O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS …livros01.livrosgratis.com.br/cp073766.pdf ·...

104
ESTADO DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS TENENTES: Um Desafio para a Atuação Democrática da Polícia Militar do Mato Grosso WILQUERSON FELIZARDO SANDES Cuiabá - Mato Grosso 2007

Transcript of O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS …livros01.livrosgratis.com.br/cp073766.pdf ·...

ESTADO DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS

TENENTES: Um Desafio para a Atuação Democrática da Polícia

Militar do Mato Grosso

WILQUERSON FELIZARDO SANDES

Cuiabá - Mato Grosso

2007

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

1

O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS

TENENTES: Um Desafio para a Atuação Democrática da Polícia

Militar de Mato Grosso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como exigência para obtenção do título de Mestre em Educação (Área de Concentração Educação, Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, Grupo de Pesquisa Educação, Jovens e Democracia), sob orientação da Professora Doutora Maria Aparecida Morgado.

Cuiabá - Mato Grosso

2007

2

S214u SANDES, Wilquerson Felizardo O uso legal da força na formação de jovens tenentes: um desafio para a

atuação democrática da Polícia Militar do Mato Grosso/ Wilquerson Felizardo Sandes. - - Cuiabá: UFMT/IE, 2007. 100 p.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso como exigência para obtenção do título de mestre em Educação (área de concentração Educação, Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, Grupo de Pesquisa Educação, Jovens e Democracia), sob a orientação da Professora Doutora Maria Aparecida Morgado

Bibliografia: p.95-100 CDU-351.74 (817.2)

Índice para catálogo sistemático

1 . Formação policial 2 . Jovens Tenentes 3 . Uso legal da força

3

4

RESUMO

Esta pesquisa investiga a formação e atuação policial dos jovens tenentes, egressos do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso – Bacharelado em Segurança Pública (CFO – PMMT), em relação aos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo. A partir de 2001, a Academia de Polícia Militar de Mato Grosso aderiu a Base Curricular para a Formação dos Profissionais de Segurança do Cidadão instituída pelo Ministério da Justiça. A nova base curricular propôs homogeneizar os cursos de formação e o planejamento curricular nas polícias estaduais e federal, em unidade de pensamento e ações adequadas às necessidades sociais, com foco em competências e habilidades para o policial orientar-servir-proteger. O CFO – PMMT é um curso de formação superior profissional com 4.780 horas-aula, realizado em período integral durante três anos e ao final o formando recebe o título de Bacharel em Segurança Pública. Focaliza-se a atuação policial dos jovens tenentes quanto ao uso legal da força em relação à formação que receberam no Bacharelado em Segurança Pública. Metodologicamente este estudo centra-se na perspectiva qualitativa, utiliza análise de documentos, estudo bibliográfico e entrevistas. O sujeitos selecionados são egressos do Curso de Formação de Oficiais que passaram pelo ciclo de formação no período entre 2001 a 2003. Esta dissertação está estruturada da seguinte forma: Na Parte I, subdividida em três capítulos, aborda o tema Estado, democratização da polícia militar e uso legal da força. O capítulo 1 contextualiza o Estado e a construção do monopólio de força. O capítulo 2 versa sobre os esforços governamentais para a democratização da atuação policial militar. O capítulo 3 enfoca o poder de polícia e o uso legal da força. Na Parte II, subdividida em dois capítulos, aborda o sistema de ensino da PMMT e as bases curriculares do bacharelado em segurança pública. O capítulo 4 descreve a trajetória do sistema de ensino da PMMT. O capítulo 5 analisa as bases curriculares nacionais e o bacharelado em segurança pública na PMMT. Na Parte III, subdividida em dois capítulos, desdobra-se a análise e interpretação das entrevistas com os jovens egressos e o uso legal da força (2001-2003). O capítulo 6 relata o perfil da juventude no Brasil e no bacharelado (CFO). O capítulo 7 analisa a formação e atuação dos tenentes em relação ao uso legal da força. O oitavo e último capítulo apresenta os resultados da entrevistas. Ao final são realizadas considerações sobre os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo e as possibilidades e limitações na atuação democrática dos jovens tenentes da PMMT.

Palavras-chave: formação policial; jovens tenentes; uso legal da força.

5

ABSTRACT

This research investigates the formation and police performance of the young lieutenants, egresses of the Course of Formation of Officers of the Military Policy of Mato Grosso - superior course in Public Security (CFO - PMMT), in relation to the Basic Principles on the Use of the Force and Firearms. From 2001 the Academy of Military Policy of Mato Grosso adhered the resume for the Formation of the Professionals of Security of the Citizen, instituted for the Ministry of Justice. The new base considered to similar the courses of formation and the resume in the state policies and federal planning, in unit of thought and adequate actions to the social necessities, with focus in abilities and abilities policeman guide-serve-to protect it. The CFO - PMMT, is a course of professional superior formation with 4.780 h/a carried through in complete period during three years and to the end forming receives the heading from Bachelor in Public Security. It is focused police performance of the young lieutenants how much to the legal use of the force in relation to the formation who had received in the superior course in Public Security. This study is centered in the qualitative perspective, uses document analysis, bibliographical study and interviews. The selected citizens are egresses of the Course of Formation of Officers who had passed for the cycle of formation in the period of 2001 the 2003. This research this structuralized of the following form: In Part I, subdivided in three chapters, it approaches the subject Been, ideological formation, to be able of policy and legal use of the force. Chapter 1 it approaches the function of the State and the construction of the monopoly of the force. Chapter 2 turns on the ideological and operational formation in the police education to militate. Chapter 3 focuses the power of policy and the legal use of the force. In Part II, subdivided in two chapters, it approaches the curricular system of education of the PMMT and bases of the course one in public security. Chapter 4 describes the trajectory of the system of education of the PMMT. Chapter 5 analyzes the national resume bases and the superior course one in public security in the PMMT. In Part III, subdivided two chapters, it is unfolded analysis and interpretation of the interviews with the young egresses and the legal use of the force (2001-2003). Chapter 6 tells the profile of youth in Brazil and the course one (CFO). Sixth and I finish chapter analyzes the use of the force in the formation and democratic performance of the lieutenants of the PMMT. To the end boarding on the Basic Principles on the Use of the Force and Firearms and the possibilities and limitations in the democratic performance of the young lieutenants of the PMMT are carried through.

Word-key: police formation; young lieutenants; legal use of the force

6

“Ensina-me, Senhor, teu caminho, e andarei em

tua verdade, dedicando meu coração para temer

Teu nome”.

Eu te louvarei, meu Senhor Deus, com todo meu

coração, e glorificarei teu nome eternamente ”

(Salmos 86: 12-13)

7

AGRADECIMENTOS

- Rendo agradecimentos ao Grande Arquiteto do

Universo por iluminar e livrar o meu caminho.

- À minha esposa Nice por caminhar de mãos dadas com

muito amor e dedicação.

- Aos meus filhos Gabriel, Gustavo e Clara por

emocionar e alegrar a caminhada.

- Aos meus pais William, Lásara e avó Gerônima por

ensinar como dar os primeiros e decisivos passos.

- À minha orientadora professora Morgado que, além de

ensinar, mostrou caminhos alternativos e me estendeu a

mão amiga.

- Ao coronel Adaildon, amigo, irmão e mestre, por

acreditar e abrir o meu caminho.

- À amiga Tânia Romano, pela dedicada leitura e revisão

desta obra.

- Aos professores, colaboradores e colegas da UFMT por

pavimentar o caminho.

- Aos amigos, superiores e subordinados da Polícia

Militar, por ajudar a manter a cadência firme.

- E a você, que me homenageia com a sua leitura e

reflexão.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 9

Considerações Metodológicas ........................................................................................................... 13

PARTE 1 - ESTADO, DEMOCRATIZAÇÃO POLICIAL MILITAR E USO LEGAL DA

FORÇA .............................................................................................................................................. 17

Capítulo 1 - O Estado e a Construção do Monopólio de Força - Polícia .......................................... 18

Capítulo 2 – Esforços Governamentais para a Democratização da Atuação Policial Militar ........... 26

Capítulo 3 – Poder de Polícia e Uso Legal da Força ......................................................................... 33

PARTE II – O SISTEMA DE ENSINO DA PMMT E AS BASES CURRICULARES DO

BACHARELADO EM SEGURANÇA PÚBLICA .......................................................................... 42

Capítulo 4 – Trajetória do Sistema de Ensino da PMMT ................................................................. 43

Capítulo 5 – Bases Curriculares Nacionais e o Bacharelado em Segurança Pública na PMMT ...... 47

PARTE III - JOVENS EGRESSOS DO BACHARELADO EM SEGURANÇA PÚBLICA E

O USO LEGAL DA FORÇA (2001-2003) ....................................................................................... 58

Capítulo 6 – Perfil da Juventude no Brasil e no CFO ....................................................................... 59

Capítulo 7 – A Formação e Atuação dos Tenentes sobre o Uso Legal da Força .............................. 65

Capítulo 8 - Apresentação dos Resultados ........................................................................................ 83

Considerações Finais – Limitações e Possibilidades ......................................................................... 88

Referências ........................................................................................................................................ 95

9

INTRODUÇÃO

No período de 1997 a 2004, este pesquisador exercia ativamente a função de

professor nas áreas de educação física e administração dos diversos cursos de formação

profissional da Polícia Militar e Polícia Judiciária Civil em Mato Grosso. No ano de 2000

a direção da Academia de Polícia Militar Costa Verde (APMCV) convidou-me a participar

da construção de um novo currículo para o Curso de Formação de Oficiais (CFO). Na

época, a reforma curricular era presidida pelo o coronel Almir Balieiro (estudante de

Mestrado em Educação e Comandante da APMCV) e coordenada pela professora Regina

Lúcia Borges Araújo (orientadora educacional da academia).

A coordenação dos trabalhos orientou o corpo docente através de palestras e

documentos que o Ministério da Justiça, via Secretaria Nacional de Segurança Pública,

criara, um programa denominado “Bases Curriculares para Formação dos Profissionais de

Segurança do Cidadão”, visando homogeneizar os cursos de formação e planejamento

curricular e assegurar o princípio de eqüidade no processo de formação, unidade de

pensamento e ações adequadas às necessidades sociais. A iniciativa do Governo Federal

em rever a formação policial se relacionava ao aumento da criminalidade, falta de

integração entre as diversas polícias, formação com enfoque no militarismo de guerra e

abusos nas práticas policiais. A tentativa seria romper com o modelo de formação do

regime militar, que ainda emitia sinais de vigor dezesseis anos após as retomada do Estado

democrático de direito no Brasil.

Em Mato Grosso a revisão do currículo do CFO seguiu as bases curriculares

nacionais. Professores e instrutores, através de diversos grupos de trabalho, mapearam

habilidades e competências, resultando, ao final, na implementação do “Projeto Político

Pedagógico da Academia de Polícia Militar”. Na revisão curricular buscou-se desenvolver

a interdisciplinaridade e transversalidade entre os conteúdos distribuídos em uma carga

horária de 4.780 horas-aula, com 06 áreas de estudo — missão, técnica, cultura jurídica,

saúde, eficácia, linguagem e informação. O conteúdo da base comum possuía 11,30%

voltadas para missão policial (filosofia, política, sociologia, ética e cidadania, psicologia),

17% para técnica policial (tiro, defesa pessoal, operações policiais, técnicas gerais de

policiamento), 23,22% de cultura jurídica, 3,77% de saúde física e mental, 9,41% para

eficácia pessoal (gestão, relações interpessoais), 16,11% para linguagem e informação

10

(didática, estatística, idiomas, pesquisa, informática), 5,54% para estágio e 11,40% para

atividades complementares. As áreas temáticas englobaram cultura, sociedade, ética,

cidadania, direitos humanos e controle de drogas.

A primeira turma submetida à revisão curricular ingressou em 2001, no CFO, via

concurso conveniado com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), um grupo

composto por vinte alunos, sendo dezoito homens e duas mulheres. Esta foi a primeira

turma formada, durante três anos consecutivos, em conformidade com o novo currículo do

Bacharelado em Segurança Pública.

Em 2001 a direção da APM, promoveu um curso de extensão em Metodologia do

Ensino Superior, onde possibilitou-nos operacionalizar a aplicação das Bases Curriculares

no CFO, principalmente com práticas pedagógicas norteadas pelo construtivismo. No

curso, participou como professora, a pedagoga Bernadete Cordeiro, ela contribuiu com sua

experiência educacional na elaboração das Bases Curriculares em âmbito nacional. Deste

curso inicia-se o interesse pelo tema da pesquisa relacionado à formação policial.

Já com um olhar diferente sobre o processo educacional adquirido pelo exercício da

docência e as novas concepções de ensino apreendidas, atuei com instrutor no Curso de

Formação de Soldados da PMMT no ano de 2003.

Uma turma em particular (composta por cerca de cinqüenta alunos, na maioria jovens

civis e alguns que passaram algum tempo servindo o Exército) despertou-me para uma

questão que inicialmente delineou a elaboração do anteprojeto desta pesquisa em

educação.

Recordo que durante as atividades físicas aconteciam corridas em grupo, usando o

mesmo ritmo, cadência e canções. Ao pedir para um aluno iniciar uma canção durante a

corrida para que todos repetissem, ele cantou um exórdio de guerra, talvez aprendido

durante o serviço militar. Ao final da aula, após uma reflexão em grupo sobre o papel

constitucional da Polícia Militar, recomendei que fossem abolidas as canções ou exórdios

de guerra e substituídas por canções mais apropriadas ao tema policial servir e proteger.

