O Socorro em Portugal

download O Socorro em Portugal

of 502

description

Tese

Transcript of O Socorro em Portugal

  • Antnio Duarte Amaro

    O socorro em Portugal

    Organizao, formao e cultura de segurana nos

    corpos de bombeiros, no quadro da Proteco Civil

  • Antnio Duarte Amaro

    O socorro em Portugal

    Organizao, formao e cultura de segurana nos

    corpos de bombeiros, no quadro da Proteco Civil

    Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios

    obteno do grau de Doutor em Geografia Humana, realizada sob a

    orientao cientfica de Professora Doutora Fantina Tedim e Professor

    Doutor Luciano Loureno.

    PORTO, 2009

  • 2

  • 3

  • 4

  • 5

    Agradecimentos

    As primeiras palavras de agradecimento destinam-se Orientadora e Co-orientador

    deste trabalho, respectivamente a Professora Doutora Fantina Tedim e Professor Doutor

    Luciano Loureno, pelo apoio, fora e incentivo permanentes ao longo desta caminhada, feita,

    passo a passo, com persistncia, coerncia e muito esprito de sacrifcio.

    Devo a ambos, no s a abertura para a aceitao das mudanas de ambiente

    relativamente s temticas em apreo, mas tambm a disponibilidade sistemtica para ouvir,

    aconselhar, sugerir, apontar caminhos e exigir rigorosas e pormenorizadas justificaes

    cientficas.

    Bem hajam, Professora Doutora Fantina Tedim e Professor Doutor Luciano Loureno

    a quem devo, inequivocamente, o despertar para o esprito geogrfico nos mais de dez anos

    de actividade conjunta na ENB e, nos ltimos anos, na Associao Portuguesa de Preveno

    Riscos e Segurana, a cuja direco me orgulho de pertencer, na qualidade de vice-presidente.

    A seguir impe-se lembrar, reconhecer e agradecer, na pessoa do Comandante

    Operacional Distrital Rui Esteves, toda a colaborao prestada no s por todos os CODIS,

    mas tambm pelos Comandantes dos Corpos de Bombeiros, Sapadores, Municipais e

    Voluntrios, sem o esforo dos quais no teria sido possvel obter to vasto nmero de

    respostas ao inqurito lanado no decurso do ano 2007.

    Mas a realizao da parte emprica da tese deve muito ao insubstituvel contributo das

    24 comunicaes pessoais escritas, enviadas por individualidades com especial preparao e

    reconhecida experincia nas diferentes vertentes da problemtica dos bombeiros e da

    Proteco Civil, cujo nome consta, por direito prprio, das referncias bibliogrficas deste

    estudo.

    Tambm no posso deixar de lembrar o contributo inestimvel das entrevistas gravadas

    que me foram concebidas pelo Padre Victor Melcias, na qualidade de primeiro Presidente do

    extinto Servio Nacional de Bombeiros, Dr. Antnio Nunes, na qualidade de Presidente do

    ex-Servio Nacional de Proteco Civil, General Paiva Monteiro, enquanto Presidente do ex-

    Servio Nacional de Bombeiros e Proteco Civil, Coronel Antnio Antunes, ento

    Comandante do RSB de Lisboa e Ex-Vice Presidente do Servio Nacional de Bombeiros e

    Proteco Civil e, ainda, do Coronel Ribeiro de Almeida, na qualidade de Ex-Inspector

    Regional de Bombeiros do Centro.

  • 6

    Ao Dr. Duarte Caldeira e ao Dr. Amrico Mateus, manifesto o meu profundo apreo e

    admirao pelo franquear das portas da ENB, a cujo Conselho Cientfico-Pedaggico tenho a

    honra de pertencer desde 1997.

    O agradecimento mais profundo no mundo dos Bombeiros destina-se ao Dr. Artur

    Gomes, sempre disponvel e paciente para esclarecer dvidas e suscitar novas interrogaes no

    binmio: Bombeiros proteco civil, englobando, neste agradecimento, o Engenheiro Pedro

    Lopes pelo inestimvel apoio quanto ao binmio Bombeiros-Inem.

    A seguir o meu agradecimento estende-se aos meus colegas da Riscos, Associao Nacional

    de Riscos, Preveno e Segurana pela fora transmitida destacando o conselho norteador e pleno

    de sabedoria, quanto forma e contedo, do Professor Doutor Fernando Rebelo.

    Neste agradecimento da maior justia destacar, ainda, o Professor Doutor Romero

    Bandeira, Presidente do Conselho Cientfico-Pedaggico da ENB, com quem convivo h

    largos anos como membro deste rgo, pela simpatia, fino trato, disponibilidade e eficcia no

    apoio a este trabalho nas reas em que reputado especialista.

    Registo, tambm, o impulso recebido, em termos especiais de encorajamento, para dar

    prioridade realizao da tese, por parte dos Professores Catedrticos jubilados, Joo

    Abrantes e Vasco Reis, que comigo colaboram na exigente funo de Director da Escola

    Superior de Sade do Alcoito.

    Por fim, agradecimento muito especial no s s muitas centenas de bombeiros, de todas as

    categorias, quadros, regies e tipologias, a quem tive o privilgio de ministrar formao no mbito

    da ENB, mas tambm ao Corpo de Bombeiros de Algueiro Mem Martins com quem partilhei,

    no terreno, as preocupaes, associativas e operacionais, nos quatro anos consecutivos em que

    desempenhei as funes de Presidente da respectiva Associao.

    Para o tratamento do texto contou-se com a preciosa e competente ajuda do tcnico

    Cludio Barreira e da Dr.. Paula Costa, aos quais agradeo a disponibilidade e a pacincia.

    A formatao final do trabalho deve-se ao inestimvel contributo do gegrafo Dr.

    Adriano Nave a quem se presta homenagem pelo empenho, sensibilidade e pacincia na

    elaborao da composio final.

    As ltimas palavras tm de ser destinadas s pessoas que durante anos suportaram a

    realizao deste trabalho, sempre interligado com outras tarefas com ele conexas e associadas.

    Mili, minha mulher, e ao meu filho Gonalo, devo desculpas pelo tempo roubado ao

    convvio que bem mereciam, em especial, nos ltimos dois anos, por imperativo de

    cumprimento de prazos e exigncias cientficas e metodolgicas.

    Obrigado aos dois. Bem hajam pelo apoio sem desfalecimentos.

  • 7

    RESUMO

    Em Portugal, a base da organizao do socorro s populaes continua assente nas

    Associaes/Corpos de Bombeiros ditos voluntrios.

    Este modelo de voluntariado denota enormes fragilidades, quer na componente

    associativa designadamente nas reas de gesto, quer na componente operacional, com dfices

    acentuados, no s, ao nvel da formao inicial e contnua, mas tambm, ao nvel da cultura

    de segurana individual e colectiva.

    No estando em causa o valor insubstituvel do voluntariado, o carinho e a simpatia das

    comunidades pelos seus bombeiros, impe-se uma mudana organizacional na dinmica do

    socorro, assente na afirmao inequvoca do binmio Municpios Bombeiros, no quadro das

    responsabilidades de Proteco Civil que a Lei confere s Autarquias.

    Nesta lgica, a implementao do Centro Municipal de Operaes de Socorro, constituiria

    um passo de gigante para o enquadramento racional, no s dos corpos de bombeiros

    existentes nos Municpios, mas tambm da figura do Comandante Operacional Municipal.

    Obviamente, em todo este processo de mudana e transformao, em que a formao e o

    treino so cruciais para um socorro eficaz e de qualidade, a resposta da Escola Nacional de

    Bombeiros, autoridade pedaggica de formao dos bombeiros tem sido manifestamente insuficiente,

    face s necessidades sentidas nos CBs, no s quanto formao especializada, especfica e,

    sobretudo, de formadores, mas tambm na definio de um modelo pedaggico de

    uniformizao da formao bsica.

    Ao nvel da anlise da cultura de segurana nos bombeiros, efectuada com base em nove

    grandes questes relativas poltica de gesto de SHST, avaliao de riscos, segurana de

    instalaes, formao, sade ocupacional, registos, segurana de veculos, treino fsico e

    equipamentos de proteco individual, foram comprovados dfices de cultura de segurana em

    todas as tipologias de CBs, com destaque para os voluntrios, indicando, claramente, a pouca

    importncia que tem sido dada a estas matrias, no obstante o volume assinalvel de feridos e

    mortos dos ltimos anos.

    Por outro lado, considerando que a misso e os riscos so idnticos, ficou provada a

    necessidade de igual formao e de uniformizao das carreiras dos bombeiros sapadores,

    municipais e voluntrios.

    Em suma, no quadro actual, s a superao do dfice do binmio, formao e cultura de

    segurana, poder criar condies para a mudana organizacional dos CBs e construir os

    bombeiros do sculo XXI, baseados na convergncia entre desempenhos voluntrios com

    verdadeira competncia profissional e desempenhos profissionais com sensibilidade

    voluntria.

    Palavras-chave: riscos, socorro, bombeiros profissionais, bombeiros voluntrios,

    competncia, segurana, corpo de bombeiros, formao, cultura de segurana, proteco civil.

  • 8

  • 9

    ABSTRACT

    CIVIL PROTECTION AND FIRE-FIGHTERS

    Organization, training and safety

    In Portugal, the structure of the rescue service is still seating on Fire Brigades composed

    mostly of volunteer fire-fighters.

    This volunteering model denotes enormous fragilities, both in the associative component

    particularly in the areas of management, as well as in the operational component, with

    increased flaws, not only, at the level of the initial and on going training, but also in the

    context of the culture of the individual and collective safety.

    Not being in question the irreplaceable value of volunteering, the affection and

    consideration of the community for their firemen an organizational change must be

    implemented in the dynamics of rescue operations, based on an unequivocal assertion of the

    combination of Municipalities and Fire Departments, under the responsibility of Civil

    Protection that the Law gives to Local Authorities.

    Following this logic, the implementation of the Municipal Rescue Operations Centre

    would be a giant step forward in the rational framework, not only in the existing Fire

    Departments in the municipalities, but also of the figure of the Municipal Operational

    Commander.

    Obviously, in all this process of change and transformation, in which learning and training

    are crucial for an efficient and first-rate aid, the response of the Firemens National School,

    teaching authority of firemen training has been manifestly insufficient, given the felt needs

    in the Fire Departments, not only on specialized and specific training, especially trainers, but

    also in the definition of a pedagogical model for the standardization of basic training.

    At the level of analysis of the safety culture in firemen, which was based on nine major

    issues concerning the "management policy of the SHHW (Safety, Hygiene and Health in the

    Workplace), "risk assessment", "Facilities Safety", "training", occupational health", "records",

    "vehicle safety", "physical training" and "protective equipment, were confirmed deficits in the

    safety culture in all types of Fire Departments, with prominence for the volunteers,, clearly

    indicating the low priority that has been given to these matters, despite the remarkable amount

    of injured and deaths in recent years.

