntese, a harmonia e a

unificação total. Para o gênero humano esta harmonia se traduz em fraternidade. Compreende-se

que, sendo o gênero humano o coração do Universo e o eixo pelo qual Deus se comunica com toda

a enorme máquina da Criação, o amor fraterno seja o único meio necessário e indispensável, por

outra parte, para que o filho pródigo que é o Universo volte ao seio de Deus.

Podemos afirmar que tudo se baseia na caridade; o próprio sacrifício não seria perfeito se não se

convertesse em caridade livre e generosa. Na Antiguidade, pela condição da vítima de escravidão

ser obrigado por seu amo, o sacrifício resultava imperfeito e incapaz de alcançar o Absoluto,

condição imprescindível que só se alcança com a liberdade. Só no sacrifício de Jesus Cristo a vítima

é livre, inocente, voluntária e portanto, é este sacrifício e não outro o único que consegue a meta de

alcançar o Absoluto. Os sacrifícios parciais dos discípulos de Jesus Cristo, realizados com

espontaneidade, humildade, caridade, podem alcançar também o Absoluto se é pela intermediação

do próprio Cristo.

19

O Pai contempla as obras boas e más de Suas criaturas, não só desde o prisma de sua grandeza ou

volume, senão que as julga em função do espírito com a qual são realizadas. Um ermitão podem

infringir-se as penitências mais dolorosas, mas será seu amor e humildade os que teriam valor ante

o Absoluto. Dado que a pessoa física de Jesus Cristo era perfeita, sofreu infinitamente mais que

qualquer homem e não foi Sua penitência sobre humana multiplicada pelo infinito, senão Sua

compaixão a que Lhe animava sempre. Existe uma frase no catecismo demasiado manuseada,

banalizada e mal compreendida que não é nem mais nem menos que o Grande Arcano, o segredo

dos segredos: “Jesus, nos ama...”.

O sacerdote oferece seu holocausto em representação do conjunto dos fiéis e de alguns deles em

particular. Mas o pontífice eterno, o Verbo, tem ante si toda a humanidade, as gerações passadas,

presentes e futuras, os seres que povoam este mundo e os outros que podem viver em outros

planetas que nossos sábios proclamam como desabitados; cada um dos milhões de indivíduos

representados está presente e vivo no olhar de Cristo que necessita de toda sua bondade para que

não tremamos diante de sua grandeza.

Por outra parte, todos os povos que se denominam cristãos e não somente os homens derrotados

pela fatiga do pão de cada dia e que apenas encontram forças para elevar suas orações à Deus no

final do dia; aqueles homens que se sentem castigados pelo trabalho, mas que são possuidores da

beleza maior e mais dolorosa, senão também estes outros cristãos cujo destino, aparentemente mais

clemente com eles mas que pode chegar inclusive a ser mais cruel, ainda permitindo-lhes gozar do

processo e do tempo livre, todas estas multidões errantes entre o indefinido de suas vagas aspirações

e o definido de seu descontentamento plausível e injustificado, chegaram a receber em seus incertos

corações, a certeza do mistério supremo: o amor que Jesus oferece a todos e que permite levar ao

infinito de cada um sem que ninguém veja que sua parte tenha sido diminuída em virtude dos

outros.

Esta é a figura alcançável e terrestre do sacrifício indescritível que o Verbo celebra ante o trono de

Deus em todos os momentos da eternidade. Para nós os humanos e para qualquer criatura, inclusive

a mais magnífica, a palavra sacrifício desperta um sentimento de moléstia e privação. No entanto,

no reino de Deus, no qual nos encontramos tão repletos de beatitudes, de belezas, de poder, tal

como crianças cheias de energias, nossa vida será um canto perpétuo de reconhecimento e adoração

e a palavra sacrifício não nos dirá nada. Cada um de nossos olhares nos revelará uma maravilha

inédita, que nos produzirá um sentimento novo de prazer e cada um de nossos desejos se verá

saciado para dar lugar a outro mais puro e mais pleno de felicidade. Formaremos uma unidade com

o Verbo e atuaremos com Ele com um amor mútuo. Amaremos-nos uns aos outros e nenhuma

alegria beneficiará mais a um do que a outro, pois todos sentiremos a mesma felicidade e nos

regozijaremos com ela.

