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    O TRNSITO DOS OBJETOS MGICO-RELIGIOSOS DOS ORIXS:estudo etnogrfico sobre o consumo religioso afro-brasileiro em Belo Horizonte-MG1.

    Mrcio Antnio Rodrigues

    (PPGCS/PUC Minas)(FETREMIS/MG)

    Resumo

    Neste trabalho o tema o consumo religioso afro-brasileiro. Numa perspectivaetnogrfica investiga-se o trnsito dos objetos mgico-religiosos dos orixs na cidade deBelo Horizonte/Minas Gerais. Tais objetos so utilizados nas prticas religiosas doCandombl e Umbanda e podem ser adquiridos em casas/lojas desses artigos espalhadas

    pela capital mineira. Contextualizar a formao e manifestao da religiosidade afro-brasileira atravs do Candombl e Umbanda em Belo Horizonte, uma das

    realizaes propostas deste trabalho. Busca-se a partir da etnografia entender como oculto afro-religioso se associa prtica do consumo e suas relaes com o social. Asreligies dos orixs Candombl e Umbanda so consideradas por BASTOS (1979)como sendo de culto mgico-religioso e da a utilizao de objetos mgico-religiososfaz-se necessria na instrumentalizao de prticas ritualistas. A compreenso doconsumo religioso afro-brasileiro em Belo Horizonte a partir do trnsito de artigosafro-religiosos ser amparada na observao das relaes sociais entrecomprador(a)/vendedor(a) e comprador(a)/objeto(s) nas casas/lojas de artigos afro-religiosos. Realizou-se pesquisa bibliogrfica, importante na identificao de trabalhossobre as tradies afro-brasileiras, em Belo Horizonte, sobre identidade religiosa,formao e expanso (ALMEIDA; 2012), (DUTRA; 2011), (MORAIS; 2006 e 2010).

    Nesta etnografia volta-se a ateno para as interaes do sujeito/comprador(a) napresena ou circulao desses objetos mgico-religiosos.

    Palavras-chave: religies afro-brasileiras, consumo afro-religioso; Belo Horizonte-MG.

    Introduo

    Este texto tem como objetivo principal apresentar uma pesquisa, em andamento,

    sobre o consumo religioso afro-brasileiro na cidade de Belo Horizonte, capital de MinasGerais. Com um olhar etnogrfico fui a campo entre maro/2013 a maro/2014 para

    mapear, observar, documentar e compreender o consumo de objetos utilizados no

    Candombl e Umbanda na capital mineira. Etnografia pautada em observao

    participante, entrevistas em profundidade com proprietrios das casas/lojas

    comercializadoras de objetos dos orixs e produo de fotografias etnogrficas. Realizei

    1

    Trabalho apresentado na 29 Reunio Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 deagosto de 2014, Natal/RN. Grupo de Trabalho n 56.Materialidades do Sagrado.

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    tambm pesquisa bibliogrfica sobre as tradies religiosas afro-brasileiras na capital

    mineira (ALMEIDA; 2012), (DUTRA; 2011), (MAIA; 2011), (MORAIS; 2006 e 2010).

    Por ser apenas uma apresentao do meu trabalho de pesquisa, em andamento no

    Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da PUC Minas, no espere um texto

    extenso ou at mesmo detalhista por se tratar de um estudo etnogrfico. Optei em falar

    no primeiro momento sobre o consumo religioso afro-brasileiro, para em seguida

    apresentar um esboo do estudo etnogrfico, em desenvolvimento, sobre o trnsito dos

    objetos mgico-religiosos dos orixsem Belo Horizonte, com enfoque em duas das 23

    casas/lojas de artigos afro-religiosos mapeadas no percurso da (o) pesquisa/trabalho de

    campo.

    1. Religies afro-brasileiras e consumo religioso

    Uma viagem ao mundo afro-brasileiro

    comea no mercado.

    VOGEL, Arno et al.Galinha Dangola...3.ed. 2005, p.5.

    O negro foi um dos principais responsveis pela constituio social de uma

    cultura brasileira fundada num patrimnio mgico religioso rico do ponto de vista desuas variadas dimenses simblico-materiais, institucionais, constncias sagradas e

    profanas, identitria e civilizatria (Prandi, 1995; 1996). A religiosidade afro-

    brasileira fora constituda e construda pela sua pluralidade sincrtica resultante do

    contato entre o catolicismo do europeu branco, cultos de fundamentao indgena e, a

    partir do sculo XIX, acrescenta-se a influncia do kardecismo ou espiritismo de Alan

    Kardec.

    Consideradas como religies de prticas mgicas, candombl e umbanda, (...)pressupem o conhecimento e o uso de foras sobrenaturais para interveno neste

    mundo, o que privilegia o rito e valoriza o segredo inicitico (Prandi, 2004, p. 237).

    Tais tradies religiosas afro-brasileiras associam-se ao processo social do consumo

    religioso. Neste processo, a busca ou o consumo de artefatos ou objetos mgico-

    religiosostorna-se necessrio para efetivao da prtica dos ritos sagrados aos orixs.

    Desta forma, as casas/lojasacabam por constiturem-se fortemente, a partir da interao

    comprador-vendedor, ou vice-versa, e comprador-objeto, lugar de agncia (Latour,

    2012) que privilegia o trnsito dos objetos mgico-religiosos.

