O Trespasse (2)

download O Trespasse (2)

of 22

Transcript of O Trespasse (2)

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    1/22

    O Trespasse

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    2/22

    Pgina 2

    O Trespasse

    1.Consideraes iniciais

    Nos termos do actual artigo 1112 do Cdigo Civil permitida a transmisso poracto entre vivos da posio do arrendatrio, sem dependncia da autorizao do

    senhorio: a) no caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial.

    Surge-nos assim a configurao jurdica do trespasse como uma das excepes regra geral da intransmissibilidade do direito de arrendatrio.1

    Sobre o que deva entender-se por trespasse muito se tem debatido na doutrina,sendo, de resto, o propsito de nos pronunciarmos quanto natureza deste negcio jurdico que nos leva a tomar uma posio, nas pginas que ora nos propomos escrever.

    A lei no define o que seja o trespasse2, sendo certo que dvidas no existem deque se trata de um negcio jurdico que tem por objecto um estabelecimento comercial.

    A par do desenvolvimento histrico deste instituto, to bem ilustrado por Pinto

    Furtado nas pginas do seu Manual de Arrendamento Urbano, estamos certos que o seusurgimento e posterior desenvolvimento andaram sempre acompanhados da posio jurdica de arrendatrio, o que nos leva a defender, com Pinto Furtado, quetransmisso de um estabelecimento comercial ou industrial localizado em espao no

    arrendado no se reconduzir ao instituto do trespasse 3 . Poder estoutroestabelecimento ser objecto de qualquer tipo de negociao, como uma venda, umadoao, uma penhora, uma locao, ou um usufruto, a ttulo de exemplo, mas emnenhuma destas situaes se tratar verdadeiramente um trespasse, configurado juridicamente como situao de facto, que corresponde transmisso de umestabelecimento localizado num espao arrendado, e que tem como efeito jurdiconuclear a desnecessidade de autorizao do senhorio para transmisso do direito aoarrendamento.

    1 A alnea b) do mesmo artigo consagra uma outra excepo relativamente pessoa queno prdio arrendado continue a exercer a mesma profisso liberar, ou sociedade profissionalde objecto equivalente .

    2 Veja-se a propsito J ORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial ,

    Volume I, 6 edio, Coimbra, Almedina, 2006, p. 281.3PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,p. 532

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    3/22

    Pgina 3

    Abona neste sentido, e desde logo, a insero sistemtica deste instituto no regimedo arrendamento urbano.

    No se v, pois razo plausvel, para que o legislador no tivesse j autonomizado a

    figura se a inteno estivesse em ver no trespasse um negcio jurdico que de formaambgua comportasse toda e qualquer transmisso do estabelecimento comercial.4

    A desnecessidade de autorizao do senhorio ter em vista o facto de, com aexplorao do estabelecimento comercial no local arrendado, o arrendatrio ter produzido uma mais-valia que dever acrescer ao valor da renda e que justifica o factode se possibilitar ao arrendatrio a transmisso do seu direito ao arrendamento sem queo senhorio o possa proibir de o fazer.

    Por outro lado, e no mesmo contexto, se a transmisso no for acompanhada doconjunto de elementos que compem o estabelecimento, faltar o pressuposto do regime previsto no artigo 1112, porquanto no estaremos verdadeiramente perante umtrespasse.

    Estamos em crer que no se transmitindo o estabelecimento como universalidadeenquanto mais valia incorporada no imvel, no haver fundamento para dispensar a

    autorizao do senhorio,5 por no se tratar verdadeiramente um trespasse.

    Ora pretender desligar o trespasse da transmisso da posio jurdica dearrendatrio significaria, em face de tal exigncia, que o proprietrio de um imvel etitular de um estabelecimento comercial, comerciante portanto, se via obrigado atransmitir o estabelecimento com todos os seus elementos integrantes. Mas e se no ofizesse? Que consequncias lhe poderiam advir de retirar ao estabelecimento a maior parte dos seus elementos? A ser assim, seramos obrigados a fazer coexistir umadisciplina jurdica para o trespasse de estabelecimento instalado em prdio arrendado euma disciplina jurdica, porventura menos exigente, para os estabelecimentos instaladosem imvel no arrendado. Ora, no parece vivel.

    2. A noo de estabelecimento e o mbito do trespasse

    4 Contra, MIGUELPUPO CORREIA, Direito Comercial, 9 Edio, Ediforum, Lisboa, 2005, p.69. (Diz -se trespasse todo e qualquer negocio jurdico pelo qual seja transmitidodefinitivamente e inter vivos um estabelecimento comercial, como unidade.) 5 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,p. 537.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    4/22

    Pgina 4

    Neste sentido, torna-se premente que compreendamos, antes de mais, a noo deestabelecimento, e o que dele deve fazer parte.

    Uma questo fundamental a que se coloca em face dos prdios, dos bens imveis.Faro tambm eles parte integrante do estabelecimento?

    Para Pinto Furtado6 , os bens imveis no fazem parte do contedo dosestabelecimentos, pelo que este s poder compreender, no um prdio, mas

    eventualmente, o direito ao uso desse prdio.

    Do estabelecimento faro parte todos os bens corpreos e incorpreos que formemo conjunto unitrio finalisticamente determinado realizao de um fim concreto, aactividade a que se destina a explorao do estabelecimento7. J Coutinho de Abreuafirma no existirem razes que validem um tratamento diferenciado do prdio em

    face de bens que, tal como ele, fazem parte do estabelecimento 8.

