O Triunfo da Fé

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Triunfo da fé

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Triunfo da fé

Heber Carlos de Campos Jr.

Lidando com o problema do Mal

um esTudo em HabaCuque

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Caixa Postal, 1601CEP 12230-971São José dos Campos-SPPABX.: (12) 3919-9999

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Triunfo da féLidando Com o Problema Do Mal – Um Estudo em Habacuquepor Heber Carlos de Campos Júnior

Copyright © 2012 Heber Carlos de Campos Júnior

Publicado em português por Editora FielCopyright © 2012 Editora FielPrimeira Edição em Português: 2012

A versão bíblica utilizada nesta obra é a Almeida Revista e Atualizada (ARA - SBB)

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária

Proibida a reprodução deste livro por quaisquer

meios, sem a permissão escrita dos editores,

salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Presidente: James Richard Denham IIIPresidente Emérito: James Richard Denham Jr.Editor: Tiago J. Santos FilhoRevisão: Tiago J. Santos FilhoDiagramação: Rubner DuraisCapa: Rubner DuraisISBN: 978-85-8132-033-5

dados internacionais de Catalogação na Publicação (CiP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Campos Junior, Heber CarlosTriunfo da fé : lidando com o problema do mal : um estudo em Habacuque / Heber Carlos de Campos Jr.. -- São José dos Campos, SP : Editora Fiel, 2012.

ISBN 978-85-8132-033-5

1. Bem e mal 2. Bíblia. A.T. Habacuque -Crítica e interpretação 3. Vida cristã I. Título.

12-11635 CDD-224.9506

Índices para catálogo sistemático:1. Habacuque : Livros proféticos : Bíblia : Interpretação e crítica 224.9506

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Sumário

Agradecimentos............................................................................. 7

Apresentação ............................................................................... 11

Introdução a Habacuque ............................................................. 15

Até quando, Senhor? (Habacuque 1.1-11) ................................. 33

Perplexo, mas não desesperado (Habacuque 1.12-2.1) ............. 57

Discurso sobre Concursus ............................................................ 75

Deus nunca se engana quanto a quem é ímpio e quem é justo

(Habacuque 2.2-20) ..................................................................... 91

Fé clama por misericórdia e em meio ao juízo encontra gozo

(Habacuque 3.1-19) ................................................................... 113

Epílogo ....................................................................................... 131

Apêndice: Em Resposta aos Céticos ......................................... 135

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interesse pelo tópico desse livro nasceu a partir de várias providências divinas no decorrer de minha vida pelas quais sou grato a ele. Primeiramente, no âmbito familiar. Desde pequeno tive o privilégio de ser educado em um lar cristão onde pais a quem amo me ensinaram a crer em um Deus cheio de poder e bondade. Nem só poderoso (tirano), nem só bondoso (impoten-te), mas com a junção de ambas as qualidades e, por isso, digno de confi ança. Tive o privilégio de ter um pai, pastor e professor de teologia sistemática que me ensinou não só sobre Deus, mas a amar a Deus conforme ele se revela nas Escrituras.

O estudo teológico aguçou meu interesse pela exposi-ção e pela teologia. Antes mesmo do estudo formal, o primeiro estudo bíblico que dei em minha vida foi em Habacuque 3:2, ba-seado no precioso livreto de D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à

Agradecimentos

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8 Triunfo da Fé – Lidando Com O Problema Do Mal

Fé. No Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, o Senhor me deu professores e oportunidades de ou-vir pregadores que me despertaram e me ensinaram a usar várias ferramentas para a pregação expositiva. No meu curso de dou-torado no Calvin Th eological Seminary tive de fazer uma prova de teologia fi losófi ca para a qual me preparei estudando, dentre ou-tras coisas, o tal problema do mal e as diversas respostas a esse dilema. Essa foi a primeira vez em que pude estudar mais delon-gadamente o assunto do ponto de vista fi losófi co.

A formação de uma família deu vida ao conceito de pro-vidência divina. Enquanto eu esperava pela esposa prudente (Provérbios 19.14), eu intercedi durante um ano (infelizmente, só por um ano) por aquela que viria para que Deus lhe desse vida caso não conhecesse a Cristo, mas desse sustento caso já fosse do Senhor. Quando conheci minha esposa (Nátalie), eu descobri que aquele ano fora o ano de sua conversão e também o ano de sua grande perda. Deus ouvira a minha oração e assim me ensinou a perseverar em nossas súplicas. Ele também nos deu dois belos fi -lhos (Bianca e Samuel) que além de alegria, nos ensinam a crescer em santidade e amor.

O ministério pastoral foi muitíssimo pedagógico em vários aspectos. Durante quase um ano estudei a doutrina da pro-vidência de Deus por intermédio do livro escrito por meu pai1 na Igreja Presbiteriana Unida de Suzano. Precioso tempo de estudo da Palavra! Nessa mesma igreja eu tive momentos de pastoreio em que lágrimas por pecados e perdas no meio do povo de Deus tornaram bastante vívida a realidade do mal. Posteriormente,

1 Heber Carlos de Campos, A Providência e sua realização histórica (São Paulo: Cultura Cristã, 2001).

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Agradecimentos 9

pude fazer exposições em Habacuque que gradativamente deram corpo a esse pequeno livro. As mensagens foram pregadas em igrejas e escolas, inclusive na Congregação Presbiteriana Aliança em Limeira que hoje pastoreio, até que ganharam a forma em que estão hoje. Recentemente, como parte de meu ministério volun-tário com a Editora Fiel, fui encorajado por amigos que lá estão a publicar esse livreto e expandir o alcance ministerial.