    On the other hand, considering that the mission and the risks are identical it has been

    proven the need for equal training and standardization of the careers of all fire-fighters,

    professional as well as volunteers.

    In short, in todays framework, only the overcoming of the deficit of the current

    combination between training and safety culture, can create conditions for structural change in

    Fire Departments and create the firemen of the XXI century, based on the convergence

    between volunteer performances with real professional competence and professional

    performances with a volunteers sensitivity.

    Key Words: Hazards, Rescue, Professional Fire-fighter, Volunteer Fire-fighter,

    Competence, Security, Training, Safety Culture, Civil Protection.

  • 10

  • 11

    Sumrio

    Introduo

    Captulo I Organizao do Socorro em Portugal: Incongruncias do Sistema

    1. Evoluo Histrica

    2. Novo Ordenamento Jurdico, Funcional e Operacional

    3. Atribuies, Competncias e Responsabilidades dos Agentes de Proteco Civil no

    Socorro

    Captulo II Formao nos Bombeiros Portugueses

    1. Organizao de Formao

    2. O Papel da Escola Nacional de Bombeiros na Certificao e na Formao

    Contnua dos Bombeiros

    Captulo III Cultura de Segurana nos Bombeiros Portugueses

    1. Enquadramento

    2. Perfil de Risco dos Bombeiros Portugueses

    3. Poltica de Preveno e Gesto de Segurana e Sade no Trabalho, nos Corpos de

    Bombeiros

    Captulo IV Perspectivas de Mudana na Organizao do Socorro

    1. Anlise do Dfice de Instruo/Formao nos Corpos de Bombeiros

    2. Anlise do Dfice de Cultura de Segurana nos Corpos de Bombeiros

    3. Mudana de Paradigma na Organizao do Socorro

    Concluso

  • 12

  • 13

    ndice de Abreviaturas

    ACT Autoridade para as Condies do Trabalho

    AETL Aerotanques Ligeiros

    AFN Autoridade Florestal Nacional

    AETM Aerotanques Mdios

    AETP Aerotanques Pesados

    AHBV Associaes Humanitrias de Bombeiros Voluntrios

    AFOCELCA Agrupamento complementar de empresas, constitudo pelo

    Grupo Portocel, Soporcel, Celbi e Celulose do Caima para a Preveno e

    Combate dos Incndios Florestais.

    AGRIS Programa de apoio ao desenvolvimento agrcola e florestal

    ANMP Associao Nacional dos Municpios Portugueses

    ANPC Autoridade Nacional de Proteco Civil

    ANTEPH Associao Nacional de Tcnicos de Emergncia Mdica Pr-Hospitalar

    APC Agentes de Proteco Civil

    APIF Agncia para a Preveno de Incndios Florestais

    BBSF Brigadas de Bombeiros Sapadores Florestais

    BCIN Brigadas de Combate a Incndios

    BHATI Brigada Helitransportada de Ataque Inicial

    BHV Brigada Helitransportada de Voluntrios

    BI Brigada de Incndio

    BM Bombeiro Mergulhador

    BPH Bases Permanentes de Helicpteros

    CAP Certificado de Aptido Profissional

    CB Corpo de Bombeiros

    CBM- Curso de Bombeiro Mergulhador

    CBs Corpos de Bombeiros

    CCO Centro de Coordenao Operacional

    CCOD - Centro de Coordenao Operacional Distrital

    CCOM Centro de Coordenao Operacional Municipal

    CCON - Centro de Coordenao Operacional Nacional

    CDOS Comando Distrital de Operaes de Socorro

    CFGR Centro de Formao Geral Regional

    CI Combate a Incndios

    CIF Coordenador de Incndios Florestais

  • 14

    CIUI Combate a Incndios Urbanos e Industriais

    CNEC Centro Nacional Especializado Coordenador

    CNPC Comisso Nacional de Proteco Civil

    CDPC Comisso Distrital de Proteco Civil

    CEB Companhia Especial de Bombeiros

    CES Conduo de Embarcao de Socorro

    CMPC Comisso Municipal de Proteco Civil

    CM Cmara Municipal

    CMA Centro de Meios Areos

    CMOS Centro Municipal de Operaes de Socorro

    CMDFCI Comisso Municipal de Defesa da Floresta Contra Incndios

    CNIF Coluna Nacional de Interveno Florestal

    CNOS Comando Nacional de Operaes de Socorro

    CNPV- Comisso Nacional para a Promoo do Voluntariado

    CODIS Comandante Operacional Distrital

    CODU Centro de Orientao de Doentes Urgentes

    COFA Comando Operacional da Fora Area

    COM Comandante Operacional Municipal

    COMTE - Comandante

    COS Comandante de Operaes de Socorro

    CPE Comunicao Pessoal Escrita

    CTT Conduo Todo Terreno

    CVP Cruz Vermelha Portuguesa

    DAE Desfibrilhao Automtica Externa

    DECIF Dispositivo Especial de Combate a Incndios

    DFCI Defesa da Floresta contra Incndios

    DGAM Direco-Geral de Autoridade Martima

    DGRF Direco Geral de Recursos Florestais

    DISP. - Disponibilidade

    DON Directiva Operacional Nacional

    ECIN Equipa de Combate a Incndios

    ECF Equipas de Contra-Fogo

    EF Educao Fsica

    EFTS - Equipas de Fogos Tcticos de Supresso

    EHATI Equipa Helitransportada de Ataque Inicial

    EHV Equipa Helitransportada de Voluntrios

    EI Equipas de Interveno

  • 15

    EIP Equipa de Interveno Permanente

    ELAC Equipas Logsticas de Apoio ao Combate

    EMAC Equipas Mveis de Apoio ao Combate

    EMGFA Estado-Maior General das Foras Armadas

    ENB Escola Nacional de Bombeiros

    EPI Equipamento de Proteco Individual

    EPIs Equipamentos de Proteco Individual

    ERAS Equipas de Reconhecimento e Avaliao de Situao

    ESF Equipas de Sapadores Florestais

    FA Foras Armadas

    FAP Fora Area Portuguesa

    FEB Fora Especial de Bombeiros

    FOCON Fora Operacional Conjunta

    FP Formao Pedaggica

    GIPS / GNR Grupo de Interveno de Proteco e Socorro/GNR

    GCIF Grupo Combate Incndios Florestais

    GLOR Grupo Logstico de Reforo

    GNR Guarda Nacional Republicana

    GRIF Grupo de Reforo Incndios Florestais

    GTF Gabinete Tcnico Florestal

    HEBL Helicpteros Bombardeiros Ligeiros

    HEBM Helicpteros Bombardeiros Mdios

    HEBP Helicpteros Bombardeiros Pesados

    HEATI - Helicpteros de Ataque Inicial

    HEATA - Helicpteros de Ataque Ampliado

    ICNB Instituto da Conservao da Natureza e Biodiversidade

    IDICT Instituto de Desenvolvimento e Inspeco das Condies do Trabalho

    IF Incndios Florestais

    IM Instituto de Meteorologia

    INAG Instituto Nacional da gua

    INEM Instituto Nacional de Emergncia Mdica

    IU Incndios Urbanos

    IUI Incndios Urbanos e Industriais

    ISHST Instituto para a Segurana, Higiene e Sade no Trabalho

    LBP Liga dos Bombeiros Portugueses

    LBPC Lei de Bases de Proteco Civil

    LMF Laboratrio Mvel de Fogo

  • 16

    MAI Ministrio da Administrao Interna

    MD Ministrio da Defesa

    MER - Mergulhador

    MJ Ministrio da Justia

    MNE Ministrio dos Negcios Estrangeiros

    MP Matrias Perigosas

    MRCC Centro Coordenador de Busca e Salvamento Maritimo

    NP Norma Portuguesa

    NRBQ (Nucleares, Radiolgicos, Biolgicos e Qumicos)

    NS Nadador Salvador

    OHSAS Occupational Health and Safety Management Systems

    PAI Programa de Apoio s Infra-estruturas.

    PAL Pessoal Apoio Logstico

    PEM Posto de Emergncia Mdica

    PCO Posto de Comando Operacional

    PCOC Posto de Comando Operacional Conjunto

    PJ Polcia Judiciria

    PM Primeiro-Ministro

    PMDFCI Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incndios

    PNDFCI Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incndios

    PEM Posto de Emergncia (Posto INEM, sedeado nos Corpos de Bombeiros)

    POM Plano Operacional Municipal

    PSP Polcia de Segurana Pblica

    PV Posto de Vigia

    RCC Rescue Coordination Center da Fora Area Portuguesa

    REN Rede Elctrica Nacional

    RES Reserva INEM

    RNPV Rede Nacional de Postos de Vigia

    SAP Servio de Atendimento Permanente

    SAV Suporte Avanado de Vida (ambulncia SAV)

    SBV Suporte Bsico de Vida (ambulncia SVB)

    SD Salvamento e desencarceramento

    SE Segurana Externa

    SEPNA / GNR Servio da Proteco da Natureza e do Ambiente da GNR

    SF Sapadores Florestais

    SGA Salvamento em Grande ngulo

    SGO Sistema de Gesto de Operaes

  • 17

    SHST Segurana, Higiene e Sade no Trabalho

    SHT Segurana e Higiene no Trabalho

    SI Segurana Interna

    SIEM Sistema Integrado de Emergncia Mdica

    SIG Sistema de Informao Geogrfica

    SIOPS Sistema Integrado de Operaes de Proteco e Socorro

    SISI - Sistema Integrado de Segurana Interna

    SITREP Situation Report

    SIV Suporte Imediato de Vida (ambulncia SIV)

    SMPC Servio Municipal de Proteco Civil

    SNA Servio Nacional de Ambulncias

    SNB Servio Nacional de Bombeiros

    SNBPC Servio Nacional de Bombeiros e Proteco Civil

    SOE Sector Operacional Especial

    SST Segurana e Sade no Trabalho

    SSLI Sistema de Socorro e Luta contra Incndios

    SWOT Anlise dos pontos Fortes (Strenghs) e Fracos (Weaknesses) de uma organizao

    com as Oportunidades (Opportunities) e Ameaas (Threats) do meio envolvente.

    TAE Tcnico de Ambulncia de Emergncia (pertencente ao INEM)

    TAS Tripulante de Ambulncia de Socorro (pertencente aos CBs)

    TAT Tripulante de Ambulncia de Transporte (pertencente aos CBs)

    TO Teatro de Operaes

    UI Urbanos e Industriais

    VMER Viatura Mdica de Emergncia e Reanimao

    ZA Zona Apoio

    ZCR Zona Concentrao e Reserva

    ZS Zona de Sinistro

  • 18

  • 19

    Introduo

    1.

  • 20

  • 21

    1. Segurana e Socorro: Novo Paradigma

    No mbito da segurana e proteco civil, a anlise de riscos, o socorro e a gesto das

    crises tm assumido importncia crescente, sobretudo a partir do final do ltimo quartel do

    sculo passado, com o objectivo de dar uma resposta imediata e eficaz aos desastres sejam

    acidentes graves ou catstrofes, que, entretanto, passaram a ocorrer com maior frequncia, ou

    talvez melhor, passaram a ser objecto de muito maior divulgao meditica.