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    A insero do Candombl e Umbanda no circuito econmico-religioso, pela

    comercializao de objetos religiosos coloca estas religies em destaque na realidade

    social urbana brasileira (Prandi, 2000; 2004). A produo de objetos religiosos dos

    orixs oportunizam sua movimentao econmica e trnsito para alm do territrio das

    Comunidades de Terreiro e das famlias-de-santo. Existe uma circulao de objetos dos

    orixs, fora e dentro dessas comunidades, ressalta-se que a inteno dessa pesquisa

    atentar para o circuito de produo e distribuio desses objetos em atacado e varejo

    (casas/lojas). Prope-se como questo principal da pesquisa analisar a articulao nesses

    dois mbitos e suas passagens. Em funo das relaes e articulaes sociais postas em

    ao no trnsito dos objetos mgico-religiosos dos orixs, importante dizer que as

    religies afro-brasileiras, em seu processo de adequao aos contextos sociais

    especficos, mostram-se extremamente aptas a modificaes, no entanto essas no

    permitem uma descaracterizao dos seus rituais e suas bases religiosas.

    Portanto, a insero na lgica do mercado e a comercializao de bens

    simblicos, pelas religies afro-brasileiras, bem como os templos religiosos do

    candombl, mais conhecidas como terreiro de santo ou comunidade de terreiro,

    passaram a ser agncias de servios mgicos, j que no apenas os fiis tm acesso aos

    ritos, cultos e aos trabalhos para sanar possveis aflies, as quais no conseguem ser

    resolvidas por outros meios, que no sejam os mgicos APPADURAI (2008),

    DOUGLAS; ISHERWOOD (2013), MALINOWSKI (1978) e MILLER (2013). Agora

    estes tambm pertencem aos simpatizantes e clientes, propiciando um ambiente de

    comercializao dentro dos terreiros de santo, como afirma PRANDI (2004)

    [...] como agncia de servios mgicos, que tambm , oferece ao no devotoa possibilidade de encontrar soluo para problema no resolvido por outrosmeios, sem maiores envolvimentos com a religio. Sua magia passou aatender a uma larga clientela, o jogo de bzios e os ebs do candomblrapidamente se popularizaram, concorrendo com a consulta a caboclos e

    pretos-velhos da umbanda. (Prandi, 2004, p.3)As sociedades industriais proporcionam um sistema de conexes e fluxos de

    objetos religiosos e culturais organizados em termos de grupos particulares e mltiplos.

    Entretanto, no se pode simplificar ou reduzir a anlise sobre o consumo afro-religioso

    apenas como lugar de mercadorias religiosas. Quando se interpreta dessa forma somos

    levados a esquecer todas as formas de troca e de relaes sociais que atuam fora dele.

    Ou seja, embora as relaes e as transaes impessoais de mercadorias, bens e objetos

    guardados seus devidos significados e utilizaes conceituais sejam importantes na

    sociedade industrial, reconhecer isso no o mesmo que aceitar que essas relaes so

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    to essenciais que possamos ignorar todas as outras relaes existentes (APPADURAI,

    2008), (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013).

    Em referncia ao consumo numa perspectiva antropolgica, LIMA (2010)

    adverte que

    em todas as culturas, as prticas expressivas de significados so atravessadaspor objetos. O interesse pela maneira como os objetos so escolhidos eapropriados para a participao em nossa experincia , portanto, um passo frente no saber sobre a vida social. (Lima, 2010, p.8)

    As pesquisas sobre o consumo afro-brasileiro contatam que o universo do

    sagrado brasileiro nas trs ltimas dcadas sofreu muitas transformaes. Sendo assim,

    as cincias sociais, humanas e da religio passaram a investir no estudo das religies e

    religiosidades no mbito do consumo e das relaes mercadolgicas.

    Investigando como os praticantes/adeptos do candombl manipulam o dinheironas suas relaes familiares em conexo com as coisas sagradas, Jose Renato de

    Carvalho Baptista em No candombl nada de graa...: estudo preliminar sobre a

    ambiguidade nas trocas no contexto religioso do Candombl (2005) acaba por

    investigar a fronteira delicada entre uma capitalizao da graa ou do dom.

    Uma abordagem importante sobre a insero do candombl e umbanda no

    universo do consumo religioso brasileiro o trabalho de Reginaldo Prandi em O Brasil

    com ax: candombl e umbanda no mercado religioso (2004).Nesse o autor afirma que,Desde os estudos de Roger Bastide, na dcada de 1940, muita coisa mudouno Brasil, tambm no mbito das religies e das religies afro-brasileiras.Velhas tendncias foram confirmadas, novas direes foram se impondo.Religies recm-criadas se enfrentam com as mais antigas, velhas religiesassumem novas formas e veiculam renovados contedos para enfrentar aconcorrncia mais acirrada no mercado religioso. (PRANDI, 2004, p. 237-238).

    Noutro artigo do mesmo autor Hipertrofia ritual das religies afro-brasileiras

    (2000), analisando sociologicamente o consumo dos artigos afro-religiosos aponta:

    Com a crescente importncia do rito, expandiu-se uma verdadeira indstriade artefatos sacros e se constituiu um diversificado conjunto de produtores evendedores de artigos religiosos, nacionais e importados. Objetos antes feitos

    por artesos que pertenciam s comunidades de culto foram sendosubstitudos por artigos produzidos industrialmente; comerciantesespecializaram-se na importao de tecidos e roupas e na produo edistribuio de rendas e bordados. Verdadeiros supermercados de artigosreligiosos passaram a estar disponveis nos mais diferentes pontos dasgrandes cidades. O Mercado de Madureira, no subrbio do Rio de Janeiro,rene dezenas de lojas especializadas, onde tudo pode ser comprado, desdetecidos, roupas, objetos de assentamento, contas, bzios, favas e sementes,velas, adereos, artigos de palha, loua, cermica e ferro, ingredientes para os

    pratos da cozinha dos orixs, at folhas e animais para sacrifcio. Algumas

    lojas fazem em ferro, na hora, ferramentas de orix de acordo com o gosto eo desenho do fregus. (Prandi, 2000, p.84).