Toda essa trajetória destaca apenas alguns dos cuidados divinos em construir o entendimento desse assunto que hoje compartilho com os irmãos. Por isso, minha gratidão a todos que fi zeram parte dessa história, mas principalmente ao Deus Pro-vedor que não me privou do privilégio de publicar. Ao Deus da minha história, o meu louvor e a minha gratidão!

Heber Carlos de Campos JúniorAgosto de 2012

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empre haverá aqueles que criticam a publicação de ser-mões que pregamos. Nunca conseguiremos fugir dessas críticas. No entanto, temos de dar muitas graças a Deus pelos que publicaram seus sermões, no passado. Os sermões sem-pre aparecem como grande fonte de pesquisa para a teologia da Patrística, da Idade Média, da Reforma Protestante, da Pós-Reforma, do pensamento específico dos Puritanos, dos grandes avivalistas e de todos quantos labutaram no serviço da pregação. Não conheceríamos muita coisa do pensamento teológico de grandes ministros da Palavra do passado se eles não tivessem escrito os seus sermões e se alguém não tivesse o cuidado de publicá-los. Os sermões são uma relíquia do pas-sado que enriquece os pregadores do presente e, certamente, inspirará os pregadores do futuro.

APRESENTAÇÃO

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Pessoalmente, dou muitas graças a Deus por ter lido os sermões de Charles Haddon Spurgeon. Uma porção de coisas que sei hoje sobre uma pregação teocêntrica, eu aprendi com ele. Mesmo vivendo mais de um século após sua morte, em 1892, em Menton, na sul da França, ainda hoje vejo os seus sermões como exposições textuais que parecem ter sido escritas para nós, hoje. Portanto, uma das primeiras pessoas que quero encontrar no céu (ou na nova terra!) é ele, e haverei de lhe dar um profundo abraço de gratidão pelas profundas impressões que ele causou em minha alma, através de seus sermões, pela ação do Espírito Santo.

Eu aplaudo essa iniciativa de publicar sermões. Eu também planejo publicar os meus sermões, ainda que eles não sejam com-paráveis aos de um grande pregador, porque eu quero que eles sejam úteis para muitos pregadores serem inspirados a fazer me-lhores sermões, ao menos com mais material disponível.

Heber Jr. gosta imensamente de pregar expositivamente. Eu dou graças a Deus porque ele está aprendendo bem cedo essa arte de expor a Escritura, em sua vida ministerial; ele está apren-dendo a seguir o raciocínio do texto bíblico em suas pregações. Somente depois de velho, eu estou aprendendo a fazer essas coi-sas. Tenho a forte convicção de que irmãos em geral, e ministros da palavra, em particular, haverão de tirar proveito dessas expo-sições feitas do texto do profeta Habacuque.

Este é o desejo do coração de um pai que tem o coração agradecido a Deus pelo fato de ele me dar um fi lho que ama a Palavra dele; este é o desejo da alma de um pai que ama a seu fl ho, mas que está fazendo todo o esforço para não ser parcial em sua análise da primeira publicação que ele faz de um trabalho seu . A minha oração a Deus é que, aproveitando a oportunidade da sua

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Apresentação 13

juventude e da capacidade que Deus lhe deu, ele venha a publicar muitas outras coisas em sua carreira de fé e venha a ser um “bom ministro de Cristo Jesus”, pregando coisas proveitosas primeira-mente para os irmãos de sua congregação e, por extensão, a seus leitores mais distantes.

Portanto, para mim, é um privilégio apresentar este pri-meiro fruto do trabalho do Heber Jr. Muitos pais que leem este pequeno trabalho poderão entender esse imenso privilégio de pai que tenho, e um tributo de gratidão presto a Deus por ter um fi lho que se encanta com a mensagem que vem do Alto. Rogo a Deus que estes poucos sermões sobre o pequenino livro do pro-feta Habacuque, sejam altamente inspirativos, profundamente aquecedores do coração dos que já amam a Palavra, e encorajado-res para aqueles que não têm encontrado conforto em suas vidas neste presente mundo, sobretudo em meio a sofrimentos. Esta é a oração de um pai terreno ao Pai Celestial em favor do trabalho de um fi lho em suas lides neste mundo.