A existência presente nada mais é do que um treinamento para a vida eterna. Hoje devemos lutar e

derrotar nosso egoísmo.

Devemos fazer de nossos corpos e de todas nossas faculdades uma imagem mais parecida possível a

que será em nossa transfiguração futura. Devemos ser vítimas em favor de nós mesmos e de nossos

congêneres. Devemos chamar sobre nós o fogo de Cristo, o Espírito Santo, para que transforme em

espírito tudo o que é matéria, em luz tudo o que é obscuridade, em alegria tudo o que é sofrimento.

Este Espírito, ao que também chamamos de Consolador, nos dará sua força e nos tornará capazes de

sentirmos felizes em meio aos desastres e das misérias terrestres.

Como ser capaz de adquirir esta paz singular será o tema de nosso próximo encontro.

20

O SACRIFÍCIO DO DISCÍPULO

O sacrifício é um dever essencial em toda criatura. Inclusive os anjos estão obrigados a fazê-lo,

assim como os deuses. As pedras, as plantas e os animais celebram o sacrifício sob os auspícios do

espírito do homem justo.

Para o homem justo, o rei da Criação, o sacrifício exterior não passa de um signo do sacrifício

interior do qual recebe toda sua virtude. Este sacrifício varia segundo o lugar que a criatura ocupe

na hierarquia universal.

Nossa condição terrestre traz uma série de necessidades imperiosas que nem sempre podemos

preencher por nós mesmos; imploramos ao Céu que nos outorgue estas graças: é o sacrifício da

petição, própria de todas as criaturas em evolução.

Estas mesmas criaturas cometem erros e desobediências. Se se dão conta deles e tem boa vontade

para reparar o dano, é quando oferece o que chamamos de sacrifício de expiação.

Quando se obtém aquilo que se pediu se dá graças através do sacrifício chamado comumente de

ação de graças ou de reconhecimento.

Quando essas criaturas, a fim de receber as graças divinas, alcancem um estado Angélico no qual

não só se ama o Pai pelos bens que este nos pode dar, senão por Ele mesmo, então é quando se

oferece o sacrifício chamado sacrifício de adoração.

Como vemos, o tipo de sacrifício depende nem mais, nem menos do que do estado de ânimo do

discípulo já que este sabe que, no fundo, tudo se deve ao Criador.

As duas causas principais nas quais se baseia o sacrifício que o discípulo apresenta sem cessar ao

Pai pelos méritos de Jesus Cristo, segundo o estado de ânimo em que se encontre, seja no de filho

pródigo ou como servidor fiel, são:

Adorar o Pai misericordioso e oferecer-Lhe os frutos de todos os dons que Ele nos há outorgado como um reconhecimento e uma gratidão eterna.

Apresentar ante Sua justiça provas realizadas com paciência, a fim de comover sua misericórdia e de ter uma base sólida para pedir-lhe Sua ajuda em nossas necessidades cotidianas.

A corte de discípulos perfeitos é um povo de sacerdotes. Isto não supõe que os laicos devam

desempenhar a função dos cléricos, mas implica na obediência de todas as formas e ensinamentos

dos Evangelhos e só assim se pode conseguir uma luz especial que converte, um a um, em sacerdote

oficioso que exercerá seu cargo em casos particulares para os que a Providência lhe reserva.

Este sacerdote na sombra representa um enorme privilégio que só se pode alcançar pelo desejo de

Cristo, já que Este o reserva para aqueles fieis que ocupam constante e sinceramente o último lugar.

Ninguém pode se inscrever entre os servidores de Cristo se não pratica o amor fraterno e o perdão

das ofensas. Os dirigentes destes servidores devem ser, além de indulgentes e caritativos, portadores

desta rara virtude conhecida como humildade.