Durante as aulas, na companhia do instrutor, as canções obedeciam ao preconizado.

Entretanto, em um dos horários de aula ocorreu um imprevisto, liguei para a organização

da escola de formação informando possível atraso ou falta, passando assim uma atividade

física para ocupar o tempo de aula. Sanado o motivo da ausência, desloquei-me para a

escola, quando deparei com aquela turma correndo e um dos alunos destacados puxava

uma canção de guerra.

11

Em virtude do episódio acima citado, surgiu uma indagação: Por que longe das vistas

do instrutor, os policiais optaram por uma canção de guerra? Foi ao acaso que optaram em

reproduzir a prática antiga ou estes jovens já se identificavam com o modelo mesmo antes

de ingressar na PMMT? O que isso teria a dizer em termos de pesquisa?

Isto posto, este estudo foca o seguinte problema: Com o novo sistema de ensino na

Academia de Polícia Militar, ocorreram mudanças na formação e atuação

democrática dos tenentes a partir de 2003 em relação ao uso da força e armas de

fogo?

Assim sendo, a pesquisa investiga os reflexos do processo formativo na atuação

profissional dos jovens egressos do Curso de Formação de Oficiais (C.F.O.) após a

reforma das bases curriculares em nível regional.

Preliminarmente, foram elaboradas duas hipóteses a partir do problema central:

- Hipótese 1: O novo sistema de ensino da Academia de Polícia Militar não

promoveu mudanças na atuação democrática dos tenentes a partir de 2003 em relação ao

uso da força e armas de fogo, pois a cultura vigente ainda tem grande influência na postura

profissional dos egressos, principalmente quando em contato direto com policiais que

mantêm uma concepção de formação voltada para a defesa do Estado.

- Hipótese 2: O novo sistema de ensino da Academia de Polícia Militar possibilitou

mudanças parciais na atuação democrática dos tenentes a partir de 2003 em relação ao uso

da força e armas de fogo, pois os jovens egressos entendem a necessidade de melhoria da

atuação policial, todavia avaliam que a nova base curricular tem alguns focos de

resistência cultural no processo formativo, principalmente quando depararam com a

necessidade de realizar atividades e estágios nos batalhões. Ocorrem dificuldades de

decidir, na prática, o que foi estudado na formação. Nota-se, em geral, uma distância dos

discursos policiais relacionados ao que aprenderam no bacharelado e suas práticas

correspondentes, oscilando entre posições conservadoras e posições inovadoras.

Quanto aos sujeitos da pesquisa, estes possuem o cargo de Tenentes da Polícia

Militar . Assim, visando descrever e delimitar os sujeitos, recorro ao Código Brasileiro de

Ocupações (C.B.O), elaborado em 2002, como documento normalizador do

reconhecimento, da nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do

mercado de trabalho brasileiro. O Mistério do Trabalho e Emprego, em parceria com a

FIPE e especialistas das instituições policiais militares de São Paulo, Minas Gerais, Santa

Catarina e Paraná, catalogaram no Código Brasileiro de Ocupações (CBO), os cargos de

12

Primeiros Tenentes (código 020305) e Segundos Tenentes (código 020310) da Polícia

Militar que possuem as seguintes ocupações:

Comandam pelotão, coordenam policiamento ostensivo, reservado e

velado; assessoram comando, gerenciam recursos humanos e

logísticos, participam do planejamento de ações e operações,

desenvolvem processos e procedimentos administrativos militares,

atuam na coordenação da comunicação social; promovem estudos

técnicos e capacitação profissional. [...] Trabalham na polícia

militar, no comando de pelotões, como estatutários. Trabalham em

equipe, sob supervisão. Atuam em ambiente de trabalho que pode

ser fechado, a céu aberto ou em veículos, em horários diversos:

diurno, noturno e em rodízio de turnos. Atuam sob pressão, podendo

levá-los à situação de estresse; correm risco de perder a vida em sua

rotina de trabalho. [...] Para o exercício dessas ocupações requer-se

Curso de Formação de Oficiais em Academia da Polícia Militar

(Ministério do Trabalho e Emprego -CBO, 2002).

Pela descrição do CBO (2002) a função de tenente exige as seguintes competências

pessoais: prestar assistência jurídica e religiosa; manter discrição e reserva; liderar

equipes; trabalhar em equipe; manter equilíbrio emocional; manter condicionamento

físico; atuar com ética profissional; exercer tolerância; comprometer-se com a legalidade;

agir com humanidade; tomar decisões rápidas e coerentes; desenvolver relacionamento

interpessoal; manter-se atualizado; demonstrar flexibilidade; suportar situações de estresse.

O tenente necessita dos seguintes recursos de trabalho, os quais destacam-se

viaturas, uniforme, armas de fogo, rádio intercomunicador, algemas, detector de metais,

armas não letais, equipamentos de proteção individual.

***

Nesta pesquisa em educação, adotou-se metodologia com abordagem qualitativa,

através de análise documental, pesquisa bibliográfica e entrevistas. Estes métodos, após

análise e interpretação, tendem a contribuir para avaliar as hipóteses sobre os efeitos ao

13

novo sistema de ensino no Curso de Bacharelado em Segurança Pública e na formação e

atuação democrática dos tenentes em relação ao uso legal da força.

Segundo Ludke e Andre (1986, p.11) esta pesquisa qualitativa supõe o contato

direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo

investigada, ocorrem detalhes de descrição, identifica-se como um problema se manifesta

como processo, são capturadas perspectivas dos entrevistados e a análise dos dados segue

um processo que vai afunilando.

Portanto, tendo em vista a amplitude da base curricular em seus conteúdos, os

níveis de atribuições exercidas pelos tenentes, o objeto foi sendo afunilado para um campo

pontual da ação policial: O Uso Legal da Força.

Para abordar o Uso Legal da Força, recorro à resolução do “Oitavo Congresso das

Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores” realizado em

Cuba no período de 27 de agosto a 07 de setembro de 1990. Constam no documento

normas orientadoras aos Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o papel

adequado dos encarregados da aplicação da lei, com princípios levados em consideração e

respeitados pelos governos no contexto da legislação e da prática nacional, e levados ao

conhecimento dos encarregados da aplicação da lei assim como de magistrados,

promotores, advogados, membros do executivo e legislativo e do público em geral.

No documento da ONU, em particular, destacam-se os Princípios Básicos sobre o

Uso da Força e Armas de Fogo (PBUFAF) que recomenda aos Governos e os organismos

de aplicação da lei adoção e aplicação de regras sobre a utilização da força e de armas de

fogo contra as pessoas, por parte dos policiais.

Considerações Metodológicas

Durante a pesquisa explorou-se documentos existentes na Academia de Polícia

Militar (livros, legislações, revistas). Visando o reforço à análise, realizou-se pesquisa

bibliográfica antes e após a interpretação das entrevistas. “[...] a pesquisa bibliográfica não

é mera repetição do que foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de

um tema sob novo enfoque ou abordagem, [...]” (MARCONI, LAKATOS, 2002, p.71).

14

A análise de dados resultará do cruzamento de dados das duas primeiras partes com

as informações sistematizadas nas entrevistas com os egressos sobre a formação e atuação

policial em relação ao uso da força. As tendências e padrões identificados e avaliados

buscam relações e inferências num nível de abstração mais elevado, conforme preceitua

Ludke e Andre (1986, p.45).

As entrevistas ocorreram em duas fases distintas, a primeira realizada de forma

semi-estruturada com três profissionais da educação (um coronel e duas pedagogas), que

contribuíram em âmbito nacional e estadual para formulação das bases curriculares; na

segunda fase e principal, de forma estruturada, foram entrevistados cinco tenentes que

concluíram o curso de 2003.

Em relação aos especialistas entrevistados, sendo o objetivo explorar como foi

construída a base curricular nacional, adotou-se uma entrevista semi-estruturada com

perguntas amplas visando sondar razões e motivos da instituição de um novo modelo de

ensino policial.

Além da percepção dos especialistas entrevistados, verifiquei, através de

documentos, a percepção dos alunos da CFO em 2003. As bases curriculares antes e após

2001 sobre os conteúdos em geral e específicos sobre uso legal da força foram

comparadas.

Quanto às entrevistas com os tenentes, em virtude de se obter respostas para as

mesmas perguntas e posterior comparação para refletir diferenças entre os respondentes,

adotou-se um roteiro de entrevista de caráter estruturado com perguntas abertas. Conforme

Marconi e Lakatos (2002, P.93-95) na entrevista estruturada as perguntas feitas ao

indivíduo são predeterminadas. Do universo de vinte sujeitos, foram entrevistados cinco

egressos (quatro homens e uma mulher) da Academia de Polícia Militar Costa Verde em

Várzea Grande-MT que iniciaram o curso em 2001 e concluíram de 2003, tendo em vista

que após 2003 ocorreram mudanças políticas nas bases curriculares. Selecionados aqueles

que atuam profissionalmente em Cuiabá na área de policiamento ostensivo no dia a dia. A

amostra se restringe aos que atuam em Cuiabá em virtude de aspectos de dificuldade

logística na realização das entrevistas. Dentre os recursos utilizados, optou-se pelas

entrevistas estruturadas com os egressos através de anotações digitadas, principalmente

pelo fato de alguns dos sujeitos da pesquisa se manifestarem pouco à vontade e naturais ao

ter suas falas gravadas.“[...] as notas já representam um trabalho inicial de seleção e

interpretação das informações obtidas”.(LUDKE, ANDRE, 1986, p.37).

15

Nas entrevistas estruturadas com os egressos, adotou-se o seguinte roteiro: perfil do

entrevistado; conhecimentos adquiridos no Curso de Formação de Oficiais (C.F.O.) sobre

Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (P.B.U.F.A.F.); disciplinas do

curso que abordam o tema; conhecimento sobre o modelo de uso da força; desdobramento

dos níveis de força e relatos; procedimentos em caso de confronto letal; atuação como

comandante em relação aos subordinados; entre outros assuntos com maior flexibilidade.

Os cinco egressos entrevistados foram submetidos ao mesmo roteiro estruturado de

perguntas, todavia suas respostas foram livres. A análise das entrevistas foi realizada

através do cruzamento das entrevistas individuais, sendo que cada pergunta foi

transformada em um tópico, constam as respostas uma a uma dos entrevistados dentro de

cada tópico, com citação diretas e indiretas. Cada entrevistado foi denominado de

“Tenente”, acrescentando uma letra do Alfabeto Fonético Internacional usado,

costumeiramente, no âmbito das instituições militares ao citar letras do Alfabeto a fim de

se evitar ruídos de comunicações de rádio. Exemplo: Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo,

Fox, Golf.

A análise da atuação democrática dos tenentes se operacionaliza em relação aos

princípios básicos de uso da força e armas de fogo, isto porque implica diretamente nas

vidas das pessoas que o estado em tese deveria defender. Assim foram verificados tratados

internacionais sobre ação de policiais, principalmente resoluções da Organização das

Nações Unidas.

Para compreender melhor a questão do Uso Legal da Força, este pesquisador

realizou em outubro de 2006, um curso a distância com uma carga horária de 60 horas -

aula sobre o tema Uso Legal da Força, promovido pela Secretaria Nacional de Segurança

Pública e tutoria da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso.

O curso contribuiu em alguns aspectos sobre o tema, com informações mais detalhadas

sobre a conduta do profissional de segurança pública ao se deparar com uma situação de

emprego de força e arma de fogo.

Esta dissertação está estruturada da seguinte forma:

Na Parte I, subdividida em três capítulos, aborda o tema Estado, democratização da

polícia militar e uso legal da força. O capítulo 1 contextualiza o Estado e a construção do

monopólio de força. O capítulo 2 versa sobre os esforços governamentais para a

democratização da atuação policial militar. O capítulo 3 enfoca o poder de polícia e o uso

16

legal da força.

Na Parte II, subdividida em dois capítulos, aborda o sistema de ensino da PMMT e

as bases curriculares do bacharelado em segurança pública. O capítulo 4 descreve a

trajetória do sistema de ensino da PMMT. O capítulo 5 analisa as bases curriculares

nacionais e o bacharelado em segurança pública na PMMT.

Na Parte III, subdividida em dois capítulos, desdobra-se a análise e interpretação

das entrevistas com os jovens egressos e o uso legal da força (2001-2003). O capítulo 6

relata o perfil da juventude no Brasil e no bacharelado (CFO). O capítulo 7 analisa a

formação e atuação dos tenentes em relação ao uso legal da força. O oitavo e último

capítulo apresenta os resultados da entrevistas.

Ao final são realizadas considerações sobre os Princípios Básicos sobre o Uso da

Força e Armas de Fogo e as possibilidades e limitações na atuação democrática dos jovens

tenentes da PMMT.

17

PARTE 1 - ESTADO, DEMOCRATIZAÇÃO POLICIAL MILITAR E

USO LEGAL DA FORÇA

18

Capítulo 1 - O Estado e a Construção do Monopólio de Força - Polícia

Este capítulo contextualiza o Estado e a construção do monopólio da força e o

surgimento histórico da polícia como instrumento de controle social. Inicialmente recorro

a Norbert Elias sobre o processo civilizatório e monopólio de força. Para construir uma

linha de pensamento, com diversos olhares que descrevessem como se dá a manutenção da

força estatal e o controle, constam breves contribuições teóricas de Foucault, Arendt,

Goffman, Althusser e Bourdieu. Ao final apresento um recorte histórico sobre a origem de

uma instituição estatal que atua com instrumento do monopólio de força do Estado: a

polícia em geral e a Polícia Militar de Mato Grosso em particular.