Heber Carlos de Campos, paiProfessor de Teologia Sistemática

Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper

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Introdução a Habacuque

livro que você tem em mãos busca oferecer refl exões bíblicas sobre o sofrimento do ser humano, o tipo de problema que todos os seres humanos têm que lidar em maior ou menor medida. Tais refl exões tratam dos problemas que pastores e líderes eclesiásti-cos lidam semanalmente. Portanto, esses sermões que se seguem não são uma discussão fi losófi ca acerca da origem e natureza do mal. No apêndice, todavia, procuro apresentar de forma simplifi -cada a discussão que acontece no âmbito da fi losofi a da religião e na apologética sobre essa questão do problema do mal.No entan-to, se engana quem pensa que a abordagem fi losófi ca do apêndice ou a abordagem teológica dos capítulos são menos bíblicas do que abordagens pastorais. Não importa se tratamos do problema do mal com uma abordagem fi losófi ca em resposta aos céticos, ou se nos engajamos em discussões teológicas em discordância de al-

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guns teólogos, ou se falamos do sofrimento em uma abordagem pastoral aos crentes, todas elas devem trabalhar com aspectos bí-blicos no fundamento de sua argumentação. Não faz uso da Bíblia apenas os que a estudam exegeticamente, analisando as nuances do texto e contexto para formular uma teologia bíblica. Outras áreas também podem e devem ser bíblicas, articuladas a partir do entendimento das verdades contidas no texto sagrado. A apo-logética cristã não deve apenas fazer uso de argumentos lógicos, nem a teologia sistemática deve discutir teólogos renomados e teologias contemporâneas, muito menos a teologia pastoral deve estar calcada em psicologias humanistas. O que as torna genuina-mente cristãs são suas premissas bíblicas. Os sermões desse livro visam não só uma abordagem pastoral, mas também fi losófi ca e teológica que sejam bíblicas.

Devo acrescentar que entendo que todas as três aborda-gens – fi losófi ca, teológica e pastoral - também devem buscar aplicações para as nossas vidas a fi m de que as discussões sobre um assunto tão delicado como o sofrimento não ganhe um caráter meramente teórico. Aprender que tanto as profundas discussões fi losófi cas quanto as teológicas podem trazer lições práticas e en-corajadoras à alma tem sido um deleite para mim. Esse livro é uma simples tentativa de ilustrar essa praticidade das Escrituras.

UM PANORAMA

Antes de entrarmos no texto do livro do profeta Haba-cuque, quero apresentar um rápido panorama dos aspectos contextuais para melhor entendimento do texto. Praticamente não há informação bíblica que seja sólida sobre a vida do profeta

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Introdução a Habacuque 17

que nos ajude a compreender sua profecia. Seu nome possivel-mente signifi cava “abraçado”, mas a hipótese de que ele era de família levítica, por se mostrar qualifi cado para o canto litúrgico no templo (3.19), é questionável. A Escritura não fornece mais pistas sobre esse arauto do Senhor.

Porém, conhecer quando a profecia foi proferida (data), o que acontecia na época (contexto histórico), como o livro foi escrito (formato de diálogo), e a crença do profeta (temas teoló-gicos) iluminará nossa compreensão de sua mensagem.

daTa da ProfECiaExistem diferentes opiniões concernentes à data da pro-

fecia de Habacuque. Vejamos algumas posições de estudiosos de acordo com a ordem cronológica.

1. A pecaminosidade descrita no início do livro (1.2-4) poderia ter acontecido durante os últimos dias do rei-nado de Manassés (696-641 a.C.), que foi marcado por grande iniquidade (veja 2 Rs 21).1 O problema com essa posição está no fato de Deus levantar os babilônicos2

1 Essa era a posição da tradição judaica. “O tratado midráxico Seder ‘Olam Rabbah (século 2 ou 3) coloca Habacuque no reinado de Manassés (695-642).” Luiz Sayão. O Problema do Mal no Antigo Testamento: O caso de Habacuque (São Paulo: Hagnos, 2012), 90. Também foi defendida por al-guns eruditos modernos tal como C. F. Keil, Commentary on the Old Testament vol. 10 – Th e Twelve Minor Prophets, part 2 (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), 51-53. Matthew Henry afi rma que essa conjectura judaica é provável não só pela pecaminosidade do período de Manassés, mas também porque esse rei foi levado à Babilônia (veja 2 Cr 33.11) como sinal do que estava por vir. Matthew Henry’s Commentary On the Whole Bible vol. 4 (Hendrickson, 1994), 1064.2 O termo “babilônico”, no decorrer da discussão de Habacuque, é sinônimo de “caldeus”. Porém, é importante distinguir entre a etnia dos caldeus e a cidade da Babilônia que esteve nas mãos de povos diferentes no decorrer dos séculos. No tempo da profecia de Habacuque é a dinastia caldeia (chamada de “neo-babilônicos” por acadêmicos) que controla a região da Babilônia. Por isso, “cal-deus” e “babilônicos” se tornam sinônimos a partir da queda da Assíria.

