O se movimentar na educação física para crianças: novos horizontes pedagógicos na semiótica e...

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O SE-MOVIMENTAR NA EDUCAÇÃO FÍSICA PARA CRIANÇAS:

NOVOS HORIZONTES PEDAGÓGICOS NA SEMIÓTICA E

FENOMENOLOGIA1

Victor José Machado de Oliveira*, David Gomes Martins

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Física

(GEPEF/FCSES-ES). Acadêmicos do curso de Educação Física. Contato: * [email protected]

As últimas décadas desvendam uma maior preocupação com a Educação

Infantil brasileira, o surgimento de legislações vinculadas à faixa etária que

corresponde à infância tem aumentado no decorrer do tempo. Sabe-se que “até

1930 não havia nenhuma iniciativa do governo brasileiro em prol da educação

infantil” (SOBREIRA, 2008, s/p). A Educação Infantil começa a ganhar espaço

de preocupação quando é reconhecida na Constituição Federal de 1988.

Decorrente disso, apoios vieram através da Criação do Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA) e da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais (LDBN/96).

Outro documento que traz contribuições é o Referencial Curricular Nacional

para Educação Infantil (RCNEI), ao afirmar que o trabalho a ser realizado na

Educação Infantil deve ter por finalidade desenvolver integralmente nas

crianças os aspectos físicos, psicológicos, intelectual, social e afetivo (BRASIL,

1998).

Durante as atividades de estágio desenvolvidos na Creche Menino Jesus,

percorremos pelo caminho metodológico pautando-se em três momentos. Na

primeira etapa do estágio estivemos reunidos em pontos de encontros na

FCSES, onde fizemos leituras analíticas e debates de temas relacionados à 1 Este estudo está vinculado às atividades desenvolvidas no Estágio Curricular Supervisionado I,

desenvolvido no período de 2010/2, na Creche Menino Jesus, Vitória, ES.

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prática pedagógica da Educação Física Escolar. A segunda etapa foi marcada

pela ida a campo, conformando-se numa Análise da Conjuntura Educacional.

Nesta fase realizou-se a análise dos espaços e materialidade – do bairro e da

creche –, entrevistas com os funcionários, professores e crianças, também

tivemos acesso ao Plano Pedagógico e observação das aulas de Educação

Física, o que nos permitiu uma aproximação com a realidade institucional.

Desvendando um estudo de Go Tani (2001), uma inquietação surgiu. Uma vez

com o surgimento de várias abordagens na década de 80, “era de esperar

transformações significativas na prática pedagógica da educação física escolar”

(GO TANI, 2001, p. 110). Em outras palavras, faltou um empirismo na

aplicação dessas abordagens, que muito se detiveram somente aos

discursos/âmbitos acadêmicos, assim pouco chegando de fato no cotidiano das

aulas de educação física. Entretanto percebe-se que esforços têm sido feitos

para trazer essas abordagens à prática cotidiana. Aqui também é o caso, por

isso o objetivo desse texto está em entender a prática pedagógica da

Educação Física na Educação Infantil estabelecendo diálogos com a

fenomenologia e semiótica, assim refletindo o processo educacional de uma

práxis pedagógica para crianças neste nível de ensino, e desta forma

compreender a relação empírica e teórica desse tempo-espaço, obtidas a partir

das/nas experiências do Estágio Curricular Supervisionado I. Desta forma

elegemos como objeto de estudo o Se-movimentar nas aulas da Educação

Física na Educação Infantil sob a perspectiva semiótico-fenomenológica, pois

entendemos que essa abordagem tem muito a contribuir na percepção

empírica das teorias expostas até aqui, percebendo seus limites e

possibilidades, assim denotando uma práxis pedagógica ressignificada das

mesmas.

Percebemos que a infância é um momento importante na vida do indivíduo.

Uma vez que se configura no início de uma caminhada que não tem volta,

cabendo aos indivíduos continuarem assim desenvolvendo-se nos aspectos

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bio-psico-sócio-culturais. A infância é uma fase de possibilidades únicas – que

muito pouco se sabe sobre ela mesma enquanto suas manifestações

empíricas/concretas – pois no momento que deixamos de ser criança

perdemos o que se chama de “arte infantil” (MALRAUX apud SILVA et al:

2007). Esse pensamento não consubstancia quanto à criança como tendo um

talento, mas no tocante do talento que tem a criança, de ser o aqui-agora.