    Entendemos que os prdios no faro parte do estabelecimento, e desde logo pelofacto de considerarmos o estabelecimento uma universalidade que, nos termos do artigo206-1 CC, definida comoa pluralidade de coisas mveis que, pertencendo mesma

    pessoa, tm um destino unitrio .

    Ademais, mesmo que considerssemos trespasse toda a transmisso de umestabelecimento, e na hiptese que acima citamos, o proprietrio do imvel, titular doestabelecimento que quisesse transmiti-lo teria obrigatoriamente de transmitir o imvel por fazer parte integrante desse mesmo estabelecimento? Parece-nos que no.

    Pelo que conclumos, com Pinto Furtado, que o estabelecimento deve considerar-seantes um conjunto unitrio de bens mveis, dele estando excludos os bens imveis.

    6 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,p. 540.

    7 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,p. 540.

    8 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,Coimbra, Almedina, 2006, p. 286-87. E acrescente-se, para o A. o prdio to relevanteenquanto elemento integrante do estabelecimento, como um todo, que distinguindo os casos

    de trespasse em prdios arrendados , e os casos de trespasse em prdios no arrendados , justifica a desnecessidade de autorizao do senhorio para a transmisso da posiocontratual de arrendatrio, no primeiro caso, por fora da importncia dos prdios. V. p. 305.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    5/22

    Pgina 5

    Ora, o artigo 1112 CC liga o negcio jurdico de trepasse a um estabelecimentocomercial ou industrial.9 Ser, por esta via, um estabelecimento comercial o que dedicaa sua actividade prtica de actos de comrcio, nos termos do artigo 2 C. Com., e umestabelecimento industrial o que nos termos do artigo 230 do mesmo diploma se dedicarao desenvolvimento industrial de uma actividade transformadora ou de servios.10

    Neste passo, concluiremos com Pinto Furtado que sempre que a lei refere aexistncia de um trespasse desligado de um estabelecimento comercial ou industrial seestar a referir a uma mera transmisso, no utilizando o termo num sentido tcnicorigoroso, o que desde logo comprovado pela aliena b) do artigo 1112 do CC que nofala em trespasse, mas em transmisso de um local arrendado para o exerccio de uma

    profisso liberal.11

    De forma unnime, trespasse encarado, pela doutrina, como uma transmissodefinitiva da titularidade do estabelecimento comercial ou industrial.

    De facto, a lei estabelece de forma objectiva e evidente a distino entre astransmisses definitivas e asdisposies temporrias do estabelecimento12. Assim, amera transmisso temporria do estabelecimento, antigamente configurada pela leicomo umacesso da explorao do estabelecimento est hoje, embora com contornossemelhantes, identificada com a figura da locao de estabelecimento, prevista no artigo1109 CC.

    Sobre a questo de a transmisso da titularidade do estabelecimento comercial ouindustrial supor impreterivelmente um negcio oneroso ou, pelo contrrio, admitir quese possa fazer a ttulo meramente gratuito, a lei nada explcita.

    A verdade que para os autores que afirmam a existncia de um trespasse desdeque se esteja perante uma transmisso definitiva do estabelecimento,independentemente, portanto, do facto de o estabelecimento se encontrar ligado a umdireito de arrendamento, ser fcil de admitir a possibilidade de transmisso do

    9 Para Coutinho de Abreu, o trespasse pode ter por objecto estabelecimentos nocomerciais. Assim, JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I,6 edio, Coimbra, Almedina, 2006, p. 281.

    10 No mesmo sentido, parece-nos, v. M IGUELPUPO CORREIA, Direito Comercial, 9 Edio,Ediforum, Lisboa, 2005, p.70, quando considera o trespasse uma acto de comrcio objectivo.

    11 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,

    p. 55112 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,Coimbra, Almedina, 2006, p. 281.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    6/22

    Pgina 6

    estabelecimento a ttulo gratuito13, por exemplo atravs de uma doao, enquanto meraliberalidade.

    Acontece, porm, que se ponderarmos sobre o especial fundamento do trespasse

    enquanto constatao de uma riqueza criada pelo arrendatrio no imvel que ocupa,riqueza que se encontra ligada ao estabelecimento que explora e que fundamenta, por sis, tambm a desnecessidade de autorizao do senhorio para a transmisso da posiode arrendatrio, parece que a alienao gratuita do estabelecimento no ter em siqualquer razo que subjaza a esta consequncia essencial. Por outro lado, desta arte,tambm no se vislumbraria grande significado ao direito de preferncia atribudo aosenhorio.

    O que nestes termos aconteceria seria atribuir o direito de preferncia ao senhorionos casos em que a transmisso fosse onerosa e no atribuir quando a mesma fossegratuita. No parece admissvel. Ou melhor dizendo, o direito de preferncia no fazsentido se no estivermos perante negcios onerosos.

    certo que a lei delimita o direito de preferncia aos casos de venda ou dao em pagamento, o que induz admitir que o trespasse poder configurar outro tipo denegcios, mas estamos em crer que nunca negcios gratuitos.