Conforme Elias (1994, p.193), o processo civilizador tem muitas variáveis, entre

elas a mudança na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica,

apesar das mudanças não terem sido anteriormente planejadas ao longo do tempo, e

posteriormente questiona a inexistência da racionalidade de planejamento em longo prazo

da civilização e depois argumenta, que apesar do não planejamento, ocorreu um tipo

específico de ordem, com instrumentos de controle, tais como autocontrole, o sentimento

de vergonha, como regulação de toda a vida instintiva e afetiva em caráter estável,

uniforme e generalizada.

Assim o processo civilizador surge ao longo do tempo. A civilização é posta em

movimento pela dinâmica rede de relacionamentos, por mudanças específicas na maneira

como as pessoas se vêem obrigadas a conviver desempenhando uma específica função

social. Através de mudanças psicológicas molda-se um comportamento socialmente aceito

mediante uma infinidade de medos. Quanto mais baixa a divisão de funções, mais instável

é a sociedade. Ao contrário, enquanto mais complexa, as divisões tendem à monopolização

da força e isso influencia o autocontrole, tornando o meio social pacificado e livre de atos

de violência.

Segundo Elias (1994, p.198), a necessidade de uma sociedade constituir

instrumentos de controle para sua proteção conduz à construção de um monopólio de

força, centrado na figura o Estado, que conduz o indivíduo a regular a conduta de maneira

uniforme e estável. Vejamos:

Ao se criar monopólio de força, criam-se espaços pacificados, que

normalmente estão livres de atos de violência [...] Nelas o indivíduo

19

é protegido principalmente contra ataques súbitos, contra a violência

física em sua vida. Mas, ao mesmo tempo, é forçado a reprimir em si

mesmo qualquer impulso emocional para atacar fisicamente outra

pessoa (ELIAS, 1994, p. 198).

O Estado, através de mecanismos legais, tem como atributo comum a vigilância da

conduta dos indivíduos e da massa, onde paradoxalmente, o medo assegura a conduta

socialmente correta, “a monopolização da força física reduz o medo e o pavor que um

homem sente do outro, mas ao mesmo tempo , limita a possibilidade de causar terror,

medo ou tormento em outros.” (ELIAS,1994, p.201)

Em um outro contexto teórico, a disciplina passa a ser um instrumento para adestrar

e uniformizar as massas, na perspectiva de Foucault (1991, p. 157), a disciplina tem como

objetivo adestrar os indivíduos e conseqüentemente retirar e se apropriar deles. Os

instrumentos utilizados pelo poder disciplinador são: o olhar hierárquico, a sanção

normalizadora e o exame. A vigilância hierárquica cria observatórios como nos

acampamentos militares, desenhando uma rede de olhares que se controlam uns aos outros.

“A vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo

tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder

disciplinar [...]” (FOUCAULT, 1991, p. 157). A sanção normalizadora funciona como um

mecanismo penal onde se qualificam e reprimem desvios de comportamento através de

mecanismos de macro e micro penalidades, de pequenas humilhações a castigos físicos.

Tem um sistema duplo: gratificação-sanção, classificação e hierarquização de bons e maus

indivíduos. A punição ocorre por operações distintas tais como: relacionar os atos, os

desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, diferenciação e princípios de

regras a seguir. A normalização ocorre através da comparação, diferenciação,

hierarquização, homogeneização e exclusão. Aparece o poder da norma: o normal se

estabelece como princípio de coerção. O poder de regulamentação obriga a

homogeneidade, permite individualizar desvios e prevê o ajustamento. O exame

combina técnicas de hierarquia e sanção e o seu uso permite qualificar, classificar e punir.

O exame fornece informações sobre as pessoas que indicam lugar e tempo, tornando-os

descritivos, analisáveis e identifica as suas singularidades, permitindo a comparação de

resultados.

Ao tempo que se cria monopólio de força e são construídos instrumentos de

20

controle, surgem desvios, e a partir daí o Estado exerce o seu poder. Neste contexto pode-

se recorrer ao olhar de Arendt (1994, p. 35-36) sobre a distinção entre binômio poder –

violência, tão freqüentemente confundidos com uma tradição teórica do pensamento

político, geralmente relacionado a mando e obediência. Para a autora a questão em quem

domina quem: poder, vigor, força, autoridade e violência. “A forma extrema do poder e “o

todos contra um”, a forma extrema da violência e o um contra todos. [...] o poder nunca é

propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na

medida em que o grupo conserva-se unido [...] a violência pode ser justificada mas nunca

legitimada [...]” (ARENDT, 1994, p. 35-36).

Todavia, este tecido social, para se livrar dos desvios de comportamento que

possam causar riscos, cria instituições fechadas para abrigar aqueles que em virtude de

uma atividade ou comportamento precisam ser isolados em manicômios e prisões,

definidas como instituições totais. Vejamos:

Uma instituição total pode ser definida como um local de residência

e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável

período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente

administrada. (GOFFMAN, 2005, p.11)

Goffman (2005, p.16-17) discorre que uma instituição total possui barreiras do

mundo externo, proibições à saída, portas fechadas, paredes altas, arames, fossos. O autor

enumera cinco agrupamentos de instituições fechadas, aquelas que cuidam de pessoas

incapazes e inofensivas como crianças e idosos; em segundo lugar, as incapazes que

podem ameaçar a comunidade de modo não intencional como os que possuem doenças

contagiosas e mentais. O terceiro tipo trata de ambientes para perigosos intencionais como

prisões. Já o quarto agrupamento são aquelas que realizam algum tipo de trabalho

realizado em navios, quartéis, escolas internas. E finalmente, Goffman cita o agrupamento

destinado ao refúgio do mundo, como mosteiros e conventos.

À medida que o Estado possui o monopólio da força conforme preceitua Norbert

Elias, cria mecanismos de controle e disciplina dos indivíduos conforme abordagem de

Michel Foucault e, opera no binômio poder-violência conforme Hannah Arendt, estabelece

instituições fechadas conforme estudo de Erving Goffman, ocorre então, a necessidade de

21

criar mecanismos de sujeição, onde cada indivíduo reconhece o seu lugar dentro de um

contexto social e um conjunto de práticas reproduzidas ao longo do tempo: a ideologia.

Segundo Althusser (1985, p.7-9) define que a formação social é resultado de um

modo de produção dominante. Inicialmente com a reprodução dos meios de produção, tais

como instrumentos de produção, relações entre demanda e oferta em todos os níveis, com

uma relação de interdependência de matéria prima, máquinas definidos como “uma

espécie de fio sem fim” de reprodução das condições da própria produção e das relações

de produção existentes. O autor se apóia teoricamente nas concepções marxistas que têm

posição que o Estado é o aparelho repressivo do próprio Estado; o poder é o que se busca,

e aparelho de estado é instrumento de manutenção da hegemonia. É a partir dessa posição

marxista que Althusser propõe um avanço na definição do aparelho de Estado, dividindo-o

em repressivo e ideológico. O aparelho repressivo de Estado (ARE) compreende as

instituições puramente do Estado e “funciona através da violência — ao menos em

situações limites (pois a repressão administrativa, por exemplo, pode revestir-se de formas

não físicas)” (ALTHUSSER, 1985, p. 67-68). Os aparelhos ideológicos de Estado (AIE)

se apresentam através de instituições distintas (públicas e privadas) e especializadas tais

como igrejas, escolas, família, sistemas jurídicos e político, sindicatos, veículos de

comunicação, cultura. Os ARE e os AIE tendem a ambigüidade e funcionam através da

violência e ideologia, se distinguindo pelo maior ou menor grau de aplicação. Exemplo: “o

Exército e a Polícia funcionam também através da ideologia, tanto para garantir sua

própria coesão e reprodução, como para divulgar os valores por eles propostos” (Id. p.70).

Todo o processo formativo da ideologia perpassa distintos grupos com ideologias

sob medida, vejamos:

Cada grupo dispõe da ideologia que convém ao papel que ele deve

preencher na sociedade de classe; papel de explorado (a consciência

“profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e apolítica altamente

“desenvolvida”); papel de agente de exploração (saber comandar e

dirigir-se aos operários: as “relações humanas”); de agentes de

repressão (saber comandar, fazer-se obedecer “sem discussão” ou

saber manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos); ou

de profissionais de ideologia (saber tratar as consciências com o

respeito, ou seja, o desprezo, a chantagem, a demagogia que

convém, com as ênfases na Moral, na Virtude, na “transcendência”,

22

na nação...). (Id. p. 79-80)

A ideologia só pode operar a partir de um sistema de pensamento, disseminando

uma cultura através da escola, família e outras instituições. Conforme Bourdieu (1992,

p.206-206), ao discorrer sobre sistemas de pensamento, entende que os autores primitivos

não perceberam, quando dos escritos sobre educação, que do mesmo modo que a religião,

a cultura escolar propicia aos indivíduos um corpo comum de categorias de pensamento

que tornam possível a comunicação. Os indivíduos são programados para um pensar e

agir, e partilham de um certo “espírito”, moldados segundo o mesmo modelo. Surgem os

códigos comuns que permitem a comunicação entre pessoas, e a escola é responsável pela

transmissão da cultura e do senso comum, da mesma forma que os fósseis permitem datar

uma espécie antiga, vestígios cristalizados de debates indicam o pensamento de uma

época. Os automatismos verbais e os hábitos de pensamento têm por função sustentar o

pensamento, mas também podem, nos momentos de baixa tensão intelectual, dispensar de

pensar.

Em síntese, as contribuições dos autores mencionados neste capítulo, indicam que

o Estado constrói o monopólio de força através de diversas práticas no contexto social ao

longo da história, se reafirma como ente de proteção da coletividade contra o indivíduo,

age com legitimidade decorrente do próprio indivíduo que receia ser alvo da violência,

assim também legitima o Poder do Estado, permitindo a criação de mecanismos de

controle, espaços de exclusão, reprodução do cotidiano e sistemas de pensamento. Nota-se

então uma representação imaginária dos indivíduos com as suas condições de existência, e

do imaginário surge a legalidade atribuída ao Estado, ou seja, o seu monopólio de força.

“[...] se ele crê na justiça, ele se submeterá sem discussão às regras do direito, e poderá

mesmo protestar quando elas são violadas, assinar petições, tomar parte em uma

manifestação, etc.” (ALTHUSSER, 1985, p.90).

***

Ao longo da história da civilização, para coibir o fenômeno da violência, a

sociedade buscou soluções de controle social e autocontrole em diversos âmbitos.

Instituições surgiram para proteger o indivíduo contra ataques violentos. Entre as

organizações de controle surgiu a polícia. Este vocábulo, segundo Le Clere (1965) é de

origem grega politeia, e passou para o latin politia, com o mesmo sentido: governo de uma

23

cidade, administração.

A origem da polícia, contada por Monteiro (1985, p.11-12), remonta que desde o

aparecimento do homem e da formação de clãs, como moradores de cavernas e palafitas, a

vigilância já era mantida principalmente à noite. É um princípio natural na história das

civilizações para manter a segurança para sobreviver. Para o autor a polícia é uma

necessidade que atravessou séculos, percorrendo todos os espaços ocupados pelo homem,

como corpo organizado ou simples vigilante, quando da formação das primeiras milícias.

No antigo Egito verificou-se a figura do inspetor de quarteirão, com a função de

proporcionar segurança nas ruas e praças. Na China antiga era destinado um funcionário

de polícia para cada uma das cidades importantes sob ordem de um magistrado. Em Roma

a.C. existiam os questores que velavam pela manutenção da ordem, sob o comando de um

chefe de polícia e magistrado denominado E Dil. A França foi o primeiro país a instituir

em sua linguagem jurídica a expressão “polícia” com a função de preceder a justiça, tendo

a vigilância o seu principal caráter (LE CLERE, 1965).

No Brasil, em 13 de maio de 1809, D. João VI criou a Divisão Militar da Guarda

Real de Polícia da Corte, a milícia era formada por 218 guardas com armas e trajes

idênticos aos da guarda portuguesa. Em 1989, com a proclamação da República, o

primeiro ato legislativo do Marechal Deodoro da Fonseca autorizou os governadores dos

Estados a legislar sobre as atividades policiais. 1

Em 1969, pelo Decreto-lei n. 667/68, as Polícias Militares dos Estados foram

reestruturadas com organização em conformidade com as normas expedidas Exército.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, as Polícias Militares receberam a

atribuição de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública continuando como forças

auxiliares e reserva do Exército, porém, com a função de atuar em um Estado democrático

de Direito.

Após apresentar uma visão ampla sobre a construção do monopólio de força e o

surgimento das polícias, abordarei em particular a origem da Polícia Militar do Estado de

Mato Grosso, objeto desta pesquisa.

