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O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS Eixo Políticas e Fundamentos aberta.senad.gov.br

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O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A

ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

PARA PESSOAS QUE USAM

DROGAS

Eixo Políticas e Fundamentos

aberta.senad.gov.br

APRESENTAÇÃO

Neste módulo, discutiremos, a partir do sujeito que faz uso de álcool e de outras drogas, os

principais aspectos psicossociais que devemos considerar para melhor compreender a

problemática desse uso e as abordagens possíveis. Para isso, procuramos: (a) caracterizar a noção

de sujeito como um ser social e historicamente constituído; (b) explorar os componentes da

abordagem psicossocial do uso de substâncias psicoativas; (c) enfatizar a importância da família

como protagonista dessa realidade; (d) apresentar alguns meios de como abordar a família como

fator fundamental para essa compreensão; (e) situar, de forma geral, os impactos na família do

uso abusivo dessas substâncias; e (f) caracterizar o que seja rede social significativa e o papel da

comunidade nessa realidade, além de enfatizar a importância da reinserção social dos sujeitos

que fazem uso de álcool e de outras drogas.

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AUTORIA

Ileno Izídio da Costa

http://lattes.cnpq.br/5956172125060001

Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília (UnB).

Professor adjunto do Departamento de Psicologia Clínica da UnB e

coordenador de Projetos Especiais do Instituto de Psicologia, do Grupo

Personna, do Grupo de Intervenção Precoce nas Psicoses e do Curso de

Especialização em Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da mesma

universidade. Presidente da Associação de Saúde Mental do Cerrado.

O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

 

O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS

 

SITUAÇÃO PROBLEMATIZADORA

Conteúdo interativo. Acesse em aberta.senad.gov.br

Figura 1: História em quadrinhos que retrata a história do personagem João e de outros sujeitos que cruzaram sua vida.

Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Após ler a história em quadrinhos até o final, você conheceu a história de João e de outros

sujeitos que formam sua rede familiar (sua mãe e seu irmão) e social (os seus colegas de rua, o

Antônio Carlos, que é redutor de danos, e a Regina, uma profissional da saúde).

Considerando esse contexto, procure refletir sobre os vários aspectos que fizeram parte da

história de João e que influenciaram a sua experiência com o uso de drogas.

O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS

 

O QUE É SUJEITO?

O conceito de sujeito é amplo. Podemos dizer que faz referência à pessoa em relação com o

mundo, ou seja, é um ser que tem consciência e experiências únicas, a partir de seu

relacionamento com outros seres; isto é, somos sujeitos em relação aos outros e às coisas

existentes no mundo, e aí se encontra o sentido de nossa existência.

 

 

 

A noção de sujeito faz referência à pessoa em relação ao mundo, ou seja, ao “ser” que

interage com a realidade (sujeito histórico), que pertence a um determinado espaço

(sujeito social) e que sofre e exerce influências culturais (sujeito cultural).

Figura 2:  Representação das distintas dimensões que fazem parte da constituição do sujeito. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Um aspecto importante do sujeito é a sua relação com o seu próprio corpo, que tem uma

dimensão biológica dada, mas que, ao mesmo tempo, se organiza socialmente sobre a base das

emoções experimentadas em diferentes sistemas de relações – como as relações familiares, de

classe, etnia, gênero, entre outras. Assim, o corpo é, também, um histórico de relações do sujeito,

sendo, portanto, composto por aspectos sociais e culturais. Todo esse conjunto é capaz de

cultivar emoções que contemplam as relações de sua realidade.

Essa visão de sujeito sócio-histórico-cultural remete a diversos momentos da vida do sujeito, pois,

ao pertencer a um determinado espaço social – isto é, um contexto de vida –, ele também está

construindo sua própria condição existencial – ou seja, a maneira pela qual o sujeito se insere no

mundo.

 

Dessa maneira, sabe-se que, à medida que o sujeito se insere na sociedade, ele acrescenta um

pouco mais à sua história pessoal e constitui-se, cada vez mais, sujeito atuante e participante de

sua própria subjetividade.