    De facto, as sociedades modernas, nomeadamente as mais desenvolvidas, debatem-se

    hoje com problemas que, no sendo novos, assumem, por vezes, uma dimenso redobrada,

    porque os riscos cresceram com o acelerado desenvolvimento tecnolgico e com a expanso

    dum urbanismo desenfreado. Paralelamente os cidados, mais evoludos, mais informados e

    da naturalmente mais sensveis, esto tambm psicologicamente menos preparados para os

    aceitar.

    O Tsunami de Dezembro de 2004 que vitimou mais de 250 mil pessoas, o furaco

    Katrina que arrasou a cidade de Nova Orlees e matou perto de 2000 pessoas, o sismo do

    Paquisto no qual faleceram perto de 60 mil pessoas, ou o tufo de Myanmar (s para citar

    alguns dos mais recentes e devastadores) alertaram-nos para uma nova realidade a que os

    Estados modernos no podem fechar os olhos. As grandes variaes demogrficas e as

    mudanas climticas criaram muitas e novas preocupaes que remetem para atitudes de

    contnua preveno, anlise e gesto de risco.

    Os atentados de Nova Iorque de Setembro de 2001, de Madrid em 2004 ou de Londres

    em 2005, confrontam os Estados com a necessidade de rapidamente agirem concretizando

    respostas integradas e profissionais.

    Em Portugal, a gravidade e dimenso dos incndios florestais, em especial os de 2003 e

    2005 contriburam para uma sbita tomada de conscincia, quer pela populao, quer pelo

    poder poltico, de uma nova realidade que ps a nu as deficincias do sistema de preveno e

    socorro.

    Foram ento suscitadas srias interrogaes ao nvel poltico e social quanto

    adequao da Organizao de Proteco Civil e, sobretudo, do principal agente, corpos de

    bombeiros, de matriz predominantemente voluntria, para assegurar, em tempo til e em

    situao de emergncia, uma resposta de socorro bem articulada, por um lado, e, por outro, a

    necessria proteco de pessoas e bens.

    Neste quadro de ameaas segurana humana em sociedades com um elevado grau de

    complexidade e risco, como a nossa, os Corpos de Bombeiros profissionais, mistos, ou

  • 22

    voluntrios constituem, entre ns, a base da resposta para o socorro das populaes e

    salvaguarda do patrimnio, ao nvel local, distrital ou nacional. No prembulo do Decreto-Lei

    n. 247/2007 de 27 de Junho, tambm designado Regime Jurdico dos Corpos de Bombeiros (CBs)

    claramente referido que em Portugal, o socorro s populaes assenta nos corpos de bombeiros e assim

    continuar a ser mesmo que, entretanto, se tenham criado brigadas de sapadores ou o grupo de interveno de

    proteco e socorro (GIPS da Guarda Nacional Republicana - GNR) que colaboram no mbito da primeira

    interveno em incndios florestais, ou se venham a formar mais agentes e constituam outras foras.

    Porm, a componente operacional do sistema so os bombeiros voluntrios, so a espinha dorsal.

    Eles cumprem mais de 90% das misses de proteco civil e tendem a ser profissionais na sua aco. So

    voluntrios, mas tm de tender a estar disponveis para receber uma formao cada vez mais abrangente e

    qualificada. No me parece que exista o risco de o sistema soobrar por estar assente em voluntrios. Eles

    dependem de ns sobre o ponto de vista operacional e isso decorre de uma situao em que, at hoje, no tem

    havido quebras de solidariedade. (Arnaldo Cruz, 2007: 34).

    Considerando o volume, diversidade e complexidade dos servios prestados, (Quadro I),

    interrogamo-nos se os mesmos poderiam ser desempenhados, em larga medida, por

    bombeiros verdadeiramente voluntrios, mormente ao nvel do socorro pr-hospitalar,

    conhecidas que so as faltas de disponibilidade de pessoal voluntrio, sobretudo ao nvel da

    primeira interveno.

    Quadro I: Bombeiros em Misso de Proteco Civil.

    Fonte: ANPC/2007.

    a) Inclui incndios rurais, urbanos e industriais.

    b) Mais de 84% dos acidentes envolvem viaturas;

    c) No est includo o transporte de doentes, mas 43154 so transportes Inter-Hospital.

    d) Inclui maioritariamente conflitos legais (agresso/violao), danos vrios em infra-estruturas e vias de comunicao

    (inundaes/infiltraes).

    a) Incndios 47 502

    b) Acidentes 40 510

    c) Pr-Hospitalar 772 237

    d) Ocorrncias Diversas 32 810

    e) Servios de Apoio 112 372

    f) Actividades de Formao 11 724

    g) Falsos Alertas (Alarmes) 11 511

    h) Transporte de Doentes 7 956

    Total 1 059 015

    SERVIOS PRESTADOS - 2007

  • 23

    e) Inclui limpeza de via, patrulhamento, participao em actividades desportivas, espectculos, servios variados a empresas, e

    outros.

    f) Inclui 1685 exerccios/simulacros.

    g) Inclui servios gerais de apoio populao, actividades de evacuao terrestre, entre outros.

    h) No SITREP (Situation Report) nacional para 2007 apenas esto registados estes nmeros.

    A falta de meios e os atrasos no socorro, prendem-se com o facto de nem todas as

    associaes de voluntrios tm condies financeiras e humanas para prestar um bom servio de socorro, como

    alis ficou visvel em Alij, onde no havia tripulao para levar a ambulncia at vtima de acidente que

    veio a morrer. (Caldeira, 2008:11).

    Por outro lado, a circunstncia da maioria dos Corpos de Bombeiros Voluntrios possuir pessoal

    profissionalizado para assegurar a prestao de servios ambulatrios de transporte de doentes e de, muitas

    vezes, este pessoal ser utilizado para ocorrer a emergncias com prejuzo dos doentes a transportar para

    consultas ou tratamentos (misso que no exclusiva dos CBs) suficiente para demonstrar a extrema

    dificuldade de mobilizao de recursos humanos voluntrios, em especial nos dias de semana, no perodo das 7

    s 20 horas, para fazer face s solicitaes dos servios. Esta debilidade impede tambm uma maior

    rentabilizao dos investimentos de formao, uma vez que o voluntrio tem cada vez mais dificuldade em

    dispor de tempo para frequentar aces de formao e a sua assiduidade ao Corpo de Bombeiros cada vez

    mais reduzida. A soluo para este grave problema a institucionalizao em todos os corpos de bombeiros

    voluntrios de grupos da interveno permanente para garantir uma primeira e qualificada resposta s

    emergncias que tendero a ser mais frequentes e complexas. (LBP, 2003: 8-9).

    Ora, seguindo de perto Caldeira (CPE, 2008:1), tal estrutura permanente j existe

    ainda que mitigada, na medida que os funcionrios bombeiros e no bombeiros que tm uma relao

    contratual com as Associaes ascendem a 5200 no Pas, segundo dados de 2003. Desagregando os

    dados, tais funcionrios dividem-se em:

    - Administrativos (no bombeiros): 15%;

    - Outras funes (no bombeiros): 10%;

    - Bombeiros com vrias funes (nos CBs): 75%.

    Estes nmeros permitem-nos inferir que a maioria dos servios assinalados no quadro I

    foi executado por 75% dos 5200 elementos contratados nas respectivas Associaes, ou seja,

    por 3900 bombeiros permanentes ligados sobretudo urgncia pr-hospitalar.

    Obviamente o voluntariado em si mesmo, enquanto doao solidria e esprito altrusta,

    no est em causa, bem pelo contrrio. Todavia, a segurana e o socorro enquanto direitos de

    cidadania constitucionalmente consagrados, exigem nveis de prontido, qualidade e eficcia

    na aco que o modelo vigente j no pode satisfazer, no quotidiano da sociedade de risco em

    que vivemos.

  • 24

    Hoje em dia, s dedicao e boa vontade j no so suficientes para se ser um bom bombeiro, embora

    continuem a ser atributos essenciais para um voluntariado consciente. Nos dias de hoje so necessrias, no

    mnimo trs condies para se ser um bom bombeiro voluntrio. So elas: querer, poder e saber. A primeira o

    querer porque, sendo o bombeiro um ente solidrio e altrusta, gosta de ajudar aqueles que, por qualquer razo

    momentnea, carecem de auxlio. O segundo pressuposto poder, o que significa ter disponibilidade, no s

    para colaborar regularmente nas misses de socorro, mas tambm para receber a formao adequada para o

    desempenho da sua nobre misso de bombeiro. O terceiro predicado, e no menos importante, saber, o que

    implica no s ter a formao adequada, mas tambm possuir formao actualizada. Nos dias de hoje, a

    formao adequada comprova-se atravs da certificao, a qual garante a aquisio de competncias para o

    desempenho de determinadas funes, ao passo que a formao actualizada se obtm atravs de recertificaes

    regulares, cada uma das quais comprova a manuteno de determinada competncia antes adquirida.

    (Loureno, 2006:65).

    Neste quadro, podemos interrogar-nos, como alis fez Loureno (2006: 65) ser que

    todos os bombeiros, voluntrios ou no, que participam no socorro em geral e no combate a

    incndios em particular, cumprem as trs condies atrs referenciadas?

    E ser que, nos dias de hoje, continua o mesmo autor, face s situaes de manifestao

    de riscos a que qualquer bombeiro possa ser chamado a dar resposta, o conceito de bombeiro

    voluntrio mantm o mesmo significado de h mais de cinquenta anos, quando foi publicado

    o paradigmtico Regulamento dos Corpos de Bombeiros pelo Decreto-Lei n. 38439/51, de

    17 de Setembro?

    Ser bombeiro voluntrio ou profissional uma actividade ocupacional de elevado risco.

    Para se ser bombeiro necessrio passar por um conjunto de patamares e adquirir um

    conjunto de saberes: de saber conhecimento, de saber fazer e de saber ser. Esses saberes esto

    relacionados, no s com conhecimentos gerais sobre os riscos e perigos com que tm de lidar no

    quotidiano das aces de socorro e salvamento, mas tambm saberes fazer/executar e saberes

    ser/estar fundamentais para uma actuao tecnicamente eficiente e eficaz.

    Por outro lado, tratando-se de uma actividade de alto risco, para alm da formao e

    medidas de proteco e segurana, exigida ao bombeiro robustez fsica adequada para

    transportar equipamentos e percorrer distncias at locais de difcil acessibilidade e ainda para

    resistir a prolongados perodos de esforo, seja para transportar sinistrados, seja para demolir,

    cortar, escalar ou escavar.

    Necessita de boa capacidade visual e auditiva e capacidade de resistncia a odores fortes

    e poeiras.

  • 25

    Exige-se ainda ao bombeiro desembarao e rapidez de movimentos, agilidade fsica

    elevada e rapidez de reaco face ao perigo.