Origem da Polícia Militar de Mato Grosso

Conforme Monteiro (1985), com a criação da Capitania de Mato Grosso em 1748 e

1 Documentação registrada no Museu Nacional do Rio de Janeiro, 2005.

24

com a vinda do seu primeiro governador Dom Antonio Rolim de Moura em 1752, surgiu a

necessidade de garantia organizada, pois fundaram a cidade de Vila Bela que seria a

Capital e a primeira polícia apareceu. Verifica-se através da história, mormente nos

arquivos de Estevão de Mendonça, que a polícia de Mato Grosso já teve vários nomes,

tendo surgido como a tropa mista com o nome de companhia de ordenanças. Esta surgiu

em virtude da criação da Capitania de Mato Grosso em 1748, em 1753 criou-se a

Companhia de Ordenanças de “homens pardos” com um efetivo de 80 praças.

Quanto à data exata de sua fundação sempre pairou dúvida para Monteiro porque,

primeiro se descobriu Cuiabá e só mais tarde as regiões de Mato Grosso onde se implantou

a primeira cidade (Vila Bela), com segurança própria, destinada à sobrevivência de seus

habitantes naqueles remotos tempos.

Em 1835 surge a Assembléia Legislativa Provincial que oficializou a polícia de

Província de Mato Grosso, com a criação de um Corpo Policial com a denominação de

Homens do Mato, em substituição à Guarda Municipal existente em Cuiabá desde 1831.

Todavia, do que se verifica nos “fastos” de Mato Grosso, é que a segurança na região já

existia 82 anos antes da data de sua oficialização que hoje se comemora em 5 de setembro

de 1835.

Em 1902, embora ainda tensa a situação, o então Corpo de Polícia do Estado, quase

sempre comandando por um Major ou Capitão, é reorganizado e passa então a ser

Batalhão de Polícia Militar. (Id. p.41).

Em 17 de janeiro de 1936, foi criada a lei n. 192 que reorganizou as Polícias

Militares nos Estados sendo consideradas reserva do Exército. “Art. 1- As Polícias

Militares serão reorganizadas pelos Estados e pela União, na conformidade desta Lei, e são

consideradas reserva do Exército, nos termos do art 167 da Constituição Federal. [1935]”

(Id. p. 85).

Em 11 de julho de 1947, foi promulgada a Constituição do Estado de Mato Grosso:

Art. 136 – A Polícia Militar, instituída para manter a segurança

interna e assegurar a ordem do Estado, é considerada força auxiliar

do Exército Nacional, nos termos da Constituição Federal. (Id. p.

107)

Em 25 de julho de 1947, o governador do Estado de Mato Grosso, através do

25

Decreto n. 337 a Força Pública passa a denominar Polícia Militar. “Art. Único – a Força

Policial do Estado passa a denominar-se POLÍCIA MILITAR, revogadas as disposições

em contrário”.(Id. p. 105).

Atualmente, a Polícia Militar de Mato Grosso (PMMT) é uma instituição

organizada com base na hierarquia e disciplina que possui como missão constitucional a

polícia ostensiva e preservação da ordem pública, sendo considerada, para fins de

mobilização nacional, força auxiliar do Exército Brasileiro. Os policiais militares são

tratados como “militares estaduais” e possuem estabilidade de pública. A PMMT se

subordina hierarquicamente e administrativamente ao Governador do Estado sob a direção

unificada e vinculada à Secretária de Justiça e Segurança Pública (Constituição Federal,

1988).

26

Capítulo 2 – Esforços Governamentais para a Democratização da

Atuação Policial Militar

Uma constituição desgarrada do costume democrático permanece

letra morta: é uma máscara de paz que esconde uma face de

rancores, de paixões tumultuadas. (BOBBIO apud ZAVERUCHA,

2002, p.79).

Neste capítulo reporto-me ao esforço governamental de democratização da polícia

militar através de mecanismos ideológicos e operacionais, que fundamentalmente atuam

com hierarquia e disciplina para garantir o controle interno, e conseqüentemente agir como

instrumento de Estado no regime democrático. Após a queda do regime militar no Brasil

em 1984 buscou-se mudanças do modelo de polícia do regime autoritário (polícia política)

para o regime democrático (polícia cidadã).

Inicialmente, o Estado Democrático de Direito no Brasil foi instituído com a

promulgação da Constituição Federal (C.F.) de 1988, sendo:

[...] um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos

direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,

o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos

de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,

com a solução pacífica das controvérsias [...] (C.F. 1988).

São princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito: soberania,

cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,

pluralismo político. O poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos ou diretamente (C.F., 1988).

Quanto às polícias militares, a atuação democrática está prevista no art. 144 que

trata que segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é

exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio. Entre os órgãos que exercem o papel de segurança pública, constam as

27

polícias militares que cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública,

subordinando-se aos governadores do exército e sendo denominadas forças auxiliares e

reserva do Exército. As instituições policiais militares, conforme a Carta Magna, são

regidas por dois fundamentos básicos: hierarquia e disciplina (C.F., 1988).

Para garantir a hierarquia e disciplina, são instituídas, na mente do policial militar,

uma formação ideológica híbrida ─ meio policial, meio militar. O novato é afastado de

seu mundo doméstico. No processo de admissão, uniformes são distribuídos, movimentos

são padronizados para garantir uma unidade de pensamento. Surgem os primeiros testes de

obediência; um exemplo é o juramento de defender a sociedade com risco da própria vida:

Art. 35 Ao ingressar na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso

prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir

rigorosamente as ordens das autoridades que estiver subordinado e

dedicar-me inteiramente ao serviço policial militar, à manutenção da

ordem pública e a segurança da comunidade, mesmo com o risco da

própria vida. (Estatuto da PMMT, 1993).

Paradoxalmente, para cumprir os princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito, é necessário que o policial militar abdique de alguns direitos

individuais e sociais, inclusive do direito à vida. Na citação anterior fica evidente a ação

ideológica do aparelho de Estado e conseqüente sujeição do indivíduo em arriscar a sua

vida pelo dever profissional. Segundo Muniz (1999), no dia a dia, os PMs são chamados a

intervir em qualquer evento sempre que ocorre "[...] algo-que-não-devia-estar-

acontecendo-e-sobre-o-qual-alguém-tem-que-fazer-alguma-coisa-agora-e-bem [...]”.

A sujeição se estabelece logo após o ingresso na vida militar. Segundo Goffman

(2005, p. 22) as instituições totais são estufas para mudar pessoas através o mundo do

internato:

O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si

mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais

estáveis no seu mundo doméstico. [...] O seu eu é sistematicamente,

mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais eu sua

carreira moral.[...] Uma descrição de vida de um cadete numa

academia militar dá exemplo disso: a ruptura nítida com o passado

28

precisa ser efetivada em tempo relativamente curto [...] ajuda a criar

um grupo unificado de calouros, e não uma coleção heterogênea de

pessoas com alto e baixo status. Os uniformes são distribuídos no

primeiro dia [...] o papel de cadete deve sobrepor-se a outros papéis

que o indivíduo estava habituado a desempenhar. Restam poucas

indicações que revelam o status social com o mundo externo.

(Goffman, 2005, p. 24-25).

Reforço ainda essa evidência à luz da interpretação Althusser por Albuquerque

(1985), ele afirma que as ideologias possuem existência em um campo da realidade e

visam à reprodução continuada do modelo dominante de sociedade, criando divisão de

trabalho em um mecanismo onde a ideologia leva o sujeito — neste caso o policial militar

— a reconhecer onde é o seu lugar no contexto social através da sujeição (grifei), que não

está presente somente nas idéias, mas também em um conjunto de práticas, de rituais

situados em um rol de instituições concretas, constituindo o que é denominado de

Aparelho Ideológico de Estado (AIE).

Como já abordamos no capítulo 1, os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) se

apresentam através de instituições distintas (públicas e privadas) e especializadas tais

como igrejas, escolas, família, sistemas jurídico e político, sindicatos, veículos de

comunicação, cultura. Outra modalidade de aparelho, denominada de Aparelho Repressivo

de Estado (ARE) compreende as instituições puramente do Estado e, que “funciona através

da violência — ao menos em situações limites (pois a repressão administrativa, por

exemplo, pode revestir-se de formas não físicas)” (ALBUQUERQUE In: ALTHUSSER,

1985, p. 67-68). Os ARE e os AIE tendem à ambigüidade e se articulam através da força e

da ideologia se distinguindo pelo maior ou menor grau de aplicação.

A trajetória histórica das polícias segue de um processo civilizador no sentido de

regular a conduta do indivíduo no contexto social através de instrumentos disciplinadores

operando com o uso da repressão e da ideologia.

A partir de 1984, com a advento da democracia brasileira e queda da ditadura

militar, surge um novo esforço ideológico na construção do papel das polícias militares: de

órgão de defesa do Estado para órgão de defesa do Cidadão.

Para Guimarães (2002, p. 121-122) ocorre uma migração de uma polícia de Estado

— antes voltada para proteção de um governo e determinados grupos ou classes — para a

29

polícia de proteção à cidadania, esta, em tese, reconhece a diversidade social, o respeito ao

indivíduo e a coletividade em todos os seus segmentos. “Cidadania pressupõe o equilíbrio

entre os interesses do indivíduo e da coletividade”.

A polícia cidadã deve ser imparcial, reconhecer os movimentos de

garantia das diferenças e das divergências, respeitar todos os

seguimentos e garantir os espaços legítimos de manifestação. A

mediação constitui-se sua primeira e principal metodologia de ação e

a repressão policial, a excepcionalidade. (Id.).

A transformação da polícia de defesa do Estado para defesa da cidadania ganha

maior materialidade a partir de 2001, após diversos episódios veiculados sobre o

despreparo profissional e a violência policial. O Governo Federal, através do Ministério da

Justiça, passou a exigir dos estados brasileiros uma profunda reforma nas bases

curriculares das escolas de formação de policiais. A reforma ocorreu através de um

programa denominado “Bases Curriculares para Formação dos Profissionais de Segurança

do Cidadão” visando homogeneizar os cursos de formação, planejamento curricular,

assegurar o princípio de eqüidade no processo de formação, unidade de pensamento e

ações adequadas às necessidades sociais.

Nota-se que o “Poder de Estado” — representado por um segmento politicamente

institucionalizado a quem se delega a faculdade de instituir e executar o processo político-

jurídico, bem como a coordenação da vontade coletiva (ESG, 2000, p.51) — mesmo com o

monopólio dos meios legítimos de coerção, resolve contribuir com as mudanças dos

aparelhos de repressão estaduais, com um foco na cidadania e a partir disso impõe uma

nova concepção ideológica denominada “polícia cidadã” e aos órgãos de formação policial

lançam a tarefa de destruir uma ideologia repressiva e reconstruir uma ideologia cidadã.

Na fundamentação teórica de Althusser a escola possui papel fundamental como

mecanismo ideológico na formação das diversas classes para reprodução dos meios de

produção. Sobre o referencial althusseriano, a escola é considerada:

O aparelho ideológico escolar, como outros Aparelhos ideológicos

do Estado, não se reduz à existência de idéias sem suporte material.

No AIE escolar também é realizada a Ideologia de estado em sua

totalidade, ou em parte, garantindo unidade de sistema “ancorada”

30

em funções materiais, que lhe são próprias e não redutíveis à

ideologia de Estado, mas que lhe servem de suporte. (CASSIN, 2003

p.331)

Teoricamente a mudança ideológica deveria ocorrer na estrutura e funcionamento

das instituições policiais militares, pois, pela análise de emprego dos AIE e ARE, para

garantir a reprodução do modo de produção é necessário ter o poder de Estado, deter o

aparelho de Estado e seus ARE e AIE.

Assim sendo, o governo democrático brasileiro possui o poder legítimo, detém o

controle das instituições policiais militares, estabelece um novo enfoque de funcionamento

ideológico pautado na cidadania. Observo uma relação paradoxal do Poder de Estado

representado politicamente por um governo e as suas imposições sobre os Aparelhos de

Estado, representado pelas instituições. É possível perceber que o Poder de Estado, em

questões mais profundas, mantém uma certa inércia em relação aos Aparelhos de Estado,

estes aparentam possuir uma outra ideologia de resistência e com “blindagem” contra

qualquer postura ideológica contrária aos interesses orgânicos institucionalizados, como se

possuíssem vidas autônomas e paralelas dentro do Estado.

Para Zaverucha (2002, p.94) a democracia tutelada é uma situação intermediária

entre um regime autoritário e um regime democrático, já que combina elementos

democráticos com traços autoritários:

Se quisermos reformular o atual modelo de policiamento, será

necessário dar um salto de qualidade em nossa democracia.

Poderíamos começar seguindo as constituições democráticas. Em

nenhuma delas admite-se [...] que polícia esteja sob controle do

Exército.(id.).

Na Escola Superior de Guerra (ESG, 2000) em seus fundamentos doutrinários, a

ideologia é descrita como imprescindível à compreensão de um cenário social, porém

quando se tornam dogmáticas, passam a gerar uma ideologia dominante e outras

concorrentes.

[...] será possível distinguir-se, além da ideologia dominante, alguma

doutrina de ideologia concorrente. Identificar a natureza das

31

principais correntes ideológicas ou doutrinárias, e, entre elas, as

dominantes e subdominantes, é imprescindível para a compreensão

das atitudes dos atores políticos, em profundidade e alcance, e para a

determinação dos cenários prospectivos possíveis na evolução de um

Sistema Político, [...] O que empresta às ideologias sua conotação

negativa é o seu sentido acrítico e dogmático, sua tendência a

constituir-se como uma cosmovisão, tudo explicado, justificado ou

rejeitado sob um único ponto de vista. [...] nem sempre o

conseguem, pode-se mesmo dizer que geralmente não o conseguem,

embora imponham muitos sacrifícios à sociedade na

tentativa.”(ESG, 2000, p.71)”.