SUJEITO E SUBJETIVIDADE

 SUJEITO E SUBJETIVIDADE

Sujeito e subjetividade são temas que não se separam. A subjetividade caracteriza-se pela

possibilidade de os sujeitos, por meio das várias formas de expressão, concretizarem sua

condição humana, a partir das experiências vividas, seus significados e sentidos, definidos no

contexto do espaço psicossocial em que se constituem.

O sujeito, então, é um agregado de relações sociais. A conversão das relações sociais em sujeito

social se faz por meio da diferenciação e da apropriação que ele realiza do que foi partilhado com

os outros, tornando-se um ser singular, ao mesmo tempo que troca experiências com os outros.

Assim, também podemos falar em subjetividade social.

 

Momento Cultural

A música Mistério do Planeta foi escrita por Luiz Galvão e Moraes Moreira, ambos

integrantes do grupo Os Novos Baianos, banda de sucesso no Brasil entre as

décadas de 60 e 70. A música foi lançada em 1972, no álbum Acabou Chorare, e

sua letra aborda um tema muito interessante e importante para este módulo: a

questão do sujeito. Já no título da canção podemos perceber que esse não é

assunto fácil – um mistério do planeta. A noção de sujeito nos permite

compreender a complexidade da vida em sociedade, apontando para a

necessidade de percebermos que tanto somos constituídos pela sociedade e

pelas relações sociais e culturais quanto somos protagonistas nesses processos.

 

Mistério do Planeta (http://www.vagalume.com.br/os-novos-baianos/misterio-do-

planeta.html#ixzz44ZxCCpQI) 

Vou mostrando como sou e vou sendo como posso.

Jogando meu corpo no mundo,

andando por todos os cantos

e pela lei natural dos encontros,

eu deixo e recebo um tanto.

E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas.

Jamy Gomes de Melo Novos Baianos ­ Mistério do Planeta Compartilhar

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Passado, presente,

participo sendo o mistério do planeta.

O tríplice mistério do stop,

que eu passo por e sendo ele no que

fica em cada um.

No que sigo o meu caminho

e no ar que fez e assistiu.

Abra um parênteses,

não esqueça que independente disso

eu não passo de um malandro.

De um moleque do Brasil,

que peço e dou esmolas.

Mas ando e penso sempre com mais de um,

por isso ninguém vê minha sacola.

Fonte: Novos Baianos (1972).

A subjetividade, vista dessa forma, é compreendida como um processo de produção no qual

existem múltiplos componentes, resultantes da apreensão que o ser humano realiza,

permanentemente, a partir de diversos elementos do contexto social. Nesse sentido, valores,

ideias e significados ganham um registro singular, tornando-se matéria-prima para a expressão

dos afetos vividos e base para os relacionamentos interpessoais e vínculos de redes psicossociais.

O sujeito, a partir das relações que vivencia no mundo, produz significações que lhe permitem

singularizar os objetos coletivos. Assim, todo processo de construção do sujeito é realizado na

relação com os grupos e redes sociais. Inserido nesse cenário de múltiplas singularidades que se

entrecruzam, o sujeito, ao realizar sua história, também realiza a dos outros, sendo, por isso,

produto e produtor da sociedade e participante ativo de seu tempo.

O ser humano e seu projeto de vida possuem uma origem e uma finalidade, e a sociedade

apresenta os limites e as possibilidades – culturalmente construídos para ordenar a realidade – de

elaboração e de construção desse projeto.

 

O projeto de vida deve considerar as expectativas do sujeito em relação ao seu futuro e às suas

possibilidades reais, enfatizando as escolhas pessoais na definição das estratégias para atingir

esse futuro e assumindo a responsabilidade pelas decisões e comportamentos adotados.