    O trespasse portanto a transmisso definitiva de um estabelecimento por um actoentre vivos. Ora, na perspectiva de que o trespasse s faz sentido quando ligado a umdireito de arrendamento, o problema ganha maior acuidade quando, em virtude da mortedo arrendatrio, se opera a transmisso deste direito, por fora designadamente dodisposto no artigo 1113 CC e com a transmisso deste direito a transmisso automticado estabelecimento comercial. primeira vista, tudo levaria a crer estarmos perante um

    trespasse, contudo em causa estar aqui em causa, antes de mais, um fenmenosucessrio que operaope legis que tem por causa imediata a morte do primitivoarrendatrio (titular do estabelecimento comercial), e o efeito de transmisso do

    13 Para Coutinho de Abreu, as razes da disciplina jurdica do trespasse valem tanto paraos negcios onerosos como para os negcios gratuitos. JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU,

    Curso de Direito Comercial, op.cit., p. 582.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    7/22

    Pgina 7

    estabelecimento aqui apenas e to s, em nosso entender, um efeito instrumental, eno um efeito directo da sucesso.14

    Ora, a lei s admite a desnecessidade da autorizao do senhorio para a transmisso

    do direito ao arrendamento quando em causa esteja a transmisso de umestabelecimento comercial no qual aquele esteja integrado, e admite-o apenas porconsiderar injusto que, em face da considervel mais valia que o estabelecimentorepresenta relativamente ao valor da renda, o senhorio pudesse impedir a circulao domesmo.

    Para enfatizar este entendimento atentemos ainda em que o trespasse contabilisticamente organizado como imobilizado activo, e o seu valor apurado emfuno do valor que acrescenta a universalidade, em si mesma, em relao mera somado valor dos elementos constitutivos do estabelecimento, sendo, entre eles, na maioriadas vezes, o direito ao arrendamento o valor mais importante.

    Contam-se, todavia, numerosas situaes em que atravs de um trespasse se pretende unicamente possibilitar a transmisso do direito ao arrendamento.15

    Neste sentido, a transmisso do estabelecimento que tenha nica e exclusivamente

    a inteno de permitir a transmisso do direito ao arrendamento constitui ummecanismo fraudulento subjacente ao qual podemos fazer corresponder a figura doenriquecimento sem causa custa do senhorio, pois que, na verdade, o valor que se quertransmitir to s o valor do arrendamento e no o do estabelecimento, enquantouniversalidade.

    Ora, esta inteno est em contradio evidente coma ratio subjacente previsolegal da desnecessidade da autorizao do senhorio em caso de trespasse.

    3. A delimitao do negcio jurdico de trespasse

    14. PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra,

    2001, p. 560.15PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,p. 563

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    8/22

    Pgina 8

    Para estarmos perante um trespasse necessrio que o estabelecimento sejatransmitido como unidade global, o que desde logo decorre da alnea a) do n 2 doartigo 1112, ora objecto do nosso estudo, onde se pode ler que no haver trespassesea transmisso no for acompanhada da transferncia, em conjunto, das instalaes,

    utenslios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento.

    Parece-nos todavia perfeitamente razovel que, ao abrigo da autonomia privada naconformao do negcio jurdico, as partes possa excluir da universalidade certos bens,certas relaes contratuais, desde que com tal excluso no fique prejudicada acaracterizao do estabelecimento comercial em conformidade com a sua natureza.16

    Fala-se a este respeito, na doutrina, de um mbito mnimo, natural ou necessriodo estabelecimento 17 para referir a existncia de um conjunto mnimo de elementosque reflectem a imagem do estabelecimento aos olhos do pblico.18 Neste sentido, diz-se no suficiente que o senhorio prove no ter sido transmitido um ou maiselementos componentes do estabelecimento; ter que provar que sem esse (s) elemento

    (s) no subsiste aquele concreto estabelecimento 19.

    To importante com esta ainda a referncia de outros autores a uma determinadaaptido funcional do estabelecimento, no sentido de que se o mesmo se revelar apto

    ao seu funcionamento, independentemente dos elementos que o integram, deveremosconsiderar estar verdadeiramente perante um estabelecimento.20

    Discute-se ainda se as alienas a) e b) do referido preceito constituem meras presunes da existncia de um trespasse, sendo portanto passveis de prova emcontrrio. A ser verdade, trata-se, na prtica, de poder provar que h um trespasse, ondeefectivamente ele no existe, ou pelo contrrio de poder que ele no existe ainda que

    esteja plenamente configurado.

    Partilhamos da opinio do Professor Pinto Furtado quando considera que, no querespeita referida alnea a), estamos perante uma claradelimitao negativa da noo

    16PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,p. 567

    17 Ver a este respeito, J ORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial ,Volume I, 6 edio, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 284-91

    18 ORLANDO DEC ARVALHO, Alguns aspectos da negociao do estabelecimento, Revista deLegislao e Jurisprudncia, 115 p.167

    19 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,Coimbra, Almedina, 2006, p.306

    20 JOS OLIVEIRA ASCENSO, Lies de Direito Comercial, 1986/87, Volume I, pp. 509-510.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    9/22

    Pgina 9

    legal de trespasse ; no sentido de queno efectivamente um trespasse , a transmissoque no seja acompanhada da transferncia, em conjunto, das instalaes, utenslios,mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento.

    Repare-se que se considerarmos, como consideramos, que a negociao doestabelecimento comercial s tem relevncia jurdica no trespasse, com vista negociao do direito do arrendatrio e preferncia legal do senhorio21, tudo se revelamais simples, e no h necessidade prtica de qualificarmos como presunes oundices as duas alneas do artigo 1112, n 2 CC.

    Se estivermos perante a venda de um estabelecimento, sem que nele estejaintegrada qualquer posio de arrendatrio, nada obsta e em nada releva, o facto de as partes exclurem do negcio a maioria dos bens que compem o estabelecimento. Noh necessidade de nos socorremos da aliena a) porquanto estamos verdadeiramente nodomnio liberdade contratual, e as partes so livres de compor e conformar o contedodo negocio como bem entenderem.