Entendo que uma via única com duplo sentido se estabelece quando é exigida do

sujeito uma atitude policial (crítica e direcionada para a criação, mediação de conflitos

comunitários), e ao mesmo tempo uma atitude militar com foco em regulamentos rígidos e

atitudes uniformes. O paradoxo se estabelece, ora o sujeito caminha sobre os “trilhos”, ora

identificando e percorrendo novas “trilhas”. O que de fato o poder de Estado deseja como

uma polícia cidadã? Estar próxima à comunidade? Sabe-se que os membros da instituição

policial militar se portam como ARE através de ações legitimadas pelo “poder de polícia”

— mito ideológico do dever agir em nome da sociedade — efetuando prisões,

reintegrações de posses, controles de manifestações, serviços de guarda de órgãos

públicos, entre outros. Assim, “o ofício de polícia sempre foi considerado um mecanismo

meramente de contenção dos maus cidadãos (numerosas classes dominadas) na proteção

dos bons cidadãos (classes dominantes)” (GUIMARAES, 2002, p.127).

Todavia, as mudanças nas bases curriculares, até onde é possível observar, têm

mais foco na melhoria da capacitação dos policiais, no esforço de torná-los melhores

cidadãos, do que expressamente na mudança do funcionamento das instituições. O

incremento de disciplinas e temas globais indicam melhorias na qualificação ideológica

dos sujeitos, o que torna mais eficiente o uso do aparelho policial pelo Poder de Estado

através da sua reprodução.

Pela doutrina nacional vigente, em suas normas e princípios legais, “o Bem

Comum” continua sendo o alvo do Poder do Estado, o que legitima o agir dos aparelhos

em nome da coletividade e conseqüente manutenção do monopólio da força. Assim me

32

parece que a polícia com enfoque no cidadão (ã), a denominada “polícia cidadã”, atua em

um segundo nível de prioridade, e no conflito de interesses entre Estado e Cidadão, as

instituições do ARE tendem a sua posição ideologicamente definida, ou seja, a defesa do

Poder de Estado.

33

Capítulo 3 – Poder de Polícia e Uso Legal da Força

Poder de Polícia

Segundo De Freitas (1987, p.77-89) o termo polícia abrange a atividade estatal

voltada para a defesa dos interesses da coletividade concernentes à tranqüilidade,

segurança e salubridade pública. É o poder assegurado por lei ao Estado para a defesa do

interesse coletivo, condicionando ou restringindo o uso e gozo de direitos individuais que

afetem o bem estar social em um sentido mais amplo. No Brasil a expressão PODER DE

POLÍCIA teve seu primeiro conceito no Código Tributário Nacional, art. 78:

[...] considera-se poder de polícia a atividade da Administração

Pública que, limitando ou disciplinando o direito, interesse ou

liberdade, regula a prática de ato e abstenção de fato, em razão de

interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos

costumes, à disciplina de produção e do mercado, ao exercício de

atividades econômicas dependentes de autorização do Poder

Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos

direitos individuais e coletivos.(Id. p.80)

A cidadania, disciplinada por princípios jurídicos, expressa vínculo entre Estado e

seus membros, que por um lado implica em submissão às autoridades que exercem

atividades de administração pública e, por outro lado o exercício de direito do cidadão.

O ramo do direito que disciplina a administração pública é o direito administrativo,

os seus poderes instrumentais são os seguintes: poder vinculado, poder discricionário,

poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia.

O direito administrativo proclama a superioridade do interesse da coletividade,

firmando a prevalência dele sobre o do particular. Especificamente, entre os poderes

instrumentais, o Poder de Polícia dá o poder da polícia em agir e é a razão de sua

existência como força pública do Estado.

O Poder de Polícia autoriza a administração pública a exercer os atos coercitivos

necessários a fazer, quando colidentes o interesse geral prevalece sobre os interesse

34

individual, todavia, tem barreiras que caso sejam ultrapassadas levam à arbitrariedade, ao

abuso de poder, ao abuso de autoridade, sujeitando o agente público responsável às

sanções legais de natureza administrativa, criminal e cível. (LAZZARINI, 2001, p.07-30).

Jose Cretelha Junior apud Lazzarini (2001) conceitua polícia como algo concreto

em um conjunto de;

[...] atividades coercitivas exercidas na prática dentro de um grupo

social, o poder de polícia é uma faculdade, uma possibilidade, um

direito que o Estado tem, de através da polícia que é uma força

organizada, limitar as atividades nefastas dos cidadãos [...] O Poder

de Polícia legitima a ação da polícia e a sua própria existência [...]

“( Id. p. 20)

Lazzarini conceitua o poder de polícia como sendo:

Como poder administrativo, o Poder de Polícia, que legitima o poder

da polícia e a própria razão dela existir é um conjunto de atribuições

da Administração Pública, como poder público, indelegáveis aos

entes particulares, embora possam estar a ela ligados, tendentes ao

controle dos direitos e liberdade das pessoas, naturais ou jurídicas,

incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e

atividades, tudo a ser inspirado nos ideais do bem comum.” (Id. p.

21)

Seguindo a linha do autor, o Poder de Polícia possui atributos específicos:

Discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade. A discricionariedade, exercida

dentro dos limites impostos pela lei, é o uso da liberdade legal de valoração das atividades

policiadas, não podendo ser confundida com arbitrariedade, devendo ser observado o que a

lei impõe, como são as hipóteses do artigo quinto da Constituição da República. A auto-

executoriedade do ato da polícia diz respeito a uma decisão e sua execução direta, como

decorrência do próprio poder de polícia, salvo casos em que a norma constitucional

imponha a prévia manifestação do Poder Judiciário. A coercibilidade do ato de polícia é a

imposição coativa das medidas adotadas pela Administração no exercício do Poder de

Polícia, sendo um ato imperativo, obrigatório ao seu destinatário, e quando este opõe

resistência, admite-se até o uso da força pública para o seu cumprimento, inclusive

35

aplicando as medidas punitivas que a lei indique.

Aos atributos citados cabem as recomendações do Comitê Internacional da Cruz

Vermelha quanto à legalidade, necessidade e proporcionalidade da decisão a ser tomada

pelo encarregado da aplicação da lei. Todavia, o Poder de Polícia não é ilimitado, suas

barreiras e limites são entre outros, os direitos dos cidadãos no regime democrático (civis,

políticos, econômicos, sociais, culturais, e ambientais), as prerrogativas individuais e as

liberdades públicas garantidas pelas Constituições e pelas leis.

Abusos policiais relacionados ao poder de polícia

Conforme o sociólogo Túlio Kahn (2002, p.84-85) a democratização do país

ocorrida na última década e o intercâmbio de experiências com polícias de outros países

têm contribuído para a melhora da situação, especialmente no que tange à violência.

Conforme o autor, inúmeros fatores podem ser elencados para explicar a diminuição

relativa da violência policial, num contexto de aumento da criminalidade: criação de

Ouvidorias de polícia nos diversos Estados; julgamento em tribunais civis dos crimes de

homicídio cometidos por policiais militares; a introdução da filosofia de policiamento

comunitário; cursos de direitos fundamentais ministrados a polícias nas academias em

conjunto com organizações não-governamentais; utilização de armamento alternativo para

a repressão de conflitos; mudança de alvo nas academias de polícia; a exigência de

segundo grau para o ingresso na carreira policial em alguns Estados; a divulgação pública

periódica das estatísticas envolvendo a morte de policiais e civis em confrontos;

elaboração dos planos nacional, estadual e municipal de direitos humanos; entre outras.

Lemgruber (2003, p. 212) em pesquisa realizada com policiais da região sudeste,

sobre desvios de conduta, concluiu que:

[...] os policiais tendem a atribuir gravidade maior aos desvios com

motivações econômicas, e relativamente menor àqueles associados à

violência arbitrária ou ao uso excessivo da força contra a população

civil – sugerindo uma internalização dos valores corporativos e dos

códigos disciplinares, que geralmente colocam em primeiro lugar a

garantia da ordem institucional interna e em plano secundário a

proteção da vida e da segurança dos cidadãos. (Id.).

36

Morgado (2001, p.39) se referindo a crimes de policiais contra civis, entende que:

Fatores como descontrole emocional e despreparo técnico parecem

ser, neste contexto, os que menos contam para explicar o fenômeno.

Não se desconsidera que esses funcionários da Segurança possam

agir impulsivamente. Entretanto, há muitos outros fatores que

antecedem essa possível manifestação de subjetividade de um

policial, ou do grupo deles, no momento da ação criminosa [...] há

de se considerar, portanto, que, desde a sua criação, a polícia política

foi treinada para, nos momentos de suspensão dos direitos políticos,

combater um inimigo representado pelos opositores internos.

Portanto o descontrole emocional e despreparo técnico não devem

ser supervalorizados. (Id. p.39-41)

Vários movimentos nacionais e internacionais tentam reduzir a prática arbitrária

nas ações policiais, são resoluções internacionais, tratados, projetos de reforma das

polícias no Congresso Nacional, modificações curriculares. Dentre os diversos

encaminhamentos sobre o tema, destacam-se normas e tratados internacionais adotados no

Brasil para instrumentalizar o uso legal da força através de princípios e modelos.

Uso Legal da Força: Instrumentos para uma Atuação Democrática das Polícias

Neste sub-tema apresento instrumentos legais que visam democratizar a atuação

das polícias em relação ao emprego da força e armas de fogo. Inicialmente com a

Declaração Universal dos Direitos Humanos; em seguida com o Código de Conduta para

Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei; a Convenção Contra a Tortura e

Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Resolução do Oitavo

Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores

com destaque aos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo. O

embasamento jurídico sobre o uso da força é apontado através do Código Penal e Código

Processo Penal Brasileiro. Ao final segue o Modelo de Uso da Força, uma pirâmide de

uso de força crescente, adotado nos cursos policiais no âmbito nacional e internacional.

37

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembléia Geral das

Nações Unidas através da Resolução n. 217 de 10 de dezembro de 1948, e assinada pelo

Brasil, definiu princípios morais e éticos que devem orientar os povos das Nações Unidas.

Dos 30 artigos, com foco nesta pesquisa, destacam:

[...].

Artigo III – Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à

segurança pessoal.

Artigo V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou

castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo IX – Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

(CEPIA, 2001, p. 12-13).

Em 1979 foi criado o Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer

Cumprir a Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 17 de dezembro de

1979, através da Resolução 36/169. Esta resolução é recomendada tendo em vista o

respeito aos direitos humanos e a garantia das liberdades fundamentais de todos os

cidadãos. Dos oito artigos, destacam:

Artigo 1 – Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei

deverão cumprir em todo momento os deveres que lhes impõem a

lei, servindo a sua comunidade e protegendo a todas as pessoas

contra atos ilegais, em consonância com o alto grau de

responsabilidade exigido por sua profissão.

Artigo 2 – No desempenho de suas tarefas, os funcionários

encarregados de fazer cumprir a lei devem respeitar e proteger a

dignidade humana e manter e defender os direitos humanos de todas

as pessoas.

Artigo 3 – os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei

poderão usar a força apenas quando estritamente necessário e na

medida em que seja exigida para o desempenho de suas tarefas.

[...] (CEPIA, 2001, p. 121- 126).

38

Para reforçar o artigo V da Declaração de Direitos Humanos foi estabelecida a

Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n.

34/46, em 10 de dezembro de 1984 e ratificada no artigo 5 da Constituição Federal

Brasileira de 1988. Cada Estado-Parte ficou incumbido de apresentar um relatório de

quatro em quatro anos ao Comitê Contra Tortura da ONU. Entre 33 artigos destacam-se

os seguintes:

[...] Para fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa

qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos e

mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de

obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; [...]

quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário

público [...]. Não se considerará como tortura as dores ou

sofrimentos que seja conseqüência unicamente de sanções legítimas,

ou que sejam inerentes a tais funções ou delas decorram [...] (Id.

p.55-59).

Segundo Rover (1998), em 27 de agosto a 07 de setembro de 1990, foi realizado

em Cuba o Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o

Tratamento dos Infratores, tendo como objetivo proporcionar normas orientadoras aos

Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o papel adequado dos encarregados

da aplicação da lei, com princípios levados em consideração e respeitados pelos governos

no contexto da legislação e da prática nacional, e levados ao conhecimento dos

encarregados da aplicação da lei assim como de magistrados, promotores, advogados,

membros do executivo e legislativo e do público em geral.

O instrumento acima reconhece a importância e a complexidade do trabalho dos

encarregados da aplicação da lei, reconhecendo também o seu papel de vital importância

na proteção da vida, liberdade e segurança de todas as pessoas. Este tratado internacional

encoraja os governos a manterem sob constante escrutínio as questões éticas associadas ao

uso da força e armas de fogo.

39

No congresso da ONU em 1990, foram apresentados os Princípios Básicos sobre o

Uso da Força e Armas de Fogo. Seguem alguns trechos:

1. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem adotar e

aplicar regras sobre a utilização da força e de armas de fogo contra

as pessoas, por parte dos policiais.[...].

2. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem

desenvolver um leque de meios tão amplos quanto possível e

habilitar os policiais com diversos tipos de armas e de munições, que

permitam uma utilização diferenciada da força e das armas de fogo.

[...]

4. Os policiais, no exercício das suas funções, devem, na medida do

possível, recorrer a meios não violentos antes de utilizarem a força

ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força ou a armas de fogo se

outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o

resultado desejado.

5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja

indispensável, os policiais devem:

a) Utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à

gravidade da infração e ao objetivo legítimo a alcançar;

b) Esforçar-se por reduzirem ao mínimo os danos e lesões e

respeitarem e preservarem a vida humana;

c) Assegurar a prestação de assistência e socorros médicos às

pessoas feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível;

d) Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas

próximas da pessoa ferida ou afetada, tão rapidamente quanto

possível.

[...].

9º - Policiais não devem usar armas contra pessoas, exceto para se

defenderem ou defender terceiros contra iminente ameaça de morte

ou lesão grave, para evitar a perpetração de um crime envolvendo

grave ameaça à vida, para prender pessoa que represente tal perigo e

40

que resista à autoridade, ou para evitar sua fuga, e apenas quando

meios menos extremos forem insuficientes para atingir tais

objetivos. Nesses casos, o uso intencionalmente letal de arma só

poderá ser feito quando estritamente necessário para proteger a vida.

10. Nas circunstâncias referidas no princípio 9, os policiais devem

identificar-se como tal e fazer uma advertência clara da sua intenção

de utilizarem armas de fogo, deixando um prazo suficiente para que

o aviso possa ser respeitado, exceto se esse modo de proceder

colocar indevidamente em risco a segurança daqueles responsáveis,

implicar um perigo de morte ou lesão grave para outras pessoas ou

se mostrar manifestamente inadequado ou inútil, tendo em conta as

circunstâncias do caso.

[...].

26. A obediência a ordens superiores não pode ser invocada como

meio de defesa se os policiais sabiam que a ordem de utilização da

força ou de armas de fogo de que resultaram em morte ou lesões

graves era manifestamente ilegal e se tinham uma possibilidade

razoável de recusar-se a cumpri-la. Em qualquer caso, também será

responsabilizado o superior que proferiu a ordem ilegal.

Quanto à legislação brasileira, destacam-se as seguintes leis:

Código Penal Brasileiro:

[...].

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade,

II – em legítima defesa,

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular

do direito.

Código Processo Penal Brasileiro:

[...].

Art. 284 – Não será permitido o emprego de força, salvo a

41

indispensável, no caso de resistência ou tentativa de fuga de presos.

Modelo de Uso da Força Policial

O Modelo de Uso Legal da Força visa a orientar a ação a ser tomada pelo policial

frente a uma reação de uma pessoa cometendo delito ou em situação de fundada suspeita.

“Força é toda intervenção compulsória sobre um indivíduo ou grupo de indivíduos

reduzindo ou eliminando sua capacidade de auto decisão” (SENASP, 2006).

Sobre o Uso Legal da Força a Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP

(2006), apresenta diversos modelos de sobre o uso progressivo da força nos cursos sobre o

tema: FLETC, GILLESPIE e REMSBERG, PHOENIX, NASHVILLE e CANADENSE.

Os modelos variam no nível de força, avaliação da atitude do suspeito e percepção de

risco, variam seus formatos em gráficos, círculos, tabelas e gráficos. No Brasil o modelo

mais utilizado é o FLETC adaptado.

O FLETC, segundo Leão (2001), surgiu em 1992 nos Estados Unidos, o Instituto

de Treinamento Policial da Universidade de Ilinois desenvolveu uma pirâmide de uso de

força crescente, chamada de “Modelo de Uso de Força” adotado nos cursos policiais. Este

modelo envolve a percepção do policial quanto ao agressor em cinco níveis: submissão,

resistência passiva, resistência ativa, agressão física não letal, e agressão física letal; para

cada grau corresponde a ação de resposta do policial contra o agressor na mesma ordem:

controle verbal, controle de contato, controle físico, táticas defensivas não letais e força

letal. Segundo Leão, apesar de bem aceito entre os norte-americanos, esse quadro ainda

deixa dúvidas quanto à percepção do policial em relação à atitude do suspeito.

42

PARTE II – O SISTEMA DE ENSINO DA PMMT E AS BASES

CURRICULARES DO BACHARELADO EM SEGURANÇA PÚBLICA

43

Capítulo 4 – Trajetória do Sistema de Ensino da PMMT

O Sistema de Ensino da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, conforme a Lei

de Diretrizes Básicas da Educação Nacional, possui sistema próprio de ensino, com a

finalidade de proporcionar ao respectivo pessoal a capacitação para o exercício dos cargos

e funções previstos em sua organização, bem como, proporcionar assistência educacional

aos seus dependentes.

O Ensino Profissional na Polícia Militar é ministrado pela Academia de Polícia

Militar aos oficiais (tenente, capitão, major, tenente coronel e coronel), pelo Centro de

Formação e Aperfeiçoamento de Praças (soldado, cabo, sargento e sub tenente).

O Ensino Fundamental compreende o Ensino de Pré-Formação, constituindo o

ensino do Pré-Escolar, 1º e 2º graus, ministrados nos Colégios Tiradentes, visando a

assegurar assistência educacional permanente aos servidores da Corporação, bem como

aos seus dependentes e aos dependentes dos civis, segundo o que estabelecem os

dispositivos regulamentares.

A supervisão, orientação e inspeção do ensino da Polícia Militar são exercidas pelo

Centro de Capacitação Desenvolvimento e Pesquisa (CCDP), que expede normas,

diretrizes e demais instruções para o cumprimento da legislação vigente.

O Ensino Profissional da PMMT compreende três graus: Fundamental, Médio e o

Superior. O Ensino Fundamental constitui-se dos cursos de formação, de especialização e

extensão de cabos e soldados. O Ensino Médio constitui-se dos cursos de formação, de

aperfeiçoamento, de especialização e de extensão de sargentos. O Ensino Superior, com

três ciclos, abrange: o primeiro ciclo, os cursos de formação e especialização, que

capacitam ao exercício de funções privativas de oficial subalterno (tenente) e intermediário

(capitão); o segundo ciclo, o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, que propicie

condições de desempenho de funções de Estado-Maior de nível operacional, e de funções

próprias de oficial superior (major e tenentes-coronel); o terceiro ciclo, o Curso Superior

de Polícia que prepara o oficial para o exercício de funções de alto executivo da Polícia

Militar (coronel).

A Polícia Militar mantêm os seguintes cursos: Curso Superior de Polícia (CSP),

visando à atualização e ampliação de conhecimentos de oficiais superiores habilitando-os

ao exercício de comandos e para os cargos e funções de Coronel da Polícia Militar, com

44

uma carga horária de 780 horas-aula; Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO),

visando ao preparo para o exercício de funções de Oficial do Estado-Maior, com uma

carga horária de 780 horas-aula; Curso de Adaptação para Oficiais, visando ao preparo

funcional de candidatos selecionados para o ingresso no posto inicial do Quadro de

Oficiais de Saúde, com uma carga horária de 780 horas-aula; Curso de Habilitação de

Oficiais aos Quadros de Administração e de Especialistas, visando ao preparo funcional de

candidatos selecionados para ingresso no posto inicial dos Quadros, com uma carga

horária de 1.400 horas-aula; Curso de Formação de Oficiais (CFO), de grau superior,

visando à formação técnico-profissional e humanística necessária ao exercício de funções

inerentes ao Quadro de Oficiais Policiais-Militares (QOPM), com uma carga-horária de

4.410 horas-aula, divididas eqüitativamente em 1.470 para cada um dos três anos do Curso

de Formação de Oficiais; Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), visando à

ampliação e atualização de conhecimentos técnico-profissionais de sargentos, com uma

carga-horária de 780 horas-aula; Curso de Formação de Sargentos (CFS), visando à

formação básica técnico-profissional, necessária ao exercício das diversas funções e

atividades inerentes às graduações de sargentos, com uma carga horária de 1.400 horas-

aula; Curso de Formação de Cabos (CFC), visando à formação básica técnico-profissional,

necessária ao exercício das diversas funções e atividades inerentes às graduações de cabos,

com uma carga horária de 800 horas-aula; Curso de Formação de Soldados, visando à

formação básica técnico-profissional, necessária ao exercício das diversas funções e

atividades inerentes à graduação de soldado, com uma carga horária de 400 horas-aula.

***

A Polícia Militar de Mato Grosso não contava com oficiais diplomados, em 1943

chegaram os primeiros oficiais diplomados nas escolas militares do Rio de Janeiro e São

Paulo. (Projeto Político-Pedagógico da Academia de Polícia Militar, 2003).

O primeiro Curso de Formação de Oficiais ocorreu em 1952 em Cuiabá, no Centro

de Instrução Militar (CIM). Este Centro dispunha de 03 cursos: Curso de Oficiais

Combatentes; Curso de Candidatos a Sargentos e Curso de Candidatos a Cabo.

(Associação de Oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso, 2004).

Até 1960, ano de extinção do CIM, foram formadas 06 turmas totalizando 52

oficiais. A partir de 1967 foram retomados os quadros de oficiais da PMMT com formação

45

nas academias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Devido à falta de efetivo, e

amparada por legislação específica — o Decreto-Lei n.º 667/69 — foram admitidos vários

oficiais oriundos dos Órgãos de Formação de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro.

(Projeto Político-Pedagógico da Academia de Polícia Militar, 2003).

Em 1987, através da Lei n.º 5.177/87, foi criada a Academia de Polícia Militar, que

só passou a operar no ensino de oficiais em 1993. Neste ano, devido à necessidade de

suprir o efetivo, o governo estadual realizou concurso para seleção de oficiais — oriundos

dos Órgãos de Formação de Oficias da Reserva do Exército, porém com a exigência de

possuírem experiência de comando ou função militar — através do curso denominado

Curso Intensivo de Habilitação de Oficiais, com duração de um ano e carga horária de

1.262 h/a. No mesmo período, vários oficiais continuavam a freqüentar academias de

outros estados nos cursos regulares de três a quatro anos.

Na tentativa de gerar uma forma de ingresso único e com a ativação da APM em

1993, foi firmado o primeiro convênio entre Polícia Militar e a Fundação Universidade

Federal de Mato Grosso (FUFMT) objetivando a elaboração e execução de projetos nas

áreas sociais, de pesquisa, da educação e cultura, tendo como cláusulas principais: o

compromisso entre os partícipes na elaboração e execução conjunta de projetos no campo

social, da pesquisa, da educação e da cultura; elaboração de termos aditivos na execução

dos projetos detalhando obrigações; compromisso das partes em ceder pessoal (policiais

militares, professores, técnicos), respeitando os vínculos e regimes trabalhistas, para

participar de projetos e atividades do convênio; autorização da PMMT para que a FUFMT

tenha acesso às informações necessárias ao desenvolvimento das ações; ônus para a

PMMT referente ao custeio das despesas com a elaboração e execução dos projetos;

autorização da PMMT referente à publicação e divulgação dos resultados alcançados;

autorização da FUFM para que a PMMT tenha acesso às instalações. (Convênio n.º

042/2003 - FUFMT)

Em 1994, por ato governamental — Decreto Estadual n.º 3144/93 — foi

inaugurado o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso

(CFO), destinado à formação, em nível superior, de tenentes durante três anos. O ingresso

foi por concurso vestibular promovido pela Universidade Federal de Mato Grosso,

mediante Termo Aditivo ao Convênio n.º 042/2003 - FUFMT.

Em 1996, por resolução estadual, foi declarada a equivalência do CFO ao nível

superior. (Resolução n.º 253/96 do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso) O

46

Parecer n.º 75/93 do Conselho Federal de Educação ao declarar “equivalência” de cursos

militares, que esses cursos têm igual valor acadêmico ao de determinados cursos civis, o

que possibilita aos graduados de estabelecimentos militares certas facilidades de acesso e

de aproveitamento de estudos nas unidades de ensino civil.

Em 2001, através do Parecer do Conselho Nacional de Educação 1295/01 colocou

as ciências militares no rol das ciências estudadas no Brasil.

Em 2003, Parecer do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, mediante

análise do Projeto Polícia Pedagógico, passou a ser conferido ao aluno do CFO o título de

Bacharel em Segurança Pública. Até o ano de 2004 a Academia de Polícia Militar formou

09 turmas do Curso de Formação de Oficiais. (Parecer n.º 428/2003 - CEE/MT).

47

Capítulo 5 – Bases Curriculares Nacionais e o Bacharelado em

Segurança Pública na PMMT

“Espera - se que os encarregados da aplicação da lei tenham a

capacidade de distinguir entre as inúmeras tonalidades de cinza, ao

invés de somente fazer a distinção entre o preto e o branco, certo ou

errado” (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1998).

Inicialmente neste capítulo se analisam comparativamente os currículos antes e

após a implementação das bases curriculares nacionais. É realizado um recorte sobre a

aplicação dos PBUFAF nas disciplinas do bacharelado. Posteriormente são analisadas as

percepções de alunos e educadores sobre o novo modelo curricular proposto.

Partindo do modelo curricular antigo, os alunos da primeira turma do CFO,

denominada “Turma Pioneira” ingressaram em 1994 e foram declarados aspirantes em

1996, cumpriram uma carga horária de 4.410 h/a. Segue no Quadro 1 a grade curricular no

período entre 1994 a 2000.