No vídeo a seguir, produzido para a 6ª Edição do Curso Prevenção dos Problemas Relacionados ao

Uso de Drogas – Capacitação para Conselheiros e Lideranças Comunitárias – 2014, o psiquiatra

Jairo Bouer entrevista o Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa. Nele, você perceberá a importância de

compreendermos o sujeito, a fim de podermos propiciar um tratamento adequado aos problemas

relacionados ao uso de drogas.

https://www.youtube.com/watch?v=zHxk5ZF4Dmk

O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS

 

POR UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

 

A abordagem psicossocial compreende que a nossa história de vida é marcada pelas relações em

rede, cujas estruturas social e familiar, bem como as experiências culturais, manifestam-se no dia

a dia, constituindo o sujeito em sua totalidade, que afeta o mundo e por ele é afetado. Essa

abordagem enfatiza a interação e a interdependência dos fenômenos biopsicossociais e busca

pesquisar a natureza dos processos dinâmicos do homem em sua vivência cotidiana. Contempla,

portanto, articulações entre o que está na ordem da sociedade e o que faz parte da subjetividade,

do psíquico, concebendo o sujeito na multidimensionalidade da vida, na qual estão envolvidos

aspectos de interação entre o físico, o psicológico, o ambiente natural e o social.

Nessa perspectiva, as relações do sujeito com suas redes familiar e comunitária passam a ocupar

um lugar privilegiado, convocando os atores sociais envolvidos a participarem da compreensão

dos processos em que estão inscritos e a se responsabilizarem pela transformação do seu

entorno. Assim, uma ação psicossocial tenta compreender a complexidade do ser humano em

seus processos de troca e no desenvolvimento de ligações baseadas nas experiências construídas

individual e coletivamente.

Figura 3: Representação das distintas configurações familiares e suas relações. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Essa prática, que se volta para o sofrimento ou para os problemas decorrentes da dimensão

psicossocial, ressalta ações dirigidas à atenção ao usuário, em uma perspectiva integral, o que

requer o questionamento de posições reducionistas, voltadas somente para as intervenções

bioquímicas e direcionadas às perspectivas da doença do usuário.

 

Assim, o cuidado essencial com o ser humano deve ser fundamentado em uma visão que supere

as dicotomias corpo/mente, sujeito/objeto, saúde/doença, individual/social e outras tantas

cisões, configurando-se como uma prática apoiada em perspectivas em que a

interdisciplinaridade seja um desafio constante.

Para que possamos especificar melhor a complexidade envolvida na abordagem psicossocial,

destacamos três dimensões fundantes: a família, a comunidade e a rede social.

 

A família é a unidade básica da sociedade, formada por sujeitos com ancestrais em

comum ou ligados por laços afetivos. É a primeira referência da pessoa, mediadora entre

o sujeito e a sociedade. É onde aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. É

um dos grupos responsáveis por nossa formação pessoal.

Saiba Mais

Você sabia que o termo família é derivado do latim famulus, que significa escravo

doméstico? Esse termo foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social

que surgiu entre as tribos romanizadas, ao serem introduzidas na agricultura e também

na escravidão legalizada.

Famulus: que serve, lugar em função de.

Fa-ama: casa.

Famulo: do verbo facere, que faz, que serve.

A partir da década de 1960, a família passou por muitas modificações: o número de separações e

divórcios aumentou; a religião foi perdendo sua força, não mais conseguindo segurar casamentos

com relações insatisfatórias; a igualdade passou a ser um pressuposto em muitas relações

matrimoniais.

No século XXI, costuma-se falar da “crise da instituição família”. Não se trata, porém,

propriamente do enfraquecimento da instituição família, mas de inúmeras transformações que

ela vem sofrendo em sua interioridade, em função de mudanças socioculturais contemporâneas:

novas relações entre os sexos, maior controle da natalidade e a inserção massiva da mulher no

mercado de trabalho; ao mesmo tempo, o homem aprendeu a ser mais cuidadoso nas relações

familiares e nos trabalhos domésticos. Veja, no infográfico a seguir, alguns dados acerca das

atuais configurações familiares no Brasil que apareceram no Censo 2010.

