O Sistema Penitenciário Brasileiro e o Direito à Educação Dos Indivíduos Privados de Liberdade

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O sistema penitenciário brasileiro e o direito à educação dos indivíduos privados de liberdade Apesar de ser um direito expresso em diferentes leis que regem a nossa sociedade e em tratados internacionais, o direito à educação das pessoas privadas de liberdade não vem sendo garantido em nosso país. Segundo dados do Ministério da Justiça, apesar de 70% de toda população carcerária não possuir o ensino fundamental completo, menos de 20% dessas pessoas participam de alguma atividade educativa. Entre os principais motivos para a não garantia deste direito está o da superlotação das prisões. Este é, de fato, um problema que vemos em todos os estados brasileiros e que vem dificultando não só o cumprimento daqueles que se constituem como deveres do Estado e direitos fundamentais da pessoa presa – como o direito à saúde, ao trabalho, à educação, à assistência religiosa e outros – como tem gerado condições subumanas de sobrevivência dos indivíduos presos, além de condições indignas de trabalho para os operadores da execução penal, principalmente os agentes penitenciários, os diretores de unidades e outros profissionais que atuam no dia-a-dia do sistema e aí passam boa parte de seu tempo. De acordo com o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, o Brasil ocupa hoje o quarto lugar entre os países com maior população prisional do mundo (441,700 mil presos), ficando atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,5 milhão) e Rússia (870 mil). Um número que, no caso brasileiro, cresce em média 5% a 7% ao ano, agravando ainda mais o problema da superlotação em praticamente todos os estados brasileiros. Infelizmente, esta é uma realidade desconhecida e praticamente invisível para maioria da população. Muito recentemente, temos visto algumas denúncias sobre as precárias condições dos presídios brasileiros, talvez porque estejamos chegando ao limite do tolerável. Mas, em geral, as notícias que temos desta realidade, referem-se aos casos de motins ou rebeliões, o que contribui somente para criar uma imagem desumanizada dos presos, alimentando a idéia de que sejam, em sua totalidade, indivíduos irrecuperáveis e, portanto, não merecedores de nossa atenção ou de qualquer direito. Em um contexto de insegurança, gerado pela crescente onda de violência nas grandes cidades brasileiras, a sociedade tende a ver a atual política de encarceramento em massa, e mesmo as violações dos direitos humanos, por meio de rígidas formas de punição, como uma solução para o fenômeno da violência, sem levar em conta a carga de

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texto sobre o sistema prisional brasileiro

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O sistema penitenciário brasileiro e o direito à educação dos indivíduos privados de liberdade

Apesar de ser um direito expresso em diferentes leis que regem a nossa sociedade e em tratados internacionais, o direito à educação das pessoas privadas de liberdade não vem sendo garantido em nosso país. Segundo dados do Ministério da Justiça, apesar de 70% de toda população carcerária não possuir o ensino fundamental completo, menos de 20% dessas pessoas participam de alguma atividade educativa.

Entre os principais motivos para a não garantia deste direito está o da superlotação das prisões. Este é, de fato, um problema que vemos em todos os estados brasileiros e que vem dificultando não só o cumprimento daqueles que se constituem como deveres do Estado e direitos fundamentais da pessoa presa – como o direito à saúde, ao trabalho, à educação, à assistência religiosa e outros – como tem gerado condições subumanas de sobrevivência dos indivíduos presos, além de condições indignas de trabalho para os operadores da execução penal, principalmente os agentes penitenciários, os diretores de unidades e outros profissionais que atuam no dia-a-dia do sistema e aí passam boa parte de seu tempo.

De acordo com o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, o Brasil ocupa hoje o quarto lugar entre os países com maior população prisional do mundo (441,700 mil presos), ficando atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,5 milhão) e Rússia (870 mil). Um número que, no caso brasileiro, cresce em média 5% a 7% ao ano, agravando ainda mais o problema da superlotação em praticamente todos os estados brasileiros.

Infelizmente, esta é uma realidade desconhecida e praticamente invisível para maioria da população. Muito recentemente, temos visto algumas denúncias sobre as precárias condições dos presídios brasileiros, talvez porque estejamos chegando ao limite do tolerável. Mas, em geral, as notícias que temos desta realidade, referem-se aos casos de motins ou rebeliões, o que contribui somente para criar uma imagem desumanizada dos presos, alimentando a idéia de que sejam, em sua totalidade, indivíduos irrecuperáveis e, portanto, não merecedores de nossa atenção ou de qualquer direito.

Em um contexto de insegurança, gerado pela crescente onda de violência nas grandes cidades brasileiras, a sociedade tende a ver a atual política de encarceramento em massa, e mesmo as violações dos direitos humanos, por meio de rígidas formas de punição, como uma solução para o fenômeno da violência, sem levar em conta a carga de preconceito e discriminação que pune principalmente os negros, os jovens, os pobres e os que, em geral já se encontram excluídos dos direitos mais elementares de cidadania.

