O teorema katherine_-_john_green

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  • 1. Copyright 2006 by John Green Copyright da traduo 2012 by Editora Intrnseca Todos os direitos reservados, incluindo o direito de reproduo, no todo ou em parte, em quaisquer meios. Publicado mediante acordo com Dutton Childrens Books, uma diviso do Penguin Young Readers Group, membro do Penguin Group (USA), Inc. TTULO ORIGINALAn Abundance of Katherines TRADUORenata Pettengill REVISOUmberto Figueiredo Pinto REVISO TCNICA DE MATEMTICAAnna Maria Sotero da Silva Neto REVISO DE EPUBRodrigo Rosa ADAPTAO DE CAPA de casa GERAO DE EPUBIntrnseca E-ISBN978-85-8057-316-9 Edio digital: 2013 Todos os direitos desta edio reservados Editora Intrnseca Ltda. oRua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar 22451-041 Gvea Rio de Janeiro RJ Tel./Fax: (21) 3206-7400 www.intrinseca.com.br

2. 3. Para minha mulher, Sarah Urist Green, anagramatizada assim:* Her great Russian Grin has treasure A great risen rush. She is a rut-ranger; Anguish arrester; Sister; haranguer; Treasure-sharing, Heart-reassuring Signature Sharer Easing rare hurts. Mas o prazer no ser dona da pessoa. O prazer isso. Ter uma concorrente no mesmo quarto com voc. Philip Roth, A marca humana * No ousaramos reanagramatizar em portugus to potica dedicatria. (N.E.) 4. (UM)Na manh seguinte formatura do ensino mdio e depois de ser dispensado por sua dcima nona Katherine, o clebre menino prodgio Colin Singleton tomou um banho de banheira. Colin sempre preferiu banhos de imerso; uma das regras fundamentais em sua vida era nunca fazer em p qualquer coisa que pudesse realizar, com a mesma facilidade, deitado. Ele colocou os ps na banheira assim que a gua esquentou, sentou-se e cou observando, com o rosto estranhamente sem expresso, enquanto a gua subia. Foi encobrindo suas pernas, que estavam dobradas e cruzadas. Colin percebeu, embora sem muito nimo, que estava muito comprido e grande demais para aquele espao parecia uma criatura praticamente adulta brincando de ser criana. Quando a gua comeou a banhar sua quase ausente mas nada denida barriga, ele pensou em Arquimedes. Quando Colin tinha uns 4 anos, leu um livro sobre Arquimedes, o lsofo grego que descobriu, ao se sentar numa banheira, que o volume de qualquer corpo poderia ser calculado com base no deslocamento da gua. Ao chegar a essa concluso, 1dizem, gritou Hereka! e saiu correndo pelado pela rua. O livro dizia que muitas descobertas importantes continham um momento eureca. E mesmo ento, com to pouca idade, Colin queria muito ser o autor de descobertas importantes, o que o fez perguntar me assim que ela chegou em casa aquela noite: Mame, algum dia eu vou ter um momento eureca? Ah, meu querido ela disse, pegando sua mo. Qual o problema? Eu quero ter um momento eureca ele respondeu, da mesma forma que outra criana teria expressado a vontade de ter uma das Tartarugas Ninja. Ela encostou as costas da mo na bochecha dele e sorriu, os rostos to prximos que dava para ele sentir o cheiro de caf e maquiagem. Mas claro, Colin, filhinho. claro que voc vai ter. S que as mes mentem. Est na descrio do cargo delas. Colin respirou fundo e deslizou o corpo, mergulhando a cabea. Estou chorando, pensou, abrindo as plpebras para enxergar embaixo da gua cheia de sabo que fazia seus olhos arderem. Quero chorar, ento devo estar chorando, mas impossvel dizer ao certo dentro dgua. E no estava. Estranhamente, estava deprimido demais para derramar lgrimas. Magoado demais. A sensao era de que Katherine havia roubado dele a parte que chorava. Colin destampou o ralo, cou de p, enxugou-se e vestiu-se. Quando saiu do banheiro, viu os pais sentados, juntos, em sua cama. Nunca era um bom sinal quando ambos estavam em seu quarto ao mesmo tempo. Historicamente, aquilo significava: 1. Sua av/seu av/sua tia-Suzie-que-voc-no-conheceu-mas-acredite-era-legal-e-- 5. uma-pena morreu. 2. Voc est deixando que uma garota chamada Katherine o distraia dos estudos. 3. Os nenns so gerados por meio de um ato que em algum momento voc achar interessante, mas que por enquanto s o deixar horrorizado, e, alm disso, s vezes as pessoas fazem coisas que incluem algumas etapas do ato de gerar nenns que, na verdade, no incluem a fabricao de nenns, como beijar o outro em lugares que no ficam no rosto. Nunca significou: 4. Uma garota chamada Katherine ligou enquanto voc estava no banho. Ela sente muito. Ela ainda o ama e cometeu um erro imperdovel, e est esperando voc l embaixo. Mas, mesmo assim, Colin no pde evitar nutrir a esperana de que seus pais estivessem no quarto para dar uma notcia do tipo 4. Em geral, o garoto era pessimista, mas parecia fazer uma exceo para as Katherines: sempre achava que voltariam com ele. Aquela sensao de amar e ser amado invadiu seu ser, e ele pde sentir o gosto da adrenalina no fundo da garganta e quem sabe no acabou, e quem sabe ele iria poder sentir o toque da mo dela de novo, e ouvir aquela voz alta e aguda se transformando num sussurro na hora de dizer eu-te-amo do jeito rapidinho e baixinho como sempre zera. Ela falava eu te amo como se fosse um segredo; e um dos grandes. O pai ficou de p e deu um passo em sua direo. A Katherine ligou para o meu celular ele disse. Est preocupada com voc. Colin sentiu a mo do pai em seu ombro e, em seguida, os dois se aproximaram e se abraaram. Estamos muito preocupados a me falou. Ela era baixa e tinha cabelos castanhos e encaracolados com uma nica mecha branca na frente. E surpresos acrescentou. O que aconteceu? No sei Colin disse, baixinho, encostado no ombro do pai. Ela simplesmente no me aguentava mais. Cansou de mim. Foi o que ela disse. A a me se levantou e foi um tal de se abraarem, braos para todo lado, at que ela comeou a chorar. Colin se desvencilhou dos abraos e sentou-se na cama. Sentiu uma necessidade absurda de expuls-los do quarto imediatamente, como se fosse explodir se no sassem. Literalmente. As vsceras espalhadas pelas paredes; o crebro prodigioso jogado na colcha da cama. Bom, em algum momento precisaremos sentar e avaliar suas opes o pai disse. Ele era f de avaliaes. No estou tentando ver o lado bom, nem nada, mas parece que agora voc ter tempo livre no vero. Um curso de frias na Universidade Northwestern, talvez? Quero muito car sozinho, s hoje Colin respondeu, tentando transmitir uma aura de tranquilidade para que os dois fossem embora e ele no explodisse. Ento, podemos 6. fazer essa avaliao amanh? claro, querido a me respondeu. Estaremos aqui o dia todo. Desa a hora que quiser, e ns o amamos, e voc to, to especial, Colin, e no pode de jeito nenhum deixar que essa garota o faa sentir qualquer coisa diferente disso, porque voc um garoto magnfico e genial E, naquele exato momento, o garoto mais especial, magnco e genial do mundo correu para o banheiro e botou os bofes para fora. Uma exploso, por assim dizer. Ah, Colin! a me gritou. S preciso ficar sozinho ele insistiu, do banheiro. Por favor. Quando saiu, os pais tinham ido embora. Pelas quatorze horas que se seguiram, sem fazer uma pausa sequer para comer, beber ou vomitar de novo, Colin leu e releu o anurio da escola, que recebera apenas quatro dias antes. Tirando o bl-bl-bl costumeiro dos anurios, o seu continha setenta e duas assinaturas. Doze eram s as assinaturas mesmo, cinquenta e seis mencionavam sua inteligncia, vinte e cinco diziam que gostariam de t-lo conhecido melhor, onze falavam que foi legal t-lo como colega de turma na aula de ingls, sete incluam as palavras 2esfncter da pupila e impressionantes dezessete terminavam com Fique tranquilo!. Colin Singleton no poderia ficar tranquilo mais que uma baleia-azul poderia ficar magrinha ou Bangladesh poderia ficar rico. Provavelmente, aquelas dezessete pessoas estavam brincando. Pensou naquilo e reetiu sobre como vinte e cinco de seus colegas de turma, alguns dos quais haviam frequentado a escola ao seu lado doze anos seguidos, poderiam ter desejado conhec-lo melhor. Como se no tivessem tido oportunidade. Mas, acima de tudo, naquelas quatorze horas, ele leu e releu a dedicatria de Katherine XIX: Col, A todos os lugares aonde fomos. E a todos aonde iremos. E a mim, aqui sussurrando de novo, de novo, de novo e de novo: euteamo. Para sempre sua, K-a-t-h-e-r-i-n-e Por m, Colin achou que a cama estava confortvel demais para seu estado de esprito e, por isso, deitou de barriga para cima com as pernas esparramadas pelo carpete. Ele comeou a criar anagramas de para sempre sua at que achou um que lhe agradou: se um pesar para. Ento cou deitado ali imaginando se o seu pesar pararia, e repetiu mentalmente a j decorada mensagem, e quis cair no choro, mas em vez disso sentiu apenas uma dor no 7. plexo solar. Chorar algo a mais: voc mais as lgrimas. Mas o sentimento que Colin carregava era um macabro choro ao contrrio. Era voc menos alguma coisa. Ele cou pensando naquela expresso para sempre e sentiu uma queimao logo abaixo da caixa torcica. Doa como a pior surra que j tomara. E ele j havia tomado muitas. 1 2Eureca! Do grego: Achei! Mais sobre isso adiante. 8. (DOIS)Doeu desse jeito at pouco antes das dez da noite, quando um cara um tanto gordo e hirsuto de ascendncia libanesa entrou de supeto no quarto de Colin sem bater. Colin virou a cabea e olhou para ele, os olhos semicerrados. Que diabo isso? perguntou Hassan, quase gritando. Ela terminou comigo respondeu Colin. 3 , quei sabendo. O negcio o seguinte, sitzpinkler, eu adoraria consolar voc mas, neste exato momento, o contedo da minha bexiga seria suciente para apagar o incndio de uma casa inteira. Hassan passou rpido pela cama e abriu a porta do banheiro. Meu Deus, Singleton, o que voc comeu? Tem cheiro de AHHH! VMITO! VMITO! ECAAAAA! E enquanto Hassan gritava Colin pensou: Ah, . A privada. Eu deveria ter dado descarga. Foi mal se eu errei o vaso Hassan disse assim que voltou. Ele se sentou na beira da cama e deu um chute de leve no corpo prostrado de Colin. que eu tive de tapar o nariz com as minhas duas fugging* mos, e a o Rojo aqui cou balanando livre, leve e solto. Um pndulo poderoso, aquele fugger. Colin no riu. Cara, voc deve estar mal mesmo, porque (a) piadas com meu Rojo so o meu forte, e (b) quem que se esquece de dar descarga no prprio vmito? Eu s quero ir rastejando at um buraco, cair nele e morrer. Colin falou com a boca encostada no carpete bege sem transmitir qualquer emoo audvel. Ah, no disse Hassan, expirando lentamente. Tudo o que eu sempre quis foi que ela me amasse e que eu pudesse fazer algo significativo nessa vida. E olhe s isso. Srio, olhe s isso ele falou. 