Ser humilde é uma tarefa praticamente impossível. Ante um grande artista, um pensador sublime,

um poderoso industrial, sentir-se frustrado, fraco, de pouca inteligência, não é humildade, mas

sentido comum e modéstia. Mas quando se sofre em silêncio ataques injustos, tentando convencer-

se a si mesmo de que quem sabe seja merecedor de algum destes ataques, quando acreditando ter

21

razão, pensa que talvez esteja no caminho errado, quando se consegue superar o amor próprio que

nos fustiga, então podemos dizer que estamos no bom caminho rumo a humildade. O sinal de que

chegamos no fundo deste abismo é quando as burlas, os insultos e as injustiças não nos causam

nenhuma paralização, e mais, não nos produzem absolutamente nenhum tipo de sensação, somos

insensíveis. É como se tivéssemos nos transformado em seres muito pequenos, demasiadamente

minúsculos, para que nenhuma flecha nos possa alcançar. Podemos afirmar que toda esta marcha

para a humildade é um autêntico sacrifício.

Todo este organismo complexo que chamamos de homem interior e que se estende desde a aura

elétrica até os sublimes destelho de nosso espírito imortal, aparece às vezes, como um conjunto de

esferas que giram sem cessar, de sois e estrelas, parecido ao mundo astronômico. É como se tratasse

de todo um povo formado por seres distintos e de formas infinitamente variadas, cada uma sendo

provida de sua própria sensibilidade, inteligência e liberdade.

Desde o primeiro ponto de vista, o desenvolvimento dos vícios e a cultura das virtudes se

perseguem como as fases de uma complexa operação química, no transcurso da qual a matéria física

se purifica através das lentas destilações do sofrimento, liberando seu espírito sutil e depositando

resíduos espessos; parafraseando aos alquimistas, colocando-se como um grão ao sol quando esta

putrefação é completa, como se de um abono rico de elementos nutritivos se tratasse, a negritude da

matéria representa esta dupla faceta das trevas da humildade confundida com a fé, noite fechada de

promessas e esperanças, noite na qual germina as sementes dos futuros gloriosos, noite bem amada

na qual do mais escuro surge o raio do Verbo e a aurora da regeneração divina.

Mas se consideramos o homem sob seu aspecto de entidade coletiva, observaríamos que pelo olhar

de um visionário se movimentam os exército dos espíritos de células, órgãos e funções em todo o

esplendor de suas hierarquias, mandos e mercenários, assassinando e engendrando, construindo e

destruindo, organizando-se e revelando-se, entristecendo-se e alegrando-se, blasfemando e rezando,

tal como podemos ver a humanidade fazer ao longo dos séculos. Neste dia, a cultura das faculdades,

a abundância de vícios e o compêndio de virtudes formam os atos, trabalhos, viagens de diversas

famílias de espíritos parcelados do que se compõe o espírito humano que vive sob a autoridade

centrante do EU. O orgulho se representa então como a subida de uns andaimes artificiais ou como

uma monstruosidade deste mesmo EU que adquire uma cabeça enorme ou um grande pescoço e

largas extremidades. A humildade produz uma descida a lugares subterrâneos, um apequenamento

da estatura espiritual.

Vocês poderão dizer que tudo isso são história para gente primitiva, que é antropomorfismo e

animismo. Concordo, minhas teorias são simples e lembram as histórias que contavam as velhas dos

povos, mas apesar de seu enfoque frustrante me parecem verdadeiras ou se preferirem, mais perto

da realidade do que a metafísica. Não há mais que duas maneiras de apresentar o mundo: a concreta

e a abstrata, objetiva e subjetiva, experimental e meditativa. A primeira nos leva a considerar cada

um dos modos de vida universal como lugares; a segunda, que se opõe à primeira, nos mostra

definitivamente os estados de consciência. Tanto uma como a outra são perspectivas incompletas.