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“em vossos dias” (1.5) para disciplinar Judá (1.12). Acontece que a Babilônia só ataca Judá em 597 a.C., o que seria mais de uma geração após a profecia. Isto descaracterizaria a expressão “em vossos dias”. Uma possível defesa é que a expressão de tempo estaria se referindo apenas aos caldeus se tornarem uma potên-cia mundial. Em outras palavras, o que ocorria “em vossos dias” seria apenas o “suscitar” dos caldeus (1.6). Isto estaria em acordo com a cronologia mundial, pois Nabopolassar retirou das mãos dos assírios o controle da Babilônia em 626 a.C., em parceria com os medos atacou o restante das forças assírias em 614 a.C., e em 612 a.C. os caldeus destruíram Nínive. A consumação desse processo de crescimento imperial dos babilônicos veio com a vitória sobre o Egito, o único poder militar que restava no Oriente Médio, em 605 a.C. Ao menos os primeiros eventos descritos acima estariam mais próximos do reinado de Manassés.

2. A iniqüidade descrita pelo profeta Habacuque poderia ter acontecido na primeira década do reinado de Josias (639-609 a.C.),3 como um resquício da iniqüidade do período de Manassés, e antes de Josias começar as suas reformas em 628 a.C. (veja 2 Cr 34.1-3). A vantagem des-sa posição é trazer a predição de juízo sobre Judá para mais perto de sua realização em 597 a.C., fortalecendo a idéia de que tudo ocorreria “em vossos dias”. Ela tam-

3 Andrew E. Hill e John H. Walton, A Survey of the Old Testament (Zondervan: 2001, 2nd ed.), 515; C. Hassell Bullock, An Introduction to the Old Testament Prophetic Books (Moody, 1986), 182-183.

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Introdução a Habacuque 19

bém sustenta o fato de Deus levantar os caldeus como o novo império devastador como tendo um caráter sur-preendente, inacreditável (1.5). Qualquer data próxima da virada do século – por exemplo, durante o reinado de Jeoaquim (609-598 a.C.) – enfraquece o elemento predi-tivo. Contudo, a mensagem de juízo ao invés de chamada ao arrependimento não parece se encaixar no período anterior ao reavivamento durante o longo reinado de Josias, que trouxe tranqüilidade e prosperidade à nação. Veja como a profecia de Sofonias, que descreve a pecami-nosidade reinante mas também apresenta uma chamada ao arrependimento, se encaixa melhor nesse período.

3. Há ainda a proposta de Chisholm, que toma o fato dos babilônicos já terem estabelecido uma reputação como um poder imperialista para datar a profecia entre 626 e 605 a.C.4 Entretanto, esta proposta desconsidera o fato de que até a morte de Josias (609 a.C.), a pecaminosi-dade não poderia ter sido tão pervasiva na sociedade judaica já que o povo seguia a estilo piedoso de seu rei (veja 2 Cr 34.33). É verdade que o contraste da santa reforma de Josias com a permanência da ira divina por causa dos pecados de Manassés (veja 2 Rs 23.24-27) pode lançar dúvidas sobre este período como um verda-

4 Robert B. Chisholm, Jr., Interpreting the Minor Prophets (Zondervan, 1990), 183-184. Num livro publicado posteriormente, Chisholm afi rma que talvez a melhor forma de entender o livro seja classifi cando-o como uma coleção de mensagens de períodos diferentes da carreira do profeta. O trecho de 1.5-11 teria sido proferido antes de 605 a.C., enquanto o fi nal do livro (3.16-19) já se encaixaria melhor no início do sexto século antes de Cristo. Robert B. Chisholm Jr., Handbook on the Prophets (Baker, 2002), 433. Esta visão será decrita no sexto ponto de vista.

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deiro avivamento. A maioria dos estudiosos classifi cam esse avivamento como superfi cial. Mas a avaliação do cronista não pode ser desconsiderada. Creio que a me-lhor solução seja entender o período de Josias como um retardar do castigo divino por causa do “sal” que foi Josias (retardando o apodrecimento moral da nação ju-daica), assim como a conversão dos ninivitas no tempo de Jonas – genuína, mas não duradoura – deve ter atra-sado o castigo de Deus sobre a Assíria.

4. Sendo assim, existem aqueles que preferem localizar a profecia durante os primeiros anos do reinado de Jeoa-quim, antes da batalha de Carquêmis em 605 a.C.5 Esta visão ainda está tentando manter o aspecto inacreditável da revelação de Deus, mas ela desconsidera os eventos anteriores a 605 a.C. Em outras palavras, essa posição afi rma que parte da revelação surpreendente de Deus era os caldeus chegarem à posição de potência inigualável depois de derrotarem o Egito e não restarem mais inimi-gos que lhes fi zessem frente. Porém, não pode ser muito antes de 605 a.C. para que a conquista de Jerusalém (597 a.C.) ainda estivesse dentro do período daquela geração, isto é, que acontecesse “em vossos dias” (v. 5).

5 O. Palmer Robertson, Th e Books of Nahum, Habakkuk, and Zephaniah – NICOT (Eerdmans, 1990), 37; idem, Th e Christ of the Prophets (Phillipsburg: P&R, 2004), 261; Hernandes Dias Lopes, Habacuque: Como transformar o desespero em cântico de vitória, Comentários Expositivos Hagnos (Hagnos, 2007), 16, 19; Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento (Vida, 1991), 320; Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento (Luz Para o Caminho, 1995), 616. Posteriormente, Van Groningen muda a sua posição e data a profecia de Habacuque entre 605 e 598 a.C., seguindo a posição a ser descrita em seqüência (no. 5). Gerard Van Groningen, From Creation to Consummation vol. 2 (Dordt College Press, 2003), 197.