4 Estou olhando. E tenho que admitir, kafir, que no gosto do que estou vendo. Alis, nem do cheiro que estou sentindo. Hassan deitou-se na cama e deixou o sofrimento de Colin pairar no ar por um instante. Eu sou Eu sou um fracasso. E se for s isso? E se, daqui a dez anos, eu estiver sentado num fugging cubculo processando milhares de dados numricos e decorando estatsticas de beisebol para poder arrasar na liga virtual, e no tiver a Katherine do meu lado, e no zer nada de significativo, e for simplesmente um desperdcio completo? Hassan tornou a se sentar, as mos nos joelhos. Viu? por isso que voc precisa acreditar em Deus. Porque eu no tenho a expectativa de ter nem mesmo uma baia e vivo mais feliz que um porco chafurdando num monte de merda. Colin suspirou. Mesmo no sendo to religioso assim, Hassan de vez em quando brincava 9. de tentar converter Colin. T. F em Deus. Boa ideia. Tambm quero acreditar que posso voar at o espao sideral montado nas costas macias de pinguins gigantes e transar com a Katherine XIX em gravidade zero. Singleton, voc precisa acreditar em Deus mais do que qualquer pessoa que eu conheo. , e voc precisa ir para a faculdade Colin murmurou. Hassan resmungou. Um ano mais adiantado que Colin na escola, Hassan tinha tirado o ano de folga mesmo tendo passado para a Universidade Loyola de Chicago. Como no tinha feito matrcula em nenhuma matria para o semestre seguinte, parecia que um ano de folga logo se transformaria em dois. No venha me botar na berlinda Hassan disse com um sorriso. No sou eu quem est fugged demais para levantar do carpete, nem para dar descarga no meu prprio vmito, cara. E voc sabe por qu? Porque eu tenho o meu Deus. Pare de tentar me converter Colin se queixou, sem parecer achar graa naquilo. Hassan deu um pulo, imobilizou Colin no cho, um joelho de cada lado do corpo dele, contendo os braos do amigo com as mos, e comeou a gritar: No h outro deus alm de Al e Maom Seu Profeta! Repita comigo, sitzpinkler! La 5ilaha illa-llah! Colin comeou a rir, perdendo o flego sob o peso de Hassan, que riu tambm. Estou tentando salvar seu maldito traseiro de ir para o inferno! Ou voc sai de cima de mim ou l que eu vou parar daqui a pouco Colin arquejou. Hassan ficou de p e, de repente, passou para o modo srio. Ento, qual o problema exatamente? O problema exatamente que ela terminou comigo. Que eu estou sozinho. Ai, meu Deus, estou sozinho de novo. E no s isso. Eu sou um fracasso total, caso no tenha reparado. Estou em m de carreira, sou um ex. Ex-namorado da Katherine XIX. Ex-prodgio. Ex-cheio de potencial. Atualmente cheio de merda. Como Colin j explicara vrias vezes a Hassan, h uma diferena enorme entre as palavras prodgio e gnio. Prodgios conseguem aprender rapidamente o que outras pessoas inventaram; gnios descobrem o que ningum descobriu. Prodgios aprendem; gnios realizam. A maioria das crianas prodgio no se torna um gnio na idade adulta. Colin tinha quase certeza de que fazia parte dessa maioria desafortunada. Hassan se sentou na cama, beliscando a barba por fazer que cobria sua papada. Mas o verdadeiro problema aqui o lance de ser gnio ou o lance da Katherine? s que eu amo tanto a Katherine... Foi a resposta de Colin. O fato que, na cabea de Colin, as duas coisas estavam relacionadas. O problema era 10. que o garoto mais especial, magnco e genial do mundo era bem, no era. O Problema mesmo era que Ele no era importante. Colin Singleton, clebre menino prodgio, clebre veterano de Conitos Kathernicos, clebre nerd e sitzpinkler, no era importante para a Katherine XIX, e no era importante para o mundo. De repente, ele no era mais o namorado de ningum nem o gnio de ningum. E isso utilizando o tipo de expresso complexa que se esperaria ouvir de um prodgio era um saco. Porque o lance de ser gnio Hassan continuou como se Colin no tivesse acabado de declarar seu amor no nada. Isso s tem a ver com querer ser famoso. No, no isso. Eu quero ser importante ele disse. Certo. Como eu disse, voc quer fama. O famoso o novo popular. E j que voc no vai ser uma fugging Americas Next Top Model, sem a mais puta sombra de dvida, quer ser o Americas Next Top Genius, e agora est e no leve isso para o lado pessoal choramingando porque isso no aconteceu ainda. Voc no est ajudando Colin murmurou com a cara no carpete, e virou o rosto para olhar para Hassan. Levante da Hassan disse, estendendo a mo. Colin segurou-a, tomando impulso para subir, e depois tentou se desvencilhar dela. Mas Hassan apertou-a ainda mais. Kafir, voc est com um problema muito complicado que tem uma soluo muito simples. 3Palavra alem, gria para maricas, que signica literalmente homem que mija sentado. Esses alemes excntricos... tm sempre uma palavra para tudo. * Mais sobre o fugging e variaes adiante. (N.T.) 4 5Kafir vem de uma palavra rabe no muito simptica que significa no muulmano, infiel. A profisso de f dos muulmanos, transliterada do rabe: no existe deus a no ser Al. 11. (TRS) Uma viagem de carro Colin disse. Aos ps dele havia uma bolsa de viagem abarrotada e uma mochila, to cheia que parecia que ia explodir a qualquer instante, contendo apenas livros. Ele e Hassan estavam sentados em um sof de couro preto. Os pais de Colin sentavam em um sof idntico, de frente para os dois. A me balanava a cabea ritmadamente, como um metrnomo, com ar de reprovao. Para onde? ela perguntou. E por qu? Sem querer ofender, Sra. Singleton Hassan falou, colocando os ps em cima da mesa de centro (o que no se deve fazer) , mas a senhora est meio que no entendendo o esprito da coisa. No existe um onde nem um por qu. Pense em tudo o que voc poderia fazer nesse vero, Colin. Voc poderia aprender 6snscrito disse o pai. Sei como vem querendo aprender snscrito. Vai car mesmo feliz viajando de carro por a sem destino certo? Isso no combina com voc. Francamente, d a impresso de que est desistindo. Desistindo de qu, pai? O homem fez uma pausa. Sempre fazia isso depois de uma pergunta e, quando ento falava, as frases saam inteiras sem hum, nem tipo, nem n como se ele tivesse decorado a resposta. doloroso para mim dizer isso, Colin, mas se voc quer continuar a evoluir intelectualmente precisa se esforar agora mais do que nunca. Do contrrio, corre o risco de desperdiar todo o seu potencial. Tecnicamente Colin retrucou , acho que j posso ter desperdiado. Talvez fosse porque Colin nunca tinha causado nenhum desgosto na vida dos pais: ele no bebia, no usava drogas, no fumava, no passava delineador preto nos olhos, no chegava em casa de madrugada, no tirava notas baixas, no colocou piercing na lngua, no tatuou as palavras KATHERINE LUVA 4 LIFE de um lado a outro nas costas. Ou talvez porque se sentissem culpados, como se de alguma forma tivessem falhado com o garoto, feito ele chegar quele ponto. Ou talvez porque simplesmente quisessem passar algumas semanas sozinhos, para reacender o romance. Mas, cinco minutos depois de reconhecer que seu potencial fora desperdiado, Colin Singleton estava ao volante de seu Oldsmobile cinza 12. estilo banheira conhecido como Rabeco de Sat. Dentro do carro, Hassan disse: T, agora tudo o que precisamos fazer ir at a minha casa, pegar algumas roupas e, por um milagre do destino, convencer meus pais a me deixarem cair na estrada. Voc podia dizer que arrumou um emprego temporrio esse vero. Tipo, num acampamento ou coisa assim Colin sugeriu. T, s que no vou mentir para a minha me, porque que tipo de canalha mente para a prpria me? Humm. Mas, outra pessoa poderia mentir para ela. Eu poderia conviver com isso. O.k. disse Colin. Cinco minutos depois eles estacionaram em la dupla numa rua do bairro de Ravenswood, em Chicago, e saltaram do carro ao mesmo tempo. Hassan entrou na casa como um furaco, Colin logo atrs. Na sala de estar lindamente mobiliada, a me de Hassan estava recostada em uma poltrona, dormindo. Ei, mama disse Hassan. Acorde. Ela despertou de supeto, sorriu e cumprimentou os dois em rabe. Colin respondeu tambm em rabe, dizendo: Minha namorada terminou comigo e eu estou muito deprimido, por isso Hassan e eu vamos partir numa, numa viagem que se faz de carro. No sei qual a palavra em rabe para isso. A Sra. Harbish balanou a cabea e franziu os lbios. Eu no lhe digo para no se meter com garotas? comeou ela, com um forte sotaque. Hassan bom menino, no faz isso de namorar. E veja como feliz. Voc deveria aprender com Hassan. isso o que ele vai me ensinar na viagem disse Colin, embora nada pudesse estar mais longe da verdade. Hassan voltou rapidamente para a sala carregando uma bolsa de viagem com o zper fechado at a metade, as roupas transbordando. 7 Ohiboke, mama ele disse, inclinando-se para beij-la no rosto. De repente, um Sr. Harbish de pijama adentrou a sala de estar e disse em ingls: Vocs no vo a lugar nenhum. Ah, pai. Ns precisamos ir. D uma olhada nele. O garoto est na pior. Colin levantou o olhar para o Sr. Harbish e tentou parecer o pior possvel. O Colin vai de qualquer jeito, mas, comigo, pelo menos vai ter algum que tome conta dele. Colin bom menino a Sra. Harbish disse para o marido. Vou ligar para vocs todos os dias Hassan acrescentou. Ns nem vamos car longe 13. muito tempo. s at ele melhorar. Colin teve uma ideia, totalmente de improviso. Vou arrumar um emprego para o Hassan disse para o Sr. Harbish. Acho que ns dois precisamos aprender quanto vale o suor do trabalho. O Sr. Harbish grunhiu, concordando, e ento virou-se para Hassan. Para comeo de conversa, voc precisa aprender quanto vale no assistir quele programa de televiso horrvel, da juza Judy. Se me ligar daqui a uma semana e tiver arrumado emprego, por mim, pode ficar onde quiser e por quanto tempo quiser. Hassan pareceu no se dar conta dos insultos, e murmurou baixinho: Obrigado, pai. Ele deu dois beijinhos nas bochechas da me e saiu apressado pela porta. Que babaca! Hassan disse quando j estavam a salvo dentro do Rabeco. Uma coisa me acusar de preguioso. Mas difamar o bom nome da melhor juza da TV norteamericana, isso golpe baixo. Hassan pegou no sono por volta de uma da madrugada e Colin, um tanto embriagado pelo caf servido com uma quantidade generosa de leite no posto de gasolina e pela revigorante solido de uma autoestrada no meio da noite, seguiu para o sul pela I-65, que cruzava Indianpolis. A noite estava quente para incio de junho e, como o ar-condicionado do Rabeco de Sat ainda no havia funcionado naquele milnio, as janelas estavam um pouco abertas. E a vantagem de estar ao volante era que o ato de dirigir desviava sua ateno o suficiente carro parado no acostamento, talvez a polcia, reduzir para a velocidade permitida, hora de ultrapassar essa carreta, ligar a seta, olhar pelo retrovisor, esticar o pescoo e tentar enxergar o ponto cego e, agora sim, t, faixa da esquerda para distra-lo do buraco que se abrira em sua barriga. Na tentativa de manter a mente ocupada, ele pensou em outros buracos em outras barrigas. E se lembrou do arquiduque Francisco Ferdinando, assassinado em 1914. Ao olhar para o furo sanguinolento em seu estmago, o arquiduque dissera: No nada. Mas estava errado. No h dvida de que o arquiduque Francisco Ferdinando foi importante, embora no fosse nem prodgio, nem gnio: seu assassinato deagrou a Primeira Guerra Mundial sua morte resultou em 8.528.831 outras. Colin sentia falta da Katherine. A saudade o mantinha mais desperto que o caf, e quando Hassan pedira para assumir o volante, uma hora antes, Colin dissera no, porque a direo ajudava a manter sua sanidade no ultrapasse os 110 km/h; cara, como meu corao est disparado; odeio o gosto, mas caf me deixa to ligado; t, e mantenha distncia do caminho; ento t; pista da direita; e agora s o que se v o meu farol na escurido. Isso evitava que a solido causada 14. por aquele sentimento de devastao fosse completamente devastadora. Dirigir era um