    A gesto dos riscos em presena exige tambm resistncia psquica, equilbrio emocional

    e mesmo ateno dispersa para apreciar e equacionar os factores presentes nos sinistros e agir

    em conformidade.

    A qualidade das relaes interpessoais a estabelecer, seja com colegas de servio seja

    com o pblico, mormente com pessoas em estado de choque, exige do bombeiro flexibilidade

    e abertura na relao.

    ainda confrontado com marcadas exigncias a nvel de controlo e estabilidade

    emocionais para exercer as suas actividades, em situaes em que tanto a prpria vida como a

    de outrem podem correr perigo. Alm disso, pode ser sujeito a intenso e prolongado esforo

    susceptvel de provocar stress e desconforto emocional.

    Saliente-se, ainda, o esprito de iniciativa, coragem e arrojo que lhe so pedidos em

    situaes limite que se lhes so deparadas.

    Muito embora o risco esteja presente em qualquer profisso, a pluralidade de actividades

    de socorro que os bombeiros desempenham em condies e ambientes hostis sujeita-os, de

    forma muito singular, a riscos biolgicos, fsicos, qumicos, ergonmicos e psicolgicos que

    lesam a sua sade e podem causar a morte.

    Na sociedade de risco em que vivemos, o novo quadro de ameaas segurana dos

    cidados, configura-se com a rapidez e a sofisticao das comunicaes na sociedade

    globalizada, com indstrias agressivas para o ambiente, inovaes tecnolgicas geradoras de

    perigos acrescidos, possibilidades de acesso a armas letais e, em especial, a armas de destruio

    massiva (nucleares, radiolgicas, biolgicas e qumicas), fazendo sobressair associaes

    criminosas e o terrorismo internacional, em parte pelo recrudescimento de antagonismos

    nacionalistas e religiosos, em que a concepo tradicional da segurana do Estado, associada

    manuteno da ordem pblica e ao controlo da criminalidade, tende a estar ultrapassada.

    A sociedade parece revelar, inclusivamente, uma hipersensibilidade ao risco, tomando

    conscincia de que os recursos que constituem a base da riqueza das sociedades esto cada vez

    mais poludos e de que crescem as foras destrutivas. Deixa, assim, de se preocupar, cada vez

    mais, com as consequncias gravosas do prprio desenvolvimento urbano-industrial, e do

    sistema produtivo que o suporta, ou seja, alm de socialmente reflexivos, os riscos e as suas

    consequncias tornam-se tambm politicamente reflexivos, obrigando os Estados a novas

    formas de regulao pblica (Gonalves, 2002:94).

  • 26

    Neste quadro de instabilidade e certezas, a segurana assume um novo conceito,

    abrangendo no s a segurana individual ou nacional: o risco social tornou-se numa inevitabilidade

    suportada quotidianamente pelas massas (Sennett, 2001:125), mas tambm a segurana global,

    motivando a redefinio dos sistemas de informao e o papel das foras de segurana e das

    foras de socorro e assistncia s populaes.

    Estaro os estados impotentes perante as vulnerabilidades globais? Podero super-las

    ou preveni-las, sem uma efectiva cooperao transnacional?

    Como bem assinala Pereira (2006:44), os fundamentos estruturais e reguladores da

    ordem mundial, parecem cada vez mais incapazes de oferecer um mnimo de segurana a

    muitos povos do planeta.

    Em resumo, el Estado est siendo sutilmente deformado, en cuanto a instrumento de bienestar

    humano, por la dinmica de la globalizacin que lo impulsa, en diferentes grados, hacia una relacin de

    subordinacin respecto a las fuerzas globales del mercado. En parte como repuesta a esto y en parte como

    resultado de las deficiencias del secularismo como fuente de realizacin humana, en muchos terrenos el Estado

    est perdiendo tambin su capacidad para procurar los componentes sociales, econmicos y materiales de la

    seguridad dentro de sus proprias fronteras.(Falk, 2002:72).

    Estas transformaes que afectam toda a conceptualizao sobre os entendimentos

    anteriores sobre a segurana esto a deixar sem significado o que tradicionalmente se vinha

    entendendo por segurana interna e segurana externa (Pereira, 2006:147).

    No quadro do conceito de segurana humana, as pessoas, os cidados exprimem e

    experimentam hoje outras preocupaes e sentimentos de insegurana e incerteza da sua vida

    quotidiana, seja a nvel do trabalho, da sade ou do meio ambiente. Estamos perante

    demandas da mais variada ordem no quadro dos direitos da cidadania.

    Nalguns casos, estamos a falar de segurana poltica frente a abusos e violaes de

    direitos humanos; de segurana pessoal e individual face criminalidade, violncia contra as

    mulheres, ou ao terrorismo; noutros trata-se de segurana ambiental face degradao do ar,

    gua, solo e florestas; ou ainda segurana alimentar frente escassez de alimentos ou aos

    riscos derivados de produtos perigosos para a sade humana; tambm a segurana frente a

    doenas e enfermidades novas, transmissveis por contgio, inalao e secrees; segurana

    econmica frente ao trabalho precrio e desigualdade de rendimentos e, finalmente, a

    segurana financeira com as crises bolsistas, como por exemplo o subprime.

    Em suma, estamos perante um conceito integrador da segurana humana,

    humanocntrico que tem a sua gnese na luta pelos direitos humanos, e por uma vida digna e

    plena para todos, ao nvel ambiental, industrial, alimentar, sanitrio, segurana ante novos

  • 27

    riscos sociais, tecnolgicos, novas formas de trabalho, e no unicamente o fundamento da ordem,

    ou seja a perspectiva estatocntrica, a qual deve ceder passo perspectiva humanocntrica,

    introduzindo a segurana humana como eixo integrador das polticas pblicas de proteco e

    socorro perante as inmeras vulnerabilidades sociais. (Pereira, 2006: 143-176).

    Fundamentalmente, a segurana humana implica proteger as liberdades vitais, socorrer

    as pessoas expostas a ameaas e a situaes difceis, de tal modo que possam criar-se sistemas

    com dispositivos operacionais de sobrevivncia, dignidade e meios de vida, apelando no s

    proteco, mas tambm preveno e habilitao das pessoas para valer-se a si mesmas em

    situao de vulnerabilidade.

    Os novos riscos so qualitativamente diferentes dos riscos da sociedade industrial.

    Embora reconhecendo que os pases pobres so naturalmente mais vulnerveis aos riscos do

    que os pases ricos, Beck considera que os riscos tendem a ser globais no sentido de que

    transcendem as fronteiras nacionais, afectando potencialmente toda a humanidade e todas as

    formas de vida animal e vegetal (Beck, 1992:21,22). Este entendimento no indiferente ao

    facto de os riscos serem indissociveis dos processos de globalizao econmica e social,

    escapando, do mesmo passo, s instituies de controlo e proteco da sociedade industrial e

    dos Estados.

    Efectivamente, os novos riscos so, em grande parte, riscos globais, por exemplo, os riscos

    ambientais e de sade pblica mais em foco nos ltimos tempos transcendem as fronteiras

    nacionais. A propagao de doenas emergentes como a Sida, a pneumonia atpica ou a

    disseminao de produtos alimentares contaminados acompanham o comrcio de

    mercadorias, a mobilidade de pessoas e a circulao das tecnologias. A omnipresena do risco

    na sociedade contempornea encontra-se, assim, estreitamente associada sua globalizao

    (Gonalves, 2003:6).

    Uma outra ideia central a de que os cidados se tornam cada vez mais socialmente

    reflexivos, deixando de aceitar sem discusso novas tecnologias ou novos modelos produtivos.

    Os riscos tendem a dominar o debate pblico, dando origem a novos tipos de conflitos e

    controvrsias, numa sociedade cada vez mais mediatizada. As imagens que nos entram em

    casa todos os dias, tal como as leituras da imprensa e os discursos mediticos, tendem a gerar

    um estranho sentido de risco permanente, como se a vida estivesse continuamente no arame

    (Silveirinha, 2007:11).

    No tendo o nosso Pas sido atingido, at agora, pelos graves atentados que tm

    assolado a humanidade, Leandro (2007: 16) interroga-se se estaramos preparados para

    responder bem, como aconteceu em Nova Iorque e Madrid. A resposta s pode ser um rotundo

  • 28

    No. E com vergonha que o reconheo, bastando recordar o que se passou em 2002 com o desastre da Ponte

    de Entre-os-Rios em Castelo de Paiva, quer o modo amador, assustado e improvisado como essa crise foi

    gerida. No mundo actual no se pode funcionar naqueles moldes (Leandro, 2007: 16).

    Mais recentemente ocorreu um desastre com a embarcao Luz do Sameiro na Nazar,

    vitimando seis vidas humanas, tragdia perante a qual o Chefe do Estado Maior das Foras

    Armadas assumiu com enorme dignidade toda a responsabilidade (), constatando-se que a origem

    das falhas deve encontrar a sua explicao no sistema em vigor que histrico e tradicional, burocratizado,

    estando desfasado das ameaas actualmente existentes e do armamento, da sua frequncia e ritmo (Leandro,

    2007: 16).

    Por outro lado, todos os anos somos vtimas das consequncias de graves situaes

    meteorolgicas traduzidas em incndios florestais durante o tempo quente, como durante o

    perodo frio atravs de grandes chuvadas e consequentes inundaes ou da aco erosiva do

    mar, no estando s em causa o nosso interior e as florestas, mas tambm a nossa costa que,

    se bem tratada, uma das reas que mais receitas pode proporcionar e que tem vindo a ser

    progressivamente destruda. E tudo se repete anualmente sem grandes melhorias significativas, indiciando

    que parte dos desastres que tm afectado os nossos ecossistemas consequncia da falta de um correcto,

    devidamente cumprido e acompanhado ordenamento territorial (Leandro, 2007:16).

    Hoje a questo relativa s ameaas provenientes das rpidas mudanas climticas deve

    ser encarada do mesmo modo que uma verdadeira guerra, que no podemos perder, em

    termos de planeamento, coordenao e execuo (Leandro, 2007: 16).

    No fundo, a segurana s uma, devendo ser concebida no topo do Estado e sendo

    responsvel pela sua concepo o chefe do Governo, a fim de que haja um Planeamento Integrado

    que procure ultrapassar nas questes de Segurana, as histricas barreiras entre Ministrios, percebendo que

    cada vez mais h zonas de sobreposio que devem ser trabalhadas em conjunto, coordenadas e ganhando

    sinergias, o que vir a beneficiar toda a Comunidade Nacional (Leandro, 2007: 28).

    Os Ministrios da Soberania (Negcios Estrangeiros, Defesa, Administrao Interna e

    Justia) tm reas de sobreposio e da que no se possa continuar a trabalhar no modelo de

    cilindros estanques e numa relao apenas verticalizada (Leandro, 2007: 30). Por outro lado,

    para que possa haver segurana deve existir coordenao entre os sistemas e necessrio dar

    queles que se encontram no terreno todas as informaes necessrias, de um modo

    transversal. O mesmo deve ocorrer na rea operacional executiva, ou seja, em matrias como a

    proteco e o socorro, temos de responder de um modo coordenado, integrado em rede, sem

    preocupao de protagonismos desnecessrios da parte de quem quer que seja, dos cilindros

    estanques, sejam ministrios ou corporaes (fig. 1).