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5. Robinson assume que Judá ainda não fora invadida, mas o Líbano já estava sofrendo (2.14) e a aproximação do inimigo estava produzindo um efeito negativo na vida de Judá (1.4). Por isso, ele considera que uma data logo após a batalha de Carquêmis é preferível (c. 603 a.C.).6 Essa posição parece bastante frágil em suas asseverações acerca do Líbano em relação a 2.14 e do efeito produzido pela aproximação dos caldeus. Suas premissas são muito subjetivas. Mas uma posição semelhante é cogitada por estudiosos de renome no meio evangélico quando afi r-mam que “as vivas descrições das façanhas militares dos caldeus (v. 6-11) podem apontar para uma data poste-rior a 605, quando, na batalha de Carquêmis as forças de Nabucodonozor provaram seu poder e capacidade derro-tando os egípcios.”7 R. K. Harrison também sustenta o período entre 605 e 598 a.C. como o mais provável.8 Luiz Sayão segue Harrison nessa proposta.9

6. Por último, existem aqueles que preferem ver as partes do diálogo entre Deus e o profeta como acontecendo em períodos diferentes.10 Assim sendo, a pecaminosidade reportada em 1.2-4 teria acontecido nos primeiros anos do reinado de Jeoaquim, enquanto a reclamação de

6 George L. Robinson, Th e Twelve Minor Prophets (Baker, 1926), 120-121.7 William S. LaSor, David A. Hubbard, Frederic W. Bush, Introdução ao Antigo Testamento, trad. Lucy Yamakami (São Paulo: Vida Nova, 1999), 349.8 Roland Kenneth Harrison, Introduction to the Old Testament (Eerdmans, 1969), 936.9 Sayão, O Problema do Mal no Antigo Testamento, 93.10 Carl E. Armeding, “Habakkuk”, Th e Expositor’s Bible Commentary vol. 7 (Zondervan, 1985), 493; F. F. Bruce, “Habakkuk”, Th e Minor Prophets vol. 2, ed. Th omas Edward McComiskey (Baker, 1993), 834; Chisholm, Handbook on the Prophets, 433.

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1.12-17 já seria uma expressão de quem experimentou a invasão dos caldeus. Concernente ao aspecto inacre-ditável da revelação, ela poderia ser uma referência ao choque da invasão para aqueles que pensavam que Je-rusalém nunca seria tomada, assim como a surpresa de ver a Babilônia superando o Egito em Carquêmis.11

Nenhum ponto de vista apresentado acima está livre de complicações. Todavia, eu irei assumir a quarta proposta como a mais provável, ou seja, que a profecia foi dada nos primeiros anos do reinado de Jeoaquim, embora as duas últimas também pare-çam plausíveis. Uma diferença marcante, porém, entre a quarta e a quinta em relação à sexta posição está na interpretação do tempo verbal de 3.17 (presente ou futuro). Em outras palavras, a quarta e a quinta propostas veriam a destruição de Judá como ainda por acontecer, enquanto a sexta retrataria o profeta já ex-perimentando a devastação.

Ao assumirmos que a data mais provável seja o reinado de Jeoaquim, fi cará mais fácil entender o sentimento de frustra-ção do profeta, sua expectativa de mudança, o anúncio de juízo divino iminente e sem volta, e, ao fi nal, a postura confi ante do profeta como lição para leitores que ainda passariam pelo sofrido período de tirania babilônica.

ConTEXTo HiSTÓriCoComo o grande evento político para o qual o livro de Ha-

bacuque aponta é o cativeiro babilônico, é importante traçarmos

11 Bruce, “Habakkuk”, 847.

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Introdução a Habacuque 23

um panorama histórico focando na derrocada de Judá que culmi-nou nesse fatídico castigo de Deus. O profeta Isaías já previra que a Babilônia tomaria riqueza e descendentes do rei Ezequias em decorrência de ter mostrado suas riquezas à comitiva babilônica com o provável intuito de fazer aliança política (2 Rs 20.16-18). Contudo, o autor do Livro dos Reis afi rma que foi por causa dos pecados do rei Manassés que Nabucodonozor subiu contra Judá (2 Rs 24.1-4). Robertson escreve: “O rei Manassés deve ser pes-soalmente responsabilizado por introduzir as abominações da prostituição sagrada e do sacrifício humano dento do culto de Israel (2 Rs 21.6-9; 2 Cr 33.6-9)... Por essas poluições, ele selou o destino de Israel a despeito de arrependimentos subsequentes [2 Cr 33.11-20]”.12 O longo reinado de Manassés de 55 anos pro-porcionou uma institucionalização de pecados que marcou mais de uma geração em Judá. Suas mudanças pós-arrependimento foram, ao menos parcialmente, desfeitas pelo seu fi lho Amon durante o curto reinado de dois anos (640-642 a.C.). Judá cami-nhava a passos largos para a sua maior disciplina.