tipo de raciocnio em movimento, o nico tipo que Colin conseguia tolerar naquele momento. Mas, mesmo assim, o pensamento continuava espreita em algum lugar, alm do alcance dos faris: ela havia terminado o namoro com ele. Uma garota chamada Katherine. Pela dcima nona vez. Quando se trata de garotas (e, no caso de Colin, quase sempre se tratava), todo mundo tem seu tipo. O de Colin Singleton no fsico, mas lingustico: ele gosta de Katherines. E no de Katies, nem Kats, nem Kitties, nem Cathys, nem Rynns, nem Trinas, nem Kays, nem Kates, nem Deus o livre Catherines. K-A-T-H-E-R-I-N-E. J teve dezenove namoradas. Todas chamadas Katherine. E todas elas cada uma, individualmente falando terminaram com ele. Colin estava convencido de que o mundo continha exatamente dois tipos de pessoas: os Terminantes e os Terminados. Muita gente poder argumentar que se enquadra em ambos, mas quem diz isso no entende direito o x da questo: voc predisposto a um destino ou ao outro. Pode ser que um Terminante nem sempre parta o corao de algum e um 8Terminado nem sempre tenha o corao partido. Mas todo mundo segue uma tendncia. Talvez, quela altura, Colin j devesse ter se acostumado a isso, ascenso e declnio dos relacionamentos. Namoros, no m das contas, acabam de um s jeito: mal. Se voc pensar bem, e Colin sempre fazia isso, todo relacionamento amoroso termina ou em (1) rompimento, (2) divrcio ou (3) morte. Mas com Katherine XIX foi diferente ou pareceu ser diferente, na verdade. Ela o amou, e ele tambm, intensamente. E ainda a amava ele se pegou brincando com as palavras em sua cabea enquanto dirigia: Eu te amo, Katherine. O nome parecia diferente quando dito para ela; deixara de ser o nome pelo qual Colin fora, por tanto tempo, obcecado e passara a ser uma palavra que descrevia exclusivamente ela, uma palavra com aroma de lilases, que capturava o azul de seus olhos e o comprimento de seus clios. Enquanto o vento soprava pelas janelas entreabertas, Colin pensava nos Terminantes, nos Terminados e no arquiduque. No banco de trs, Hassan roncava e fungava como se sonhasse que era um pastor alemo. Colin sentia a queimao incessante na barriga, e pensava: Isso tudo to INFANTIL PATTICO. VOC UMA VERGONHA. PARE COM ISSO PARE COM ISSO PARE COM ISSO. Mas ele no sabia bem ao certo o que era isso. 15. Katherine I: O Comeo (do Comeo)Os pais de Colin sempre acharam que ele fosse simplesmente normal, at uma certa manh de junho. Um Colin de 2 anos e 1 ms estava sentado em uma cadeira alta tomando um caf da manh de origem vegetal indeterminada enquanto o pai lia o jornal Chicago Tribune do outro lado da pequena mesa na cozinha. Colin era magrinho para a idade, mas alto, com cachinhos castanhos que brotavam da cabea com uma imprevisibilidade einsteiniana. Trs motos em West Side Colin disse depois de engolir uma colherada. No quer mais verdinho ele acrescentou, referindo-se comida. Que foi que c disse, garoto? 9 Trs motos em West Side. Eu quero batata frita por favor obrigado. O pai de Colin virou o jornal e olhou para o ttulo enorme da matria logo acima da dobra na primeira pgina. A cena a lembrana mais antiga de Colin: o pai baixando o jornal devagarinho e sorrindo para ele. Os olhos do homem estavam arregalados de surpresa e satisfao, e ele no conseguia desfazer o largo sorriso. CINDY! O GAROTO EST LENDO O JORNAL! ele gritou. Os pais de Colin eram do tipo que gostava muito mesmo de ler. A me ensinava francs na prestigiosa e cara Escola Kalman, no centro da cidade, e o pai era professor de sociologia na Universidade Northwestern, na zona norte da cidade. Ento, depois dos trs mortos em West Side, os pais de Colin comearam a ler com ele, em qualquer lugar e a todo momento principalmente em ingls, mas tambm livros ilustrados com texto em francs. Quatro meses depois os pais o levaram a uma creche maternal para crianas superdotadas. O lugar disse que Colin estava muito adiantado para eles e que, mesmo assim, no aceitavam crianas que ainda no tivessem largado as fraldas. E encaminharam Colin para uma psicloga na Universidade de Chicago. E, assim, o prodgio periodicamente incontinente acabou num consultrio pequeno e sem janelas no bairro South Side, conversando com uma mulher de culos de armao grossa, que pediu a ele que encontrasse padres num conjunto de letras e nmeros. E pediu que ele virasse polgonos ao contrrio. Perguntou qual imagem no combinava com as outras. Fez uma srie interminvel de perguntas maravilhosas e isso fez Colin ador-la. At aquele momento, a maioria das perguntas que lhe eram feitas girava em torno do fato de ele ter ou no mijado nas calas, ou de poder, por favor, comer s mais uma colherada dos verdinhos detestveis. Depois de uma hora de perguntas, a mulher disse: Quero agradecer a voc por sua pacincia extraordinria, Colin. Voc uma pessoa muito especial. Voc uma pessoa muito especial. Colin ouvia muito aquela frase e, ainda assim, de alguma 16. forma, no se cansava dela. A mulher de culos de armao grossa chamou a me dele no consultrio. Enquanto dizia Sra. Singleton que Colin era um gnio, um menino muito especial, ele brincava com blocos de madeira com as letras do alfabeto. Acabou com uma farpa no dedo enquanto rearrumava v-a-s-o em s-o-v-a o primeiro anagrama que se lembra de ter feito. A professora disse Sra. Singleton que os talentos inatos de Colin deveriam ser encorajados, mas sem presso, e advertiu-a: Voc no deve alimentar expectativas exageradas. Crianas como Colin processam informaes muito rapidamente. Elas demonstram uma capacidade admirvel de se concentrar em suas tarefas. Mas as chances dele de ganhar um Prmio Nobel no so maiores do que as de qualquer outra criana razoavelmente inteligente. Naquela noite o pai levou para casa, de presente, um livro novo para ele: O pedao perdido, de Shel Silverstein. Colin se sentou no sof ao lado do pai e suas mos pequenas folhearam as pginas enormes enquanto ele lia o livro rapidamente, parando apenas para perguntar se t era o mesmo que estou. Colin fechou o livro com veemncia ao terminar a leitura. Voc gostou? o pai perguntou. Gostei Colin respondeu. Ele gostava de todos os livros, porque adorava o simples ato de ler, a magia de transformar os rabiscos de uma pgina em palavras dentro da cabea. De que fala o livro? o homem perguntou. Colin colocou o exemplar no colo do pai e respondeu: O crculo perdeu um de seus pedaos. O pedao perdido tem o formato de uma pizza. De uma pizza ou de uma fatia de pizza? Sorrindo, o pai colocou as mos em cima da cabea de Colin. , papai. Uma fatia. A o crculo sai procurando o seu pedao. Ele acha um monte de pedaos errados. A encontra o pedao certo. Mas ele acaba deixando o pedao para trs. E a termina. s vezes voc se sente como um crculo que perdeu um de seus pedaos? o pai perguntou. Pai, eu no sou um crculo. Sou um menino. E o sorriso do pai amarelou um pouco o prodgio conseguia ler, mas no conseguia enxergar. Se pelo menos Colin tivesse percebido que um pedao seu estava faltando, que sua incapacidade de se ver na histria de um crculo era um problema insolvel, poderia ter se dado conta de que o resto do mundo iria alcan-lo conforme o tempo fosse passando. 17. Pegando emprestada outra histria que ele havia guardado na memria mas que no tinha entendido direito: se pelo menos tivesse sabido que a histria da tartaruga e da lebre sobre algo mais que uma tartaruga e uma lebre, poderia ter se poupado de um volume considervel de problemas. Trs anos mais tarde, ele foi matriculado no primeiro ano da Escola Kalman como bolsista integral, porque a me dava aula l , s um ano mais novo que a maioria de seus colegas de turma. O pai o estimulou a estudar mais e com mais anco, mas ele no era o tipo de prodgio que entra para a faculdade com 11 anos. Os pais achavam que deviam mant-lo em uma linha educacional mais ou menos normal, para efeito do que se referiam como bem-estar sociolgico dele. Mas o estar sociolgico dele nunca ia to bem assim. Colin no era muito bom em fazer amigos. Ele e os colegas de turma simplesmente no gostavam das mesmas coisas. Seu passatempo preferido durante o recreio, por exemplo, era se ngir de rob. Ia andando at chegar perto de Robert Caseman, marchando com as pernas duras e esticadas, balanando os braos enrijecidos. Com uma voz montona, Colin dizia: EU SOU UM ROB. CONSIGO RESPONDER QUALQUER PERGUNTA. VOC QUER SABER QUEM FOI O DCIMO QUARTO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS? T dizia Robert. Minha pergunta : por que voc to retardado, Clon Canceroso? Embora o nome de Colin terminasse em in, a brincadeira preferida de Robert Caseman no primeiro ano era cham-lo de Clon, Clon Canceroso, at Colin chorar, o que geralmente no demorava muito a acontecer, porque Colin era o que a me classicava como sensvel. Pelo amor de Deus, ele s queria brincar de rob. O que havia de to errado nisso? No segundo ano, Robert Caseman e sua gangue amadureceram um pouco. Percebendo, por m, que as palavras no machucam, mas paus e pedras podem com certeza quebrar 10alguns ossos, eles inventaram o Abdominvel Homem das Neves. Ordenavam que Colin deitasse no cho (e por algum motivo ele obedecia), e ento quatro caras pegavam cada um de seus membros e puxavam. Parecia a prtica medieval de eviscerao e desmembramento, mas com garotos de 7 anos puxando no era fatal, s constrangedora e ridcula. Aquilo o fazia se sentir como se ningum gostasse dele, o que, honestamente, era a mais pura verdade. Seu nico consolo era que, um dia, ele seria importante. Seria famoso. E nenhum daqueles caras jamais seria. Era por isso, dizia sua me, que o ridicularizavam. Eles esto c o m inveja, ela dizia. Mas Colin sabia que no era isso. No estavam com inveja. Ele simplesmente no era gostvel. s vezes simples assim. Por isso, tanto Colin quanto os pais caram satisfeitos e aliviados quando, logo depois do incio das aulas do terceiro ano, Colin Singleton comprovou seu bem-estar sociolgico 18. ao conquistar (por um curto perodo) o corao da menina de 8 anos mais bonita de toda Chicago. 6O que, por mais pattico que possa parecer, era verdade. De fato, Colin vinha querendo aprender snscrito que tipo o monte Everest das lnguas mortas. 7Do rabe: Eu te amo.8Pode ser til pensar nisso gracamente. Colin via a dicotomia Terminante/Terminado como uma curva de sino. A maioria das pessoas ca agrupada no meio; ou seja, so ou ligeiramente Terminados ou ligeiramente Terminantes. Mas a h as Katherines e seus Colins:9Como um macaco sabido, Colin possua um vocabulrio extenso, mas pouco conhecimento gramatical. Alm disso, no sabia pronunciar direito a palavra mortos. Voc deve perdo-lo. Ele tinha 2 anos. 10Que fique registrado que foi Colin quem inventou o nome. Os outros chamavam aquilo de O Alongamento, mas a, certa vez, quando estavam prestes a atac-lo, Colin gritou: No faam o Abdominvel Homem das Neves comigo! Foi um nome to inteligente que pegou. 