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    O consumo religioso afro-brasileiro destaque em O Candombl vai as

    Compras: um estudo sobre o consumo religioso afro-brasileiro no Recife (2011), de

    Luciana Barros Gama. Sua autora preocupa-se em identificar padres de consumo no

    candombl, os quais se entrelaam com o consumo derivado de prticas culturais de

    mesma procedncia, como Afoxs e Maracatus, manifestaes da devoo afro-

    brasileira capazes de mobilizarem um trnsito de objetos dessas derivaes do religioso

    afro-brasileiro. Englobando aspectos culturais, religiosos e econmicos interagindo e ao

    mesmo tempo modelando a sociedade recifense.

    Deve-se ressaltar que esse trabalho se inspira, em comparaes etnogrficas

    entre universos empricos a partir de estudos feitos em outras cidades brasileiras com

    presena significativa de cultos afro-brasileiros na paisagem urbana. E uma delas o

    artigo de Santos (2008) sobre Casa de artigos religiosos e a constituio de espaos

    sincrticos no centro da cidade de So Lus do Maranho. SANTOS (2008) tambm

    pesquisa lojas de artigos afro-religiosos, assim como este trabalho se props. Contudo, a

    natureza deste trabalho ao estudar as casas/lojas de Belo Horizonte entender a

    dinmica das interaes e agncia humana nas relaes, sejam comerciais ou no, entre

    comprador, vendedor e os objetos sagrados dos orixs. Na perspectiva de Santos (2008),

    olhar sobre as casas de artigos religiosos volta-se para compreenso de como a

    circulao ou comercializao dos objetos afro-religiosos afetam o plano cultural, uma

    vez que essas casas se localizam nas proximidades de Igrejas Catlicas. Enfim, Santos

    (2008) visa entender a relao sincrtica entre o catolicismo e cultos religiosos afro-

    brasileiros.

    Outra investigao sobre o consumo religioso afro-brasileiro, especificamente

    sobre o Candombl, foi realizada na cidade de Goinia por Jailson Silva de Sousa.

    SOUSA (2011), em Candombl e mercado: uma anlise do cenrio metropolitano de

    Goinia busca entender o processo histrico de sobrevivncia, da manuteno epermanncia dos terreiros de Candombl em ligao com o consumo religioso. SOUSA

    (2011), constata

    (...) que o Candombl [em Goinia] ultrapassa os costumes religiosos einsere-se em um sistema mercadolgico de ritos e prticas, em que osseguidores dessa religio tornam-se verdadeiros clientes, cujas preocupaesfundamentais pautam-se no bojo do atendimento de suas necessidades pelacompra de mercadorias relacionadas s foras mgicas. (Sousa, 2011, s/p.)

    De acordo com MANDARINO (2011, p. 64). os Terreiros de Candombl so

    constitudos como espao de manuteno das tradies religiosas africanas na dispora

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    brasileira, e ao se associarem ao mercado de objetos dos orixs, auxiliam no consumo

    religioso afro-brasileiro. Em Mercado: uma imerso no universo sacro afro-brasileiro

    (2011), seus autores buscam compreender as prticas e saberes idealizados e

    ministrados no culto mgico-religioso do Candombl, a partir da manipulao de um

    sistema de terapia de doenas, capaz de ser compartilhado paralelo aos sistemas de

    sade. Ou seja, o trabalho direciona-se ao uso das ervas na cura de doentes de inmeras

    mazelas do corpo e esprito.

    Atentar para o consumo de ervas no o foco principal desta pesquisa. Contudo

    esse trabalho deve se considerado por (...) atentar para estas prticas religiosas

    teraputicas como um mecanismo que tece canais de comunicaes com espaos

    sociais, especialmente, Mercado Pblico, local por excelncia de consumo sacro afro-

    brasileiro (...)(Mandarino, 2011, p. 64).

    Mergulhado no consumo religioso pode-se dizer que os

    (...) "indivduos" sentem-se atrados para o mundo do consumo, em escalaampliada, porque o sagrado, entendido como pleno potencial de vida, nose esgotaria na realidade interna do "indivduo". Disperso e disponvel emtodo e em qualquer lugar, o sagrado encontra-se, segundo esta concepo,livre de qualquer tipo de monoplio, seja individual ou institucional,resguardando-se de toda e qualquer identidade fixa, quer no espao ou notempo. Como disponibilidade de vida considerado, portanto, inesgotvel e,como tal, apresenta-se para o indivduo somente na sua procura, no daverdade, porm de "mais verdade", isto , na procura da essencialidade e no

    da essncia fixa do sagrado (Luz, 1999, p.101-102).