Quadro 1 – Grade Curricular da Academia de Polícia Militar, MT, Período de

1994 -2000

1. Administração de Recursos

Humanos

2. Administração Financeira e

Orçamentária

3. Armamento Munição e

Explosivos

4. Atividade de Bombeiro

5. Cerimonial e Protocolo

6. Comunicações

7. Correspondência Militar

8. Criminalística

9. Criminologia

10. Defesa Civil

11. Defesa Pessoal *

12. Deontologia

13. Didática

14. Direito Administrativo

15. Direito Ambiental

16. Direito Civil

17. Direito Comercial e do

Consumidor

18. Direito Constitucional

19. Direito da Criança e

Adolescente

20. Direito Penal *

21. Direito Penal Militar

22. Direito processual penal

23. Direito Processual Penal

Militar

24. Economia Geral

25. Economia Política

26. Educação Física Desportiva

27. Educação Física Militar *

28. Emergências e Traumas

29. Estágio Supervisionado *

30. Estatística

31. História da Polícia Militar

32. Informática

33. Inglês

34. Instrução Técnica e Tática de

Combate

35. Inteligência Policial

36. Introdução a Administração

37. Introdução a Comunicação

Social

38. Introdução ao Estudo de

Direito

39. Língua Portuguesa

48

40. Medicina Legal

41. Metodologia Científica

42. Natação

43. Noções de Serviço Social

44. Noções de Topografia Militar

45. Operações de Polícia de

Choque

46. Operações Especiais

Repressiva

47. Oratória

48. Ordem Unida

49. Organização e Métodos

50. Policiamento Florestal

51. Policiamento Montado

52. Policiamento Ostensivo de

Trânsito e Rodoviário

53. Prática Forense

54. Processo Decisório

55. Prova Forense

56. Psicologia Social

57. Regulamento e Normas

58. Repressão as Drogas

59. Segurança Física de

Instalações e Dignitários

60. Sociologia

61. Técnicas Gerais de

Policiamento Ostensivo *

62. Teoria e Prática de Redação

63. Tiro Policial *

Fonte: Plano Geral de Ensino da APMMT, 1995. (*) Maior carga horária

No quadro 1 somam-se 63 disciplinas, com destaque de carga horária das

seguintes disciplinas: técnica policial, disciplinas jurídicas. As disciplinas mais abordadas

durante os três anos foram: técnica geral de policiamento; ordem unida; tiro policial;

educação física; defesa pessoal; direito penal.

***

Conforme documentos oficiais do Ministério da Justiça, a área de segurança pública

vislumbrou um aumento dos índices de violência e apelo da população. Na época foi

desenvolvido um projeto focado no treinamento para profissionais da área de segurança,

integrado ao Subprograma de Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos no

Programa de Modernização do Poder Executivo Federal, realizado entre o Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão - MP e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -

BID. O projeto foi implementado pelo Ministério da Justiça - MJ, apoiado pelo Programa

das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas - UNDCP, que diagnosticou a

necessidade de formação, aperfeiçoamento e especialização de pessoal das polícias

federais e estaduais; desenvolvimento de propostas de compatibilização curricular para

garantir o princípio de eqüidade dos conhecimentos e a modernização do ensino policial.

Consta que o primeiro diagnóstico foi desenvolvido em 1998 e retomado em 1999,

que consistiu na análise externa e interna das organizações policiais. O trabalho apontou

para a redefinição de um perfil desejado para orientar a formação do profissional da área

de segurança do cidadão; delineamento dos cursos, composição de grades curriculares;

novos conteúdos abrangendo policiamento voltado para a relação polícia/comunidade, o

exercício de valores morais e éticos e o fortalecimento dos Direitos Humanos; novas

49

tecnologias em educação.

Após o diagnóstico buscou-se uma homogeneização dos cursos de formação e o

planejamento curricular, com o propósito de assegurar o princípio de eqüidade no processo

de formação, garantindo unidade de pensamento e ações adequadas às necessidades sociais

vigentes.

Competências básicas foram estabelecidas aos profissionais de segurança pública, tais

como:

- Facilidade de apreensão;

- flexibilidade de raciocínio;

- objetividade;

- método/ Senso de organização;

- espírito de observação;

- faculdade de expressão oral e escrita;

- capacidade de interpretação;

- caráter responsável;

- capacidade para prevenir e adaptar - se a

novas situações;

- percepção discriminativa e diferencial;

- reação rápida a estímulos;

- estabilidade emocional;

- capacidade de direção / espírito de

coordenação;

- iniciativa;

- sociabilidade;

- memória associativa de nomes, fatos e

fisionomias;

- discrição acentuada em assuntos

confidenciais;

- vigor físico;

- eficiência sob esforço físico intenso e

prolongado;

- entusiasmo profissional;

- lealdade;

- devotamento;

- capacidade de compartilhar informações;

- capacidade de trabalhar em equipe;

- capacidade de resolver conflitos.

A base curricular foi composta por uma base comum e uma diversificada. A base

comum para todos os cursos de formação, constituída de disciplinas que congreguem

conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, inerentes ao perfil desejado do

profissional da área de segurança do cidadão, reunidas em seis áreas de estudos: missão do

policial, técnica policial, cultura jurídica, saúde do policial, eficácia pessoal, linguagem e

informação, norteadas por seis temáticas centrais: cultura - sociedade - ética - cidadania -

Direitos Humanos - controle das drogas, que deverão perpassar as teorias e práticas a

serem trabalhadas, bem como, o processo de ensino e de aprendizagem dos cursos de

formação. A base diversificada seria formulada por cada centro de ensino com o objetivo

50

reunir disciplinas que atendam as características específicas de cada curso de formação e

as peculiaridades regionais.

***

Por conta das Bases Curriculares Nacionais, em 2001 na Academia de Polícia

Militar de Mato Grosso realizou uma revisão na matriz curricular com a presença de

professores e instrutores, buscou-se desenvolver a interdisciplinaridade e transversalidade

entre os conteúdos distribuídos em uma carga horária de 4.780 h/a, conforme Quadro 2.

Foram criadas seis áreas de estudo: missão, técnica, cultura jurídica, saúde,

eficácia, linguagem e informação. O conteúdo da base comum possui 11,30% voltadas

para missão policial (filosofia, política, sociologia, ética e cidadania, psicologia), 17% para

técnica policial (tiro, defesa pessoal, operações policiais, técnicas gerais de policiamento),

23,22% de cultura jurídica, 3,77% de saúde física e mental, 9,41% para eficácia pessoal

(gestão, relações interpessoais), 16,11% para linguagem e informação (didática, estatística,

idiomas, pesquisa, informática), 5,54% para estágio e 11,40% para atividades

complementares. As áreas temáticas englobam cultura, sociedade, ética, cidadania, direitos

humanos e controle de drogas.

Quadro 2 - Matriz Curricular da Academia de Polícia Militar, MT, 2001.

Disciplinas: Missão Policial - 540 h/a - 11,30%

1. Fundamentos: Estado, Política de

Segurança *

2. Ciência Política *

3. Filosofia *

4. Sociologia Geral

5. Psicologia Social da Violência

6. Noções de Serviço Social

7. Sociologia do Crime e da Violência

8. Ética e Cidadania

9. Fundamentos da Polícia Comunitária *

10. Gestão de Qualidade *

Disciplinas: Técnica Policial - 860 h/a - 17,99%

1. Arma de Fogo, Munição e Explosivo

2. Bombeiro Militar e Defesa Civil

3. Defesa Pessoal

4. Emergências e Traumas

5. Técnicas Gerais de Policiamento

10. Medicina Legal

11. Policiamento de Trânsito

12. Drogas e Entorpecentes

13. Segurança Física de Instalações e

Dignitários

51

6. Tiro Policial

7. Criminalística

8. Instrução Tática de Combate e

Topografia

9. Natação Utilitária

14. Inteligência Policial

15. Operações de Alta Complexidade

16. Polícia Judiciária e Prática Forense

17. Polícia Ambiental

Disciplinas: Cultura Jurídica - 1.110 h/a - 23,22%

1. Introdução ao Estudo de Direito

2. Direito Constitucional

3. Direitos Humanos e Cidadania *

4. Regulamento e Normas

5. Criminologia

6. Direito Administrativo

7. Direito Civil

8. Direito Penal

9. Direito Processual Penal

10. Direito Ambiental

11. Direito da Criança e do Adolescente

12. Direito Penal Militar

13. Direito Processual Militar

Disciplinas: Saúde Policial - 180 h/a – 3,77%

1. Educação Física Militar

2. Saúde Física

3. Natação

4. Saúde Psicológica

Disciplinas: Eficácia Pessoal - 450 h/a - 9,41%

1. Introdução à Administração

2. Organização, Sistemas e Métodos

3. Relações Interpessoais *

4. Gestão de Logística

5. Planejamento e Gestão

6. Gestão de Pessoas

7. Gestão de Recursos Públicos

8. Processo Decisório

9. Gerenciamento de Crises *

Linguagem e Informação - 770 h/a - 16,11%

1. Didática

2. Estatística

3. Informática

4. Língua Espanhola *

5. Língua Portuguesa

6. Metodologia Científica

7. Correspondência PM

8. Comunicação Social

9. Língua Inglesa

10. Pesquisa (Prática)

11. Telecomunicação

12. Monografia

Estágio - 265 h/a - 5,54%

1. Planejamento e Coordenação

2. Execução de Estágio

3. Análise de Resultados

52

Atividades Curriculares - 545 c/h - 11,40

1. Disposição da Direção

2. Atividades de Ensino

3. Orientação Educacional e Psicológica

4. Cerimonial e Protocolo

5. Saúde: Jogos Acadêmicos

6. Ordem Unida

7. Visita e Viagem de Estudo

Fonte: Plano Político Pedagógico da APMMT, 2003; * novas disciplinas curriculares.

Analisando o novo currículo em relação ao anterior, foram acrescentadas onze

disciplinas, as principais inovações foram na inclusão de: Fundamentos: Estado, Política

de Segurança; Ciência Política; Filosofia; Direitos Humanos e Cidadania; Relações

Interpessoais; Língua Espanhola; e Monografia. Isso indica que do antigo currículo mais

se acrescentou do que supriu, pois só ficaram ausentes as seguintes disciplinas: História da

Polícia Militar; Economia; Oratória e Direito Comercial e do Consumidor.

Enquanto o currículo velho enfatizava técnicas policiais e cultura jurídica, o novo

currículo enfatizou cultura jurídica e linguagem e informação. A área denominada missão

policial se preocupou em situar os alunos em aspectos filosóficos, sociais, políticos,

psicológicos e assistenciais. Na área técnica policial mantiveram-se as mesmas disciplinas

do antigo currículo, apesar de menor ênfase em carga horária.

***

Em relação aos PBUFAF foram contemplados nas disciplinas: Arma de Fogo;

Defesa Pessoal; Direitos Humanos; Ética e Cidadania. Tais disciplinas abordam métodos e

técnicas utilizadas pelos profissionais da área de segurança do cidadão, bem como a

integração entre as diversas áreas de conhecimento e as especificidades presentes, dentro

do pressuposto da atuação destes profissionais de forma integrada e eficiente, além de sua

adequação aos requisitos colocados pelo Estado de Direito democrático.

A disciplina Arma de Fogo capacita os discentes a recorrer ao uso da arma de fogo

dentro dos princípios da legalidade, segurança - própria e de terceiros - e da

proporcionalidade; e desenvolver habilidades para montar, desmontar, manejar e utilizar o

armamento convencional disponibilizado pela força policial. As armas de fogo devem ser

usadas somente como último recurso, depois que outros meios forem tentados e falharem,

53

ou quando, em razão de circunstâncias, o recurso aos referidos meios não deixa entrever

qualquer possibilidade de êxito, garantindo assim justificativa legal para seu emprego. A

bibliografia sugerida aponta para os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e

Armas de Fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei.

A disciplina Defesa Pessoal desenvolve técnicas não letais de defesa, controle e

imobilização, segundo o princípio da proporcionalidade. As técnicas e táticas de defesa

pessoal, quando possível, devem ser empregadas após o uso de outros meios e

instrumentos mais brandos de forma haver proporcionalidade entre a situação real e os

meios disponíveis para fazer com que a lei seja cumprida. Toda a ação policial deve ser

permeada pelo princípio da legalidade e moralidade.

Direitos Humanos, outra disciplina da Base Curricular, também aborda que os

profissionais da área de segurança do cidadão devem ter como pano de fundo de suas

ações a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Código de Conduta para

Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, Princípios Básicos Sobre o Uso da

Força e Armas de Fogo, Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais, e o Pacto Internacional pelos Direitos Civis e Políticos, possibilitando assim que

seus atos possam corresponder aos princípios ético, legal e técnico na promoção e proteção

dos direitos fundamentais do cidadão (vida, integridade física e a dignidade), mediante

alternativas que busquem a negociação, mediação, persuasão e resolução de conflitos, sem

a extrema necessidade do uso da força ou de armas de fogo.

A disciplina Ética e Cidadania, em uma percepção mais filosófica, consta

apontamentos sobre o uso da força e arma de fogo, de forma ética e legal. O código de

conduta para funcionários encarregados de fazer cumprir a lei. Consta nas referências

bibliográficas as resoluções da Organização das nações Unidas e Cruz Vermelha

Internacional. A disciplina ética e cidadania, os apontamentos bibliográficos foram

superiores às demais disciplinas.