19. (QUATRO)Colin estacionou numa parada de beira de estrada perto de Paducah, no Kentucky, por volta das trs da madrugada, baixou o encosto do banco at espremer as pernas de Hassan contra o assento traseiro e dormiu. Acordou umas quatro horas depois Hassan o chutava pelo encosto. Kafir, estou paralisado aqui atrs. Levante essa merda desse encosto. Eu preciso rezar. Colin estivera sonhando com seus melhores momentos junto de Katherine. Estendeu o brao para baixo e puxou a alavanca, o encosto pulando para a frente num tranco. Fug disse Hassan. Ser que alguma coisa morreu na minha garganta ontem noite? Humm, eu estou dormindo. Porque minha boca est com gosto de caixo destampado. Voc trouxe pasta de dente? Existe uma palavra para isso, na verdade. Fetor hepaticus. Acontece nos estgios avanados de Isso no interessante falou Hassan, que era o que ele dizia sempre que Colin saa por uma tangente aleatria. Pasta de dente? 11 Na ncessaire dentro da bolsa de viagem na mala do carro respondeu Colin. Hassan saiu e bateu a porta, e alguns minutos depois fechou a mala do carro com um estrondo. Colin esfregou os olhos e achou que era melhor acordar de uma vez. Enquanto Hassan ajoelhava no cho de cimento do lado de fora, virado para Meca, Colin foi ao banheiro. (Algum tinha pichado na porta do reservado: LIGUE-ME PARA CHUPETA. Colin cou se perguntando se a pessoa estava oferecendo um boquete ou uma carga eltrica na bateria e, pela primeira vez desde que cara deitado e imvel no carpete do quarto, entregou-se a sua maior paixo: Ligue-me para chupeta; Um tal pica-pau herege.) Ele saiu andando no calor do Kentucky e se sentou a uma mesa de piquenique de frente para Hassan, que parecia estar agredindo a mesa com o canivete preso no chaveiro. O que voc est fazendo? Colin dobrou os braos em cima da mesa e baixou a cabea. Bom, enquanto voc estava no banheiro, eu me sentei nesta mesa de piquenique aqui no Cu do Mundo, Kentucky, e reparei que algum tinha entalhado DEUS ODEIA GUEI, o que, alm de ser um pesadelo ortogrco, absolutamente ridculo. Ento estou mudando isso para Deus odeia baguetes. muito difcil discordar disso. Todo mundo odeia baguetes. Jaime les baguettes murmurou Colin. Voc aime muitas porcarias. Enquanto Hassan se esforava para escrever Deus odeia baguetes, a cabea de Colin 20. viajou dessa forma: (1) baguetes, (2) Katherine XIX, (3) o colar de rubis que comprara para ela cinco meses e dezessete dias antes, (4) a maioria dos rubis vem da ndia, que (5) era colnia do Reino Unido, da qual (6) Winston Churchill foi primeiro-ministro, e (7) no interessante o fato de que vrios polticos do bem, como Churchill e Gandhi, eram carecas enquanto (8) vrios ditadores do mal, como Hitler, Stalin e Saddam Hussein, usavam bigode? Mas (9) Mussolini s usava bigode de vez em quando, e (10) vrios cientistas de renome tinham bigode, como o italiano Ruggero Oddi, que (11) descobriu (e batizou em prpria homenagem) o esfncter de Oddi no trato gastrintestinal, que apenas um entre vrios esfncteres menos conhecidos, como (12) o esfncter da pupila. E por falar nisso: quando Hassan Harbish apareceu na Escola Kalman no primeiro ano do ensino mdio, depois de uma dcada de ensino domiciliar, ele era bastante inteligente, embora no to prodigioso. Naquele outono, ele cursou Matemtica 1 na turma de Colin, que era do nono ano. Mas os dois nunca se falavam, porque Colin havia desistido de fazer amizade com pessoas que no se chamassem Katherine. Ele odiava quase todos os alunos da Kalman, o que no chegava a ser um problema, j que a maioria tambm o odiava. Depois de umas duas semanas de aula, Colin levantou a mo e a Srta. Sorenstein falou: Pois no, Colin? Ele estava com a mo no olho esquerdo, por baixo da lente dos culos, visivelmente sentindo algum tipo de desconforto. Posso sair da sala um instantinho? perguntou. muito importante? Acho que tem um clio no esfncter da minha pupila respondeu Colin, e a turma inteira caiu na gargalhada. A Srta. Sorenstein o deixou sair e ele foi ao banheiro, onde, com ajuda do espelho, tirou o clio do olho, local onde se situa o esfncter da pupila. Depois da aula, Hassan achou Colin comendo um sanduche de manteiga de amendoim sem geleia na grande escadaria de pedra da entrada dos fundos da escola. Olhe s disse Hassan. Hoje meu nono dia numa escola, em toda a minha vida, e mesmo assim j consegui, de alguma forma, perceber o que voc pode e o que no pode falar. E voc no pode falar nada a respeito de seu esfncter. uma parte do olho Colin disse, na defensiva. Eu estava sendo inteligente. Aqui, cara. Voc precisa levar em conta sua plateia. Isso teria feito o maior sucesso num congresso de oftalmologia, mas, na aula de Matemtica, todo mundo s cou tentando imaginar como diabos voc conseguiu enfiar um clio l. E foi a que os dois ficaram amigos. 21. Preciso confessar, no sou muito f do Kentucky Hassan disse. Colin levantou a cabea, apoiando o queixo nos braos. Ele percorreu com os olhos a parada de beira de estrada por um instante. Seu pedao perdido no estava ali. Tudo aqui tambm me faz me lembrar dela. Planejvamos visitar Paris. Quer dizer, eu nem quero ir a Paris, mas co s imaginando como a Katherine ia car empolgada no Louvre. Ns iramos a restaurantes nos e talvez bebssemos vinho tinto. Chegamos at a 12procurar hotis na Internet. Poderamos ter feito isso com o dinheiro do KranialKidz. Cara, se o Kentucky faz voc se lembrar de Paris, ns estamos mal mesmo. Colin se sentou e olhou para a grama malcortada da parada de beira de estrada. E ento olhou para o trabalho habilidoso que Hassan havia realizado na mesa. Baguetes Colin explicou. Ai, meu Deus! D essas chaves aqui. Colin colocou a mo no bolso e jogou as chaves displicentemente para o outro lado da mesa. Hassan apanhou-as enquanto se levantava e foi na direo do Rabeco de Sat. Colin o seguiu, desanimado. Sessenta quilmetros adiante na estrada, ainda no Kentucky, Colin havia se aconchegado junto janela do carona e estava comeando a pegar no sono quando Hassan anunciou: O Maior Crucifixo de Madeira do Mundo: Prxima Sada! Ns no vamos parar para ver o Maior Crucifixo de Madeira do Mundo. Ah, se vamos disse Hassan. Deve ser enorme! Hass, por que ns pararamos para ver o Maior Crucifixo de Madeira do Mundo? Essa uma viagem de carro! uma aventura! Hassan bateu no volante para enfatizar sua empolgao. No como se tivssemos um lugar para ir. Voc quer mesmo morrer sem nunca ter visto o Maior Crucifixo de Madeira do Mundo? Colin ponderou sobre aquilo. Quero. Em primeiro lugar, nem eu nem voc somos cristos. Em segundo, passar o vero inteiro correndo atrs de atraes tursticas idiotas de beira de estrada no vai ajudar em nada. E, em terceiro, crucifixos me fazem me lembrar dela. Quem? Ela. Kafir, ela era ateia! Nem sempre Colin disse baixinho. Ela usava um pingente de crucixo, h muito tempo. Antes de a gente namorar. 22. Ele olhou pela janela, pinheiros passavam depressa. Sua memria imaculada invocou o crucifixo de prata. Seu nvel de sitzpinklerice me d nojo disse Hassan, mas pisou fundo no acelerador do Rabeco e continuou em frente, passando batido pela sada. 11Mas o fato que se chamava fetor hepaticus mesmo: um sintoma do estgio avanado de insucincia heptica. Basicamente, o que acontece que seu hlito fica com o cheiro de um cadver em decomposio. 12Mais sobre isso adiante, mas, basicamente: um ano antes, mais ou menos, Colin tivera acesso a uma certa quantia em dinheiro. 23. (CINCO)Duas horas depois de terem desistido de ver o Maior Crucixo de Madeira do Mundo, Hassan tocou de novo no assunto. Voc j sabia que o Maior Crucixo de Madeira do Mundo cava no Kentucky? gritou, a janela aberta, a mo esquerda balanando em ondas com a fora do vento. S descobri isso hoje Colin respondeu. Mas sei que a maior igreja de madeira do mundo fica na Finlndia. Isso no interessante disse Hassan. Cada isso no interessante de Hassan havia ajudado Colin a perceber o que as outras pessoas gostavam e o que no gostavam de ouvir. Colin nunca tivera essa percepo antes de Hassan, porque todo mundo ou ngia que estava interessado ou o ignorava. Ou ento, no caso das Katherines, ngia e depois ignorava. Graas lista compilada por Colin de 13coisas que no eram interessantes, ele conseguia manter dilogos razoavelmente normais. Depois de trezentos quilmetros e uma parada para abastecer, tendo sado a salvo do Kentucky, eles estavam a meio caminho entre Nashville e Memphis. O vento que entrava pelas janelas abertas havia secado o suor dos dois sem chegar exatamente a refresc-los, e Colin se perguntava como poderiam encontrar um lugar com ar-condicionado quando reparou num letreiro pintado mo acima de uma plantao de algodo, milho, soja ou 14algo do gnero. SADA 212 VISITE O TMULO DO ARQUIDUQUE FRANCISCO FERDINANDO O CADVER QUE DEFLAGROU A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL. Isso simplesmente no parece plausvel Colin comentou, baixinho. S estou dizendo que deveramos ir a algum lugar Hassan falou, sem dar ouvidos a ele. Quer dizer, eu gosto dessa interestadual tanto quanto qualquer outra pessoa, mas se continuarmos seguindo para o sul, vai car cada vez mais quente, e eu j estou suando como uma prostituta dentro de uma igreja. Colin esfregou a mo no pescoo dolorido, pensando que de jeito nenhum passaria outra noite no carro se tinha dinheiro suficiente para pagar um quarto de hotel. Voc viu aquela placa? ele perguntou. Que placa? Aquela falando do tmulo do arquiduque Francisco Ferdinando. Desviando completamente os olhos da estrada, Hassan virou-se para Colin, abriu um amplo sorriso e deu um soquinho no ombro do amigo. Excelente. Excelente. E, de qualquer forma, hora do almoo. 24. Assim que Colin saltou do carro no estacionamento da lanchonete Hardees, na Sada 212, no condado de Carver, Tennessee, ligou para a me. Oi, estamos no Tennessee. E como voc est se sentindo agora, querido? Melhor, acho. No sei. Est quente aqui. Algum, humm, algum ligou? A me fez uma pausa, e Colin pde sentir a desagradvel piedade que havia nela. Sinto muito, meu amor. Vou dizer para, humm, algum, ligar para o seu celular. Obrigado, me. Preciso ir agora. Vou almoar no Hardees. Parece uma boa ideia. No se esquea do cinto de segurana! Amo voc! Eu tambm. Aps um implacavelmente gorduroso Monster Thickburger na lanchonete vazia, Colin perguntou para a mulher da caixa registradora, cujo corpo parecia ter sofrido os efeitos da ingesto de uma quantidade talvez grande demais de refeies no local de trabalho, como chegar ao tmulo do Francisco Ferdinando. Quem? ela perguntou. O arquiduque Francisco Ferdinando. A mulher ficou olhando para ele sem esboar qualquer reao por um instante, mas ento seus olhos se arregalaram. Ah, cs to procurando Gutshot. Garoto, c t indo pra roa, hem? Gutshot? . Bem, o que c precisa fazer agora sair do estacionamento e virar direita, quer dizer, saindo da autoestrada. E a, uns trs quilmetros daqui, a rua vai fazer um T. Tem um posto de gasolina Citgo abandonado por l. C pega a direita naquela rua e a c vai dirigir um tempo sem ver nada de um lado nem de outro por uns quinze ou vinte quilmetros. C vai subir um pedacinho de uma colina e a c chega em Gutshot. Gutshot? Gutshot, Tennessee. Foi pra l que levaram o arquiduque. Ento eu pego a direita e depois viro direita de novo. Isso a. Espero que cs se divirtam por l, viu? Gutshot Colin repetiu baixinho. T, obrigado. 