    O trecho acima fora retirado de Quando o esprito encontra-se na mercadoria

    (1999), escrito por Leila Amaral Luz, para apresentar a espiritualidade Nova Era como

    uma experincia do sagrado(Luz, 1999, p.91). A anlise da autora so os festivais da

    Nova Era, e como essa forma de sagrado se utiliza do consumo religioso na sua prtica

    ritual. O objetivo da autora com sua anlise no oferecer uma viso do mercado

    consumidor como a esfera dominante do mundo secular para incluir nele,

    analiticamente, elementos que supostamente no lhe pertencem. na trilha dos estudos

    sobre consumo material e religiosidade afro-brasileira que VOGEL (1988), emA Moeda

    dos Orixs, comenta que

    Ir s compras uma aventura que no se esgota na tarefa de adquirir bens.Esta no , de qualquer modo, uma tarefa to simples quanto parece,

    primeira vista. Requer, antes de tudo, uma noo algo precisa dos propsitos,meios, oportunidades e procedimentos. necessrio saber o que, como,quando e de quem comprar. O mercado um universo onde cada qual

    percorre os seus circuitos, traando itinerrios e fazendo contatos. Cada umbusca os caminhos que satisfazem sua pauta de consumo. As alternativas so

    muitas, embora no infinitas, pois obedecem a certas determinaesnegativas que decorrem seja do plano do mercado, seja do perfil doconsumidor. Ao mostrar em que algum deseja investir, a lista de compras

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    acaba dizendo quem esse algum, pois, a pretexto de falar das coisas, dasrelaes e identidades que se acaba falando. Parece difcil comprar umvestido de noiva sem falar do casamento (Vogel, 1988, p.4-5).

    Etnografar o consumo religioso dos orixs em Belo Horizonte se relaciona

    diretamente com as palavras de Vogel (1988), por se tratar de um terreno ainda poucoexplorado na capital mineira. Na bibliografia pesquisada sobre as tradies afro-

    brasileiras na capital mineira foram identificados em sua maioria trabalhos sobre

    identidade religiosa, formao e expanso (ALMEIDA; 2012), (DUTRA; 2011),

    (MAIA; 2011), (MORAIS; 2006 e 2010). Contudo, deve-se mencionar como destaque o

    Inventrio dos grupos de tradio afro-brasileira em Belo Horizonte, produzido pela

    Fundao Municipal de Cultura de Belo Horizonte (2004/2006) que culminou numa

    publicao importante o livro Heranas do tempo: tradies afro-brasileiras em Belo

    Horizonte (2006). A produo e coordenao do livro foi realizada por Ana Cristina

    Pontes e Fernanda Emlia de Morais. Pode se dizer que Heranas do tempo veio

    preencher uma grande lacuna sobre a cultura afro-brasileira na capital mineira.

    2. O consumo afro-religioso em Belo Horizonte: algumas notas de campo

    Compreendendo a importncia de se estudar o consumo de objetos mgico-

    religiosos das tradies religiosas afro-brasileiras em Belo Horizonte (Candombl eUmbanda), atravs do vis etnogrfico, escolhi como metodologia a pesquisa

    bibliogrfica e pesquisa etnogrfica de camponos termos de MALINOWSKI (1978).

    Para tanto me senti muito inspirado nas seguintes palavras de GEERTZ (2008), ao dizer

    que

    (...) praticar a etnografia estabelecer relaes, selecionar informantes,transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um dirio eassim por diante. Mas no so estas coisas, as tcnicas e os processosdeterminados, que definem o empreendimento. O que o define um tipo de

    esforo intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma descriodensa. (Geertz, 2008, p.15).

    A escolha pelo mtodo etnogrfico trouxe a possibilidade de investigar na fala e

    na explanao das pessoas participantes, sua viso holstica em suas aes circunscritas

    ao contato social com os objetos mgico-religiosos dos orixs. Por se tratar de um

    mtodo de pesquisa, ocorreu uma interao social contemporizada entre o pesquisador

    (eu) e os sujeitos/nativos da observao.

    Por outro lado deve-se dizer que a finalidade dessa etnografia foi documentar, o

    acompanhar e encontrar a significao da ao, nas quais as pessoas agem ao mesmo

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    tempo em que interagem socialmente (LATOUR, 2012; MILLER, 2013). Para alm da

    descrio adotou-se tambm na produo de dados etnogrficos a entrevista em

    profundidade e a utilizao a fotografia como instrumentoetnogrfico (Bittencourt,

    1994, p.227). Ao longo da observao participante se registrou visualmente

    estabelecimentos e pessoas em contato com os objetos mgico-religiosos dos orixs,

    sem se esquecer de solicitar a devida autorizao dos envolvidos quando se tratar de um

    ambiente privado.

    A pesquisa etnogrfica de campo realizada em Belo Horizonte/MG no perodo

    de maro/2013 a abril/2014, alm da coleta de dados etnogrficos, possibilitou ainda a

    construo do quadro de localizao das casas/lojas de artigos afro-religiosos

    (Quadro1).

    QUADRO 1. Casas/lojas de artigos afro-religiosos em Belo Horizonte/MG

    Belo Horizonte

    Nome Endereo

    1. Divina Providncia Rua da Bahia, 174 Centro, Belo Horizonte MG,CEP: 30160-010. Fone:(31) 3274-1153.

    2. Casa Xang Rua da Bahia, 312 - Centro, elo orizonte - M, CP0160-010. one (1) 222-24.

    3. Casa Deuses da Umbanda Rua da ahia, 4 Centro, elo orizonte - M, CP0190-01. one(31) 3224-3439.

    4. Casa So Judas Tadeu Av. Amazonas, 748 - Centro, Belo Horizonte - MG, CEP010-001. one (31) 3213-3267.

    5. Casa Pai Cruzeiro Rua Curitiba, 1026 - Centro, elo orizonte - M, CP010-121. one (31) 3214-0052.

    6. Casa Pai Oxal Av. Augusto de Lima, 44 L. 91-9 Mercado Central.Centro, elo orizonte-M, CP 0190-001. one(31)

    3274-0538.