Figura 4:  Dados acerca das diversas possibilidades de configuração de lares brasileiros. Fonte: IBGE (2010), adaptado por

NUTE-UFSC (2016).

 

Houve, também, mudanças referentes aos relacionamentos entre casais separados e recasados,

superação de preconceitos em relação à homossexualidade, entre outros aspectos, que levaram à

constituição de diferentes configurações familiares.

 

Figura 5: Imagem que ilustra as diversas configurações familiares. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

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PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS

FORMAS DE CONHECER (MAPEAR) A FAMÍLIA

Para conhecer a família, é importante compreender como foi constituída na sua história. Nesse

sentido, é essencial buscar conhecer as pessoas que fazem parte da sua formação, a comunidade

e a rede social das quais ela faz parte e como se dão essas relações. Quando conseguimos analisar

todo esse contexto, várias ações desses indivíduos podem ser compreendidas. Abordaremos, a

seguir, instrumentos que auxiliam no levantamento dessas informações.

 

Genograma

Genograma

Genograma é a representação gráfica da família na qual são apresentados seus diferentes

membros e gerações, o padrão de relacionamento estabelecido entre eles e suas principais

relações; ou seja, ilustra a organização e a disposição de componentes que se inter-relacionam de

maneira particular e recorrente. Desse modo, a estrutura familiar compõe-se de um conjunto de

sujeitos com condições, posições e interação particulares.

Figura 6: Representação das diferentes relações entre membros de uma família. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Ecomapa

Ecomapa é o diagrama das relações entre a família e a comunidade. Ele nos auxilia a avaliar os

apoios e suportes disponíveis e a utilização deles pela família. Representa a força, o impacto e a

qualidade de ligação entre a família e a comunidade, ou rede, como veremos adiante.

O  Ecomapa  fornece uma visão ampliada da família, uma vez que desenha a estrutura de

sustentação e retrata a ligação dela com o mundo. Esse instrumento demonstra, portanto, a

conexão das circunstâncias do meio ambiente com o vínculo entre os membros familiares e os

recursos comunitários.

 

Figura 7: Representação das distintas relações entre familiares e demais redes sociais (como amigos, instituições, entre

outras). Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Mapa de Rede

É o campo relacional total do sujeito. A rede social integra todas aquelas pessoas que o sujeito

reconhece e qualifica como significativas. O mapa de redes expressa, de forma gráfica, as relações

de proximidade entre as redes sociais significativas do sujeito, expressando a presença ou

ausência do apoio social. Pode ser um ótimo instrumento para a intervenção no diagnóstico de

situações e de intervenções no campo psicossocial, em especial nos problemas relacionados ao

uso de álcool e de outras drogas.

 

 

Figura 8: Representação do caminho de relações que o sujeito estabelece/pode estabelecer em sua

comunidade. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Numa abordagem sistêmica, defende-se que a família exerce, por exemplo, uma importante

função para o sujeito que faz uso problemático de álcool e de outras drogas. Ela se organiza de

modo a atingir um equilíbrio dentro do sistema, mesmo que, para isso, inclua a codependência

entre os sujeitos envolvidos.

Sabemos que a família desempenha papel fundamental não só na relação com seus membros

mas também na relação com o Estado, na perspectiva de instituição social decisiva para o

desenvolvimento do processo de integração/inclusão social de seus membros.

Figura 9:  Apresentação de conceitos que explicam os diversos sistemas de relações dos sujeitos. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

 

 

 

Assim, a família, por meio da construção da autonomia e da independência de seus membros,

deve favorecer a formação de um sujeito capaz de organizar sua própria vida e responsabilizar-se

por suas relações sociais, fortalecendo a manutenção de laços afetivos já existentes e formando

novos laços.

A família é muito importante na construção de qualquer processo de compreensão do usuário e

de intervenção na sua realidade, e deve ser incluída, desde o começo, em todas as ações em

saúde. Torna-se, pois, fundamental conhecê-la em suas potencialidades e fraquezas, suas redes e

suas determinações para o levantamento das possibilidades de mudanças. Assim, a família

deveria ser protagonista de todo o processo de acompanhamento do sujeito.