25. Parecia que a tal estrada de quinze a vinte quilmetros tinha cado bem no epicentro de um terremoto, e depois nunca mais foi asfaltada. Colin dirigia com cuidado, mas, ainda assim, os amortecedores gastos do Rabeco rangiam e gemiam nos interminveis buracos e ondulaes do asfalto. Talvez a gente no precise ver o arquiduque disse Hassan. Essa uma viagem de carro. uma aventura Colin respondeu, imitando-o. Voc acha que os moradores de Gutshot, Tennessee, j viram um rabe de carne e osso na frente deles? Ah, no seja to paranoico. Ou ento, por falar nisso, acha que j viram algum assim como voc, com esse cabelo cacheado tipo judeu-afro? Colin ponderou sobre aquilo por um momento e ento disse: Bem, a mulher do Hardees foi legal com a gente. T, mas a moa no Hardees chamou Gutshot de roa Hassan argumentou, imitando o sotaque da mulher. Quer dizer, se o Hardees urbano, no sei se quero ver o que rural. Hassan continuou com sua diatribe e Colin sorriu e deu risadinhas nas horas certas, mas simplesmente continuou dirigindo, calculando a probabilidade de o arquiduque, que havia morrido em Sarajevo mais de noventa anos antes, e que havia surgido do nada na cabea de Colin na noite anterior, acabar entre ele e qualquer que fosse o lugar para onde estava indo. Aquilo era irracional, e Colin odiava pensar irracionalmente, mas no pde evitar cogitar se o fato de estar na presena do arquiduque talvez pudesse lhe revelar algo a respeito de seu pedao perdido. Mas Colin sabia que o universo no conspirava para colocar uma pessoa em um local em vez de em outro. E pensou em Demcrito: Em todo lugar o homem culpa a natureza e o destino, embora seu destino seja nada mais que o eco de seu carter e suas 15paixes, seus erros e suas fraquezas. Ento no foi uma obra do destino, mas sim o carter e as paixes de Colin Singleton, seus erros e suas fraquezas que o levaram a Gutshot, Tennessee POPULAO 864, como se podia ler na placa beira da estrada. Num primeiro momento, Gutshot se pareceu com tudo o que veio antes dela, a nica diferena era a estrada, mais bem-asfaltada. Dos dois lados do Rabeco, campos de abbora, plantas luminosamente verdes que se estendiam num cinza innito, interrompidas apenas por um eventual pasto de cavalos, um celeiro ou grupos isolados de rvores. Depois de algum tempo, Colin viu sua frente, na beira da estrada, uma construo de dois andares feita de tijolos de cimento pintados de um cor-derosa pavoroso. 26. Acho que Gutshot aqui ele disse, balanando a cabea na direo do prdio. Ao lado, uma placa pintada a mo dizia: REINO DE GUTSHOT LOCAL DO DESCANSO ETERNO DO ARQUIDUQUE FRANCISCO FERDINANDO / CERVEJA GELADA / REFRIGERANTES / ISCAS. Colin manobrou o carro para entrar no estacionamento de cascalho da loja. Enquanto soltava o cinto de segurana, falou para Hassan: S queria saber se eles guardam o arquiduque com o refrigerante ou com a isca. A gargalhada sonora de Hassan ecoou pelo carro. Merda, Colin fez uma piadinha. Esse lugar mgico para voc. S uma pena o jeito como vamos morrer aqui. Tipo, falando srio. Um rabe e um meio-judeu entram numa loja no Tennessee. o comeo de uma piada, e no final vai ter a palavra sodomia. Mesmo assim, Colin ouvira Hassan atrs dele, arrastando os ps pelo cascalho do estacionamento. Os dois passaram por uma porta de tela e entraram na Mercearia Gutshot. De trs do balco, uma garota de nariz longilneo e empinado e olhos castanhos que deviam ser do tamanho de alguns planetas menores levantou o olhar de um exemplar da revista Celebrity Living e disse: Como cs to? Bem. E voc? Hassan perguntou enquanto Colin ponderava se em toda a histria da humanidade alguma alma que valesse a pena teria lido um exemplar sequer da Celebrity 16Living. T bem disse a garota. Eles caram explorando a loja por um tempo, andando pelo piso empoeirado de madeira envernizada, ngindo estar escolhendo entre os vrios pacotes de biscoitos salgados, as bebidas e os peixinhos nadando em tanques de iscas. Meio agachado atrs de uma prateleira de sacos de batatas fritas que ia at a altura do peito, Colin puxou a camisa de malha de Hassan, colocou a mo em forma de concha no ouvido do amigo e sussurrou: Fale com ela. S que, na verdade, Colin no sussurrou, porque nunca dominara a arte de sussurrar ele meio que falou com um tom de voz ligeiramente mais baixo bem no tmpano de Hassan. Hassan se encolheu e balanou a cabea negativamente. Qual a superfcie total, em quilmetros quadrados, do estado do Kansas? ele sussurrou. Humm, uns 211.800. Por qu? Nada. que eu acho interessante o fato de voc saber isso mas no conseguir encontrar um jeito de falar sem usar as cordas vocais. Colin comeou a explicar que at mesmo um sussurro envolve a utilizao das cordas 27. vocais, mas Hassan s revirou os olhos. Ento levou a mo at o rosto e mordiscou a almofada do polegar enquanto olhava para Hassan, esperanoso, mas o amigo j havia desviado sua ateno para os sacos de batata frita e, por isso, acabou sobrando para Colin. Ele andou at o balco e disse: Oi, ns estamos querendo saber a respeito do arquiduque. A leitora da Celebrity Living abriu um sorriso. As bochechas salientes e o nariz longilneo desapareceram. Ela possua o tipo de sorriso largo e matreiro que no lhe deixa opo seno acreditar s dava vontade de faz-la feliz para poder continuar vendo aquele sorriso. Mas ele sumiu de repente. As visitas comeam de hora em hora, custam 11 dlares e, pra ser sincera, no valem o ingresso ela respondeu num tom de voz montono. Vamos pagar Hassan disse, aparecendo atrs de Colin de repente. O garoto precisa ver o arquiduque. E ento Hassan inclinou o corpo para a frente e ngiu sussurrar: Ele est beira de um ataque de nervos. Hassan colocou 22 dlares no balco, os quais a garota prontamente deslizou para dentro do bolso do short, ignorando solenemente a caixa registradora sua frente. A menina soprou um cacho do cabelo castanho-avermelhado da frente do rosto e suspirou. T quente l fora ela comentou. Vai ser, tipo, uma visita guiada? Colin perguntou. . E pra minha infelicidade eterna sou eu a guia turstica. Ela saiu de trs do balco. Baixa. Magra. O rosto mais interessante que bonito. Meu nome Colin Singleton ele disse para a guia turstica/caixa de mercearia. Lindsey Lee Wells ela falou, estendendo a mo pequena, as unhas com um esmalte cor-de-rosa cintilante descascado. Ele apertou a mo dela, que ento se virou para Hassan. Hassan Harbish. Muulmano sunita. No terrorista. Lindsey Lee Wells. Metodista. Tambm no. A garota sorriu de novo. Colin no estava pensando em nada alm dele mesmo, da K-19 e do pedao de sua barriga que fora tirado do lugar, mas no havia como negar o sorriso dela. Aquele sorriso seria capaz de pr fim a guerras e curar o cncer. Por um bom tempo eles seguiram atravessando o terreno atrs da loja, com o mato na altura dos joelhos o que causou irritao na pele sensvel das panturrilhas expostas de Colin. Ele pensou em mencionar isso e perguntar se, quem sabe, no haveria algum trecho 28. recm-aparado pelo qual pudessem andar, mas sabia que Hassan acharia que aquilo era sitzpinklerice, ento permaneceu calado enquanto o capim lhe dava comiches. Ele pensou em Chicago, onde uma pessoa pode passar dias sem pisar uma vez sequer num trecho de terra de verdade. Aquele mundo perfeitamente asfaltado o atraa, e Colin sentia falta dele quando seus ps pousavam nos desnveis da terra batida, que podiam faz-lo torcer o tornozelo. Enquanto Lindsey Lee Wells andava frente dos dois (numa atitude tpica de uma leitora da Celebrity Living; evitando falar com eles), Hassan simplesmente seguiu ao lado de Colin. E ainda que Hassan, tecnicamente falando, no o tenha chamado de sitzpinkler por ser alrgico ao mato, Colin sabia que o amigo teria feito isso, o que o incomodou. E ento Colin, mais uma vez, puxou o assunto que menos agradava a Hassan: Eu j falei hoje que voc deveria ir para a faculdade? Hassan revirou os olhos. T, eu sei. Quer dizer, veja s aonde a excelncia acadmica levou voc. Colin no conseguiu pensar numa resposta altura. Bem, mas voc deveria ir esse ano. No d para voc no ir para sempre. Voc s precisa se inscrever nas matrias a partir de 15 de julho. (Colin checara isso.) Na verdade eu posso no ir para sempre, sim. J disse antes e vou dizer de novo: gosto de car coando o saco, vendo TV e engordando. Esse o grande trabalho da minha vida, Singleton. E por isso que adoro viagens de carro, cara. como estar fazendo alguma coisa sem, na verdade, fazer nada. De qualquer forma, meu pai no fez faculdade e rico que nem um porco. Colin ficou se perguntando como porcos podem ser ricos, mas apenas disse: T, mas tambm seu pai no ca coando o saco. Ele trabalha, tipo, umas cem horas por semana. Verdade. Verdade. E graas a ele que eu no tenho que trabalhar nem fazer faculdade. Colin no tinha reposta para aquilo. Mas simplesmente no conseguia entender a apatia de Hassan. Qual o sentido de estar vivo se voc nem ao menos tenta fazer algo extraordinrio? Que estranho acreditar que um Deus lhe deu a vida e, ao mesmo tempo, achar que a vida no espera de voc nada mais que ficar vendo TV. Mas, pensando bem, algum que acabou de cair na estrada para fugir das lembranas de sua dcima nona Katherine, e que est se arrastando pelo centro-sul do Tennessee a caminho do tmulo de um falecido arquiduque austro-hngaro, talvez no tenha o direito de sair por a achando nada estranho. E Colin estava ocupado criando anagramas para nada estranho santa ordenha, t nada senhor, DNA nesta hora quando deixou o prprio DNA orgulhoso: tropeou num montculo de terra e caiu. Ele cou to desorientado com a viso do solo se aproximando 29. depressa que nem chegou a esticar os braos para a frente e tentar aparar a queda com as mos. Apenas caiu para a frente como se tivesse levado um tiro nas costas. A primeira coisa que tocou o cho foram seus culos, seguidos imediatamente pela testa, que bateu em uma pequena pedra pontuda. Colin rolou para o lado e parou de barriga para cima. Eu ca anunciou em alto e bom som. Merda! Hassan gritou, e quando Colin abriu os olhos, viu a imagem embaada do amigo e de Lindsey Lee Wells se ajoelhando e olhando para ele. O perfume dela era forte e frutado, e Colin presumiu que se chamava Curve. Ele havia 17comprado um vidro desse para a Katherine XVII, mas ela no gostou da fragrncia. Estou sangrando, no estou? Colin perguntou. Como um porco no abate Lindsey disse. Fica quieto. Ela virou-se para Hassan e disse: D aqui sua camisa. Ao que o garoto imediatamente respondeu no, o que Colin deduziu ter algo a ver com os peitinhos protuberantes de Hassan. A gente precisa fazer presso no machucado Lindsey explicou para Hassan, que calmamente negou-se, de novo, e ela retrucou: Jesus Cristo t bem. Ela tirou a prpria camisa. Colin apertou os olhos, forando a vista na embaada ausncia dos culos, mas no conseguiu ver muito. Acho que deveramos deixar isso para o segundo encontro Colin disse. T, seu tarado ela retrucou, mas ele pde ouvi-la sorrindo. Enquanto Lindsey passava a camisa devagar pela testa e pela bochecha de Colin e depois pressionava com bastante fora uma regio macia acima da sobrancelha direita dele, continuou falando. Que grande amigo esse que c tem, hein? Para de mexer o pescoo. Nossas duas preocupaes aqui so algum tipo de leso vertebral ou um hematoma subdural. Quer dizer, as chances so bem pequenas, mas