    7. Loja Tirateima Av. Augusto de Lima, 744 Lj. 267 Mercado Central.Centro, Belo Horizonte - MG, CEP: 30190-922. one(31)3274-9693.

    8. Casa Segredo da Umbanda Av. Augusto de Lima, 44 L.9 Mercado Central.Centro, elo orizonte - M, CP 0190-922. one(31)3213-1104.

    9. Casa Arco ris Av. Augusto de Lima, 744 Lj.182 Mercado Central.Centro, elo orizonte - M, CP 0190-922. one(31)

    3274-9484.

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    10. Casa Sagrado Corao deJesus

    Rua anta Catarina, 190 -Centro, elo orizonte -M, CP010-00. one(31) 3274-0845.

    11. Casa da Umbanda Rua dos Goitacazes, 747 - Centro, Belo Horizonte -M, CP0190-02. one (31) 3212-7891.

    12. Casa Deusa do Mar Rua dos oitacazes, -Centro, elo orizonte -M, CP0190-02. one(31) 3212-3288.

    13. Casa Abre Caminho Rua dos Guaranis, 605/607 - Centro, Belo Horizonte - MG,CEP: 30120-040. one (1) 212-6.

    14. Casa Sete Estrelas Praa 1 de Maio, A -Centro, elo orizonte -M, CP0120-00. one (31) 9765-5365.

    15. Casa Me Santa & AtelierArte Santa

    Av. Paran, 436Centro, Belo HorizonteMG, CEP: 30120-020. Fone: (31) 3272-9534.

    16. Casa Pai Jac Rua dos uaranis, 19 -Centro, elo orizonte -M, CP0120-040. one (1) 201-60.

    17. Casa So Roberto Rua Costa Sena, 926 - Padre Eustquio, Belo Horizonte - MG,CEP: 30720-350. Fone: (31) 3411-4452.

    18. Casa de Umbanda BeiraMar

    Rua Jaan, 17 - 1 Maio, Belo Horizonte - MG, CEP: 110-60. one (31) 3433-4940.

    19. Todos os Santos Rua Itapagipe, - raa, elo orizonte - M, CP1110-90. one(31) 3225-2282.

    20. Vov Conga Ltda. Rua Padre Pedro Pinto, 1310 - Venda Nova, Belo Horizonte -MG, CEP: 31615-310. Fone: (31) 3451-9919.

    21. Luz de VelaVelas eTabaco

    R. Padre Pedro Pinto, 1140 - Venda Nova, Belo Horizonte -MG, CEP: 31615-310. Fone: (31) 3451-1522.

    22. Casa de Umbanda Cigano

    Tobias

    Rua Par de Minas, 540 - Padre Eustquio. Belo HorizonteMG, CEP: 30730-440.

    23. Loja Santa Sara Rua Deputado Cludio Pinheiro Lima, 929GlriaFone:(31) 3411-1263- Belo Horizonte - MG, CEP: 30870-020.

    Fonte: RODRIGUES, Mrcio Antnio. Dados da pesquisa de campo. 2013-2014.

    A produo do quadro (figura 1) sobre a localizao das casas/lojas contou no

    s apenas com idas a campo. Na construo utilizou-se de dados visuais obtidos pela

    internet: http://www.listaamarela.com.br/atividade/mg/todas/artigos_de_umbanda> e

    . Pode-

    se dizer que garantiu segurana no trabalho de campo. Alm de conversas com

    proprietrios de vrias casas/lojas que de certa maneira alimentaram tal construo.

    http://www.guiamais.com.br/busca/artigos+de+umbanda-belo+horizonte-mghttp://www.guiamais.com.br/busca/artigos+de+umbanda-belo+horizonte-mg
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    Acredita-se que as casas/lojas (ver Quadro 1) comercializadoras de objetos

    afro-religiosos, de Belo Horizonte, so espaos construtores de uma articulao entre

    lgicas religiosas e no religiosas no mbito da cultura material e fomento da circulao

    de objetos religiosos dos orixs.

    As casas/lojas esto diretamente associadas sustentao do que se pode chamar

    de cultura afro-brasileira, exatamente pela relao que estabelecem com elementos

    do mundo dos orixs. E se os fiis encontram nelas algo que fica entre uma extenso e

    um paralelo ao terreiro e um ambiente que materializa sua f pelos produtos, pela

    msica que se difunde e pelos livros que vendem, pelo atendimento , na situao de

    consumidores que l comparecem, situao que permite tambm a presena de

    consumidores que no so fiis. verdade, pois, que essas casas/lojas funcionam como

    operadores de converses: de um lado, converso de produtos e servios, que nelas se

    tornam religiosos; de outro, converso de pessoas, quando a casas/lojas se torna uma

    espcie de emulao do terreiro (ver 2.1 e 2.2 neste texto). Mas com a contrapartida que

    as envolve em um circuito econmico no religioso e com um acesso mensagem afro-

    religiosa que depende do contato com objetos que l esto na condio de mercadorias.

    1.1.Casa Sete Estrelas e Casa da Umbanda: pequenas notas etnogrficas

    Durante o levantamento de dados em campo (maro/2013 a maro/2014),

    objetivando aprofundar-me no estudo etnogrfico proposto, coloquei-me a observar a

    movimentao e o ambiente dentro e fora de duas das 23 (vinte e trs) casas/lojas de

    artigos ou objetos do orixs levantados em de Belo Horizonte: Casa Sete Estrelas e

    Casa da Umbanda. A primeira casa/loja localiza-se na proximidade da Praa 1 de

    Maio, n. 38, na regio central de Belo Horizonte/Minas Gerais. E a segunda, no muito

    distante, a Casa da Umbandaaproximadamente num raio de 300 metros de distncia da

    primeira. Esta se localiza na Rua dos Goitacazes, 747 - Centro, Belo Horizonte/MinasGerais. Ambas so de extrema importncia neste trabalho por possurem tradio no

    comrcio de artigos dos orixs na capital mineira. De acordo com conversas realizadas

    com sua proprietria data de 1965 aproximadamente a fundao da Casa Sete Estrelas.