  • 29

    Fonte: Adaptado de Leandro, 2007.

    Fig. 1 - Paradigma Tradicional das Responsabilidades de Segurana e Defesa.

    Parece claro que em questes de Segurana Humana ou Grande Segurana, a de que

    ningum suficiente e, muito menos auto-suficiente, ningum pode ficar de fora, nem ningum

    deve actuar de modo isolado, porque, no demais diz-lo, o objectivo final da segurana o

    cidado (modelo humanocntrico) e no apenas o Estado (modelo estatocntrico), cabendo a este

    organizar, com a sociedade civil, a segurana colectiva, onde todos e cada um dos sistemas e

    subsistemas de defesa, proteco e socorro devero ter o seu quinho de responsabilidade na

    execuo, coordenada, de planos de segurana e socorro das populaes em risco.

    E se as Autarquias tm sido responsveis por grande parte do desenvolvimento do Pas, reconhecimento

    que deve ser feito so, em muitos casos, as grandes responsveis, no s pelos gravssimos atentados ambientais

    que tm ocorrido e que esto vista de todos, como tambm pela falta de prontido da Proteco Civil nas suas

    reas de responsabilidade. Estamos, como sociedade nacional, j a pagar o preo de omisses e de decises

    desastradas, o que se pode agravar no futuro (Leandro, 2007:16).

    Quanto a propostas para obviar situao actual, Garcia Leandro, aponta a juno da

    Segurana e da Defesa, asseverando que para efeitos de segurana, as Autarquias e a Proteco Civil

    (incluindo os bombeiros) deviam depender deste Ministrio (diga-se Ministrio da Segurana e Defesa) que teria

    um Secretrio de Estado para a Segurana do Territrio Nacional; os Bombeiros, tendencialmente, tero que

    ser profissionalizados e sujeitos a uma estrutura hierarquizada (Leandro, 2007:18).

    Parece-nos hoje claro que se no passado e em termos histricos, se poderia separar a segurana

    militar (ameaas externas) da segurana interna e da segurana (proteco) civil, hoje a situao

    completamente diferente, as reas sobrepem-se e tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo

    integrado ao nvel da Estratgia Total (topo do Estado) at chegar, para o planeamento e execuo,

    autarquia, empresa, aos servios, escola, ao hospital, s estradas, portos e aeroportos, aos complexos

    desportivos, etc., at ao cidado, de modo a que ningum fique de fora. o nico modo de conseguirmos os

    resultados de que precisamos, dando segurana e tranquilidade nossa populao e investimentos. (Leandro,

    2007: 16-17).

    Neg

    ci

    os

    Est

    ran

    geir

    os

    MNE

    Def

    esa

    MD

    Seg

    ura

    na

    In

    tern

    a

    MAI

    Pro

    tec

    o C

    ivil

    MAI

    Just

    ia

    MJ

    Ord

    enam

    ento

    MOPT

    Sa

    de

    MS

  • 30

    , no fundo, o novo conceito que a realidade e a dinmica social da sociedade

    globalizada nos impe no s transformando o cidado e os povos no ponto fulcral de toda a

    segurana e da chamada democratizao dos riscos, mas tambm como participantes activos e

    responsveis pela prpria segurana, pois ningum pode ser dispensado do seu contributo

    comunitrio. A Segurana Humana no algo que as pessoas possam esperar e receber passivamente das

    instituies sociais. parte substancial delas a sua participao activa e a sua capacidade para assumir riscos

    (Pereira, 2006: 183).

    Em sntese, seja nos grandes desastres naturais, que se tm verificado um pouco por

    todo o mundo, seja em grandes acidentes provocados pelo terrorismo internacional e ou

    outras situaes de catstrofe humanitria, resultante da actividade e dos movimentos

    populacionais, uma das constataes mais relevantes e tambm mais preocupantes a

    deficiente articulao entre foras ou servios de segurana e estruturas ou servios de

    proteco e socorro e das foras armadas, bem patente, entre ns, nos incndios de 2003

    (Livro Branco, 2003: 75-89).

    Os novos conceitos de segurana interna (pelo menos ao nvel legislativo) vo, pois, no

    sentido de promover a articulao permanente entre todas estas foras e servios na

    planificao, organizao operacional e execuo, no obstante, na Constituio Portuguesa,

    os conceitos de Segurana Interna e Defesa ainda surgirem diferenciados.

    Em sntese, na figura seguinte (fig. 2), tenta mostrar-se uma compreenso integrada e

    indivisvel da Segurana englobando trs linhas fundamentais: Segurana Externa, Segurana

    Interna e Proteco Civil.

    Fig. 2 Novo Paradigma de Segurana (adaptado de Leandro, 2007).

    PM

    SIS

    Proteco Civil

    MNE MD MAI MJ

    SE SI

  • 31

    Todo o processo legislativo nesta matria , ainda, muito recente. O problema est na

    aceitao pelos diferentes sistemas (foras, servios de segurana, de interveno e socorro),

    com culturas muito prprias, do processo de coordenao, direco, controlo e comando

    operacional, por parte da figura do Secretrio-Geral do Sistema de Segurana Interna, nos

    termos previstos nos artigos 16 ao 19 da Lei de Segurana Interna, Lei n 53/2008, de 29 de

    Agosto.

    Resumindo, com a globalizao do risco, os conceitos e paradigmas da segurana que

    perduraram desde a Segunda Guerra Mundial entraram em crise, conduzindo s situaes

    seguintes:

    Fim da segurana garantida;

    Diluio dos conceitos de segurana interna/segurana externa, dando assim

    origem ao conceito alargado de segurana, ou grande segurana como diria

    Garcia Leandro (2007:24-30);

    Estados a no garantirem, por si ss, a segurana, a proteco e o socorro,

    constatando-se, no s a necessidade da forte interdependncia no seu

    funcionamento, mas tambm numa forte dependncia da participao social e

    privada e da dinmica da cooperao internacional (fig. 3).

    Fig. 3 - Os Pilares da Segurana Humana na Sociedade da

    Globalizao do Risco (Adaptado de Isabel Pais, 2008).

    ES

    TA

    DO

    SE

    CT

    OR

    PR

    IVA

    DO

    CO

    OP

    .

    INT

    ER

    NA

    C.

    SE

    CT

    OR

    SO

    CIA

    L

    Optimizao

    da Segurana

    SEGURANA

    Encontrar motivaes em conjunto

    Compatibilizar valores e intenes

    Sectores:

    Estado

    Privado

    Social/Cooperativo

  • 32

    Por outro lado, cada vez mais o aumento do nvel de proteco e segurana das

    populaes vai depender da promoo e fomento de campanhas de sensibilizao e de

    comunicao de uma cultura de segurana, explicitamente orientadas para as comunidades e

    grupos mais vulnerveis, sendo crucial potenciar a participao desses cidados e das suas

    estruturas associativas de mbito local em tarefas ligadas preveno, socorro e reabilitao.

    Considerando a distribuio geogrfica de proximidade (fig. 4), os CBs ditos

    voluntrios (pese embora as dificuldades de prontido para a primeira interveno) so

    indiscutivelmente os primeiros guardies das comunidades, a quem os cidados recorrem

    quando sujeitos aos mais variados e diferentes tipos de riscos, cumprindo, como atrs referido, mais

    de 90% das misses de proteco civil (Cruz, 2007:34).

    Fig. 4 - Distribuio geogrfica dos corpos de bombeiros portugueses.

    De facto, no quadro dos modelos de organizao do socorro, Portugal o caso nico na

    Europa, e provavelmente no mundo, em que o mbito de interveno dos bombeiros est dependente, na sua

    esmagadora maioria, da mobilizao da sociedade civil em torno das associaes. Em todos os pases, a

    estrutura profissional o principal pilar e que no final de contas orienta e enquadra toda a estrutura voluntria

    que tem um nobre papel, mas que no pode de forma alguma subverter o sistema, at pelos nveis de

    responsabilizao que a cada um cabe (Curto, CPE, 2007:2).

  • 33

    A questo central que est colocada ao actual modelo de socorro baseado nos CBs

    voluntrios que, mesmo havendo voluntrios, h uma crescente crise de disponibilidade dos

    voluntrios, pelo que o modelo de voluntariado existente enquanto alicerce da resposta dos Corpos de Bombeiros

    s exigncias do socorro quotidiano, regista grandes fragilidades em quase todo o territrio nacional. (LBP,

    2003:9).

    Por outro lado, h dfices de preparao fsica, profissional e de cultura de segurana

    que colocam em risco a integridade dos bombeiros em geral e dos ditos voluntrios em

    particular.

    No Portugal de hoje, as pessoas querem uma resposta rpida e eficaz, que resolva o

    problema no mais curto espao de tempo possvel e com o mnimo de consequncias. Ora,

    esta resposta no se compadece com tempos de espera e de disponibilidade dos bombeiros.

    A primeira interveno do socorro uma questo de tempo e deve ser profissionalizada. (Costa,

    2008:39). Ou seja, a vertente da eficcia que a aco da primeira interveno tem que ter, deve

    estar sustentada por bombeiros que possam treinar-se todos os dias e com formao contnua

    permanente. esta a perspectiva da profissionalizao da primeira interveno, sem prejuzo

    da prestimosa e insubstituvel contribuio complementar do voluntariado. Nesta linha, a

    questo central da tese saber at que ponto vivel continuar a manter um sistema de

    socorro baseado em CBs voluntrios, com falta de disponibilidade, formao e segurana.

    2. Objectivos e estrutura do trabalho

    Discutida a problemtica, este trabalho procurar responder, seguinte

    hiptese/interrogao principal:

    No quadro da proteco civil, o modelo de voluntariado existente, enquanto

    alicerce de resposta dos corpos de bombeiros, s exigncias do socorro quotidiano,

    registar dfices quanto disponibilidade, formao e segurana dos agentes?

    E s seguintes sub-hipteses/interrogaes:

    A. Nos corpos de bombeiros, os resultados em sade ocupacional e segurana

    estaro associados cultura organizacional e de segurana neles existente?

    B. As melhores performances ao nvel da formao e segurana dos bombeiros

    estaro associadas ao respectivo estatuto profissional?

    Subsequentemente, dar-se- resposta a outras interrogaes complementares e

    confinantes com a hiptese principal, como sejam:

  • 34

    Quanto formao ministrada nos CBs

    1. Os corpos de bombeiros garantem aos recrutas/aspirantes (ora chamados

    estagirios) instruo/formao mnima de 280h, aprovada pelo SNB em 1 de

    Agosto de 2001, conforme consta do Manual de Formao Inicial de Bombeiros?

    2. Que diferenas existem e como se explicam as disparidades, ao nvel da formao

    entre profissionais e voluntrios?