De acordo com pesquisadores do sistema penitenciário, não é privilégio do Brasil estar, cada vez mais, encarcerando os seus pobres. A diferença está no fato de que em países como os Estados Unidos, por exemplo, soma-se à população pobre um enorme contingente de migrantes que deixaram seus países em busca de novas oportunidades e melhores condições de vida.Para esses pesquisadores, estamos inseridos em um movimento mundial pautado sobre a política de ação afirmativa carcerária herdada do neoliberalismo, onde a supressão do estado econômico e o enfraquecimento do estado social contribuíram para o fortalecimento do estado policial e penal.

Para reverter tal situação, além de ser preciso repensar o sistema penitenciário brasileiro, é preciso investir em políticas que contribuam para a reinserção social do preso. E, ao se pensar em reinserção, é comum associarmos a essa idéia a oferta de programas que incluem trabalho e educação nas prisões. No entanto, é importante se perguntar sobre quais programas de trabalho e educação se quer e como eles podem contribuir para consolidação de políticas públicas que visem não apenas o combate à ociosidade, mas que atuem no sentido da garantia de direitos e no processo de humanização do ambiente prisional.

É importante lembrar que em nossa sociedade não existe a pena de prisão perpétua e que aqueles que hoje se encontram reclusos devem estar aptos para voltarem a viver na sociedade, reconhecendo seus direitos e deveres de cidadãos. Para isso é importante que a sociedade faça a sua parte e saiba acolher os egressos do sistema penitenciário que desejam refazer sua vida após o

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cumprimento de sua pena. Do contrário, continuaremos alimentando os índices perversos da reincidência no sistema carcerário, o que não só representa custos para o país, mas também a perda da esperança em nossa capacidade de intervir, transformar e romper com o pretensamente estabelecido.

O Projovem Urbano, ao se aliar ao Pronasci para atendimento ao seu público privado de liberdade, quer a inclusão de todos os jovens e a garantia do direito à educação para todos os brasileiros.

A Lei de Execução Penal, Lei Nº 7.210, de 1984, cujo objetivo é fazer valer a sentença ou decisão criminal e proporcionar a integração social dos presos, em seu artigo 3º, afirma que ao condenado e ao interno serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Isso equivale a dizer que, embora tenham temporariamente suspensos seus direitos civis, todos os demais direitos da pessoa presa devem ser regidos pelas mesmas leis que regem o conjunto da sociedade.

A LEP, como também é conhecida esta lei, afirma que a assistência ao preso e ao interno é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, afirmando ainda que tal assistência se estende ao egresso do sistema penitenciário. Em seu artigo 17 afirma que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do interno; no artigo 18, que o ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se ao sistema escolar da unidade federativa; no artigo 19, que o ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico e que a mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição (parágrafo único).

A Constituição Federal, nossa lei maior, em seu artigo 208, afirma que a oferta do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é dever do Estado, cabendo a este assegurar, inclusive sua oferta para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria.Essa formulação é ratificada pela Lei de Diretrizes e Bases, Lei Nº 9.394, de 1996, que em seu artigo 37 acrescenta que os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam efetuar seus estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluno, seus interesses e condições de vida.

O parecer do Conselho Nacional de Educação, da Câmara de Educação Básica, Parecer Nº 11 de 2000, reconhece a especificidade do público jovem e adulto e afirma que a educação voltada para este segmento da sociedade deve considerar as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará pelos princípios de equidade, diferença e proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico próprio. O parecer destaca que a educação voltada para o público jovem e adulto deve dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados.

O Plano Nacional de Educação Lei nº 10.172, de 2001, cujo objetivo é a elevação global do nível de escolaridade da população e a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, reforça o direito ao ensino fundamental para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram, e estabelece ainda como meta implantar em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como de formação profissional.

Mais recentemente, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) a resolução que dispões sobre as Diretrizes Nacionais para oferta de educação nos estabelecimentos penais. Estas diretrizes são o resultado do processo de escuta de todos os atores envolvidos com a educação nas prisões – agentes penitenciários, diretores de unidades, gestores, professores, internos e internas do sistema – e devem orientar as políticas que visam a oferta de educação nas prisões em todo país.

Afora as leis nacionais que garantem o direito à educação da pessoa presa, temos ainda os tratados e acordos internacionais que devem servir de orientação na formulação de políticas públicas para este segmento. Citamos, como exemplo o documento as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso (ONU – 1955) que, em seu artigo 77, afirma que serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos e que a educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhes as administrações especial atenção.