Pensar uma Educação (Física) Infantil implica perceber como fator importante o

deslocamento da esfera do conhecimento para a do pensamento, aqui

entendido como domínio primeiro do cosmos, ou seja, compreender “as

crianças como alteridades, e que, portanto, também pensam, produzem

saberes e não, obrigatoriamente, somente recebem os saberes nossos, de

adultos” (SILVA et al, 2007, p. 4). Concordamos com os autores supracitados

no momento que sua visão de infância alça olhares para além do que

massantemente tem-se pensado a respeito desses sujeitos.

Isto implica dizer que devemos deslocar a concepção que temos de “infans” como o não-ser (impotente), o não-ter (capacidade, formação) e o não-saber (falar, produzir, criar), para concebê-la como uma potência, uma afirmação. As crianças são formadas social, histórica e culturalmente, é verdade, mas também são formadoras; elas são pensadas social, histórica e culturalmente, mas também elas próprias pensam. (SILVA et al, 2007, p. 4).

Várias pesquisas tem apontado a necessidade de buscar uma práxis

pedagógica que atenda a formação das crianças enquanto sujeitos capazes,

produtoras de saberes, de cultura e de linguagens. Inicialmente o problema

levantado concerne na possibilidade de conceber uma prática pedagógica na

Educação (Física) Infantil que leve em conta as crianças, seus

repertórios/experiências singulares, assim como seus pontos de vista

baseados, de fato, no princípio da alteridade (SILVA et al, 2007). Exemplo

dessa necessidade percebeu-se no Estágio I a iniciativa de um trabalho

integrado entre a professora de Educação Física e a professora da turma a

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qual observamos. Juntas elas realizaram um projeto onde cada criança

desenvolveu um livro de brincadeiras, as quais elas vivenciavam nas aulas de

Educação Física, tanto quanto no seu contexto social. Assim, utilizando de

recorte e colagem, a escrita, os trabalhos manuais, etc, as crianças foram

desenvolvendo seus livros, a partir dos conhecimentos que elas próprias

adquiriram durante as aulas. A forma com que elas sistematizavam as

brincadeiras através dos desenhos, formas, estruturas que colocavam no

papel, carregavam significações próprias de sua alteridade/singularidade,

assim desmitificando aquela visão de não capacidade.

Outro fator importante que devemos atentar é a singularidade estrutural e

funcional da Educação Infantil, e também as singularidades/alteridades dos

sujeitos que protagonizam esse tempo-espaço – as crianças de 0 a 6 anos de

idade. Como nos aponta Libâneo et al (2009) segundo as Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCNs) mediante a resolução CNE/CEB nº 1, de 7 de

Abril de 1999 aponta que “as instituições de Educação Infantil devem promover

práticas de educação e cuidados, possibilitando a integração entre os aspectos

físicos, emocionais, afetivos, cognitivos/linguísticos e sociais da criança,

entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível (art. 3º, inciso III)”.

Muitos professores acabam por supervalorizar a linguagem verbal em sua

prática pedagógica, remetendo ao pensamento de que “o hábito de acreditar

que a representação linguística é aquela que constitui a racionalidade” (SILVA

et al, 2007, p. 4). Porém, percebe-se que esse pensamento menospreza a

criança, colocando-a no paradigma do “vir a ser”, e assim acaba por fechar o

fluxo de possibilidades do seu desenvolvimento integral. Concernente a esse

pensamento Rocha citado por Silva e Baumel (2009) alerta-nos a respeito de

atentarmos às diferentes linguagens “verbais” e “não verbais”.

[...] e lembremos que, quando o outro é uma criança, a

linguagem oral não é central e nem única, ela é

fortemente acompanhada de outras expressões

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corporais, gestuais e faciais. Isso já nos indica alguns

dos problemas metodológicos envolvidos na pesquisa

com crianças (ROCHA apud SILVA & BAUMEL, 2009, p.

2).