preciso tomar todas as precaues, porque o hospital mais prximo fica a uma hora daqui. Ele fechou os olhos e tentou no se encolher enquanto ela fazia uma presso enorme no corte. Lindsey falou para Hassan: Faz presso aqui com a camisa. Volto em oito minutos. Deveramos ligar para um mdico ou coisa assim Hassan disse. Sou paramdica Lindsey respondeu ao se virar. Que diabo de idade voc tem? ele perguntou. Dezessete. T. Tudo bem. Paramdica em fase de treinamento. Oito minutos. Juro. Ela saiu correndo. O que Colin mais gostou no foi do cheiro do Curve no exatamente. Foi do cheiro do ar logo que Lindsey comeou a se afastar correndo. O aroma do perfume que cou para trs. No h palavra em ingls que descreva isso, mas Colin 30. conhecia o termo em francs: sillage. O que lhe agradava no Curve no era o aroma que ficava na pele, mas o sillage, o cheiro doce e frutado que ele deixava ao se afastar. Hassan sentou-se no mato alto, ao lado de Colin, pressionando bastante o corte. Foi mal no ter tirado a camisa. Os peitinhos? perguntou Colin. , pois . S acho que preciso conhecer melhor a garota antes de mostrar meus peitinhos. Cad seus culos? Foi isso que fiquei me perguntando quando ela tirou a camisa Colin disse. Ento voc no conseguiu enxergar direito? No consegui. S vi que o suti era roxo. Era mesmo? Hassan retrucou, com ironia. E Colin se lembrou da K-19 sentada em cima dele na cama, o suti roxo, enquanto terminava o namoro. E se lembrou da Katherine XIV, o suti preto e todo o resto preto tambm. E se lembrou da Katherine XII, a primeira que usou suti, e de todas as Katherines cujos sutis ele vira (quatro, a menos que se contem as alas, o que, no caso, elevaria o total para sete). As pessoas achavam que ele gostava de sofrer, que gostava de levar o fora das namoradas. Mas no era bem assim. Ele s no conseguia antever que isso estava por vir, e ali, deitado no cho duro e irregular, com Hassan pressionando demais sua testa, a distncia que separava Colin e seus culos permitiu que ele percebesse qual era o problema: miopia. Ele tinha a vista curta. O futuro jazia sua frente, inevitvel mas invisvel. Achei Hassan disse, e tentou colocar os culos no rosto do amigo, meio desajeitadamente. Mas difcil encaixar os culos em outra pessoa e, por m, Colin levantou a mo e ajeitou a armao no nariz, conseguindo enxergar. Eureca falou, baixinho. 31. Katherine XIX: O Fim (do Fim)Ela terminou com ele no oitavo dia do dcimo segundo ms, vinte e dois dias antes de completarem um ano de namoro. Ambos tinham se formado naquela manh, mas em escolas diferentes, ento os pais de Colin e os de Katherine, que eram velhos amigos, marcaram um almoo de comemorao. E a noite cou reservada s para os dois. Colin se preparou fazendo a barba e colocando o desodorante Wild Rain, do qual ela gostava tanto que chegava a se aninhar em seu peito para sentir o aroma. Ele a buscara no Rabeco de Sat e os dois seguiram na direo sul pela avenida Lakeshore, as janelas abertas, por onde podiam ouvir, mais alto que o ronco do motor, o barulho das ondas do lago Michigan aoitando o litoral rochoso. frente, uma viso area da cidade. Colin sempre amara aquela vista panormica de Chicago. Embora no fosse religioso, a viso do panorama urbano provocava nele o que em latim se chama de mysterium tremendum et fascinans uma mistura de medo aterrorizante com fascnio arrebatador, do tipo que d frio na barriga. Eles continuaram at o centro da cidade, um trajeto cheio de curvas direita e esquerda, passando em frente aos arranha-cus do centro comercial de Chicago, e j estavam atrasados, porque Katherine sempre se atrasava para tudo. Ento, depois de dez minutos procurando uma vaga com parqumetro, Colin pagou dezoito dlares para parar num estacionamento rotativo, o que deixou Katherine irritada. S estou dizendo que poderamos ter achado uma vaga na rua ela disse ao apertar o boto para chamar o elevador na garagem do estacionamento. Mas eu tenho dinheiro para isso. E ns estamos atrasados. Voc no deveria gastar sem necessidade. Estou prestes a gastar cinquenta pratas em sushi ele respondeu. Por voc. A porta se abriu. Exasperado, ele encostou no revestimento de madeira do elevador e suspirou. Eles mal se falaram at estarem dentro do restaurante, sentados a uma mesa minscula perto do banheiro. formatura e a um jantar maravilhoso ela disse, levantando o copo de Coca. Ao m da vida como a conhecemos Colin completou, e os dois brindaram encostando os copos. Jesus, Colin, no o fim do mundo. o fim de um mundo ele argumentou. Est preocupado com a possibilidade de no ser o cara mais inteligente da Northwestern? Ela sorriu e ento suspirou. Colin sentiu uma pontada repentina na barriga. Pensando em retrospecto, essa foi a primeira dica de que alguma parte dele logo estaria faltando. Por que voc suspirou? ele perguntou. 32. A garonete chegou nessa hora, interrompendo a conversa com um prato retangular de sushis Califrnia e de salmo. Katherine separou os pauzinhos e Colin pegou o garfo. Ele sabia falar um pouco de japons, para um dilogo simples, mas os pauzinhos eram motivo de frustrao para ele. Por que voc suspirou? perguntou de novo. Jesus, por nada. No, diga por qu ele insistiu. que voc voc ca o tempo todo se preocupando com o fato de deixar de ser prodgio ou de levar o fora de alguma namorada ou com sei l mais o qu, e nunca, nem por um segundo, ca agradecido. Voc foi o orador da turma. Voc vai para uma faculdade excelente ano que vem, de graa. E da que talvez voc no seja uma criana prodgio? Isso bom. Pelo menos no mais criana. Ou pelo menos no era mais para ser. Colin mastigava. Ele gostava da alga que se usa para enrolar o sushi: de como era difcil mastig-la, da sutileza da gua do mar. Voc no entende ele disse. Katherine apoiou os pauzinhos na pequena vasilha com molho de soja e encarou-o de um jeito que ia alm da frustrao. Por que voc sempre tem que dizer isso? verdade ele falou simplesmente, e Katherine no entendia. Ela continuava linda, engraada, sabendo comer com os pauzinhos. Ser prodgio era tudo o que Colin tinha, da mesma forma que um idioma tem suas palavras. No meio de todo esse vaivm de perguntas e respostas, Colin tentava controlar o mpeto de perguntar se ela ainda o amava, porque a nica coisa que Katherine odiava mais do que Colin dizendo que ela no entendia era Colin perguntando se ela ainda o amava. Ele tentou e tentou se controlar. Por sete segundos. Voc ainda me ama? Ai, meu Deus, Colin! Por favor. Ns nos formamos. Estamos felizes. Comemore! Por qu? Est com medo de dizer? Eu te amo. Ela nunca mais nem uma vez sequer diria essas palavras nessa ordem novamente. D para criar um anagrama para sushi? perguntou. Ih, sus ele respondeu imediatamente. Sus tem trs letras; sushi tem cinco ela disse. No. Ih, Sus. O Ih e o Sus. D para fazer outros, mas eles no fazem sentido, gramaticalmente falando. Ela sorriu. s vezes voc se cansa de tanto eu perguntar se d para criar anagramas? No. No. Eu nunca me canso de nada que voc faz disse, e a cou com vontade de 33. pedir desculpas, e de explicar que s vezes se sentia incompreendido, s vezes cava preocupado quando os dois discutiam e ela cava um tempo sem dizer que o amava, mas se conteve. Alm do mais, eu gosto que sushi vire Ih, Sus. Crie uma histria. Crie uma histria era um jogo que ela inventara no qual Colin formava os anagramas e Katherine inventava uma cena anagramtica. T ela disse. T. A um cara vai pescar no per e pega uma carpa. E claro que ela est toda cheia de pesticidas, esgoto e todas as porcarias nojentas do lago Michigan, mas ele leva a carpa para casa mesmo assim porque imagina que se frit-la por tempo suciente no vai ter problema. Ele limpa o peixe, corta em ls e a o telefone toca, ento tudo ca na bancada da cozinha. Ele fala ao telefone por um tempo e, quando volta, v que a irm menor, Susana, est segurando um grande pedao cru da carpa do lago Michigan. E est mastigando. Ela levanta os olhos para o irmo, e diz: Sushi! E ele exclama: Ih, Sus Eles riram. Ele nunca a amou tanto quanto naquele momento. Mais tarde, depois que os dois entraram no apartamento na ponta dos ps e Colin subiu a escada para dizer me que chegara em casa deixando de fora a informao, provavelmente relevante, de que no estava sozinho , e depois que haviam pulado na cama, no andar de baixo, e depois que ela tirara a camisa dele, e ele, a dela, e depois que se beijaram at os lbios dele ficarem dormentes e formigando, ela perguntou: Voc est mesmo triste por se formar? No sei. Se eu tivesse feito diferente Se tivesse entrado na faculdade com 10 anos, ou coisa assim No d para saber se minha vida seria melhor. Ns provavelmente no estaramos juntos. Eu no teria conhecido Hassan. E muitos prodgios que se esforam, se esforam e se esforam acabam ainda mais fugged up que eu. Mas outros acabam sendo um 18John Locke ou um Mozart ou sei l quem mais. E as minhas chances de Mozartidade acabaram. Col, voc tem 17 anos. Ela suspirou de novo. Ela suspirava muito, mas no devia haver nada de errado, porque a sensao de t-la aninhada ao corpo dele era to boa, a cabea dela em seu ombro, sua mo afastando os cabelos loiros e macios da frente do rosto dela. Ele olhou para baixo e pde ver a ala do suti roxo. 19 Mas como a tartaruga e a lebre, K. Eu aprendo mais rpido que as outras pessoas, mas elas continuam aprendendo. Meu ritmo diminuiu e agora elas esto me alcanando. Sei que tenho 17 anos. Mas j passei do meu pice. 34. Ela riu. Srio. Existem estudos sobre essa merda. Os prodgios tendem a atingir seu pice aos, tipo, 12 ou 13 anos. E o que foi que eu z? Eu venci um fugging de um programa de televiso um ano atrs? essa a minha marca indelvel na histria da humanidade? Katherine se sentou olhando para ele. Colin pensou nos outros suspiros dela, melhores e diferentes, pensou no corpo dele roando no dela. Ela o encarou por um bom tempo, a mordeu o lbio inferior e disse: Colin, talvez o problema seja ns dois. Ai. Merda ele disse. E foi a que tudo comeou. O m consistiu basicamente em sussurros dela e silncio dele porque Colin no sabia sussurrar e os dois no queriam acordar os pais dele. Conseguiram no fazer barulho, em parte porque parecia que todo o ar havia sido tirado dele. Paradoxalmente, Colin sentia como se o trmino do namoro fosse a nica coisa acontecendo em todo o planeta escuro e silencioso, e, ao mesmo tempo, parecia que aquilo no estava acontecendo de fato. Ele sentiu sua ateno se desviar da conversa unilateral e sussurrada e comeou a se perguntar se talvez todas as coisas grandes, dolorosas e incompreensveis seriam paradoxais. Ele era um homem beira da morte olhando para os cirurgies que tentavam salv-lo. A uma distncia quase confortvel da coisa em si, do que estava realmente acontecendo, Colin pensou no mantra dos fracotes apatetados: paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca vo me machucar. Que mentira deslavada! Aquilo, ali e naquele instante, era o verdadeiro Abdominvel Homem das Neves: parecia que havia algo congelando em seu estmago. Eu te amo tanto e s quero que voc me ame do mesmo jeito que eu te amo ele disse, o mais baixo que conseguiu. Voc no precisa de uma namorada, Colin. Voc precisa de um rob que no diga nada alm de eu te amo. E parecia que pedras e paus o estavam atingindo de dentro para fora, era uma dor palpitante e depois aguda logo abaixo da caixa torcica, e foi a que ele sentiu, pela primeira vez, que parte de suas vsceras lhe havia sido arrancada. Katherine tentou ir embora da forma mais rpida e indolor possvel, mas assim que declarou que precisava sair de qualquer jeito, pois tinha hora para chegar em casa, Colin comeou a chorar. Ela segurou a cabea dele encostada em sua clavcula. E mesmo se sentindo pattico e ridculo, Colin no queria que aquilo acabasse, porque sabia que a ausncia dela doeria mais que qualquer fim de namoro. Mas Katherine foi embora mesmo assim e ele cou sozinho no quarto, tentando encontrar anagramas para meupedaoperdido na v tentativa de pegar no sono. 35. 