Quando o piedoso rei Josias (640-609 a.C.) promove uma vasta reforma político-religiosa em Judá, vemos um grande re-avivamento acontecer.13 O rei começa a buscar o Senhor ainda muito jovem e é impulsionado nessa busca com a descoberta do livro da Lei na casa do Senhor (2 Cr 34.3-18). Josias limpa a idola-tria do país, conduz o povo a renovar a aliança com Deus e celebra memorável Páscoa. O êxito de Josias coincide com uma fraqueza

12 Robertson, Th e Books of Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 5.13 Cf. Heber Carlos de Campos. “Crescimento de Igreja: com reforma ou com reavivamento?” Fides Reformata no. 1, vol. 1 (1996): 34-47. John Bright avalia Josias como tendo lançado a refor-ma mais completa e radical da história de Israel. John Bright. História de Israel (São Paulo: Paulus, 1978, 6ª edição), 426, 427, 430.

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sem precedentes e a consequente queda do império assírio, até então a maior potência política mundial. Os ares eram favorá-veis ao povo de Deus, provavelmente despertando esperanças de uma guinada no cenário político-militar. John Bright apresenta até um lado conquistador de Josias, supondo que ele tenha mar-chado para recuperar algumas províncias no Reino do Norte que os assírios haviam dividido.14 Afi nal, sua reforma não atingiu so-mente o Reino do Sul, de Judá, mas também o Reino do Norte, de Israel (2 Cr 34.3-7).

Esse período áureo da história de Judá foram os prováveis dias da juventude do profeta Habacuque. Sendo assim, há de se com-preender que tendo Josias revertido situação tão adversa produzida por Manassés e Amom, é natural que Habacuque tivesse essa expec-tativa de mais uma vez enxergar os pecados de seus dias revertidos por reavivamento divino. Lamentar a partida desse rei tão impor-tante na trajetória do reino de Judá tornou-se um costume na nação (2 Cr 35.25) tal era o amor que povo tinha por esse reformador. Ele trouxera de volta a expectativa de uma Judá mais gloriosa.

Entretanto, com a morte de Josias Judá fi cou tempo-rariamente sob o domínio egípcio15 e os reinados dos fi lhos de Josias (Jeoacaz, Jeoaquim, Zedequias) e do seu neto (Joaquim) foram a decadência fi nal que culminou no cativeiro com a queda de Jerusalém em 587/586 a.C. Esse foi um período de transição não somente porque houve troca de poderio mundial, da Assíria para a Babilônia (isolando-se em poderio ao vencer o Egito na Batalha de Carquemis em 605 a.C.), mas também porque Deus cessou de demonstrar sua paciência para com o povo. O juízo era

14 Bright, História de Israel, 427.15 Bright, História de Israel, 438-440.

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tão iminente que ele não mais conduziu os profetas em chamada ao arrependimento. O profeta Jeremias, contemporâneo de Ha-bacuque, foi proibido de interceder pelo povo de Judá (Jr 7.16; 11.14; 14.11-12). E nós sabemos que quando não há profecia, o povo se corrompe (Pv 29.18). Habacuque viveu nesse período, provavelmente durante o reinado de Jeoaquim, em que a mal-dade se multiplicou em Judá; violência, ganância e idolatria são apenas alguns dos pecados que se agigantaram nesses dias (cf. Jr 22). Essa é a razão do profeta Habacuque ter fi cado tão pesaroso com a situação de Judá (Hc 1.2-4).

forMaTo do LiVroUma possível divisão de Habacuque é: capítulo 1 fala de

uma sentença espantosa e difícil de ser aceita, o 2 fala de uma revelação gloriosa de Deus, e o 3 fala de um cântico de adoração a esse Deus glorioso. Os comentaristas também ressaltam que o salmo no capítulo 3 é bem diferente do estilo dos capítulos 1 e 2. Embora o gênero literário permita entendermos essas duas partes do livro, há um sentido em que ele pode ser visto integral-mente como um diálogo.

Habacuque relata a sua própria experiência, assim como Jonas possivelmente tenha sido o autor do livro que leva o seu nome, a fi m de que os leitores aprendessem com a sua própria história. Esse relato acontece em formato de diálogo retratando uma jornada do “temor à fé”, nas palavras de Martyn Lloyd--Jones.16 Habacuque começa reclamando do pecado em Judá e

16 Hernandes Dias Lopes articula assim: “O profeta, que começa o livro chorando, termina-o cantando. Seu cântico não é em virtude da mudança circunstancial. As circunstâncias continua-vam pardacentas, mas a verdade de Deus enchera sua alma de esperança.” Lopes, Habacuque, 22.

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pergunta a Deus até quando ele toleraria (1.1-4). Deus respon-de que levantaria os caldeus como instrumento do castigo sobre Judá (1.5-11). O profeta reage com mais preocupação, pois apa-rentemente Deus estaria proliferando mais injustiça (1.12-2.1). Deus responde mostrando que os caldeus também seriam puni-dos por causa de sua soberba, enquanto o justo viveria pela fé (2.2-5). Deus complementa essa revelação trazendo cinco pala-vras de maldição sobre os soberbos, demonstrando sua glória sobre todas as nações (2.6-20). A última reação de Habacuque é de louvor cantado expressando espanto diante de um Deus tão grandioso, mas também descanso em ser povo dele (3.1-19).