Tudo é ao mesmo tempo um indivíduo, uma coletividade, um volume dinâmico, uma entidade

metafísica, um lugar e um modo de ser. Tomemos como exemplo um tema conhecido: o inferno e o

paraíso. Em todo parte dizem que o lugar em que um ser sofre é o inferno e o que se vive feliz é o

paraíso. Os metafísicos por sua vez, dizem que o inferno não passa de um estado de espírito e dão

como o exemplo a situação de não ter um teto fixo onde se abrigar é para uns um suplício, enquanto

que para os vagabundos de vocação, uma autêntica benção! Sim, é certo, o inferno é um estado de

ânimo, mas acrescento é um lugar preciso em um espaço desconhecido já que o espírito do que

sofre realmente padece das torturas do fogo e da fome, do mesmo modo que o general europeu vive

e se adapta mal na selva do Gabão e que esta constitui para ele um inferno, o negro vive igual de

mal nas neblinas do norte, enquanto que o calor agonizante desta selva é um paraíso sem limites

para seu corpo. A verdade verdadeira reúne e sintetiza todos os pontos de vista possível. Tua

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verdade, mais a minha verdade, mais a verdade dos demais, forma a verdade absoluta.

Este parêntesis me leva a dizer-lhe que a vida de um discípulo pode estar formada como um grande

sacrifício composto de inumeráveis sacrifícios parciais de qualquer ordem. Cada um de nossos atos,

se movido por um ideal, pode ser interpretado de muitas maneiras diferentes e em especial como

um sacrifício. Como vemos, voltamos sempre ao sacrifício já que toda nossa existência é em si

mesma:

O DEUS: O ideal de êxito material, artístico, científico, filosófico, humanístico, religioso.

A VÍTIMA: As células físicas, as forças físicas, anímicas, intelectuais, volitivas que se consomem

e imolam quando se realiza um ato.

O SACERDOTE: O eu, a consciência que decide o ato.

O ALTAR: O órgão que efetua o ato.

O FOGO: A intenção que anima o ato.

Permitam-me fazer uma análise profunda do que acabo de dizer, já que a explicação que quero

oferecer-lhes nos daria como resultado uma noção mais séria da gravidade de tudo o que fazemos e

do alcance e repercussão que pode ter o menor de nossos atos no universal.

Falemos de algo concreto. Um discípulo que decide que um domingo, ao invés de ir a um passeio

ao campo, vai visitar uns doentes que vivem na mais absoluta indigência. Se este discípulo deseja

fazer deste ato uma grande obra espiritual, se quiser realiza-la com todas as garantias possíveis de

pureza, legitimidade e fecundidade, se espera ardentemente que o Céu lhe devolva em troca a graça

de poder ajudar a estes enfermos e se deseja se apresentar sem intermediários ante a presença real e

viva de Deus, deverá ter todo o cuidado na preparação e desenvolvimento desta obra fraternal.

O discípulo como tal é o representante de Cristo na Terra. Esta função se realiza tanto quanto este

saiba diminuir seu ego e todos os eflúvios de seu EU dele que geralmente se sente saturado para dar

passagem ao Verbo. As faculdades mentais, as paixões, energias vitais do corpo, banham a

atmosfera de egoísmo. É necessário limpar o ar destes vapores tão danosos para que os raios do

Espírito descendam sobre a inteligência, purifiquem os sentimentos e regenerem a vitalidade física.

Tudo o que o homem mais forte pode fazer é esta limpeza, este banho de purificação.

O Céu ama o homem. O desejo mais ardente de Deus, se eu puder dizer assim, é o de baixar entre

nós, habitar junto com nós e entregar-se à humanidade. Este renascimento do Espírito Santo,

absolutamente impossível, porque o finito, o encadeado e passageiro não pode fazer nada com o

infinito, eterno e livre, este renascimento como dizia, cujas provas das antigas iniciações e batismos

de religião, não são mais que representações, é só Deus como Verbo quem pode realiza-lo.

Cada discípulo, tão só na medida de seus progressos, resulta num membro, uma célula orgânica do

corpo espiritual de Cristo no mundo da Glória. Do mesmo modo que a saúde fisiológica não é

possível mais que quando todos os órgãos e funções obedecem às ordens da chama vital que se

alberga no coração, o discípulo não disfrutará da saúde espiritual, mas que quando todos os órgãos

de seu ser consciente obedeçam a esta luz eterna que brilha nele como a semente do Verbo.