13Entre muitos e muitos outros, os itens a seguir, denitivamente, no so interessantes: o esfncter da pupila, a mitose, a arquitetura barroca, piadas que terminavam com equaes fsicas, a monarquia britnica, a gramtica russa e o papel significativo que o sal desempenhou na histria da humanidade. 14Identificar plantaes no est entre os talentos de Colin.15Em grego, para os curiosos: , , . 16Traduzindo isso Venn-diagramaticamente, Colin teria argumentado que o mundo dividido assim:17Parece que eu esfreguei no pescoo chiclete de framboesa mastigado, ela disse, mas no era isso no exatamente. O cheiro era de perfume de chiclete sabor framboesa, que, na verdade, era um aroma muito gostoso. 18Filsofo e cientista poltico britnico que j sabia ler e escrever em latim e em grego numa idade em que o resto de ns no consegue nem amarrar os sapatos sozinho. 19Embora voc v perceber que Colin ainda no entendeu direito do que exatamente se trata a histria da tartaruga e da lebre, ele j havia deduzido que no era apenas sobre uma tartaruga e um coelho correndo. Com certeza. 36. (SEIS)Era sempre assim: ele procurava a chave do Rabeco de Sat em todos os lugares e, depois de um tempo, desistia, dizendo: T. Vou pegar o fugging do nibus, e a, quando j ia em direo porta, ela aparecia. A chave aparece quando voc faz as pazes com o nibus; as Katherines aparecem quando voc comea a acreditar que no h mais nenhuma Katherine no mundo; e como no poderia deixar de ser, o momento eureca se deu exatamente quando Colin comeou a aceitar o fato de que jamais aconteceria. Ele sentiu a empolgao do momento se propagar como uma onda por seu corpo, os olhos piscavam rapidamente enquanto ele se esforava para se lembrar da ideia em toda a sua completude. Deitado ali, de costas, naquele ambiente quente e empoeirado, a sensao provocada pelo momento eureca equivalia de mil orgasmos ao mesmo tempo, s que sem tanta lambana. Eureca? perguntou Hassan, a empolgao evidente em sua voz. Hassan tambm vinha esperando por aquilo. Preciso colocar isso no papel Colin disse, se sentando. A cabea dele doa muito, mas ele colocou a mo no bolso e tirou o caderninho que carregava para todo lado, alm do lpis no 2, que estava quebrado ao meio por causa do tombo, mas ainda dava para escrever. Ele rascunhou:Onde x = tempo e y = felicidade, y = 0: o incio e o trmino do relacionamento; y negativo: quando o h termina; y positivo: quando a m termina meu relacionamento com K-19. Ele ainda estava rascunhando quando escutou Lindsey Lee Wells chegando. Arregalou os olhos e a viu com outra camisa de malha (em que se lia GUTSHOT!), carregando uma caixa de primeiros socorros com uma, juro por Deus, cruz vermelha pintada. Lindsey ajoelhou-se ao lado de Colin, tirou a camisa da cabea dele com cuidado e falou: Vai doer. Ela encostou um cotonete comprido no corte, embebido no que parecia ser molho de 37. pimenta. FUG! Colin gritou, se encolhendo, e olhou para cima, vendo os grandes olhos castanhos dela piscarem por causa do suor que pingava enquanto a garota agia. Eu sei. Foi mal. T, acabou. C no precisa levar ponto, mas aposto que vai car com uma cicatrizinha. Tudo bem? O que mais uma cicatriz? Colin disse, distrado, enquanto ela pressionava a testa dele com uma atadura de gaze enorme. Sinto como se algum tivesse me dado um soco no crebro. Possvel concusso cerebral Lindsey observou. Que dia hoje? Onde c t? Hoje tera-feira e eu estou no Tennessee. Quem era senador de New Hampshire em 1873? Hassan perguntou. Bainbridge Wadleigh respondeu Colin. No acho que eu tenha uma concusso cerebral. Isso srio? perguntou Lindsey. Quer dizer, c sabe isso de verdade? Colin fez que sim com a cabea, devagar. respondeu. Eu sei o nome de todos os senadores. Alm do mais, esse fcil de lembrar, porque sempre penso em como seus pais devem fugging odiar voc para colocar o nome de Bainbridge Wadleigh. Srio disse Hassan. Tipo, a pessoa j nasceu com o sobrenome Wadleigh. S o fato de ser um Wadleigh j ruim o suciente. Mas a voc pega esse Wadleigh e o promove a Bainbridge. No de admirar que o pobre coitado nunca tenha conseguido se eleger presidente. Lindsey acrescentou: Mas, por outro lado, um cara chamado Millard Fillmore foi presidente. Nenhuma me que se preze botaria Millard num Fillmore tambm. Ela entrou na conversa to rapidamente e de um jeito to natural que Colin j estava revendo sua teoria sobre a Celebrity Living. Ele sempre achou que as pessoas de Lugar Nenhum, Tennessee, seriam mais burras que Lindsey Lee Wells. Hassan sentou-se ao lado de Colin e pegou o caderninho do amigo. Ele o segurou no alto, contra o sol, que havia sado de trs de uma nuvem para continuar castigando o solo rachado e alaranjado. Deu uma olhada rpida no papel e disse: Voc me fez car aqui todo empolgado e na expectativa e a grande descoberta que voc gosta de levar o fora das suas namoradas? Merda, Colin. Eu mesmo poderia ter dito isso. Para falar a verdade, eu disse. O amor pode ser representado graficamente! Colin disse, na defensiva. Pera. Hassan deu mais uma olhada no papel e depois olhou para Colin. Universalmente? Voc est querendo dizer que isso vai funcionar para qualquer um? 38. Isso. Porque relacionamentos so muito previsveis, no so? Bem, estou desenvolvendo uma forma de fazer isso. Pegue quaisquer duas pessoas e, mesmo que elas ainda no se conheam, a frmula vai mostrar quem vai terminar com quem se vierem a namorar e aproximadamente quanto tempo o relacionamento vai durar. Impossvel disse Hassan. No, no , porque possvel supor um futuro quando se tem um entendimento bsico de como provvel que as pessoas ajam. O suspiro longo e lento de Hassan terminou num sussurro. . T. Isso interessante. Ele no poderia ter feito elogio maior a Colin. Lindsey Lee Wells se abaixou e pegou o caderninho da mo de Hassan. Leu devagar. Por fim, perguntou: O que diabos K-19? Colin apoiou a mo na terra seca e empurrou o corpo para cima, para se levantar. O o que quem ele respondeu. Katherine XIX. Eu namorei dezenove garotas chamadas Katherine. Lindsey Lee Wells e Colin caram se encarando por um bom tempo at que, por m, o sorriso dela deu lugar a uma risadinha. O que foi? Colin perguntou. Ela balanou a cabea, mas no conseguiu parar de rir. Nada. Vamos ver o arquiduque. No, diga ele insistiu. Colin no gostava que guardassem segredos dele. Estar por fora de alguma coisa o irritava mais do que deveria, na verdade. No nada. s que eu s namorei um garoto. E por que isso engraado? perguntou Colin. engraado ela explicou porque o nome dele Colin. 39. O Meio (do Comeo)L pelo terceiro ano a incapacidade de Colin de alcanar um bem-estar sociolgico havia se tornado to bvia para todos que ele s assistia s aulas da Kalman trs horas por dia. O restante, passava com seu tutor vitalcio, Keith Carter, que tinha um Volvo cujas letras da placa eram LOOOUCO. Keith era um daqueles caras que no passou da fase do rabo de cavalo. Tambm tinha (ou, no caso, tentava ter) um bigode espesso e volumoso, que tocava o lbio inferior quando a boca estava fechada o que era muito raro. Keith adorava falar, e sua plateia preferida era Colin Singleton. O tutor era amigo do pai de Colin e professor de psicologia. Seu interesse no garoto no era exatamente altrusta no decorrer dos anos, Keith publicou vrios artigos sobre a prodigiosidade de Colin. E Colin gostava de ser assim, to especial que at os estudiosos cavam interessados. Alm disso, Keith Louco era o mais prximo que Colin tinha de um melhor amigo. Todo dia Keith ia dirigindo at a cidade e encontrava Colin numa sala pequena como um armrio de vassouras, no terceiro andar da Escola Kalman. Colin basicamente podia ler o que quisesse em silncio durante quatro horas, e Keith o interrompia de vez em quando para debater algum tema, e ento, s sextas-feiras, eles passavam o dia falando sobre o que Colin havia aprendido. Colin gostava mais disso que das aulas normais. Principalmente porque Keith nunca aplicou nele um Abdominvel Homem das Neves. Keith Louco tinha uma lha, Katherine, que estava no mesmo ano de Colin na escola mas era oito meses mais velha. Ela frequentava um colgio na zona norte da cidade, mas, de vez em quando, os pais de Colin convidavam Keith Louco, a mulher dele e Katherine para jantar e falar sobre o progresso de Colin e coisas do gnero. Depois do jantar, os pais se sentavam na sala de estar, rindo cada vez mais alto conforme o tempo ia passando, e Keith falava alto que no tinha a menor condio de voltar dirigindo at em casa, que precisaria de uma xcara de caf depois de tanto vinho Sua casa o paraso dos enfilos, ele dizia. Certa noite em novembro, quando Colin estava no terceiro ano e o tempo j havia esfriado apesar de a me dele ainda no ter decorado a sala para o Natal, Katherine foi at sua casa. Depois de um jantar de frango ao molho de limo e arroz integral, Colin e Katherine foram para a sala de estar, onde Colin se deitou atravessado no sof e cou estudando latim. Ele havia acabado de descobrir que o presidente Gareld, que no era particularmente conhecido por sua inteligncia, tinha a habilidade de escrever simultaneamente em latim e 40. em grego latim com a mo esquerda e grego com a direita. Colin tinha a inteno de 20igualar o feito. Katherine, uma loirinha pequenininha que compartilhava com o pai tanto o rabo de cavalo quanto o fascnio por prodgios, cou sentada observando Colin em silncio. Ele estava consciente da presena dela, mas aquilo no o distraiu, porque as pessoas com frequncia cavam observando enquanto ele estudava, como se houvesse algum segredo em seu modo de tratar a vida acadmica. O segredo, na verdade, era apenas o fato de ele passar mais tempo que todo mundo estudando e prestando ateno. Como que voc j sabe latim? Eu estudo muito ele respondeu. Por qu? ela perguntou, chegando perto e se sentando no sof ao lado dos ps dele. Porque eu gosto. Por qu? Ele fez uma pausa por um instante. No familiarizado com o jogo do por qu, estava levando a srio cada uma das perguntas. Eu gosto porque isso faz eu me sentir diferente e melhor. E porque sou muito bom nisso. Por qu? ela perguntou, a voz melodiosa, quase sorrindo. Seu pai diz que porque sou melhor que os outros em me lembrar das coisas, isso porque presto muita ateno e dou muita importncia a tudo. Por qu? Porque importante saber as coisas. Por exemplo, h pouco tempo eu aprendi que, certa vez, o imperador romano Vitlio comeu mil ostras em um s dia, o que foi um ato 21impressionante de abliguritio ele disse, usando uma palavra que tinha certeza de que Katherine no conhecia. Saber tambm importante porque faz voc se sentir especial, e voc pode ler livros que as pessoas normais no conseguem, como a obra Metamorfoses, de Ovdio, que foi escrita em latim. Por qu? Porque ele morava em Roma quando l se falava e se escrevia em latim. Por qu? 22E essa o pegou de jeito. Por que Ovdio viveu na Roma Antiga em 20 AEC, e no em Chicago em 2006 EC? Ser que Ovdio ainda teria sido Ovdio se vivesse nos Estados Unidos da Amrica? No, claro que no, porque ele seria um nativo americano ou talvez um amerndio ou um dos primeiros habitantes ou um indgena, que no tinham o latim nem qualquer outro tipo de linguagem escrita naquela poca. Ento, ser que Ovdio se tornou importante porque era Ovdio ou porque viveu na Roma Antiga? Essa uma tima pergunta e eu vou tentar descobrir a resposta para voc ele concluiu, que era o que Keith Louco falava quando no tinha resposta. 