Hernandes Dias Lopes destaca o que julga ser um aspecto sui generis do profeta Habacuque. “Habacuque não confrontou o povo, mas a Deus. Em vez de falar à nação da parte de Deus, ele falou a Deus da parte da nação. Em vez de chamar a rebelde Jeru-salém ao arrependimento, ele cobrou de Deus sua inação diante das calamidades que saltavam aos seus olhos.”17 Em outras pala-vras, não conhecemos o profeta Habacuque à medida em que ele fala com o povo. Nós apenas o conhecemos na sua intimidade com o seu Deus.

O fato do livro de Habacuque ser um diálogo entre Deus e o profeta ajuda a criar um ambiente bem pessoal, repleto de franqueza quanto a dilemas existenciais, com o qual podemos nos identifi car. O profeta encarna algumas das nossas crises mais profundas quanto ao sofrimento ao nosso redor. Ele pergunta coisas a Deus que alguns crentes teriam vontade de fazê-lo, mas temem pecar. Porém, ele também recebe palavras vindas de Deus

17 Lopes, Habacuque, 17.

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que o transformam a tal ponto que despertam uma confi ança inabalável. Habacuque termina o seu livro expressando essa con-fi ança com palavras que estão entre as mais queridas e amadas de todo o Antigo Testamento.

Esse diálogo traz lições bem práticas. A primeira diz respei-to à vida de oração. Podemos ser francos em nossas conversas a Deus, expressando nossas fraquezas e temores na vida. Devemos ter intimidade inigualável com ele. Essa intimidade é bastante convidativa para que conversemos mais e mais com o nosso Pai. Porém, não se trata de intimidade desrespeitosa. Por isso, a Escri-tura fala tanto do temor para com Deus. Quem se achega a Deus deve fazê-lo com temor por quem ele é. Ao contrário de nossa cultura contemporânea que opta ou por formalidade ou por des-contração, a Escritura diz que intimidade e temor andam juntas: “A intimidade do Senhor é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança.” (Sl 25.14).

A segunda lição diz respeito ao culto, seja ele público ou privado. Devemos entender o culto como um diálogo entre Deus e o seu povo. A estrutura do culto, ou liturgia, deve seguir essa lógica. Falamos com Deus através de orações, cânticos e até de textos bíblicos que expressam nossa suplico ao Santíssimo. Deus fala conosco através de sua Palavra explicada e aplicada ao público, mas também através de textos bíblicos e cânticos que ex-pressem a mensagem de Deus ao seu povo. Esse intercalar entre a voz de Deus e a voz do povo ensina-nos a responder melhor ao que o Senhor nos fala. Por exemplo, adoramos melhor quando contemplamos a grandeza desse Deus. Também somos fortale-cidos quando nossas súplicas são seguidas de promessas divinas. Foi exatamente isso que aconteceu com Habacuque.

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TEMaS TEoLÓGiCoSHá vários pontos teológicos trabalhados de maneira ví-

vida nesse pequeno livro profético. Os sermões que se seguem lidarão com temas relacionados à pessoa de Deus, seus atributos gloriosos que moldam a relação do Santo com a pecaminosida-de humana, mas também a relação de Redentor para com o seu povo. Além disso, as mensagens abordarão as atitudes dos fi éis para com Deus, isto é, a adoração e a confi ança mesmo em meio a situações adversas. Também haverá espaço de refl exão sobre as relações humanas, a indignação para com injustiças sociais e a inversão de valores.

Entretanto, há três temas desse livro sagrado que mere-cem destaque nessa introdução pela proeminência dos mesmos e a riqueza de informações com que são tratados em Habacuque. Os três temas são providência, oração, e juízo. É impressionante como um livro tão pequeno das Escrituras possa contribuir tão signifi cativamente no entendimento dessas três doutrinas. De fato, toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para nos ensinar e corrigir (2 Tm 3.16), mesmo essa pequena porção.

A doutrina da providência é o tema mais explorado neste livro de refl exões em Habacuque. Essa doutrina nos leva a um entendimento adequado de Deus, seu controle na história, e nossa participação na mesma. Popularmente usamos a palavra “providência” de forma muito limitada, para destacar as “boas intervenções de Deus”, por assim dizer. Ninguém sofre um aci-dente ou é assaltado e diz “providência de Deus” a não ser que tenha enxergado um livramento maior logo em seguida. Contu-do, a doutrina da providência diz respeito ao governo de Deus sobre toda a criação, inclusive os detalhes de nossa vida, mes-

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mo quando não enxergamos um bom propósito imediato para algo ruim que nos acontece. Deus não só controla fenômenos da natureza ou seres inanimados (ex: Jn 1), mas ele controla seres humanos dirigindo inclusive suas livres escolhas (veja Pv 16.9; 21.1), como veremos nos capítulos a seguir.