    Em nossa opinio, as alienas a) e b) do n2 do artigo 1112 CC s fazem sentidoenquanto se pretenda acautelar um interesse exterior ao negcio, neste caso o interessedo senhorio que v coarctados os seus direitos, ao ser dispensada a sua autorizao paraa realizao de um negcio que visa proteger, antes de mais, a riqueza criada peloarrendatrio na explorao do estabelecimento comercial, permitindo a sua circulaode formaquase livre.22

    Atentemos que em causa estar apenas a considerao de um determinado valor;um valor econmico criado pelo arrendatrio, ligado, antes de mais ao direito dearrendamento, que o legislador decidiu tutelar, negando ao senhorio o direito de poder

    impedir a sua circulao.

    E com base nesta considerao que Pinto Furtado enuncia um critrio econmicoque justamente imprime certeza e preciso no juzo de estarmos, ou no, no casoconcreto, perante a transmisso do estabelecimento comercial como universalidade, de

    21 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,

    p. 57522 No mesmo sentido, PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 575-76

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    10/22

    Pgina 10

    modo a que se justifique, no caso concreto, falarmos de um trespasse e que legitime, emltima instancia, a dispensa da autorizao do senhorio.

    Este critrio econmico consistir to-somente em apuramos a diferena entre os

    valores do activo e passivo identificveis no estabelecimento que se pretendetransmitir e o valor do direito de arrendamento expresso na diferena entre o valor darenda de mercado e das rendas a pagar durante o prazo do contrato.

    Deste modo, se o valor dos activos e passivos identificveis, deduzidos do valor datransmisso, for superior estaremos ento aptos a considerar a transmisso como umefectivo trespasse de estabelecimento comercial ou industrial, quando no estaremos perante uma daquelas situaes em que o que se pretende verdadeiramente transmitir o valor do direito ao arrendamento, prejudicando necessariamente o senhorio.

    Existem, no entanto, alguns elementos que suscitam maiores dvidas quanto possibilidade da sua transmisso. Estamos a falar doscrditos do trespassante ligados explorao do estabelecimento e da transmisso singular de dvidas .

    Relativamente aos crditos, e no silncio da lei, parece consentneo na doutrinaentender que eles podem ser transmitidos juntamente com o estabelecimento desde que

    trespassante e trespassrio nisso concordem 23 . Trata-se da disciplina prevista noartigo 577 ss CC que admite a possibilidade de cesso de crditos, desde que hajaacordo entre o trespassante e o trespassrio, independentemente do consentimento do

    devedor, mas desde que seja notificada ao devedor (v. art. 583 CC).

    Quanto transmisso de dvidas, no deve entender-se, como tambm no entendea generalidade da doutrina, que ela seja automtica, no sentido de se afirmar que asdividas fazem parte do contedo do estabelecimento comercial, enquanto conjuntounitrio de bens.

    Assim, e na falta de disposio especial, a transmisso de dividas deve observar odisposto no artigo 595 CC, pelo que carece de um acordo entre trespassante e

    23 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,Coimbra, Almedina, 2006, p. 292.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    11/22

    Pgina 11

    trespassrio, aprovado pelos credores, ou por acordo entre o trespassrio e os credores,com ou sem consentimento do trespassante.24

    Na alnea b) do artigo 1112 CC, o legislador procedeu a um reparo relativamenteao regime anterior, ainda que desse reparo no resulte grande novidade.

    Nos termos da anterior alnea b) do artigo 115, n 2 do RAU, delimitava-se ainexistncia de trespassequando transmitido o gozo do prdio se passe a exerce r neleoutro ramo de comrcio ou industria ou quando, de um modo geral, lhe seja dado outro

    destino ; actualmente, no h trespassequando a transmisso vise o exerccio, no

    prdio, de outro ramo de comrcio ou indstria ou, de um modo geral, a sua afectaoa outro destino.

    Parece-nos de facto que foi intuito do legislador delimitar o espao temporal emque deve apreciar-se a mudana de ramo ou de destino. Assim, a mudana de ramo oude destinodeve ser visada com a prpria transmisso do estabelecimento , para que possa descaracterizar-se o negcio jurdico de trespasse, o que significa que quando estamudana de ramo ou destino do prdio ulterior celebrao do negcio jurdico em

    nada releva para que no possamos estar perante um trespasse25.

    Semelhante concluso foi, de resto, j antecipada, em face do regime anterior.

    Partilhamos, no entanto, aqui da opinio de Pinto Furtado26 quando indicia, se bem nos parece e salvo melhor opinio, a irrelevncia da alnea b) para a caracterizaode um trespasse.

    Ora, se em face da alnea a) o estabelecimento foi transmitido, comouniversalidade, com todo o conjunto de elementos que dele faz parte integrante, nadafar supor que a transmisso visa a destinao do mesmo a outro ramo. Melhor dizendo,

    24 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,Coimbra, Almedina, 2006, p. 296. Assim, segundo o ilustre A. a transmisso s exonera otrespassante havendo declarao expressa dos credores e quando esta no exista otrespassante responde solidariamente com o trespassrio.

    25 Ainda que possa, no caso concreto, consubstanciar uma autnoma clusula de

    resoluo do contrato de arrendamento, como efectivamente acontece .26 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,pp.583-84

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    12/22

    Pgina 12

    difcil, na prtica, que um estabelecimento que seja transmitido com todos os seuselementos seja afectado a um ramo de negcio ou indstria distinto.

    Conclumos assim que a alnea a) mais do que suficiente para a caracterizao

    de um negcio como trespasse.