41. Quer ser meu namorado? Katherine perguntou. Colin se sentou rapidamente e a encarou, os olhos azuis da menina voltados para o colo. Tempos depois, ele viria a cham-la de Katherine, a Grande. Katherine I. Katherine, a Magnca. Ela era visivelmente mais baixa que ele, mesmo sentado, e parecia estar falando srio, um pouco nervosa at, os lbios comprimidos enquanto olhava para baixo. Alguma coisa foi se propagando pelo corpo de Colin. Suas terminaes nervosas explodiram em arrepios na pele. Seu diafragma vibrou. E, obviamente, no devia ser paixo, nem amor, e no parecia ser amizade, ento devia ser o que os garotos na escola chamavam de estar a m. E ele respondeu: Sim, sim, quero. Ela virou-se para ele, o rosto arredondado, as bochechas fofas e sardentas, e se inclinou para a frente, os lbios num biquinho, e beijou-o na bochecha. Esse foi o primeiro beijo de Colin, e os lbios dela lembravam o inverno frios, secos e rachados , ento ocorreu a Colin que a sensao despertada pelo beijo no fora nem de perto to boa quanto o som da voz dela perguntando se ele queria ser seu namorado. 20 21 22Mas nunca conseguiu, porque, por mais que tentasse, ele simplesmente no era ambidestro. Termo em latim que significa gastar uma enorme quantia em dinheiro com comida. Ningum mais diz a.C. nem A.D. Isso saiu de moda. Agora ou se diz EC (Era Comum) ou AEC (Antes da Era Comum). 42. (SETE)De repente, do nada, logo depois de uma pequena encosta, o capinzal desembocou num cemitrio. Continha mais ou menos quarenta tmulos e era rodeado por uma mureta de pedra que batia no joelho, coberta de musgo e escorregadia. E aqui t o ltimo e derradeiro local de descanso do arquiduque Francisco Ferdinando disse Lindsey Lee Wells, a voz repentinamente afetada por uma nova cadncia: a da guia turstica entediada que h tempos decorou sua fala. Colin e Hassan a seguiram at um obelisco de quase dois metros parecia o Monumento a Washington, s que em miniatura , diante do qual havia uma abundncia de rosas de seda j meio antigas, todas cor-de-rosa. Embora obviamente no fossem de verdade, as flores, ainda assim, pareciam murchas. Lindsey se sentou na mureta com musgo. Ah, pros diabos com o texto decorado. C j deve saber tudo isso mesmo ela disse, balanando a cabea na direo de Colin. Mas vou contar a histria: o arquiduque nasceu em dezembro de 1863, na ustria. O imperador Francisco Jos era tio dele, mas ser sobrinho de um imperador austro-hngaro no queria dizer muita coisa. A menos que, digamos, o lho nico do imperador, Rodolfo, acabasse dando um tiro na prpria cabea, o que, na verdade, aconteceu, em 1889. De uma hora pra outra, Francisco Ferdinando passou a ser o prximo na linha de sucesso ao trono. As pessoas diziam que Francisco Ferdinando era o homem mais solitrio de Viena Colin falou para Hassan. , ningum gostava dele porque era um tremendo nerd disse Lindsey , s que ele era um daqueles nerds que no so nem muito inteligentes. Era do tipo fraquinho de nascena e pesava s 45 quilos. A famlia achava que ele era um covarde liberal; a sociedade vienense achava que era um abobado, mesmo, daqueles que cam com a lngua pendurada na boca. E a, ento, pra piorar as coisas, ele se casou por amor, com uma garota chamada Soa, em 1900, que todo mundo considerava uma desclassicada. Mas, c sabe, em defesa do cara, ele realmente amava a moa. Eu nunca digo isso no tour, mas, de tudo o que li sobre o Chico, a Soa e ele tiveram o casamento mais feliz de toda a histria da realeza. A histria deles fofa, tirando que, no 14o aniversrio de casamento, em 28 de junho de 1914, os dois foram assassinados a tiros em Sarajevo. O imperador mandou que fossem sepultados fora de Viena. E nem se deu o trabalho de ir ao enterro. Mas se importou o bastante pra seguir em frente e comear a Primeira Guerra Mundial, o que fez quando declarou guerra Srvia um ms depois. Ela se levantou. E assim termina o tour. E abriu um sorriso. Gorjetas so bem-vindas. 43. Colin e Hassan bateram palmas educadamente e Colin andou at o obelisco, em que se lia apenas: ARQUIDUQUE FRANCISCO FERDINANDO. 1863-1914. COBRE-O SUAVEMENTE, , TERRA, EMBORA / ESTE TENHA LANADO UM PESADO FARDO SOBRE TI. Fardos pesados, sem dvida milhes deles. Colin estendeu a mo e apoiou-a no granito, frio apesar do sol quente. E o que foi que o arquiduque Francisco Ferdinando fez que poderia ter sido feito diferente? Se ele no tivesse cado to obcecado por causa de um amor, se no tivesse sido to sem tato, to choro, to nerd talvez se no tivesse sido, pensou Colin, to como eu No m das contas, o arquiduque enfrentou dois problemas: ningum dava a menor bola para ele (pelo menos, no at seu cadver deagrar uma guerra) e um dia um pedao dele foi arrancado. Mas Colin agora preencheria o prprio buraco e faria as pessoas se levantarem e prestarem ateno nele. Continuaria sendo especial e usaria seu talento para fazer algo mais interessante e importante do que criar anagramas e traduzir do latim. E, sim, novamente o momento eureca o invadiu, o -isso--isso--isso dele. Colin usaria seu passado alm do passado do arquiduque e todo o passado innito para informar o futuro. Colin impressionaria Katherine XIX ela sempre adorara a ideia de ele ser um gnio e tornaria o mundo mais seguro para Terminados em toda parte. Ele seria importante. E foi despertado desse devaneio por Hassan perguntando: E ento como que um fug arquiduque austraco de verdade acabou em Merdasburgo, Tennessee? A gente comprou o cadver dele disse Lindsey Lee Wells. Foi por volta de 1921. O dono do castelo onde ele tava enterrado precisava de dinheiro e colocou o corpo venda. A gente comprou. Quanto custava um arquiduque morto naquela poca? indagou Hassan. Uns 3.500 dlares, pelo que dizem. um bom dinheiro disse Colin, a mo ainda apoiada no obelisco de granito. Agora o dlar vale dez vezes mais que em 1920, o que d um total de 35 mil nos dias de hoje. Um monte de visitas guiadas a 11 dlares cada. Lindsey Lee Wells revirou os olhos. T, t. J t bastante impressionada. Agora chega. Sabe, a gente tem uma coisa por aqui, no sei se cs tm isso l de onde cs vm, mas se chama calculadora, e ela faz todo esse trabalho pra gente. Eu no estava tentando impressionar ningum Colin insistiu, na defensiva. Nessa hora os olhos de Lindsey se arregalaram, ela colocou as mos em concha em volta da boca e gritou. Ei! Trs caras e uma garota vinham subindo a encosta lentamente, s dava para ver as 44. cabeas. O povo da escola explicou Lindsey. E meu namorado. Lindsey Lee Wells saiu correndo na direo deles. Hassan e Colin permaneceram imveis e comearam um dilogo acelerado. Hassan: Eu sou um aluno de intercmbio kuwaitiano; meu pai um baro do petrleo. Colin fez que no com a cabea. bvio demais. Eu sou espanhol. Refugiado. Meus pais foram assassinados por separatistas bascos. Eu no sei se basco uma coisa ou uma pessoa, e eles tambm no vo saber, ento: no. T, eu acabei de chegar aos Estados Unidos vindo de Honduras. Meu nome Miguel. Meus pais caram ricos com plantaes de bananas e voc meu guarda-costas porque o sindicato dos trabalhadores dos bananais me quer morto. Colin retrucou de bate-pronto. Essa uma boa ideia, mas voc no fala espanhol. T, eu fui sequestrado por esquims no territrio Yukon no, essa no cola. Ns somos primos franceses em visita aos Estados Unidos pela primeira vez na vida. Essa nossa viagem de formatura do ensino mdio. Isso meio sem graa, mas estamos sem tempo. S eu falo ingls? Hassan perguntou. T. Pode ser. quela altura Colin j conseguia ouvir o grupo conversando e ver os olhos de Lindsey Lee Wells grudados num garoto alto e musculoso com uma camisa do time de futebol americano Tennessee Titans. O cara era uma massa compacta de msculos, com cabelo espetado e um sorriso que mostrava os dentes superiores e a gengiva. O sucesso da brincadeira dependia de Lindsey no ter falado nada sobre Colin e Hassan, mas Colin presumiu que isso no seria problema, j que ela parecia hipnotizada pelo garoto. T, eles esto vindo disse Hassan. Qual o seu nome? Pierre. T. O meu Salinger e a pronncia SalANG. Cs to aqui pra visita guiada, num to? o namorado da Lindsey disse. Estamos. Meu nome Salang Hassan disse, a pronncia passvel, qui magnca. Este meu primo Pierre. Estamos visitando seu pas pela primeira vez e queremos ver o arquiduque que deflagrou nossa como vocs dizem Primeira Guerra da Terra. Colin deu uma olhada em Lindsey Lee Wells, que tentou no rir enquanto estourava uma bola do chiclete de laranja. Meu nome Colin disse o namorado, a mo estendida. Hassan se inclinou na direo de Pierre/Colin e cochichou: O nome dele O Outro Colin. Continuando: Meu primo no fala sua lngua 45. muito bem. Eu sou o tradutor dele. O Outro Colin riu, assim como os outros dois garotos, que rapidamente se apresentaram: Chase e Fulton. Vamos chamar Chase de Jeans Apertados Demais e Fulton de Baixinho Mascando Tabaco Hassan cochichou novamente. Je mappelle Pierre Colin falou assim que os garotos terminaram de dizer seus nomes. 23 Quand je vais dans le mtro, je fais aussi de la musique de prouts. A gente recebe muito turista estrangeiro por aqui disse a nica menina alm de Lindsey, uma garota alta de camiseta justa, totalmente Abercrombiezada. A menina tambm tinha como dizer isso de um jeito educado dois air bags gigantescos. Era incrivelmente gata, com aquele jeito de garota-popular-de-dentes-clareados-e-com-anorexia, que era o jeito de ser gata menos preferido de Colin. Ah, meu nome Katrina. Ufa, essa passou perto, pensou Colin. 24 Amour aime aimer amour! Colin anunciou bem alto. Pierre disse Hassan. Ele tem uma doena da fala. A, humm, com as palavras feias. Na Frana ns chamamos de Toorettes. No sei como vocs chamam aqui. Ele tem aquela sndrome de Tourette? perguntou Katrina. 25 MERDE! gritou Colin. Isso disse Hassan animado. A mesma palavra nas duas lnguas, como hemorroida. Isso ns aprendemos ontem porque Pierre estava com o traseiro ardendo. Ele tem Toorettes. E hemorroida. Mas um bom menino. 26 Ne dis pas que jai des hmorrodes! Je nai pas dhmorrode Colin gritou, querendo, ao mesmo tempo, continuar com a brincadeira e fazer Hassan mudar de assunto. Hassan olhou-o e balanou a cabea mostrando que havia entendido, mas ento fa