    Encontrei no decorrer da pesquisa de campo uma ligao que julgo importante entre

    elas, a Casa da Umbanda j fora propriedade da mesma famlia proprietria da Casa

    Sete Estrelas. Mas isso no ser pauta deste artigo.

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    2.1.1- Casa Sete Estrelas

    A breve descrio representa em poucas palavras o dia em que estive na Casa

    Sete Estrelas (figura 1) pela primeira vez. Sua proprietria atual, Aparecida2herdara a

    loja de seu sogro por volta dos anos de 1990 e a partir da passou a toc-la (naspalavras de Aparecida). A Casa Sete Estrelas encontra-se estabelecida na regio central

    de Belo Horizonte/MG e est aberta desde 1965 mantendo assim, junto com muitas

    outras casas/lojas na capital, a tradio de comercializao e promovendo a circulao

    de artigos dos orixs. Este estabelecimento casa/loja fora escolhida em funo do seu

    tempo de funcionamento, uma vez que como ouvi de muitos outros proprietrios o

    seguinte comentrio ainda uma sobrevivente. (RODRIU, notas de campo,

    201). importante dizer que algumas casas/loas ao longo do mapeamento baixaramsuas portas, da tal afirmativa vinda de alguns nativos, mas tambm verificada em

    campo. Os motivos ou at mesmo dificuldades encontradas pelos proprietrios que se

    viram forados(as) a fecharem seus estabelecimentos, no sero alvos deste artigo.

    Inicialmente falarei um pouco sobre a experincia vivida na Casa Sete Estrelas.

    Numa manh ensolarada de abril de 2013, era dia 10, quando eu chegava acampo para comear os contatos com aqueles que seriam meus principais informantesnesta etnografia sobre o consumo afro-religioso na capital mineira. Era quarta-feira,

    aproximadamente 8:40 h da manh. Num nibus lento sigo at o centro de BeloHorizonte, tendo sado de casa por volta de 7:00 h, digo lento porque moro a cerca de10 minutos de carro da regio central de BH. Desembarquei do nibus na Rua Tupis,nas proximidades da Praa 1 de maio, regio central de Belo Horizonte. Meu objetivo

    primordial naquele momento, ps-levantamento inicial das casas/lojas de artigos afro-religiosos, era o de estabelecer contatos e construir uma rede de relacionamentos, o quefacilitaria muito a seleo posterior de meus principais informantes, para o estudoetnogrfico.

    s 8:45 h do dia 10 de abril, eu estava na porta da CasaSete Estrelas, pois meu

    desembarque foi na Praa 1 de Maio. Esta se encontrava em obras, o que comprometia

    a circulao das pessoas no entorno. Mas dei a volta na pequena praa e como a loja

    ainda no estava aberta, encostei-me ao lado da porta e esperei a chegada do(a)

    responsvel. O comrcio na regio central de Belo Horizonte segue o horrio comercial

    2Optei em apresentar apenas o primeiro nome e/ou pseudnimos de algumas pessoas com que estabelecidilogos em campo. Neste trabalho ser divulgado apenas o nome verdadeiro daqueles que no

    manifestaram nenhum tipo de restrio. Na situao em questo, a senhora Aparecida no manifestounenhuma restrio em ser identificada como Aparecida.

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    com grande parte dos estabelecimentos abrindo s 9:00 h da manh; era o caso da Casa

    Sete Estrelas.

    Figura 1. Casa Sete Estrelas. RODRIGUES, M. A.. 10/04/2013. Acervo dapesquisa etnogrfica.

    Pontualmente s 9:00 h da manh chega uma senhora de nome Aparecida, acabo

    por auxili-la no levantamento da pequena porta de metal, que se abria em sentido

    vertical para cima. Aproveitei a oportunidade para abord-la e comear contato. No sei

    se fora naquele momento a melhor estratgia de abordagem em campo, mas deu certo.

    Logo coloquei a explicar meus objetivos ali e ela (Aparecida) no colocou dificuldade a

    minha presena na loja.

    Na entrada da loja fui recebido por So Jorge Guerreiro (Ogum) montado em seu

    cavalo branco. No sincretismo catolicismo/candombl, So Jorge representa o orix

    Ogum. Ao perguntar sobre sua importncia religiosa e o porqu de coloc-lo ali na porta

    de seu estabelecimento, Aparecida respondeu-me

    Esse o orix do ferro: foi o primeiro ferreiro. o orix dos metalrgicos,maquinistas, motoristas, ferrovirios, operrios e de todos aqueles quetrabalham com mquinas e ferramentas. o orix da virilidade; removeobstculos, civiliza o mundo, prove alimentos. (Rodrigues, notas de campo,10/4/2013).