    Quanto formao ministrada na Escola Nacional de Bombeiros (ENB)

    3. Qual a responsabilidade da ENB no panorama geral e actual da formao dos

    bombeiros?

    4. A ENB garante a formao especializada e especfica e a formao de

    formadores necessrios aos 413 CBs de Portugal Continental?

    5. A ENB descentralizada seria uma boa soluo para aumentar a formao dos

    bombeiros?

    Quanto existncia de uma carreira nica para todos os bombeiros

    6. Sendo idnticas as funes e os riscos, porque no existe uma carreira nica para

    Bombeiros voluntrios e profissionais baseadas em competncias bsicas

    comuns?

    Quanto cultura de segurana existente nos CBs

    7. ministrada formao no domnio da Segurana e Preveno de riscos

    profissionais nos CBs?

    8. Qual a periodicidade dos exames mdicos nos CBs?

    9. Considerando o grau de exigncia da funo do bombeiro qual a periodicidade

    do treino e recuperao fsica nos CBs voluntrios e profissionais?

    10. Quem fiscaliza a aptido fsica, tcnica e psicolgica dos bombeiros para o

    desempenho da sua misso?

    Quanto organizao interna dos CBs

    11. Considerando a centralidade da figura do comandante na dinmica dos Corpos

    de Bombeiros, qual o perfil dominante nos CBs voluntrios e profissionais?

    12. Quais as razes da falta de homogeneidade na distribuio dos meios de socorro

    bsico e nos equipamentos de proteco individual, em CBs da mesma espcie?

    13. Como se justifica, a nvel operacional, a reduzida utilizao de ferramentas de

    sapador nas aces de combate a incndios florestais?

    Quanto organizao do socorro

    14. Qual a lgica de distribuio geogrfica dos CBs?

  • 35

    15. Quais as vantagens e inconvenientes da nomeao dos comandos dos CBs ditos

    voluntrios pelas direces das respectivas associaes?

    16. Quais as vantagens e inconvenientes da criao da figura de Comandante

    Operacional Municipal?

    17. Quem manda nas Associaes Humanitrias de Bombeiros e a quem prestam

    contas?

    18. Haver Corpos de Bombeiros a mais em alguns Distritos ou Concelhos?

    A resposta a estas interrogaes que constituem o cerne dos objectivos deste estudo,

    visa permitir uma anlise das principais fragilidades e dfices do actual sistema organizacional

    de socorro, estribado nos CBs ditos voluntrios, sobretudo ao nvel da primeira interveno,

    comparando-a com a realidade dos CBs profissionais, de molde apresentao de propostas

    concretas para ultrapassagem das actuais vulnerabilidades e estrangulamentos organizacionais

    de uns e de outros.

    Quanto estrutura do trabalho propriamente dita, no primeiro captulo, comeamos

    por analisar a evoluo histrica da organizao do socorro em Portugal at aos nossos dias,

    com especial enfoque na nova legislao decorrente da Lei de Bases da Proteco Civil,

    enunciando as incongruncias do sistema.

    No segundo captulo, aborda-se a problemtica das competncias e da formao dos

    bombeiros, no s quanto formao inicial, mas tambm quanto formao especializada e

    especfica e as disparidades existentes nos diferentes tipos de CBs (voluntrios e profissionais).

    Analisa-se o papel da Escola Nacional de Bombeiros enquanto autoridade pedaggica de

    formao dos Bombeiros Portugueses, aludindo-se sua oferta e eficcia formativa,

    problemtica da Carreira nica e ao Ensino Superior em Bombeiros e Proteco Civil.

    No terceiro captulo, define-se o perfil de riscos profissionais dos bombeiros

    portugueses e espelha-se a crua realidade da cultura de Segurana e Sade Ocupacional nos

    CBs. Por outro lado, traduzem-se as diferenas entre bombeiros profissionais e voluntrios,

    no s quanto a equipamentos de proteco individual, mas tambm quanto ao controlo de

    riscos profissionais.

    No quarto captulo, so analisadas as vulnerabilidades, dfices e fragilidades dos CBs e

    do sistema de socorro nas vertentes associativa e operacional. Espelha-se o dfice de

    qualificao dos recursos humanos, as disparidades formativas e as debilidades dos meios de

    preveno dos riscos profissionais, apontando-se caminhos, modelos e perspectivas de

    superao dos problemas, de organizao do socorro, formao e cultura de segurana dos

    CBs, no quadro da proteco civil.

  • 36

    Por fim, retomam-se, sinteticamente, numa perspectiva de conjunto, as principais

    concluses relativas problemtica em estudo, centrada nas insuficincias do sistema de

    socorro, assente no modelo de voluntariado existente em Portugal.

    3. Metodologia

    O processo de investigao desenvolveu-se em funo das questes levantadas em

    torno da problemtica atrs exposta (que assumem, naturalmente, um papel orientador) e

    operacionaliza-se numa estratgia de pesquisa integrada, a qual privilegia uma combinao

    entre uma abordagem qualitativa e uma abordagem quantitativa. Existe, alis, uma

    efectiva distino entre estes dois tipos de abordagem metodolgica na pesquisa social

    (Tavares, 2007:65). Contudo, tambm existe a conscincia de que a fronteira que as separa

    nem sempre rigorosamente delimitvel e, por vezes, artificial. Basta referir o facto das

    chamadas tcnicas quantitativas incorporarem elementos qualitativos e ser cada vez mais

    comum as chamadas tcnicas qualitativas terem elementos quantitativos, sobretudo quando

    se procede anlise de contedo da informao (Tavares, 2007:65).

    Tais abordagens metodolgicas assentam na utilizao de um conjunto diversificado de

    tcnicas de investigao, chegar realidade por partes (Machado Pais, 2002:72), cuja articulao

    permite obter resultados complementares entre si e sucessivamente inter-relacionados, numa

    perspectiva global.

    Desde logo, foi essencial o recurso no s s tcnicas no documentais do processo de

    pesquisa (entrevistas, observao directa e inquritos), mas tambm s tcnicas documentais

    (recolha e anlise bibliogrfica, recolha e anlise documental), com vista a produzir um

    conjunto amplo e variado de informao subjacente ao aprofundamento dos temas.

    A hierarquizao interna e a definio do posicionamento relativo das tcnicas de

    investigao aplicadas, quanto ao grau de importncia que desempenham no processo de

    pesquisa, parece um exerccio desnecessrio, pois a funo de cada uma delas especfica e

    complementar face aos objectivos globais. Alis, como bem assinala Tavares (2007:67), a

    investigao e as diferentes formas de produo do conhecimento nas vrias reas cientficas

    tm um carcter cumulativo.

    Este trabalho no podia, pois, deixar de ser, como j foi assinalado, no s o produto

    acumulado da reflexo acerca da minha participao activa, ao longo de mais de dezasseis

    anos, de bombeiro sem farda, mas tambm, da investigao emprica sobre o objecto em estudo.

  • 37

    Considerando, apesar de tudo, a escassa produo cientfica sobre a problemtica da

    proteco civil e dos bombeiros portugueses, a primeira etapa de desenvolvimento do projecto de

    investigao, iniciado em finais de 2005, cingiu-se muito recolha, anlise bibliogrfica e

    documental tcnicas, alis, aplicadas ao longo de todo o processo de pesquisa com vista a

    dissecar intensivamente a informao disponvel relativa ao quadro terico e ao objecto emprico1.

    A natureza dos documentos recolhidos e analisados muito distinta e varivel. Nela se

    incluem documentos utilitrios, de carcter meramente informativo (jornais e revistas dos

    bombeiros), textos escritos de diferentes tipos, desde os que revelam preocupaes cientficas e

    tcnicas (manuais), at aos que so redigidos com objectivos instrumentais, normalmente

    caracterizados por terem uma carga ideolgica e por serem pouco rigorosos. Sobretudo, nestes

    casos, a anlise dos documentos submete-se a um estado de contnua tenso entre texto e

    contexto, cada um definindo e redefinindo o outro (Tavares, 2007:79), ou seja, os documentos

    contribuem para contextualizar a realidade em estudo e, por outro lado, toda a sua anlise

    determinada pela necessidade de identificar e interpretar o contexto que lhe est subjacente, e

    simultaneamente, a necessidade de considerar o contexto dos discursos a produzidos, para

    avaliar os significados presentes no seu contedo e, eventualmente, a sua credibilidade.

    Ainda, nesta fase, comeou a pr-se em prtica a tcnica da entrevista presencial (com

    recurso a gravador) e ao envio de questionrios com questes abertas via correio electrnico, a

    informantes privilegiados face ao tema em estudo, prtica essa que foi utilizada ao longo de

    todo o trabalho de campo, para preciso de afirmaes, textos e contextos.

    A opo metodolgica pela entrevista, desde o incio do trabalho, revelou-se essencial

    para o desenvolvimento da pesquisa, posto que, atravs da recolha, anlise, sistematizao e

    interpretao das concepes explcitas e implcitas, nos discursos produzidos por

    protagonistas no activo e, mais posteriormente, por personalidades que j desempenharam

    funes centrais na vida das organizaes de Proteco Civil e Bombeiros potencializaram o

    aprofundamento nas vrias vertentes da problemtica em estudo.

    De todo este trabalho de campo, obtiveram-se um total de 30 entrevistas aprofundadas,

    das quais, 24, recepcionadas, por via postal e por e-mail (a larga maioria) constituindo

    verdadeiras comunicaes pessoais escritas com o mnimo de trs e o mximo de vinte pginas e

    as restantes seis, obtidas atravs de entrevista presencial e registadas em suporte gravado.

    1 Quer a pesquisa documental, quer a pesquisa bibliogrfica so fundamentais em qualquer trabalho de

    investigao. No entanto, a nosso ver, a primeira mais vasta do que a segunda, que se cinge, em regra, a

    publicaes na forma de livro e revistas, enquanto a pesquisa documental, alm destes, inclui sries estatsticas,

    cartografia, suportes audiovisuais e informticos.

  • 38

    As entrevistas, subordinaram-se a um questionrio previamente testado (ANEXO I),

    com perguntas abertas e de grande amplitude, divididas em seis blocos, que enquadravam as

    seguintes temticas:

    - lgica de organizao e distribuio geogrfica dos corpos de bombeiros;

    - voluntariado versus profissionalizao dos bombeiros enquanto agentes de Proteco

    Civil;

    - carreira nica;

    - disparidades de instruo/formao nos corpos de bombeiros;

    - competncias estratgicas dos bombeiros;

    - cultura de segurana e sade ocupacional nos corpos de bombeiros.

    A escolha dos entrevistados tomou como ponto de partida a convico de que se trata

    efectivamente de actores que esto, ou j estiveram, envolvidos em funo de destaque e

    poder de deciso no mbito do sistema de proteco e socorro e, portanto, excepcionalmente

    posicionados para oferecer uma informao privilegiada sobre a problemtica em anlise.

    Obedeceu, ainda, a critrios de seleco centrados na tentativa de garantir a diversidade dos

    mesmos, no sentido de assegurar a constituio de um conjunto heterogneo e plural, que

    abarque as vrias vertentes/sensibilidades da problemtica da Proteco Civil e dos Bombeiros.