Poderíamos dizer que de igual maneira a perfeição universal, a nova Jerusalém, o reino dos Céus na

Terra, não será possível senão quando todos os discípulos vivam em perfeita harmonia uns com os

outros em um amor fraterno total sob a direção de seu único Senhor, o Verbo.

Todos os trabalhos místicos de todos os discípulos, passados, presentes e futuros, não são em si

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mais que um só trabalho que busca rematar os trabalhos de Cristo. Eles outorgam a seus irmãos,

menos iluminados, os frutos de seus esforços e isto se consegue por meio de uma comunicação

central de todos os membros do gênero humano. Os discípulos recebem de seu Senhor sua

comunhão particular que é Ele mesmo. Isto resulta uma dupla sinfonia de sacrifícios inumeráveis

que encontra sua figura mais exata nos sacrifícios da Missa cristã.

******

Os únicos valores dos quais se serve o discípulo são as ideias que lhe movem e dinamizam:

diminuição do sofrimento humano, obediência ao Mestre que se segue, diminuição dos infinitos

sofrimentos do Mestre mártir. Tal estado de ânimo não se adquire em questão de minutos, é

resultado de um desejo constante de união mística, de luta perpétua contra os apetites sensuais e as

paixões egoístas. É necessário imitar a Jesus e Seus sofrimentos antes de poder se igualá-lo em Seu

poder. Do mesmo modo que o Verbo é sacerdote no Céu, o discípulo deve aspirar a ser sacerdote na

Terra.

Tudo isso supõe que o discípulo, antes de empreender uma boa obra, deve renovar seu estado de

ânimo de igual modo que se sua intensão for a de estar na presença de Deus com o conhecido

reconhecimento das faltas, propósito da emenda e petição de perdão. Pedirá o favor de que seu

coração se torne puro e sua vontade seja correta e tudo isso pelo Pai que escolheu, o Filho que é

uma célula a imitar e oferecendo como vítima já que o esforço que se requer para visitar os

enfermos, que colocamos como exemplo, supõe um sacrifício em detrimento dos desejos do EU

vencidos pelo Espírito que não é nem mais, nem menos que a força que realiza a obra.

Esta obra, por banal que possa parecer a primeira vista, é imensa, dado que é uma obra de Deus.

Requer um coração renovado, uma alma alegre e a ingenuidade de um menino. Para poder ser

realizada, esta obra necessita também a ajuda de toda a Iluminação que o discípulo seja capaz de

receber e de toda Verdade que seus sentidos podem compreender. O discípulo contemplará de novo

todas suas debilidades e faltas e a esta secreta confissão deve implorar à misericórdia suprema já

que será ao mesmo tempo sacerdote, vítima, altar e fogo puro, assim como Jesus Cristo.

*******

Uma vez que toda preparação anterior tenha terminado, entraremos de cheio na segunda fase do

sacrifício místico que se resume na concentração de todas as forças do discípulo. Como dizem as

Escrituras: “Amarás ao Senhor teu Deus com toda tua alma, toda tua inteligência e todas tuas

forças”. Todos somos conscientes de que o homem é uma multidão quase que anárquica; pois bem,

se trata de organizar esta multitude e que perca esta anarquia.

O discípulo se lançará a esta tarefa desde o fundo de seu coração para alcançar a Glória divina e a

bondade do Pai para que deste modo seu espirito se una às hierarquias angélicas.

Com efeito, existem dois grandes sistemas de comunicação que unem à Terra com seu Criador. O

primeiro sistema é o dos invisíveis: deuses, gênios, entidades elementares e forças cósmicas que

funcionam com relação a uma ordem estabelecida desde o princípio dos tempos. Ali tudo descende

e se eleva progressivamente através de intermediários sucessivos que se encontram situados em

lugares determinados e fixos. É por meio desta ordem que se elevam as orações e as obras de nossos

antepassados e ao mesmo tempo são estes segredos os que se ensinam nas iniciações politeístas e na

antiga magia.