    E se j em face do regime anterior se propendia para um interpretao restritivada aliena b) porquanto j se considerava, de forma generalizada, que o momentodecisivo para a apreciao da mudana de ramo era, de facto, o acto da transmisso emsi mesmo, poderia o legislador ter optado mesmo por excluir da redaco do artigo 1112esta hiptese, em vez de ter aproveitado para reafirmar uma interpretao que se j sevinha fazendo e parecia bvia, ainda que destituda de grande sentido prtico.

    Antes, porm, j h muito se vem entendendo que, o que se ter pretendidoinicialmente com a hiptese prevista nesta alnea foi a consagrao de uma causa deresoluo do contrato pelo senhorio, aquando a afectao do prdio arrendado a outrodestino. No deixar, porm, hoje, de se considerar a previso suprflua 27 quando oactual artigo 1083, n 2, aliena c) CC, e o anterior artigo 64, alnea b) RAU, consagraexpressamente tal facto como causa de resoluo.

    Contrariamente, eembora criticando a norma , Coutinho de Abreu entende que aalnea b) do n2 do artigo 1112 CC constitui um autnomo fundamento de resoluo28, porquanto subjazem, diz o Autor, diferenas de regime, consoante se aplique o artigo1083, 2c) ou o artigo 1112, 2 b).

    A questo que a este nvel ainda se pode levantar e que continua a ser debatida pela doutrina saber em que consiste a mudana de ramo ou a afectao a outro destino.Sero, na nossa modesta e humilde opinio, duas realidades distintas que merecem umtratamento diverso.

    Pois bem, quando ao primeiro aspectoexerccio de outro ramo de comrcio ouindustria ele no se coloca verdadeiramente quando estiver observada a transmissodo estabelecimento como conjunto global. Existindo, na prtica, esta ltima, ser difcilno se manter o mesmo ramo de negcio, e por isso descaracterizar o trespasse por esta

    27 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , 3 Edio, Almedina, Coimbra, 2001,

    pp. 582-8928 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,Coimbra, Almedina, 2006, p. 307.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    13/22

    Pgina 13

    via. Quanto ao segundo aspecto,afectao a outro destino trata-se aqui de facto deuma verdadeira clusula de resoluo, a que j se chegaria mesmo que no se optasse pela consagrao desta alnea, por fora do actual artigo 1083, n 2, aliena c) CC, no setratando aqui verdadeiramente de uma causa de descaracterizao do trespasse.

    De resto, parece-nos ser este o entendimento sufragado pelo legislador. No n2do artigo 1112, consagra duas causas de delimitao negativa do trespasse, sendo que,como referimos, a alnea b) no far muito sentido quando o estabelecimento fordefinitivamente transmitido englobando todos os seus elementos.

    J no n 5 do mesmo preceito legal, o legislador cuida com especial ateno odestino dado ao prdioaps a transmisso . E vejamos que em face da lei,aps atransmisso , no releva j a mudana de ramo de comrcio ou indstria.

    Neste sentido, aafectao a outro destino , aps a transmisso, configuradacomo uma causa de resoluo.

    Querer o legislador dizer que, aps a transmisso de um estabelecimentocomercial alojado em prdio arrendado, o trespassrio pode afectar o estabelecimento aum ramo de comrcio distinto, proibindo apenas a sua utilizao a fim diferente, como

    seja p.ex. a habitao?

    4. A obrigao de comunicao ao senhorio

    Decorria implicitamente do anterior artigo 115 RAU, ex vi do artigo 1038 alnea g)

    CC, uma obrigao de comunicao ao senhorio da efectiva cedncia da posiocontratual a ocorrer no mbito de um trespasse de estabelecimento comercial ouindustrial. Tal comunicao deveria ocorrer no prazo de 15 dias depois da realizao donegocio e poderia ser feita quer pelo trespassante como pelo trespassrio, por fora doartigo 1049 CC (parte final). No sendo esta obrigao pontualmente cumprida, osenhorio teria o direito de resoluo do contrato de arrendamento por fora do artigo 64,alnea f) do RAU.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    14/22

    Pgina 14

    Actualmente, o artigo 1112, n 3 CC refere expressamente a obrigao decomunicao ao senhorio no caso de trespasse, no obstante se ter mantido a obrigao por fora do j referido artigo 1038, alnea g), a dvida passa agora por determinarmoso prazo exigvel para o cumprimento dessa obrigao de comunicao.

    que o nmero 3 refere apenas expressamente a obrigatoriedade de talcomunicao, sem que refira o prazo exigvel para o fazer, momento a partir do qual sea comunicao no for feita, o senhorio dispe da possibilidade de poder resolver ocontrato, por se tratar da transmisso da posio de arrendatrio ineficaz perante osenhorio (artigo 1083, n 2, aliena e)).

    A este respeito, no regime anterior defendia-se que ao abrigo do artigo 1038 alneag) tal comunicao deveria ser feita no prazo de 15 dias aps a celebrao do negocio.O mesmo era defendido para a cesso da explorao do estabelecimento comercial queagora denominada como locao de estabelecimento, prevista no artigo 1109 do C.C.Com respeito obrigao de comunicao, os fundamentos que a tornam exigvel partem do mesmo princpio, quer no caso de trespasse ou quer no de locao doestabelecimento. Trata-se com efeito da cedncia do gozo de imvel de que proprietrio o senhorio, o que lhe confere o direito de saber quando ela exista.