Levando-se em conta a teoria semiótica peirceana, constata-se que a

linguagem verbal não é a matriz fundamental da expressão humana. Desta

forma não corre-se o risco de diminuir as possibilidades do universo

fenomênico do poder ser. Entretanto a linguagem verbal é uma das formas de

semioses – entendida como o processo de produção de signos/linguagem

(SILVA et al, 2007). Percebemos como outras formas de semioses em nossas

experiências, todas aquelas vivenciadas pelas crianças no seu cotidiano,

atentando para aquelas que compõem a cultura corporal de movimento, como

por exemplo: os jogos, as brincadeiras, as brincadeiras cantadas. Outro

elemento que percebemos importante na mediação da construção do

conhecimento está na contação de histórias, do “faz de conta”, que proporciona

às crianças o desenvolvimento nos aspectos motores, sociais, afetivos e

cognitivos.

Sob esta ótica intenta-se eleger como imperativo realizar uma inter-locução

(diálogo) de forma que as crianças possam interagir construindo novos signos,

uma vez que, “em todos os contextos do se-movimentar há produção de signos

e de relações interpretantes” (BETTI, 2007, p. 216). Ao proporcionar as

crianças nesse momento experiências significativas pretende-se oportunizar a

ampliação de sua leitura de mundo, de suas vivências e dos significados que

lhe atribuem, tanto quanto aos valores que poderão ser trabalhados como a

cooperação, respeito, afetividade, amorosidade e solidariedade.

É necessário realizar um trabalho que vise as crianças como alteridades, sendo

produtoras de conhecimento, participantes ativas das atividades propostas, e

não meros “bonecos” que possamos inferir o que irão fazer ou não. De forma

integrada e concomitante através de experiências no Se-movimentar,

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abordando a infância como espaço de construção de signos, através de

elementos advindos dos jogos, brincadeiras, brincadeiras cantadas e contação

de história momentos que estarão a dispor das crianças em sua construção

enquanto alteridade/singularidade, levando em conta os aspectos

físicos/motores, cognitivos, afetivos, sociais e culturais pensando assim a

criança como um ser completo, total e indivisível. Dessa forma aspira-se

organizar ações pautadas nas vivências da cultura de movimento.

A educação deve ser alegre, motivante e contagiante. Deve assegurar a

criança recursos para que possa se desenvolver, e não somente se adaptar

para a vida em sociedade. Educar está para além de adestrar. Por isso

percebemos que o diálogo “verbal” e “não verbal” são formas das crianças

interagirem durante as aulas. Assim poder-se-á promover aulas significativas

que atendam a construção de crianças sadias, alegres e críticas – porque

não?! – nas suas ações e interpretações ético-estéticas.

Tomando como base a semiótica peirciana, é na experiência vivida que a

própria alteridade irá se manifestar, produzir, confrontar, evoluir no universo.

Ora é na mediação que poder-se-á alçar uma prática pedagógica inclusiva,

uma práxis pedagógica para uma Educação (Física) Infantil renovadora.

Tomando cada criança como sendo aquela criança, remete e pensá-las como

alteridades/singularidades. É imperativo estarmos atentos de que devemos

procurar conhecê-las. “Como é ser criança, quais seus interesses, quais suas

necessidades, o que ela sabe: eis o nosso objeto de desejo” (SILVA et al,

2007, p. 9).

As crianças são formadas sócio-histórico-culturalmente, mas elas também são

formadoras. Pensa-se que para efetivar uma prática pedagógica na Educação

(Física) Infantil, é necessário ao professor ser o interlocutor proporcionando

experiências propícias ao Se-movimentar. Desta forma a criança poderá então

dialogar com o mundo. Neste momento é importante afirmar que a construção

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de uma proposta que realmente se coloque comprometida com a realidade das

crianças não pode ser construída unilateralmente, então levar em conta os

sujeitos envolvidos nesse tempo-espaço, seus anseios, desejos e reflexões são

de suma importância na constituição desse processo.

Palavras-chave: Educação Física infantil; Semiótica; Fenomenologia.

REFERÊNCIAS

BETTI, M. Educação física e cultura corporal de movimento: uma perspectiva

fenomenológica e semiótica. Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 18,

n. 2, p. 207-217, 2. sem. 2007.

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Brasília: MEC/SEF, 1998.

GO TANI. Educação física na educação infantil: pesquisa e produção do

conhecimento. In: Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, supl.4,

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http://citrus.uspnet.usp.br/eef/uploads/arquivo/v15%20supl4%20artigo12.pdf.

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LIBANEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas,

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BRASIL,17., 2009, Campinas. Anais do 17º COLE, Campinas-SP: ALB, 2009.

Disponível em:

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