    Foi um ensinamento para mim que no sou iniciado nem no Candombl e nem

    na Umbanda. H uma sabedoria de mundo, e principalmente do mundo afro-religioso,

    nos objetos da religiosidade afro-brasileira. Para alguns que foram entrando na loja a

    presena daquela esttua de So Jorge passava totalmente despercebida. Foi possvel

    constatar pelo olhar desviante dos clientes/consumidores em sua entrada e sada daquela

    loja, muitas vezes rpida. Observei que, o que chamava mais a ateno deles eram as

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    velas de todos os tipos, formatos e cores. Alm de outros objetos expostos nas

    prateleiras. Naquele momento posso dizer que percebi a agncia dos objetos, em relao

    s pessoas, pois cada uma, em certa medida, buscava algo nos obetos afro-religiosos.

    Como bem escreveu Bruno Latour em Reagregando o Social: uma introduo teoria

    do Ator-Rede (2012)que,

    (...) repor objetos no curso normal de ao pode parecer incuo. Afinal decontas, nem se duvida que panelas fervem gua, que facas cortem carne,que cestos guardem comida, que martelos preguem pregos, que gradesimpeam crianas de cair, que fechaduras tranquem portas para barrarvisitantes indeseados, que sabo lave sueira, que horrios determinemincio de aulas, que etiquetas de preo audem pessoas a calcular e assim

    por diante. (Latour, 2012, p.107).

    Julgo importante dizer que no momento ser apenas de uma breve descrio de

    algumas experincias em campo. Portanto uma descrio densa, relembrando um

    termo consagrado na etnografia de GEERTZ em A interpretao das culturas (2008),

    no ser o compromisso desse artigo.

    Entretanto, presenciei uma situao interessante, que me chamou a ateno num

    fim de tarde de maio de 2013,

    Era quase por do sol, deveria ser por volta de 18:00 h, e a loja estava prestesa encerrar funcionamento. Quando no momento em que conversava comSilvana, a nica funcionria da loja. Eis que surge uma senhora negra, baixaestatura e que aparentava possuir uns 60 anos ou mais. Ela adentrou CasaSete Estrelas, portando uma sacola de supermercado daquelas reciclveis.

    O importante aqui mesmo que esta estava cheia de cascas de alho. Olhou-me calmamente e perguntou-me se tinha vela vermelha. Ento disse que notrabalhava l e s estava de passagem e chamei vendedora para atend-la. Derepente, a senhora se interessa pelas folhas de espada de So Jorgeque seencontravam no p do balco. Observei que no tocou nas folhas de qualquermaneira, pediu um pedao de papel para embrulho e disse pra mim olharapaz assim que se pega. No p da folha e sem dobr-la. Isso muito

    poderoso. Voc sente a energia? Fiquei meio sem entender na hora, sentendi depois. Mas, contudo constatei a agncia das coisas. Infelizmenteno consegui, e nem deu tempo, de perguntar sobre as cascas de alho nasacola. (Rodrigues, notas de campo, 9/5/2013).

    No relato apresentado acima fica claro na experincia emprica, a materialidade

    do sagrado afro-brasileiro no manuseio dos objetos e a demarcao do nativo em

    relao a sua propriedade simblica, ao se referir energia emanada do objeto. Em

    seguida apresento outra experincia vivenciada, agora na casa/loja de artigos afro-

    religiosos de nome Casa a Umbanda.

    2.1.2- Casa da Umbanda

    No ano de 2012 com objetivo de aprofundar meus conhecimentos sobre a culturaafro-brasileira, especialmente o universo da religiosidade afro-brasileira, pois no

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    perodo 2009-2010, havia realizado especializao em Histria e Cultura Afro-

    Brasileira, realizei visitas a vrias lojas de artigos para Candombl e Umbanda na

    cidade de Belo Horizonte.

    Nas conversas com os proprietrios das lojas de artigos afro-religiosos, percebi

    que a Loja Casa da Umbanda aparecia nos dilogos com recorrncia. Entre visitas e

    vrias conversas estabelecidas com comerciantes de artigos afro-religiosos, o primeiro

    contato estabelecido com a loja Casa da Umbanda foi em 4 de novembro de 2013. Dois

    dias antes (1 de novembro/2013) havia tentado estabelecer contato via uma amiga, a

    professora Lilian, mas a mesma me orientou a ir sem apresentaes e conversar

    diretamente com o proprietrio da loja, o senhor Davi.

    Segunda, 4 de novembro, s 14:00 horas, tarde quente e seca, quando cheguei a

    porta da loja Casa da Umbanda, e foi logo produzido uma fotografia3 (figura 2). J

    tinha recebido informaes importantes sobre a loja como: trazia objetos afro-religiosos

    direto do continente africano, farto estoque, excelente atendimento, tudo para

    candombl, umbanda e outros. Naquele momento, no consegui conversar com o senhor

    Davi, contudo um dos seus funcionrios ligou em seu celular, em 15 minutos, ele

    chegou.

    Observei que no era a nica pessoa a aguard-lo, pois havia mais duas

    mulheres, uma de aproximadamente 30 anos e outra de 50 anos, aguardando-o para

    receber conselhos (RODRIGUES, notas de campo, 2013). Algo que ainda estou

    investigando so os servios espirituais praticados nas lojas, mas no falarei disso neste

    trabalho. Com o intuito de obter mais tempo no contato, optei por deix-lo falar com as

    mulheres primeiro.

    Nosso dilogo foi interrompido inmeras vezes por funcionrios, clientes que

    chegavam loja e transeuntes que passavam do lado que estvamos e do outro lado da

    rua. As interrupes foram evidncias claras do prestgio e referncia construdos aolongo dos anos, como afirmou Davi na conversa

    Quando peguei essa loja estava quase fechando. Transformei-a no que ela hoje. Compro produto at da frica, sabia? Fao de tudo pelo meu cliente.Aqui no empurro produto em ningum. Temos de tudo que os orixs pedem.Meu filho fazemos um trabalho muito srio aqui, sabe? Quer conhecer aUmbanda o Candombl, temos tudo. (RODRIGUES, notas de campo, 2013).