    S que agora, no preceito que regula a locao do estabelecimento dispe olegislador que a comunicao dever ser feita no prazo de um ms. Ao invs, o artigo1038, na sua alnea g) mantm o prazo de 15 dias.

    A dvida consiste em determinar qual a razo que levou o legislador a definir peremptoriamente um prazo para a locao de estabelecimento, no o fazendo para otrespasse.

    E, perante tal diferena, sabermos que prazo deve considerar-se relevante para ocaso de trespasse, o prazo previsto no artigo 1038 alnea g) ou o definido para a locaode estabelecimento, o que vale por perguntar, dever a comunicao, ao senhorio, serfeita no prazo de 15 dias ou de 1 ms.

    Estamos convictos que os motivos determinantes para a opo entre uma outrafigura so completamente distintos.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    15/22

    Pgina 15

    Vejamos, no caso da locao de estabelecimento, o que est em causa atransferncia temporria e onerosa do gozo do prdio, e no verdadeiramente umacesso de posio contratual de arrendatrio. E tanto mais assim que no est prevista para esta figura a obrigao de dar preferncia ao senhorio.

    Ao invs, no trespasse estamos perante a transmisso definitiva da posio dearrendatrio quando se pretenda transmitir um estabelecimento comercial instalado emimvel arrendado. Ora, neste caso, a transmisso definitiva e opera automaticamenteuma extino da relao jurdica entre o senhorio e o primitivo arrendatrio, titular doestabelecimento.

    Parece-nos assim que o prazo de um ms previsto para a locao deestabelecimento tem em vista uma situao que representa um peso menor para osenhorio, proprietrio do imvel onde se encontra instalado o estabelecimento. Narealidade, o estabelecimento ser explorado por outra pessoa, mas nada implica umaextino do vnculo contratual entre o senhorio e o arrendatrio.

    Por este motivo, no parece lgica a aplicao ao trespasse deste mesmo prazo, pois que se tivesse sido inteno do legislador a alterao do prazo de 15 dias, como ofez para a locao de estabelecimento tambm o teria feito para o trespasse. De outromodo, parece ter sido inteno do legislador deixar explcito, na lei, que a locao deum estabelecimento assume propores mais simples do que o seu trespasse.

    No obstante, considerarmos ser de manter a obrigao de comunicao, datransmisso da posio de arrendatrio, ao senhorio, no prazo de quinze dias, cremos,no entanto, ser manifesta a contradio entre o artigo 1109 n 2 e o artigo 1038, alneag), ambos do CC, o que poder suscitar, na prtica, algumas dvidas, sobre a

    possibilidade de aplicao, no caso de trespasse, do prazo de um ms para efectuar acomunicao.

    Poderia, portanto, em nossa opinio, ter sido o legislador mais rigoroso e definir para o trespasse, como o fez para a locao de estabelecimento, o prazo exacto paraobservar a comunicao que, muito bem, passou a referir como obrigatria.

    Relativamente forma do trespasse, dispe ainda o nmero 3 do artigo 1112 CC

    que a transmisso deve ser observada por escrito.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    16/22

    Pgina 16

    5. A forma do trespasse

    A primitiva redaco do artigo 115, nmero 3 RAU exigia, para que o trespasse seconsiderasse vlido, a celebrao do negcio por escritura pblica.

    O Decreto-lei n 64-A/2000 de 22 de Abril veio alterar a redaco deste n3, que passou a dispor queo trespasse deve ser celebrado por escrito, sob pena de nulidade.

    Resulta da actual redaco do nmero 3, do artigo 1112 CC, no ter o legislador

    determinado expressamente a cominao prevista para a falta de forma do negcio. Noteremos grandes dvidas em afirmar que se deve manter a nulidade como consequnciado negcio jurdico de trepasse celebrado sem observncia da forma legalmente prescrita.

    (ver artigo 280/289/286)

    Sobre a questo da simplificao formal do trespasse do estabelecimentocomercial, pronunciaram-se muito recentemente Carolina Cunha e Ricardo Costa29.Consideram os Autores que a consagrao da desnecessidade de escritura pblica para acelebrao do trespasse se insere no objectivo de proceder modernizao do sistema

    de registos e notariado 30. E partem, no seu estudo, da questo de ser, ou no, um merodocumento escrito, titulo bastante para a transmisso de direitos reais sobre imveis,quando o artigo 80, n 1 do Cdigo do Notariado sujeita a escritura publicaos actosque importem reconhecimento, constituio, aquisio, modificao, diviso ou

    extino dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitao, superfcie ou servido

    sobre coisas imveis.

    Estamos perfeitamente de acordo com os AA. quando inserem a desnecessidade deescritura publica num processo de simplificao e modernizao dos actos notariais, que

    29 C AROLINA CUNHA/RICARDO COSTA, A simplificao formal do trespasse deestabelecimento comercial e o novo regime do arrendamento urbano , Coimbra, Almedina,2006.

    30 C AROLINA CUNHA/RICARDO COSTA, A simplificao formal do trespasse deestabelecimento comercial e o novo regime do arrendamento urbano , Coimbra, Almedina,

    2006, p.17.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    17/22

    Pgina 17

    em ultima instancia reconduzem ao principio do favor commercii, porquanto significar mais celeridade, menos custos e maior facilidade na transaco de bens .31

    Todavia, no partilhamos, com todo o devido respeito que nos merecem os ilustres

    professores da Escola de Coimbra, a preocupao sobre que se debruam, que, quanto ans, resulta de um falso problema.