O segundo sistema é o que pertence aos anjos, essas criaturas engendradas sem cessar pelo Pai para

missões determinadas e cujos caminhos se encontram no interior de todos os espaços criados,

através do gentio mais denso, do mesmo modo que a eletricidade, por exemplo, passa através dos

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átomos infinitamente condensados do cristal mais compacto. Estes anjos estão à disposição de Deus

e de Seus servidores. Antes da vinda do Verbo à Terra não atuam mais que em casos extremos, mas

como acompanharam o Mestre em grande número ao longo de seu caminho estelar, envolveram-se

em comunicações diretas entre todos os lugares da natureza pelos quais o Senhor passou e em Sua

residência eterna. São eles os encarregados de levar as orações de Seus servidores terrestres e os

que trazem de volta as satisfações. Quando na Antiguidade um adepto curava a um enfermo o fazia

encarregando a estas criaturas que serviram de intermediários com Deus e estes lhe concedera a

graça de curá-lo. Logo, depois de Cristo, quando um discípulo curava a um doente era um anjo que

trazia do Céu o remédio místico inalcançável.

Depois de ter chamado o Céu, o discípulo reunirá todas as energias de qualquer ordem que

componham sua personalidade para apresentá-las ante seu Deus. Neste estado de concentração, tão

perfeito como seja possível, trairá à sua memória aquela parte do Evangelho que convenha a seu

projeto para fazer com elas o cimento de sua obra. Em uma palavra, tentará refazer aquela unidade

que as milhares de distrações da vida corrente disseminam por toda parte.

******

Só consigo mesmo, como se se tratasse de um sacerdote ante o povo que lota sua igreja, o discípulo

examinará dentro das circunstâncias materiais que lhe rodeiam, a obra que quer realizar. Com base

ao exemplo anteriormente exposto, examinará o enfermo a visitar, sua doença, sua situação,

necessidades, remédios necessários, palavras que lhe sirvam de consolo, sentimentos mais ou

menos calorosos que nascem no coração do discípulo ante a contemplação do enfermo, aquele

presente agradável ou útil que pode levar-lhe, etc.

Primeiramente oferecerá a Cristo estes remédios, palavras, objetos porque Cristo é o próprio

enfermo que se vai visitar. Rogará ao Céu que bendiga estas coisas e as transformem em úteis ao

enfermo, a humanidade e a natureza inteira para que ele possa dizer à Deus: “Eis aqui minha

doença, o prazer do qual me privo, o dinheiro que gasto, as forças que tenho que empregar, as

palavras que vou dizer, a compaixão que me esforçarei em ter com este pobre homem que sofre. Te

ofereço tudo isso, meu Deus, já que para poder te dar, tive antes de receber de Ti e, portanto, tudo

isso esconde uma Luz emanada de Teu Filho, ou seja, de Ti mesmo. Tudo isso leva uma certa

virtude que tem sua origem no corpo e sangue de Teu Filho”.

Repito que esta oferenda deve ser acompanhada não só pelo fervor do coração, mas também pelo

pensamento do discípulo e os inumeráveis pequenos esforços do corpo, a fim de que todo aquele

que houver de tenebroso se volte para a Luz e tudo aquilo que houver de iluminado se eleve à Luz

mais sutil e pura.

******

Em quarto lugar, o discípulo chama todo seu ser para que tente nesse momento imitar a Jesus Cristo

com o consentimento do próprio Cristo e sempre em Sua honra. A ajuda que se propõe levar ao

enfermo e que já foi oferecida em homenagem ao Mestre, receberá do próprio Cristo uma virtude

particular. Tudo isso, o esforço do discípulo com toda sua persona, o ato fraternal, o enfermo e

Cristo conformaram uma unidade essencial que se elevará formando um todo até os céus da Glória.

Esta sublime transmutação de um conjunto de atos banais dão forma exterior a todas as forças e a

todos os seres que com ela colaboram. Assim, tudo isso purifica o discípulo, faz descender sobre ele

um pouco de Luz, se eleva à Deus, reúne nele todos os outros discípulos mortos ou vivos com um

ideal comum, melhora sua harmonia interior, transforma todos os objetos que se utilizam para a

obra prevista em portadores de Luz e santifica os lugares onde se realizam estas obras.