Por intermédio da consideração familiar, torna-se possível dar atenção às angústias de todos os

membros e oferecer informações fundamentais para se compreender, de modo mais abrangente,

o sofrimento do sujeito usuário de drogas, assim como o de cada um que constitui esse grupo

social. Saber abordar, avaliar, acompanhar e tratar a família torna-se, portanto, imperioso.

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PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS

A FAMÍLIA E O CONTEXTO DE USO E ABUSO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

O impacto que a família sofre com o uso problemático de álcool e de outras drogas por um de

seus membros é correspondente às reações que vão ocorrendo com o sujeito que as utiliza.

Podemos resumir esse impacto por meio de quatro estágios pelos quais a família passa,

progressivamente. 

Figura 10: Representação do impacto que a família sofre com o uso problemático de álcool e de outras drogas. Fonte: NUTE-

UFSC (2016).

1. Mecanismo de negação, tensão e desentendimento. As pessoas deixam de falar sobre o que

realmente pensam e sentem em relação ao problema do uso de substâncias psicoativas.

 

2. A família demonstra muita preocupação com essa questão e tenta controlar o uso da

substância, bem como as suas consequências físicas e emocionais no campo do trabalho e no

convívio social. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso problemático de álcool e outras drogas

instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que

as drogas e o álcool não estão causando problemas na família.

 

3. A desorganização da família começa a ocorrer. Seus membros assumem papéis rígidos e

previsíveis. Os familiares assumem responsabilidades de atos que não são seus. Assim, o usuário

problemático perde a oportunidade, muitas vezes, de perceber as consequências do abuso de

álcool e de outras drogas. 

É comum ocorrer uma inversão de papéis e funções; por exemplo, a esposa passa a assumir todas

as responsabilidades da casa em decorrência do alcoolismo do marido, ou a filha mais velha

passa a cuidar dos irmãos em consequência do uso de álcool e outras drogas por parte da mãe.

 

4. Exaustão emocional. Nessa fase, é comum o surgimento de graves distúrbios de

comportamento e de saúde em vários membros da família. A situação fica insustentável, levando

ao afastamento dos membros e gerando rupturas familiares.

 

  É fundamental que as famílias sejam incluídas em diferentes processos de atenção

psicossocial – promoção da saúde

(http://www.aberta.senad.gov.br/modulos/capa/promocao-da-saude-no-contexto-

dos-problemas-relacionados-ao-uso-de-drogas)  e cuidado

(http://www.aberta.senad.gov.br/modulos/capa/o-cuidado-ao-usuario-de-drogas-

na-perspectiva-da-atencao-psicossocial) e incentivadas em seu protagonismo.

 

Para Pensar...

Lembre-se de que, embora tais estágios definam um padrão da evolução do

impacto das substâncias, não se pode afirmar que, em todas as famílias, o

processo será o mesmo. Indubitavelmente, porém, existe uma tendência de os

familiares se sentirem culpados e envergonhados por terem um de seus membros

nessa situação. Muitas vezes, devido a esses sentimentos, a família demora muito

tempo para admitir o problema e procurar ajuda externa e profissional, o que

corrobora com o agravamento e o desfecho do caso.

 

 

 

A família e o contexto cultural são fatores importantes na determinação do padrão do consumo

de álcool e de outras drogas. Há várias evidências de que os padrões culturais têm papel

significativo no desenvolvimento dos problemas relacionados ao uso dessas substâncias. As

culturas que, por exemplo, seguem rituais estabelecidos de onde, quando e como beber têm

menores taxas de uso abusivo de álcool, se comparadas àquelas culturas que simplesmente

proíbem seu uso. Assim, o que é ou não socialmente aceitável depende das características da

família e da comunidade em questão – seus valores, sua cultura (o álcool não é socialmente

aceitável em comunidades muçulmanas, por exemplo) – e não necessariamente do risco que a

droga representa em si mesma.