Tal controle impressionante não deve despertar incômo-do e indignação de nossa parte, mas louvor, como despertou em Habacuque. Acredito verdadeiramente que quanto mais co-nhecemos o Deus a quem amamos, mais amamos ao Deus que conhecemos.

É lamentável que alguns evangélicos pareçam mais deístas em seu entendimento de Deus, do que bíblicos. O deísmo propõe um Deus relojoeiro, isto é, criador de um mecanismo capaz de funcionar por si só. Há muitos que sustentam uma idéia de um Deus que intervém, que age pontualmente em certos momentos da história fazendo algo maravilhoso e miraculoso, como se Deus só precisasse intervir ocasionalmente no relógio da sua criação. O Deus das Escrituras não é um Deus que intervém em certos momentos da história, ele é o Deus que age em toda a história, sempre conduzindo-a conforme o seu propósito.18 Deus não só se preocupa com pardais, fl ores e fi os de cabelo (Mt 6.25-30; 10.29-30; Lc 21.18), mas ele também tem nas mãos as estratégias militares de super potências como a Babilônia, como nos mostra a história de Habacuque.

O soberano controle desse Deus é que nos inspira a orar, o segundo tema que merece destaque. Não oramos porque a ora-ção tem poder em si mesma, mas porque o Deus que atende as

18 John D. Legg, When We Don’t Understand: God’s ways with Jonah and Habakkuk (Evangelical Press), 56.

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orações é poderoso.19 Quando os discípulos pedem a Jesus mais fé porque julgavam que não conseguiriam perdoar tanto, Jesus não confi rma que a fé deles era pequena demais para tal feito. O Salvador os repreende dizendo que se a fé deles fosse minúscu-la, do tamanho da menor semente conhecida dos judeus, já seria sufi ciente para grandes feitos (Lc 17.3-10). Em outras palavras, o tamanho do feito não é proporcional ao tamanho de nossa fé, mas ao tamanho do Deus em quem cremos. Oramos porque confi amos no poder de Deus, não no poder de nossas súplicas. Na verdade, tem tudo a ver com fraqueza, dependência total de Deus. Habacuque começa o seu livro totalmente desacreditado no seu povo, suplicando em total dependência ao Deus supremo. Esse é o espírito da oração do justo.

Ainda sobre oração, a luta de Habacuque nos traz lições importantes sobre como orar. A Bíblia se preocupa não só com o fato de orarmos, mas como oramos e o que pedimos (Tg 4.2-3). As palavras do profeta dirigidas a Deus nesse livro ilustram tanto a postura de quem ora enquanto afl ito como a postura daquele que foi confortado. Elas nos ensinam a ver o que esperar de Deus mesmo quando Ele não promete vida mansa e tranquila. Elas também nos relembram que orações não são somente súplicas, mas excelentes momentos para expressarmos nossa adoração ao Deus grandioso. Vale lembrar que em Habacuque Deus é adora-do inclusive pela sua disciplina para com o seu povo e pelo juízo sobre os ímpios.

Isso nos leva ao terceiro tema, o juízo divino sobre todos os homens. O capítulo dois de Habacuque é uma tremenda revelação

19 Legg, When We Don’t Understand, 57.

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acerca do que Deus faz com o justo que vive pela fé em contraste com o destino dos soberbos que vivem baseados em seus próprios feitos. A justiça retributiva de Deus não deixa impune aqueles que quebram os seus mandamentos. O tempo do julgamento de Deus pode permanecer um mistério, mas em algum momento o juízo virá, ainda que seja só no fi m (Sl 73). O sofrimento do justo é temporário, mas o castigo do ímpio é fi nal.20

Existem duas lições preciosas quanto ao juízo fi nal, uma em relação a Deus e outra em relação ao seu povo. O juízo fi nal é uma declaração pública acerca do destino dos homens. Trata-se de uma declaração pública que glorifi ca a Deus, pois o que estava oculto foi manifesto aos homens.21 Por essa razão é que Deus fala a Habacuque que esse será o tempo em que a glória do Senhor cobrirá a terra como as águas cobrem o mar (Hc 2.14). Em relação a nós que somos seu povo, o juízo futuro de Deus deveria ser ob-jeto de nosso descanso presente. Habacuque sobrevive a despeito da disciplina de Deus sobre Judá e tal ensinamento deveria ser transmitido às gerações vindouras (Hc 2.2-4; 3.16-19).22 Somos tão ansiosos por ver o que Deus fará por nós no presente para que continuemos a confi ar nele que nos esquecemos do que ele prometeu fazer no futuro. Lutamos contra o nosso espírito ime-diatista e não encarnamos um descanso que deveria ser comum ao cristão. Falta-nos perspectiva escatológica. A história de Ha-bacuque nos ensinará o bem que faz quando conseguimos trazer o futuro para o presente.

20 Lopes, Habacuque, 27-28.21 A Confi ssão de Fé de Westminster (XXXIII.2) afi rma: “O fi m que Deus tem em vista, determi-nando esse dia, é manifestar a sua glória – a glória de sua misericórdia na eterna salvação dos eleitos, e a glória de sua justiça na condenação dos réprobos, que são perversos e desobedientes.”22 Robertson, Th e Books of Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 22.

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