    Como vimos dizendo, o trespasse um negcio jurdico que traduz, sim, atransmisso definitiva de um estabelecimento comercial, mas s quando ele estejaintegrado num espao arrendando, dando corpo necessariamente a uma transmisso da posio de arrendatrio que necessariamente acompanha a transmisso doestabelecimento, porque dele elemento constitutivo.

    Da que, em nada nos afronta ter sido aligeirada a forma exigida para a celebraode tal negcio jurdico, tornando-se desnecessria a escritura publica e passando aconsiderar-se suficiente o documento escrito.

    Vejamos que, neste caso, os interesses acautelados por uma escritura pblica noque toca transmisso de um imvel no assumem relevncia. As partes interessadas notrespasse vem, parece-nos, os seus interesses, de segurana e certeza jurdicas,

    devidamente acautelados, com a mera traduo do negcio num documento escrito.

    Fora destes casos, portanto nas situaes que se trate de transmitir umestabelecimento comercial do qual, por acordo das partes, far parte o imvel em queele est instalado, partindo do pressuposto que o titular do estabelecimento proprietrio do imvel, manter-se-, a nosso ver, a exigncia de escritura pblica, porfora do disposto no artigo 80, nmero 1 do Cdigo do Notariado.

    Parece-nos, alis, ser esse o propsito do actual artigo 7 do Cdigo das SociedadesComerciais, que, sendo justamente uma concretizao da tentativa de simplificao edesburocratizao dos actos notariais a que estavam sujeitos as empresas, passou aexigir, como forma de celebrao do contrato de sociedade, um mero documento escritocom reconhecimento presencial das assinaturas, a menos que outra forma mais soleneseja exigida para a transmisso dos bens com que os scios entram para a sociedade.

    31 C AROLINA CUNHA/RICARDO COSTA, A simplificao formal do trespasse deestabelecimento comercial e o novo regime do arrendamento urbano , Coimbra, Almedina,

    2006,p.19

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    18/22

    Pgina 18

    Assim sendo, um scio que entre para uma sociedade comercial com umestabelecimento comercial instalado em prdio arrendado, poder faz-lo sob a forma deum trespasse, com desnecessidade de autorizao do senhorio e atravs de umdocumento particular. Se o estabelecimento est integrado num imvel prprio, e scio pretende entrar para a sociedade com o estabelecimento comercial e o imvel, tal norevestir a forma de um trespasse, e como forma de transmisso do imvel sernecessria a outorga da escritura pblica.

    Os referidos AA. rejeitam expressamente esta tese32 apoiando-se no elementoliteral da norma, no sentido de que actualmente o artigo 1112, n3 CC, mais claro que oartigo 115, n3 RAU, utiliza a expresso transmisso em vez de trespasse, como o fazia

    esta ultima. Por isso, entendem os AA. que transmisso aqui dever ser entendida comoabrangendo os casos de trespassee outros.

    Ora, salvo o devido respeito, parece-nos mais uma vez no estarem os AA. do ladoda razo. que a transmisso referida no artigo 1112, n 3 a transmisso da posio dearrendatrio que inevitavelmente restringe os casos de trespasse aos casos detransferncia de um estabelecimento instalado em imvel arrendado, e s estes. Nocolhe portanto o argumento literal.

    Apelam ainda ao elemento sistemtico, para rejeio na nossa tese. Nestes sentido,entendem quea revogao da al. m) do n2 do art.80 do CNot. eliminou, pura e

    simplesmente, o trespasse da lista dos actos sujeitos a escritura pblica.

    Mais uma vez no sufragamos esta posio e por uma questo muito simples; que precisamente nesta eliminao que se concretiza o objectivo de proceder modernizao do sistema de registos e notariado , no se eliminando todavia a

    necessidade de reduzir a escritura publicaas modificaes subjectivas ou objectivas dedireitos reais sobre imveis 33.

    Tudo leva a crer, em nossa opinio, que uma realidade ser o trespasse outra ser atransmisso de um imvel em que est inserido um estabelecimento comercial. Neste

    32 C AROLINA CUNHA/RICARDO COSTA, A simplificao formal do trespasse deestabelecimento comercial e o novo regime do arrendamento urbano , Coimbra, Almedina,2006, p.27

    33 C AROLINA CUNHA/RICARDO COSTA, A simplificao formal do trespasse deestabelecimento comercial e o novo regime do arrendamento urbano , Coimbra, Almedina,

    2006, p.24

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    19/22

    Pgina 19

    ultimo caso, temos uma modificao subjectiva de um direito real sobre um imvel, queest sujeito a escritura pblica, e que no se confunde com um trespasse que, por suavez, tem apenas em vista os casos em que o estabelecimento est instalado num imvelarrendado.

    Sem querermos aprofundar demasiadamente esta temtica, no podemos deixar deconcluir que s estabelecendo uma ntida diferena entre o trespasse de estabelecimentocomercial, e as outras formas de transmisses de que o estabelecimento comercial podeser objecto, poderemos densificar o contedo deste negcio jurdico, que de outra formaresultaria absolutamente distante da sua consagrao legal.

    6. Obrigao implcita de no concorrncia.

    A obrigao implcita de no concorrncia ligada transmisso do estabelecimentocomercial significa to s o facto de o trespassante ficar obrigado a, num certo espao edurante certo tempo, no concorrer com o trespassrio. Na prtica fica impedido deiniciar actividade similar exercida atravs do estabelecimento trespassado34.

    O fundamento desta obrigao encontra-se, desde logo, ligado ao valor de proteco da clientela, uma vez que o estabelecimento transmitido como um todo e aclientela , como vimos, um elemento desse todo.