COMUNIDADE: UMA ABORDAGEM NECESSÁRIA

“Comunidade”, do latim communitas, pode ser definida em função dos laços de parentesco,

localização geográfica, constituição territorial, interesses políticos, crença religiosa, composição

étnica, características físicas ou problemas de saúde ou de saúde mental compartilhados por uma

coletividade.

 

O conceito de comunidade engloba não somente o conjunto de pessoas que a formam,

mas também as complexas relações sociais que existem entre seus membros, o sistema

de crenças que professam e as normas sociais que a regem. Exatamente por isso, a

apreciação da singular complexidade de cada comunidade é essencial para a

compreensão dos sujeitos que nela se inscrevem e, consequentemente, de como as

pessoas tomam decisões que afetam sua saúde e seu bem-estar.

REDES SOCIAIS SIGNIFICATIVAS

 

O homem, como ser social, estabelece sua primeira rede de relação no momento em que vem ao

mundo. A interação com a família, como vimos, confere-lhe o aprendizado e a socialização, que se

estendem para outras redes sociais. É pela convivência com grupos e pessoas que se moldarão

muitas das características pessoais determinantes da identidade social de um indivíduo. Surgem,

nesse contexto, o reconhecimento e a influência dos grupos como elementos decisivos para a

manutenção do sentimento de pertencimento e de valorização pessoal.

Todo sujeito carece de aceitação, e é na vida em grupo que ele irá externar e suprir essa

necessidade. Os vínculos estabelecidos tornam-se intencionais, definidos por afinidades e

interesses comuns. Nesse sentido, o grupo passa, então, a influenciar comportamentos e atitudes,

funcionando como ponto em uma rede de referências composta por outros grupos, pessoas ou

instituições, cada qual com uma função específica na vida da pessoa.

Figura 11: Representação das relações mais próximas e significativas do sujeito. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

 

Rede social significativa é o conjunto de relações interpessoais concretas que vinculam

sujeitos a outros sujeitos, tecendo laços de reciprocidade e cooperação. Esse conceito

vem se ampliando dia a dia, à medida que se percebe o poder da cooperação como

atitude que enfatiza pontos comuns em um grupo para gerar solidariedade e parceria.

Na análise de redes sociais, a função do apoio e/ou suporte social é central para se pensar

processos de intervenção psicossocial, pois descreve o conjunto de pessoas que oferecem ajuda e

apoio, de forma real e duradoura, ao sujeito ou à família.

 

Assim, pensar em apoio social remete às relações pessoais significativas, constituídas em forma

de redes.

Glossário

Suporte social é uma forma de relacionamento interpessoal, grupal ou comunitário, que

fornece ao sujeito um sentimento de proteção e apoio, capaz de propiciar redução do

estresse e favorecer o bem-estar psicológico.

Figura 12: Representação de dois aspectos do apoio social: as relações primárias e as relações secundárias. Fonte: NUTE-

UFSC (2016).

REINSERÇÃO SOCIAL

 REINSERÇÃO SOCIAL

Para entendermos o processo de reinserção, ou reintegração social, é necessário que nos

reportemos ao conceito de exclusão. Como já citado anteriormente, exclusão é o ato pelo qual

alguém é privado ou excluído de determinadas funções. A exclusão social implica, pois, uma

dinâmica de privação por falta de acesso aos sistemas sociais básicos, como família, moradia,

trabalho formal ou informal, saúde, entre outros.

A reinserção assume o caráter de reconstrução das perdas, e seu objetivo é a capacitação da

pessoa para exercer em plenitude o seu direito à cidadania. O exercício da cidadania para o

sujeito em tratamento significa o estabelecimento ou o resgate de uma rede social comprometida

devido ao uso problemático da droga. Nesse cenário, focar somente na abstinência da droga

deixa de ser o objetivo maior do tratamento, pois a maior dificuldade do dependente é

justamente não conseguir interromper o uso, geralmente relacionado à sua situação de

vulnerabilidade, decorrente da fragilidade de seus vínculos sociais. Assim, a reinserção social

torna-se, nesse milênio, o grande desafio para o profissional que se dedica à área do uso

problemático de álcool e de outras drogas.