    3O uso da fotografia foi autorizada por Davi neste estudo.

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    Nas palavras de Davi uma preocupao em atender aos orixs e aos homens

    da melhor maneira, sempre tendo os objetos mgico-religiosos dos orixs ao alcance

    das mos. Veja a loja (figura 2). Na entrada, assim como na Casa Sete Estrelas v-se a

    esttua de So Jorge Guerreiro, aqui temos Iemanj, a deusa do mar, em esttua de

    aproximadamente 1,75 m de altura. Colocada na entrada da casa/lojas deusa do mar

    quem recebe os visitantes/clientes/consumidores na Casa da Umbanda. No lado direito

    existe um espcie de vitrine, no primeiro momento pensei tambm que fosse. Mas ao

    elogi-la, pois no tinha encontrando igual em outra loja, Davi me disse que era uma

    camarinha4. Posso dizer que em nenhuma outra loja que estive encontrei lugar igual.

    Figura 2. Casa da Umbanda. RODRIGUES, M. A. 4/11/2013. Acervo da pesquisaetnogrfica

    Na imagem fotogrfica (figura 2), como um im, a esttua de Iemanj

    nitidamente atrai o olhar do rapaz que adentra a loja. No percebido na imagem, pois o

    movimento posterior, mas ele curva-se diante da estatueta:

    [...] mais uma tarde sol forte, e aps percorrer pela manh 3 lojas de artigosafro-religiosos do orixs chego loja do Davi. A Casa da Umbanda. Paradosna porta e se preparando para entrar, vejo a uma distncia deaproximadamente 10 metros, um rapaz de tnis, camisa cinza e portando duassacolas em tons de verde ou azul, curva-se diante de Iemanj. Naquelemomento parei de tirar fotografia e observei detalhadamente sua posturacorporal diante de um tipo de altar, que ficava a receber a pessoas queentravam na loja. A interao do sujeito com o objeto a estatua de Iemanj

    me chamou a ateno. Uma vez que estou aqui [em campo] para coletas dedados etnogrficos para pesquisa sobre o trnsito dos objetos mgico-

    4 o quarto sagrado onde se recolhem os candidatos iniciao, e tambm onde os orixs se vestem e se

    paramentam. o lugar das feituras do santo onde se aprende muitos segredos do Candombl. o lugar devrios momentos litrgicos em um terreiro que s os iniciados podem ver e vivenciar. (Almeida, 2012,p.75).

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    religiosos dos orixs e sua agncia sobre as pessoas. (RODRIGUES, notasde campo, 2013).

    A Casa da Umbanda maior em tamanho e variedades de artigos, a julgar pelas

    vinte e trs lojas catalogadas. Da a importncia de se etnografar as relaes de agnciapresentes nela. Nas notas de campo acima, procurei capturar essas relaes de agncia

    dos objetos (Latour, 2012).

    Palavras finais

    Em campo, ao longo da pesquisa etnografia, e a partir dos contatos com

    vendedores, consumidores e proprietrios de casas/lojas de artigos para Candombl e

    Umbanda em Belo Horizonte, constatei que o trnsito de artigos ou objetos dos orixs

    faz parte de um circuito econmico-religioso ligado a uma demanda social, em funo

    de seus usos sociais e de prticas rituais litrgicas, nos terreiros e casas de tradies

    religiosas afro-brasileiras e etc. Desta forma, posso dizer que as casas/lojas de artigos

    afro-religiosos nutrem um processo social de circulao de objetos mgico-religiosos

    dos orixsprivilegiando, em grande parte, a produo de sujeitos ajustados entre lgicas

    religiosas e no religiosas. Lgicas estas influenciadas pela agncia dos objetos sobre os

    sujeitos imersos no universo social do consumo afro-religioso.As casas/lojas, ao estabelecerem conexo com os elementos do mundo dos

    orixs, atravs de sua contribuio ao trnsito dos objetos afro-relgiosos, auxiliam na

    sustentao da cultura afro-brasileira, em sua dimenso religiosa, na cidade de Belo

    Horizonte-MG. Sendo assim, seguidores da religiosidade afro-brasileira (Candombl e

    Umbanda) encontram nestas casas/lojas algo que fica entre uma continuao e um

    paralelo ao terreiro. As casas/lojas por ser um ambiente que materializa o sagrado afro-

    brasileiro promovem o encontro das pessoas com os objetos dos orixs, CDs decnticos, livros sobre orixs, preparos, folhas e outros. E atravs da comercializao e

    pelo atendimento que muitas vezes quase um servio espiritual.

    Enfim, essas casas/lojas articulam as relaes entre o sagrado e o profano. Por

    um lado, ao convertem produtos e servios antes tidos como profanos em objetos

    mgico- religiosos dos orixsatravs da agncia humana. Do outro lado, convertem de

    objetos tidos como mgico-religiosos dos orixs em artigos de decorao e/ou

    exticos. por ltimo,cabe ressaltar tambm que as casas/lojas fazem a sua maneira

    uma conexo com o mundo dos orixs: o terreiro, tenda esprita, roa ou outras

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    denominaes recebidas por seus adeptos e/ou seguidores. No esquecendo que tudo

    isso se encontra entrelaado por um circuito econmico no religiosoo do consumo

    e dando acesso mensagem afro-religiosa, a partir do contato e agncia dos objetos que

    l esto na condio de mercadorias.

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