O episódio da vida de Jesus Cristo na Terra que melhor reflete estas ideias anteriormente exposta é

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o da Última Ceia. Nela encontramos dois atos de Cristo de igual importância, apesar de que o

segundo parece ter monopilizado toda a veneração do mundo. Jesus parte o pão e o reparte junto

com o Cálice dizendo: “Tomai e comei, pois este é o meu corpo; tomai e bebei, pois este é o meu

sangue”. Estas palavras constituem o eixo do culto cristão. Mas antes de dizer isso, Ele realizou

outro ato: Compartilhou o pão e o vinho com o homem que mais tarde seria seu assassino. Este

primeiro gesto, perfeição do Homem, precede ao segundo, perfeição de Deus. Cabe então duas

perguntas: Não parece lógico que antes de receber os sacramentos, o homem deve reconciliar-se

com seu inimigo? É válida a comunhão sem que o fiel tenha apaziguado antes seus ódios ou

indenizado aos que fez dano?

Isto é uma das coisas pelas quais o discípulo deve passar antes de brincar de ser São Vicente de

Paulo. Também é uma das razões por não realizar nada que seja verdadeiro e digno diante da

memória de Jesus.

Tendo estudado estes fatos, sempre com a mente lúcida, o coração ardente e o mesmo fervor, o

discípulo oferecerá sua boa obra Àquele que lhe inspirou, com fé de que tudo o que ele vá a dizer e

fazer ao enfermo e tudo sob o olhar e auxílio de Jesus Cristo e por Jesus Cristo.

******

Resumindo todas estas aspirações, o discípulo realizará todos os conselhos que Cristo nos deus. A

oração dominical lhe permitirá resumir, unificar e universalizar todos os seus desejos.

Sinalizemos que a oração mais comum entre os cristãos se dirige ao “Pai nosso que está nos céus” e

não ao Pai de antes dos céus, de antes da criação ou de antes da encarnação do Verbo. Os estudos

orientalistas erram ao atribuírem ao Cristianismo a ignorância destas regiões metafísicas que

consideram de seu próprio domínio acreditando-se serem os únicos a levar em consideração o que

se encontra além do Ser ou o Não-Ser. O Deus ao que o homem se pode dirigir diretamente é um

Deus vivo, seu Pai, o Ser que subsiste por si mesmo. Um Deus para todos e que acolherá em seu

seio àqueles que o desdenharam por considera-lo algo abstrato e inalcançável.

A oração dominical não é nem mais, nem menos que uma oração pela paz, pela harmonia e a

unidade. O discípulo que a pronuncia guarda a intensão daquele que sofre e que pede paz para seu

corpo, seu coração, seu pensamento e seu destino. Então a paz baixa até aquele que em sua vida

cotidiana busca tornar-se uno com Aquele que se encontra na sombra e ao que imploram desde Seus

últimos leigos a Seus primeiros servidores para que transmita paz.

Todas as ajudas materiais ou de qualquer índole que o discípulo aporta a seu irmão que sofre devem

receber todas as forças espirituais necessárias já que nos foi prometido que tudo aquilo que

pedirmos ao Pai, em nome do Filho, nos será outorgado em tanto em quanto que o discípulo faça

tudo o que está em suas mãos, de forma constante, para não desviar do caminho marcado pelo

Senhor.

Uma das grandes dificuldades do discípulo é a de não cair na repetição mecânica das fórmulas, na

saciedade das coisas divinas. Tudo o que eu disse sobre a preparação de um ato tão simples como ir

visitar um doente, tem como meta reforçar a vocês a extraordinária importância do menor de nossos

atos quando o relacionamos com Deus. A majestade, a magnificência, o absoluto poder são, na

Terra e na natureza, coisas exteriores. No mundo do divino são, no entanto, coisas interiores,

imperceptíveis. Nisto reside o perigo das fórmulas piedosas: pouco a pouco se tende a recitar uma

oração mecanicamente em vez de que seja algo que saia de nosso consciente e que passa por nosso

coração e nossa cabeça. As orações deveriam ser como fontes espontâneas que brotam de nosso

amor e nosso desamparo.