O processo de reinserção começa com a avaliação social, momento em que se mapeia a vida do

sujeito em aspectos significativos que darão suporte à retomada de seu projeto originário ou à

construção de um novo projeto de vida.

Figura 13: Ilustrações referentes à reinserção social em distintos ambientes e atividades: trabalho, casa, lazer,

esporte. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

Faz-se necessário, por isso, assumir uma postura de acolhimento do sujeito, na qual a atitude

solidária e a crença na capacidade de ele construir e/ou restabelecer sua rede social irão

determinar o estabelecimento de um vínculo positivo, isto é, uma parceria na qual a porta para a

ajuda estará sempre aberta, desde que o trânsito seja de mão dupla.

 

 

Assim, devemos entender a reinserção social como um processo longo e gradativo, que implica,

inicialmente, a superação dos próprios preconceitos, nem sempre explícitos.

Os assuntos individuais e sociais de maior relevância no contexto do sujeito devem ser discutidos

abertamente, com o objetivo de estimular uma consciência social mais participativa, resgatando

a sua autoestima.

 

No site do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), você encontrará

diversas pesquisas, cartilhas e materiais relacionados ao tema das drogas.

O SUJEITO, OS CONTEXTOS E A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

PARA PESSOAS QUE USAM DROGAS

Síntese Reflexiva

Neste módulo, você pôde ver como a noção de sujeito é um tema complexo e amplo,

mas muito importante para compreender as especificidades e singularidades das

vivências de cada um na relação com o mundo e, assim, pensar conjuntamente em

estratégias de intervenção condizentes com cada situação que, de fato, se

proponham a integrar socialmente os usuários. Vimos, ainda, como é importante

compreendermos as noções de sujeito e contexto de maneira complementar e

relacional, entendendo as diversas determinações que designam a vida de um

usuário de drogas. É nesse sentido que a abordagem psicossocial se destaca e

fundamenta processos de atenção nos quais o usuário passa a ser protagonista do

seu processo de cuidado, sempre articulado com suas redes de relações – família,

comunidade e demais relações significativas.

Vamos, então, refletir: por que muitas das ações de prevenção e tratamento, na

atualidade, ainda continuam a se pautar em uma visão reducionista, focando sua

ação na substância e na repressão ao uso? Você vê aí uma contradição com o que

aprendeu neste módulo?

REFERÊNCIAS

Textos

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Imagens

GOELDI, O. Chuva. 1957. 1 xilogravura, color 2/12, 22 cm x 29,5 cm. Acervo: Coleção Frederico

Mendes de Morais. 1 fotografia digitalizada por Centro Virtual Goeldi, color. Altura: 600 pixels.

Largura: 779 pixels. 72 dpi. 207 KB. Formato JPEG. In: CENTRO VIRTUAL GOELDI [on-line]. Rio de

Janeiro: [s.n.], 2015. Disponível em:

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Músicas

GALVÃO, L. MORAES, M. Mistério do Planeta. In: NOVOS Baianos. Acabou Chorare. Salvador: Som

Livre, 1972. 1 LP. Faixa 1, lado 2. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/os-novos-

baianos/misterio-do-planeta.html#ixzz44ZxCCpQI (http://www.vagalume.com.br/os-novos-

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Vídeos

CURSO Prevenção dos Problemas Relacionados ao Uso de Drogas: Capacitação para Conselheiros

e Lideranças Comunitárias. 6. ed. Entrevista com o Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa. Entrevistador:

Jairo Bouer. Produção: Núcleo Multiprojetos de Tecnologia Educacional da Universidade Federal

de Santa Catarina. Florianópolis: NUTE-UFSC, 2014. 1 vídeo (12min), son. color.