    Pelo facto de conhecer as caractersticas do estabelecimento em causa e manterrelaes pessoais com fornecedores e clientes, a concorrncia que pudesse exercerdeterminaria um grande risco para a subsistncia da empresa alienado, impedindo nessamedida que o trespassrio adquirisse o estabelecimento na sua plenitude.

    Esta obrigao de concorrncia tem limites. Ela justifica-se apenas na medida emque for necessria para assegurar uma efectiva entrega do estabelecimento aotrespassrio, estabilizando todos os valores que ao estabelecimento estejam associados.Quando no, tratar-se-ia de uma violao liberdade de iniciativa econmica.

    34 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,

    Coimbra, Almedina, 2006, p. 298

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    20/22

    Pgina 20

    O trespassante fica assim proibido de exercer uma actividade concorrente com aactividade exercida atravs do estabelecimento que trespassou, sendo que se j exerciaactividades similares noutras empresas ou estabelecimentos aquando do acto detransmisso no fica impedido de as continuar a exercer.

    E a obrigao implcita de no concorrncia valer apenas no seio do raio de acodo estabelecimento trespassado e durante o tempo suficiente para se consolidarem osvalores de organizao e/ou explorao da empresa transmitida na esfera doadquirente35.

    E se o trespassante violar esta obrigao de concorrncia? Poder ento otrespassrio exercer os direitos previstos nas normas que respeitam ao no cumprimentodas obrigaes. Pode exigir uma indemnizao por perdas e danos, exigindo mesmo queo estabelecimento aberto pelo trespassante tenha de ser encerrado, ou resolver ocontrato de trespasse, ou intentar aco de cumprimento, requerendo eventualmenteuma sano pecuniria compulsria.

    7. Direito de preferncia do senhorio

    Reconhece a lei o direito de preferncia do senhorio em caso de trespasse porvenda ou dao em cumprimento.

    Dar preferncia significa dar primazia ou direito de opo na aquisio de umdeterminado bem ou na celebrao de determinado contrato, a certa pessoa.

    35 JORGE M ANUELCOUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial , Volume I, 6 edio,

    Coimbra, Almedina, 2006, p. 303

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    21/22

    Pgina 21

    E, no que ao trespasse respeita, a lei d essa primazia ao senhorio. Mas f-lo s emcaso de venda ou dao em pagamento, excluindo assim o direito de preferncia dosenhorio relativamente a outros negcios jurdicos atravs dos quais se possa tambmoperar a transmisso do estabelecimento.

    J vimos que, em nossa opinio, a transmisso do estabelecimento, em caso detrespasse, no pode ser gratuita, justamente para se defender este direito de prefernciado senhorio. O direito de preferir implica a opo por um preo que num negcio jurdico gratuito no existe.

    Sobre qual seja o fundamento deste direito de preferncia muitas pginas se tmescrito na doutrina.

    Deve reconhecer-se antes de mais que o arrendamento uma situao temporria,digamos que sem vocao de perpetuidade.

    Nestes termos, e pretendendo o arrendatrio transmitir um estabelecimento que seencontra num imvel arrendado, ter todo o sentido possibilitar ao senhorio areunificao da sua propriedade, recuperando assim um imvel que lhe pertence,adquirindo, por essa mesma via, o estabelecimento. No podemos, nem devemos,

    esquecer que a transmisso do estabelecimento, por meio de trespasse, tendo comoconsequncia a desnecessidade de autorizao do senhorio determina uma extinoautomtica da relao locaticia qual o senhorio no se pode opor. O direito de preferncia vem assim repor o equilbrio de uma balana que partida assume medidasdiferentes.

    No esquecemos, claro, que o verdadeiro fundamento do trespasse possibilitar acirculao de uma riqueza criada pelo arrendatrio, que em nada se confunde com ovalor da renda, mas no podemos aceitar a negao de qualquer interesse ao senhorio,que no v motivo para tutelar o interesse imobilirio do senhorio, permitindo-lhe aadopo de uma posio empresarial 36 , at porque, j o frisamos, muitas so as vezesem que o valor mais importante e determinante do trespasse o valor do direito doarrendamento.

    36 JOS OLIVEIRA ASCENSO, Subarrendamento de direitos de preferncia no novo regimedo arrendamento urbano , ano 51, 1991, I, p.59.

  • 7/22/2019 O Trespasse (2)

    22/22

    Pgi 22

    Nestes termos, o artigo 1112, n 4 do Cdigo Civil mantm o direito de prefernciado senhorio.

    Todavia, umas das grandes alteraes desta nova lei, que pode assumir grandes

    repercusses ao nvel do negcio jurdico de trespasse prende-se com a disposio doartigo 26,6 NRAU (Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro).

    Agora, ocorrendo um trespasse, depois da entrada em vigor deste ultimo diploma,de um estabelecimento comercial instalado num imvel sujeito a um contrato dearrendamento de durao indeterminada, poder imediatamente o senhorio comunicarao trespassrio a denncia do contrato de arrendamento, com uma antecedncia noinferior a cinco anos, nos termos das disposies conjugadas da alnea c) do artigo1101CC, ns 6, alnea a) e 4 do artigo 26 da Lei 26/2006.

    E mesmo que o no queira fazer nessa altura, estando em causa um contrato dearrendamento de durao indeterminada, poder faze-lo a qualquer altura sem que paraisso esteja previsto nenhum limite temporal, desde que seja observada a mesmaantecedncia de cinco anos.37

    37 PINTOFURTADO, Manual de Arrendamento Urbano , Indito.