    Por outro lado, o facto do investigador conhecer, previamente, a maioria dos

    entrevistados, e algumas das suas caractersticas, constituiu uma vantagem importante, no s

    no sentido da segurana e proficuidade dos depoimentos recolhidos, mas tambm porque

    permitiu ao investigador suscitar interrogaes e receber, nalguns casos, novas comunicaes

    pessoais, complementares, de reforo ou esclarecimento de posies. Estas novas comunicaes

    pessoais, complementares, encontram-se devidamente agrupadas, por data e autor, nas

    referncias bibliogrficas.

    Um dos aspectos mais importantes, por motivos tcnicos e por motivos ticos, prendia-

    se, desde o incio, com a necessidade de garantir aos entrevistados o anonimato e,

    consequentemente, a confidencialidade, muito embora a maioria deles, sobretudo os 24 que

    enviaram comunicaes pessoais escritas via e-mail e que, em regra, j no se encontram no

    activo, no tenham levantado qualquer bice identificao e publicao das suas opinies

    escritas. Trata-se de um factor tcnico, pois a garantia de anonimato confere potencialmente

    maior fiabilidade e qualidade s entrevistas, ao contribuir para aumentar a relao de confiana

    estabelecida entre o entrevistador e os entrevistados, aspecto que assume um carcter decisivo

    na aplicao desta tcnica.

  • 39

    A anlise das comunicaes pessoais escritas recepcionadas via e-mail, ou por correio, foi

    efectuada por anlise de contedo simples e categorizao muito aberta. Assim, utilizando os

    procedimentos de estruturao do significado das representaes presentes nos discursos dos

    entrevistados, ou seja, durante a dissertao da problemtica em estudo, construda com base

    na discusso dos resultados da pesquisa emprica realizada, so utilizados excertos de discursos

    escritos emitidos nas entrevistas. Este constitui um dos procedimentos mais abertos da

    anlise de dados provenientes da aplicao desta tcnica, o que potencializa ainda mais a sua

    funo tpica de explorao, aprofundamento, complementaridade e reforo da informao. O

    investigador tem uma margem de liberdade muito maior, na medida em que escolhe os seus

    dados para fins ilustrativos mais do que para fins demonstrativos (Dubet, 1994:255).

    Por outro lado, o facto desta forma de anlise das entrevistas reduzir a funo de verificao,

    sobretudo quando se procede a formas de categorizao mais fechadas da anlise de contedo, no significa,

    naturalmente, que a categorizao esteja ausente, visto que todas as formas de observao sociolgica, em sentido

    lato, supem necessariamente a categorizao do que observado a orientao do racional para o real.2

    (Almeida e Pinto, 1986:62).

    Na segunda etapa do desenvolvimento do processo de investigao, ultrapassada a fase

    mais exploratria, foram aplicadas a observao directa e o inqurito, com objectivos e

    funes diferentes: se a primeira dessas tcnicas visa a explorao qualitativa de informao

    (a exemplo da entrevista) e, simultaneamente, a verificao de hipteses ao assentar num guio

    orientador no totalmente aberto, o inqurito, por sua vez, uma tcnica quantitativa por

    definio e, sobretudo quando a sua estrutura se configura a partir de um formulrio

    composto basicamente por questes fechadas, potencializa essencialmente a verificao de

    hipteses.3

    Em suma, a observao directa e continuada foi aplicada no contexto de uma estratgia

    de pesquisa integrada, em complementaridade com um conjunto diversificado de outras

    tcnicas, de natureza documental (pesquisa e anlise bibliogrfica, pesquisa e anlise documental) e no

    2 Na tcnica de entrevista, e muito particularmente quando se utilizam os seus procedimentos mais abertos, a

    exemplo da observao directa, os resultados so potencialmente mais subjectivos. Tal no constitui

    propriamente uma preocupao, porque a existncia de algum grau de subjectividade inerente a todas as formas

    de conhecimento cientfico, mas obriga o investigador a tentar diminuir ao mnimo as margens de erro, ou seja,

    tentar, dentro do possvel, objectivar a subjectividade (Tavares, 2007: 74).

    3 De forma rigorosa, a observao directa existiu, com maior ou menor intensidade, ao longo de todo o trabalho,

    dado que o investigador est dentro do sistema, na qualidade de membro do Conselho Cientifico - Pedaggico

    da Escola Nacional de Bombeiros, mas que, nesta fase, se focalizou de forma particularmente relevante e

    intensiva na internalidade funcional dos corpos de Bombeiros enquanto agentes da proteco civil e na ligao

    s estruturas de proteco civil recm criadas.

  • 40

    documental (entrevista e inqurito). Deste modo, consubstancia-se como uma tcnica e no como

    um mtodo de investigao, pois um dos instrumentos de recolha de informao em

    paridade com outros de natureza qualitativa e quantitativa e no o mtodo em que assenta

    todo o processo de pesquisa.4

    Para alm disso, uma especificidade assinalvel reside no facto do principal instrumento

    de investigao ser o prprio investigador, ele uma fonte de dados (atravs da observao

    participante, da interaco), instrumento da sua recolha (atravs da escuta, da interrogao, dos registos) e do

    seu tratamento (Fernandes, 2002: 27). Nesta perspectiva, observa os locais, os objectos e os smbolos,

    observa as pessoas, as actividades, os comportamentos, as interaces verbais, as maneiras de fazer, de estar e de

    dizer, observa as situaes, os ritmos e os acontecimentos. Participa duma maneira ou doutra no quotidiano

    desses contextos e dessas pessoas (Tavares, 2007: 76).

    Por outro lado, circulando com relativo vontade nos contextos de investigao (corpos

    de bombeiros, alguns CODIS e ENB principalmente), bastante frequente encontrar

    informantes privilegiados, interlocutores preferenciais com quem contacta mais intensamente ou de

    quem obtm informaes sobre aspectos a que no pode ter acesso directo (Costa, 1986: 132), podendo

    envolv-los, caso se justifique, com cunho mais formalista. De qualquer modo, a observao

    directa permite desvendar outras dimenses da realidade que no se atinge ao nvel da reflexo

    de gabinete, da documentao disponvel ou at das simples respostas a perguntas. No

    havendo necessidade de um guio estruturado, a observao directa permite

    fundamentalmente esclarecimentos pontuais e alguns realinhamentos das dimenses e das

    categorias em estudo, no que concerne sobretudo a pormenores no previstos inicialmente.

    Se o processo de pesquisa documental e o trabalho de campo visaram a explorao e o

    aprofundamento da informao terica, de carcter mais qualitativo, o inqurito visou, atravs

    da obteno de dados de natureza quantitativa, a procura de generalizaes, singularidades e

    de regularidades que permitem verificar as tendncias predominantes e a sua comparabilidade.

    Considerando a intercomplementaridade entre as diferentes tcnicas de investigao

    emprica aplicadas, com o inqurito pretende-se saber essencialmente quais so as opinies

    dos comandantes (ou outros elementos do comando) dos Corpos de Bombeiros, voluntrios

    (associativos) e profissionais (sapadores) e municipais (puros e mistos) representativos do

    4 No se trata, portanto, de um estudo etnogrfico, embora a observao directa realizada, de natureza mais

    aberta e qualitativa, no deixe de constituir, de certa forma, uma aproximao aos estudos etnogrficos,

    tendo como denominador comum os procedimentos subjacentes sua aplicao.

  • 41

    universo em estudo, relativamente s variveis utilizadas que se reportam a factores cujo

    conhecimento, j obtido atravs de outras tcnicas, era, nesta fase, ainda insuficiente5.

    Assim, para alm das questes enunciadas na folha de rosto do inqurito, relativas

    tipologia do Corpo de Bombeiros e ao perfil do comando, as questes que compem o

    formulrio do inqurito (ANEXO II) reportam-se, em larga medida, cultura de segurana e

    sade ocupacional dos bombeiros voluntrios e profissionais, s competncias estratgicas

    detidas pelos bombeiros, conforme definidas pelo Instituto do Emprego e Formao

    Profissional (IEFP-2004), formao inicial ministrada nos CBs e oferta formativa da ENB

    ao nvel da formao especializada, especifica e de formao de formadores. Fazem ainda

    parte do inqurito questes ligadas criao de uma carreira nica nos bombeiros portugueses

    e s vantagens e inconvenientes da criao da figura do Comandante Operacional Municipal e

    s funes e competncias da Escola Nacional de Bombeiros.

    A estruturao do questionrio, construdo naturalmente em funo dos objectivos

    inerentes ao contedo, forma e tipo de perguntas, favorece as questes fechadas, visando

    fins essenciais da aplicao desta tcnica relacionados com a verificao (quantitativa) de

    tendncias predominantes. Deste modo, a maioria das questes que o compem so

    fechadas ou semi-fechadas, sob a forma dicotmica, de escala ou de escolha exclusiva

    entre hipteses mltiplas de resposta e apenas uma questo aberta, relativa questo da

    carreira nica.

    Importa salientar que a elaborao das questes constitui sempre um exerccio intensivo

    de aperfeioamento metodolgico na procura da maior reduo possvel da margem de erro

    do instrumento utilizado e, consequentemente, dos resultados obtidos. Seria, porventura,

    suprflua a explicitao total dos pormenores relativos aos mltiplos procedimentos,

    mobilizados na construo definitiva do formulrio de inqurito, no obstante o carcter

    decisivo para a maior ou menor fiabilidade dos resultados da provenientes.

    No obstante, alguns dos cuidados necessrios para a elaborao do formulrio do

    inqurito prendem-se, em grande parte, com o suporte lingustico, ou seja, foi fundamental

    cuidar da linguagem utilizada, ou, mais precisamente, do sentido, evitando questes de

    semntica, de modo a obviar as ratoeiras provenientes das possibilidades de leitura mltipla de

    uma mensagem (Tavares, 2007: 84).

    5 A informao produzida por qualquer inqurito visa conhecer essencialmente as opinies dos inquiridos.

    Mesmo quando as questes a colocadas se relacionam com prticas, profissionais ou de outro tipo, as respostas

    no traduzem directamente essas prticas mas apenas aquilo que os inquiridos afirmam serem as suas prticas

    (Tavares, 2007: 82).

  • 42

    Efectivamente, de entre os erros mais usuais da formulao de inquritos, procurou-se evitar:

    Existncia de determinados termos (particularmente os qualificativos e/ou os de

    cariz afirmativo), que influenciam e induzem de diversas maneiras (consciente ou

    sobretudo inconscientemente) as respostas;

    O uso de termos ambguos, cujo significado no percepcionado da mesma forma

    por todos os inquiridos;

    As questes duplas, que pretensamente mediriam duas variveis em simultneo,

    mas, na prtica, no medem uma nem a outra, e tambm as perguntas de linguagem

    tcnica dificilmente descodificveis (ou, pior ainda, descodificadas de maneira

    diferente por quem concebeu o inqurito e pelos inquiridos) (Carmo e Ferreira,

    1998:138).