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******

Por outra parte, o estado atual do homem de hoje se encontra tão distante do Espírito que parece

necessário numerosas repetições ditas de forma automáticas do mesmo modo que um estudante de

violão necessita praticar escalas constantemente e de forma inconsciente. A única diferença é que

no que concerne ao treinamento místico é a pessoa por inteiro que deve participar. O discípulo

repetirá sem cessar que ele não é nada, que tudo o que faça bem não é ele, mas sim Cristo quem faz

nele e por ele. Que este Cristo lhe ama infinitamente mais do que ele lhe pode amar. Que este Cristo

deseja seu pobre coração enfermo mais do que nós podemos desejar o mais belo dos tesouros. Que é

de Cristo de quem pode esperar tudo, toda inteligência, todo amor, toda força e que graças à

maravilhosa loucura que é o Amor, esse pobre homem, de aspirações tão pequenas, tão miserável

em suas idolatrias, tão versátil em suas vontades, este pobre esboço de homem pode ser recebido

pelo Verbo podendo converter-se em uma parte de Seu esplendor, em um raio deste sol.

Creio que o que acabo de explicar pode ser encontrado em uma infinidade de livros de devoção,

inclusive, se vocês são praticantes, compreenderão assistindo a missa ou ao culto. Talvez eu poderia

ter contado coisas mais curiosas sobre a vida invisível da Missa Católica, da Ceia Protestante ou do

Ofício Ortodoxo. No lugar de manjares raros e complicados, lhes ofereci uma migalha de pão. Mas

em nossa época, até um bom pão é difícil de encontrar. Não nos deixemos enganar e não

esqueçamos que com um pedaço de pão e com água da fonte se pode viver e se não, perguntemos se

não seria aconselhável escolher antes o útil do que o agradável.

Aqueles dentre vós que viveram a experiência do Cristo vivo sabe que o que lhes contei é toda a

verdade. Nesta nossa sociedade contemporânea de consumo, nos oferecem tantas coisas batizadas

como novas, que nos deixamos enganar e não nos damos conta de que são velhas. O que eu vos

ofereço é velho, mais velho que o mundo. Desejo que cada um encontre em si o valor necessário

para abandonar as pequenas experiências dos atuais sistemas e das teorias extraordinárias para

terem a experiência que lhes proponho e cuja duração é ainda maior que o Universo e a mais

simples dentre as simples.

O discípulo, consagrando-se ao Pai, celebrou o mais belo, o mais vivo e o mais frutífero de todos os

sacrifícios. Cada uma de suas atuações na vida, cada uma das meditações que lhe preparam à ele,

cada um dos sentimentos ardentes que lhe vivificam, constituem o desenvolvimento do sacrifício

inicial e lhe incorporam paulatinamente ao espírito do grande Sacrifício, ao espírito de Jesus Cristo.

Proclama-se hoje como se fosse um grande descobrimento que nossos pensamentos e sentimentos

são substâncias. Certo, mas isso já é antigo! No interior de todos nossos pensamentos e sentimentos,

no centro de nosso ser reside um raio da substância não criada e cujo resplendor, comparado com o

das outras energias de nosso corpo, é absolutamente cegador. Este raio, e com isso vou ao princípio

da nossa vida futura, é o que nos faz ajudar o desgraçado, é o que nos eleva até o Pai, ele que

unindo-nos com o Verbo nos reúne, consolida e organiza, é o que nos transporta sobre as colinas da

paz, em meio de privações e fadigas inclusive, mas que nos embarga de uma felicidade secreta,

deliciosa, adorável.

Esta felicidade que se reflete no rosto dos amigos de Deus, está doçura que se irradia através das

mãos fraternais, esta ternura que brota de seus lábios, não são mais que prolongamentos humanos

do êxtase em que um se vê e se sente inundado pela mais profunda alegria.

FIM