    Nesta linha, exige-se ao investigador um cuidado meticuloso na formulao das

    questes, de molde a que as mesmas signifiquem o mesmo para todos os inquiridos. (Judith

    Bell, 1997: 27).

    Por outro lado, a ordenao das questes constitui tambm um procedimento essencial na

    construo do formulrio de inqurito, na medida em que a incluso de cada pergunta e a

    posterior interpretao do resultado de cada resposta no , de forma alguma, independente

    da sua posio no (conjunto do) formulrio, podendo a mesma questo assumir resultados

    bem distintos consoante o local em que est colocada. A ordenao das questes obedeceu

    essencialmente a critrios assentes em procedimentos tcnicos conhecidos, colocando no fim

    as mais polmicas e/ou de natureza pessoal e procurando evitar-se o chamado efeito de halo, ou

    seja, garantindo uma determinada sequncia, de modo a no permitir que determinadas

    questes influenciem as respostas das seguintes (Tavares, 2007: 84).

    Foi tambm considerado como factor relevante a dimenso dos formulrios de

    inqurito, ou seja, o nmero de questes a introduzir, posto que, se fossem em nmero

    excessivamente reduzido, no abrangeriam toda a problemtica que se pretendia inquirir; se,

    pelo contrrio, fossem demasiado numerosas, no s se arriscaria a ser de anlise impraticvel,

    no tempo disponvel para investigao, mas tambm teria um efeito dissuasor sobre os

    inquiridos, aumentando a probabilidade de no resposta. O nmero de perguntas do

    questionrio foi, por isso, o adequado pesquisa em presena e no mais do que esse quanto

    baste (Carmo e Ferreira, 1998:141).

    As desvantagens tpicas dos inquritos por questionrio de auto-preenchimento (a nossa

    opo) relacionadas com o menor controlo global do seu processo, podem ser mais facilmente

    ultrapassadas quando o formulrio se estrutura em torno de questes de (relativamente) fcil

  • 43

    resposta, entendidas uniformemente e sem equvocos pelos inquiridos. Tal aspecto, alis, foi

    previamente aferido em virtude da realizao do pr-teste, cujo objectivo geral, em termos

    procedimentais, foi o de obter indicaes acerca da forma como as perguntas eram

    compreendidas, ainda numa fase reversvel anterior ao lanamento do inqurito. Por outro

    lado, compreendeu tambm a aferio de factores relativos, por exemplo, ordem sequencial

    das perguntas, ao facto das questes fechadas cobrirem todo o leque de possibilidades de

    resposta, s recusas ou hesitaes nas respostas a determinadas perguntas, ou reaco geral

    ao questionrio.

    Com efeito, para que a eficcia terica do inqurito seja potenciada, haver que diminuir a

    delegao de funes [] de modo a diminuir a cadeia de filtragem entre a resposta e o dado e o

    aprofundamento da uniformizao controlada das decises que dirigem o processo de produo de dados

    (Virgnia Ferreira, 1986: 193).

    O universo de estudo a que se reporta o inqurito constitudo por todos os Corpos de

    Bombeiros de Portugal Continental, num total de 437, divididos por, 413 Corpos de

    Bombeiros Voluntrios/Associativos, 18 Corpos de Bombeiros Municipais Mistos e 6 Corpos

    de Bombeiros Municipais Sapadores.

    A estratgia de lanamento do inqurito visou a cobertura mxima possvel do universo

    de estudo, tendo sido enviados inquritos, repetidas vezes, com envelopes pr-comprados e pr-

    endereados a todos os 437 corpos de bombeiros de Portugal Continental, acompanhados,

    simultaneamente, por largas centenas de telefonemas de recomendao.

    Ainda assim, no foi possvel vencer a resistncia de alguns elementos de comando que,

    por receios infundados, criaram a convico de que o preenchimento do inqurito se poderia

    inserir numa estratgia para descobrir fragilidades de funcionamento do respectivo corpo de

    bombeiros ou pr em causa o comando e o sistema de voluntariado.

    Aps a recepo dos questionrios, foram validadas 332 respostas, correspondentes a

    74,6% do total do universo em estudo (437 CBs a nvel de Portugal Continental), amostra

    indubitavelmente representativa do universo em estudo.

    Independentemente da tipologia dos CBs, do total dos 278 concelhos existentes em

    Portugal continental, apenas 10 no se encontram representados (fig. 5), um deles, no distrito

    de Faro, Castro Marim, por ser o nico concelho do continente que no possui Corpo de

    Bombeiros. Os restantes nove correspondem aos distritos de Bragana (3), Carrazeda de

    Ansies, Alfndega da F, Freixo de Espada Cinta, distrito de Viseu (2), Moimenta da Beira

    e Mortgua, distrito de Setbal (2), Montijo e Sines, no distrito de Aveiro (1), Murtosa e no

    distrito de Lisboa (1), Odivelas.

  • 44

    Fig. 5 - Incidncia geogrfica do inqurito, por municpio.

    Ainda no domnio da elevada representatividade da amostra, face ao universo das

    hipteses, de salientar a incidncia, ao nvel distrital, onde foram obtidas respostas de 100%,

    respectivamente nos distritos de Beja, Castelo Branco, vora, Faro e Portalegre (fig. 6).

    Por outro lado, no cmputo geral, apenas o distrito do Porto fica abaixo dos 50% de

    respostas (fig. 6). Todavia, nos 46,7% de respostas, esto representados CBs de todos os

    concelhos deste distrito (fig. 5).

  • 45

    Fig. 6 - Amostragem do Inqurito dos Corpos de B.V., por distrito.

    Como nota final, importa salientar que a obteno deste enorme volume de respostas,

    nesta rea difcil e problemtica, fica a dever-se no s, insistncia sistemtica do envio do

    inqurito (quer pelo correio, quer por e-mail), mas tambm ao esforo suplementar do

    investigador, traduzido em muitas dezenas de deslocaes e contactos pessoais, utilizando

    toda a margem de manobra decorrente do conhecimento de muitos dos interlocutores do

    sistema de socorro, em especial, dos elementos de comando dos Centros Distritais de

    Operaes de Socorro (CDOS).

    4. Definies e Conceitos

    A definio de conceitos essencial numa rea de estudo ainda recente, como a

    problemtica da proteco civil e socorro, de modo a tornar o texto mais conciso, explicativo

    e consistente. Alguns conceitos bsicos, desta rea, como por exemplo, o conceito de risco,

    tm sido utilizados, ao longo do tempo, com diversos significados, quer em sentido lato, quer

    em sentido restrito, no s devido sua interdisciplinaridade, mas tambm consoante a sua

    utilizao em linguagem de uso comum ou tcnico-cientfica.

    Para efeitos deste trabalho, interessa-nos no s a utilizao tcnico-cientfica, mas

    tambm a legislao oficial pertinente, sobre os conceitos mais utilizados e de maior

    significncia no quadro referencial do sistema de proteco e socorro.

  • 46

    Vulnerabilidade

    Em primeiro lugar, uma aluso ao termo vulnerabilidade que, no mbito da proteco

    civil, pode definir-se como a condio resultante de factores fsicos, sociais, ambientais e econmicos que

    aumentam a susceptibilidade de uma comunidade ao impacto de um perigo (ANPC/Glossrio, 2007:46)

    ou seja, a vulnerabilidade, ao nvel da proteco civil resulta de falhas em preveno como o ordenamento do

    territrio, a falta de aplicao de normas de conteno e a falta de fiscalizao, podendo, tambm, aludir-se

    vulnerabilidade urbana, em que, a aco do homem altera permanentemente a vulnerabilidade de um local que

    assim vai variando no espao e no tempo. (ANPC/Glossrio, 2007:46).

    Por outro lado, a heterogeneidade e a interactividade da vulnerabilidade social, as

    polticas pblicas, no caso da proteco civil, devem assumir uma dimenso multiescalar e

    atender aos factores de diferenciao espacial mesmo em territrios contguos. Isto implica

    uma reviso dos paradigmas dominantes de preparao, de mitigao e de anlise dos

    acidentes, enfatizando o planeamento pr-evento e a cartografia das populaes vulnerveis, procedendo-se

    tambm a um rigoroso inventrio das redes sociais e do potencial de resistncia e de resilincia dos indivduos e

    dos grupos mais vulnerveis (Mendes, 2007:41).

    Sabemos que, quanto maior for a vulnerabilidade de uma comunidade/lugar, mais

    exposta estar a sofrer perdas e danos em caso de acidente grave ou catstrofe. Nesta linha, o

    Estado no pode dispensar a proteco civil de proximidade que as Associaes Humanitrias de

    Bombeiros, de emanao popular local representam, mesmo com dificuldades.

    Risco

    Na obra The Risk Society (A Sociedade do Risco) 1992, Ulrick Beck, autor a quem

    atribuda a paternidade do conceito, os riscos so uma entidade omnipresente em qualquer

    actividade humana, embora apenas possam ser imaginados parcialmente, visto que ningum

    consegue identificar todas as situaes de risco possveis (Areosa, 2007:1234)

    Contudo, o tipo de riscos que temos nas sociedades de hoje difere dos do passado, na medida em que

    hoje eles so potencialmente ilimitados, seja geograficamente (na medida em que os perigos so globalizados, no

    se limitando ao seu espao de origem a sociedade de risco mundial), seja em termos de tempo, seja ainda no

    alcance dos seus danos que se podem perpetuar para as prximas geraes. O risco atinge todos, sem distino

    de classe, democrtico, invisvel, imprevisvel, incalculvel (as consequncias desconhecidas indesejadas

    tornam-se uma fora dominante na historia e na sociedade). (Silveirinha, 2007:13).

    Os perigos so reais mas os riscos so construes sociais. Por outro lado, as incertezas

    que so o que constitui um risco, podem tornar-se visveis quando so socialmente definidas

    pelo conhecimento ou por formas de processamento de conhecimento como a cincia, o

  • 47

    sistema legal e os media. O que escapa percepo sensria s se torna socialmente disponvel

    experincia nas imagens e relatos dos media. As imagens de esqueletos de rvores, de peixes infestados de

    vermes, de focas mortas (cujas imagens vivas ficaram gravadas nos coraes humanos) condensam e concretizam

    o que no se compreende de outra forma na vida quotidiana (Beck, 1995:100).

    Vejamos de seguida algumas definies, em termos de enquadramento legal, do

    conceito de risco:

    a probabilidade de que um efeito especfico ocorra dentro de um perodo, determinado ou em

    circunstncias determinadas. (Decreto-Lei n 164/2001 de 23 de Maio);

    a combinao da probabilidade e da(s) consequncia(s) da ocorrncia de um determinado

    acontecimento perigoso (Norma Portuguesa 4379, 2001:7);

    a probabilidade do potencial danificador ser atingido nas condies de uso e/ou exposio,

    bem como a possvel amplitude do dano (Comisso Europeia; 1996:11);

    sistema complexo de processos cuja modificao de funcionamento susceptvel de acarretar