***

Para identificar a percepção dos educadores, realizei uma entrevista semi-

estruturada com profissionais que atuaram em nível nacional e regional na elaboração e

implementação das bases curriculares no âmbito da APM. Os entrevistados responderam

54

sobre o processo de criação da base curricular nacional e seus avanços na Academia de

Polícia Militar Costa Verde a partir do ano de 2001.

Visando entender a concepção original da Base Curricular Nacional, em entrevista

com Bernadete Cordeiro ― pedagoga e consultora organizacional da Secretaria Nacional

de Segurança Pública, coordenou o projeto de elaboração da Base Curricular Nacional

para os Profissionais de Segurança Pública ― recortamos os seguintes posicionamentos:

[...] As bases buscavam a criação de um currículo comum e que

pudesse trazer uma unidade de pensamento das diversas polícias

brasileiras [...]

[...] O estudo tinha como base conceitual uma linha filosófica

educacional pautada em alguns eixos de construção do

conhecimento com autores conhecidos como Piaget e o brasileiro

Libaneo, este também fala do processo de apreensão e aplicação do

conhecimento. Na época tínhamos também o relatório da UNESCO

sobre as dimensões do aprender: saber, saber fazer e querer fazer

[...].

[...] Quanto ao currículo elaborado, uma das coisas que podemos

contar como avanço foi a inclusão da disciplina de direitos humanos

e uma outra disciplina que é a abordagem sociológica e psicológica

da violência, visando estudar violência de forma mais ampla e não

apenas a violência do ponto de vista de escolas forense [...].

[...] Ocorreram modificações nas bases após 2003, mas por mudança

de governo em virtude do novo Plano Nacional de Segurança

Pública, com novas percepções ideológicas sendo que as bases

foram substituídas pela Matriz Curricular Nacional, que a partir de

2003 serve de diretrizes, referencial, norteadores para a formação

dos profissionais de segurança pública nos Estados da Federação

[...].

55

O entrevistado Almir Balieiro ― coronel aposentado da Polícia Militar de Mato

Grosso, mestre em Educação, foi o comandante da Academia de Polícia Militar Costa

Verde no período de 2000 até o primeiro bimestre de 2003 ― contribuiu com alguns

relatos sobre a formação:

[...] O governo federal apresentou uma proposta diferente onde se

buscavam novas competências que permitissem uma interlocução

maior com a sociedade e assim buscou-se em Mato Grosso, um

modelo pedagógico para contemplar novas competências [...].

[...] A proposta era desviar o foco das ações militares, como enfoque

de guerra, de combater o inimigo, tanto que se referia ao policial

como guerreiro [...].

[...] Os novos oficiais precisavam ser levados a refletir, a pensar,

pesquisar e poder argumentar, o aluno deveria produzir

conhecimento [...].

[...] O perfil do aluno passou a ser mais crítico e participativo, isso

era algo positivo, passou-se a ter mais liberdade, algumas aulas eram

desenvolvidas dentro da Universidade Federal de Mato Grosso, isso

foi polêmico, muito diziam que os alunos estavam sendo

apaisanados [...].

Sobre a nova formação dos oficiais, a educadora Regina Lúcia Borges de

Araújo ― pedagoga, foi coordenadora pedagógica da Academia de Polícia Militar Costa

Verde durante nove anos, no período de 1995 até o primeiro bimestre de 2003 ―

proporcionou as seguintes contribuições:

[...] O foco era aproximar o policial da sociedade dentro de um novo

perfil, diferente do exército, sem o preparo de guerra, pois isso fazia

com que o policial tivesse uma visão de combater o inimigo [...].

56

[...] O Ministério da Justiça fazia parcerias com instituições

internacionais e nacionais para realizar pesquisas na área

educacional, e essas pesquisas citam que o modelo de polícia já não

servia mais [...].

[...] Trabalhamos na academia com a questão do ser, aprender a ser

e agir, às vezes você até sabe o que é o certo, mas não tem a atitude

correta, e isso não se dá simplesmente uma mudança de currículo,

mas de atitude [...]

[...] A questão curricular não é suficiente, pode-se formar ótimos

alunos, se cair na mão de profissionais que têm outro tipo de

comportamento não adianta, é preciso acompanhamento [...].

[...] O currículo levou em conta a construção do conhecimento, e não

apenas a reprodução do conhecimento, o aluno precisa ser crítico

[...].

Quanto à percepção dos alunos durante o processo de formação, recorro a

monografia elaborada por cinco formandos da turma de 2003, também sujeitos desta

pesquisa, estes apontam disparidades entre o que propunha a base curricular da SENASP e

o currículo da academia. O grupo de trabalho percebeu desequilíbrio entre as disciplinas

ministradas e observaram que disciplinas com foco nas atividades do policial militar não

foram priorizadas. Vejamos:

[...] a grade curricular da APMCV direciona apenas 17% de sua

carga horária para as disciplinas na área técnica policial, ao passo

que direciona 23% do total da carga horária para as disciplinas

jurídicas, isto traduz em um maior preparo jurídico em detrimento

do técnico policial, o que é o maior ofício do policial militar [...]. Há

que se priorizar a área técnica policial em detrimento àquelas

relativas à atividade policial. Desta forma, o currículo formará

policiais mais preparados dentro das técnicas policiais, o que se

57

traduziria em uma maior qualidade na prestação de serviços à

sociedade. (CABELHO, G. P. et al. 2003).

***

Analisando as informações curriculares do antigo modelo em relação ao novo

currículo do curso de Bacharelado em Segurança Pública, e considerando também as

contribuições dos sujeitos e as entrevistas com os educadores já apontados, visualizo um

grande esforço na tentativa de melhorias na formação através das novas bases curriculares.

Porém, notam-se contradições de percepções entre educadores e alunos, por um

ângulo os educadores dando mais ênfase ao ser humano mais crítico e participativo através

da inclusão de disciplinas humanizantes, e, por outro ângulo, os sujeitos apontando

disparidades e desequilíbrio entre as disciplinas ministradas, dada a ênfase ao

conhecimento jurídico e pouca prioridade às disciplinas do ofício de polícia.

58

PARTE III - JOVENS EGRESSOS DO BACHARELADO EM

SEGURANÇA PÚBLICA E O USO LEGAL DA FORÇA (2001-2003)

59

Capítulo 6 – Perfil da Juventude no Brasil e no CFO

Neste capítulo abordo alguns conceitos sobre a condição juvenil e relaciono o perfil

do jovem em geral ao jovem que ingressa no Curso de Formação de Oficiais.

O primeiro desafio é categorizar juventude, segundo Abramo (2005) juventude é

um desses termos que parecem óbvios, dessas palavras que se explicam por si mesmas.

Todavia, vários autores conceituam juventude em dimensões legal, cultural e histórica.

Abramo relativiza o conceito por meio de um recorte sociológico e cronológico. Em sua

concepção:

[...] muitos dos estudos recentes tem sido feitos sobre os modos de

transição para a vida adulta, cuja finalização, classicamente, guarda

os seguintes marcos: deixar a escola; começar a trabalhar; sair da

família de origem; casar e formar um novo lar (e ter filhos).

Contudo, tais estudos têm mostrado modificações nestes processos,

trazidas em grande parte pelas mudanças no mundo do trabalho e

nas possibilidades e padrões de inserção no mundo adulto.

(ABRAMO, 2005, p. 44).

O grupo de idade tomado na pesquisa, de 15 a 24 anos, é que vem se

tornando convenção, no Brasil, para abordagem demográfica sobre

juventude, pois corresponde ao arco de tempo em que, de modo

geral, ocorre o processo relacionado a vida adulta. (Id. p. 45)

Para Morgado (2007, p.38), a juventude é uma categoria universal, mas não é

homogênea “considerar suas peculiaridades regionais, comportamentais, culturais e

políticas é condição fundamental no desempenho das ações voltadas para esse segmento

populacional”.

Em uma pesquisa nacional com o tema Perfil da Juventude Brasileira realizada em

1999 e publicada por Abramo e Branco (2005) revela a percepção da juventude entre 15 a

24 anos. Em síntese, os jovens brasileiros, uma minoria possui curso superior, apenas 36%

estão inseridos no mercado de trabalho e por necessidade, a maioria possui renda familiar

60

abaixo de 10 salários mínimos, vivem na cidade, tendem ao catolicismo, 69% se

consideram brancos ou pardos, 78% são solteiros e não possuem filhos, 48% moram com

os pais, se preocupam com a segurança e o emprego, as melhores amizades foram

formadas na escola ou no bairro, a maioria estuda em escola pública, não costumam

participar de grupos de jovens, 40% consideram que os direitos dos presos e bandidos

devem ser respeitados, a metade considera a política importante, a maioria nunca fumou e

nunca usou drogas como maconha e cocaína, mais da metade costuma tomar bebida

alcoólica, 75% apóiam a redução da maioridade penal, 80% nunca foram vítimas de

assalto, mas 77% já tiveram algum contato com arma de fogo. Quanto aos direitos de

cidadania, 34% já foram humilhados ou discriminados, 7% já sofreram violência familiar.

Quanto ao lazer nos finais de semana costumam encontrar amigos, ouvir rádio, assistir

televisão e namorar. Os tipos musicais favoritos são sertanejo, rock, pagode e axé. Quanto

à sexualidade 63% possuem parceiros sexuais estáveis, sendo que 59% usam camisinha

para evitar doenças ou gravidez.

***

Isto posto, o universo de jovens brasileiros, mato-grossenses em particular, acredita

que a vida vai melhorar, principalmente em virtude do estudo e do trabalho. Uma das

opções de melhoria de vida é a opção de ingresso na vida pública, o que corresponde a 3%

dos jovens que compõem a população economicamente ativa. Na capital de Mato Grosso,

muitos jovens civis com idade requisitada entre 17 a 24 anos, das diversas regiões do

Estado, almejam ingressar na carreira policial militar como oficiais. Todavia esbarram no

processo seletivo, que além da alta concorrência, estabelece critérios rigorosos no sentido

de selecionar 20 candidatos anualmente.

[...] o CFO incorporará jovens selecionados com aptidões policiais

militares, e continuará a selecioná-los em 03 (três) anos [...] através

de aprimorada educação [...] visa escolher os melhores, entre os

pretendentes e engloba os aspectos intelectual, físico,

médico/odontológico e psicológico. (Decreto Estadual n. 3144 de 06

de julho de 1993)

61

Quanto ao perfil sócio-econômico dos alunos aprovados no CFO (UFMT, 2006), a

maioria são cuiabanos, brancos e pardos, solteiros, freqüentaram escola particular em

Cuiabá e Várzea Grande em ensino regular, alunos em cursos matutinos, realizaram curso

pré-vestibular, buscam formação profissional voltada para o trabalho devido suas aptidões

pessoais e ocupação do mercado de trabalho, a maioria nunca trabalhou, procuram

atendimento médico na rede particular, usam micro computadores, residem em casa

própria com uma renda familiar entre 5 a 15 salários mínimos. Não fumam, mas bebem

eventualmente.

No quadro a seguir comparo alguns aspectos do perfil da juventude brasileira aos

jovens que ingressam no CFO. Nota-se que as idades se aproximam quando comparadas,

porém os jovens do CFO possuem vantagens sociais e econômicas, principalmente em

relação à escola, trabalho, renda familiar e acesso tecnológico.

Quadro comparativo entre os perfis dos jovens do Brasil e jovens do CFO

Categorias Jovens no Brasil Jovens no CFO

Faixa etária

Solteiros (moram com familiares)

Sem filhos

Nunca Trabalharam

Freqüentaram escola pública

Renda familiar acima de 10 salários mínimos.

Consideram-se de cor branca ou parda.

Não fumam.

Já ingeriram bebida alcoólica

Usam Internet

15 a 24 anos

78%

78%

32%

89%

5%

69%

74%

68%

17%

17 a 24 anos

100%

100%

66%

27%

33%

83%

100%

61%

94%

Fonte: Abramo, Branco (2005); UFMT (2006)

A carreira, via CFO, se enquadra em uma busca de melhor perspectiva funcional,

mas devido à alta competitividade, sobressaem aqueles jovens que tiveram maiores

oportunidades de estudar e não foram empregados precocemente no mercado de trabalho.

O painel apresentado se enquadra na pesquisa de Branco (2005) que revela que os

62

jovens em sua maioria são indivíduos relegados ao preenchimento de posições

ocupacionais de baixa qualidade, ostentando vínculos precários e de menos remuneração,

situados na camada inferior do setor informal, há evidências de uma procura de ocupações

pelos jovens, prejudicada pelo pouco preparo educacional e profissional em um mercado

cada vez mais excludente e competitivo.

Sobre o mercado de trabalho e altas taxas de desemprego juvenil, Morgado e

Sanches (2006) entendem:

São muitas as razões que dificultam ao jovem a conquista de um

emprego, entre os quais sobressaem as dificuldades estruturais

impostas pelo padrão de crescimento econômico pouco generoso na

geração de oportunidades, principalmente para aqueles que possuem

escassa experiência profissional e, muitas vezes, com escolaridade

inferior à requerida, pois o processo de formação foi interrompido

sem que tivessem completado o ciclo escolar compatível à sua faixa

etária. (Morgado e Sanches, 2006, p. 12).

À luz das evidências acima, entendo que os jovens do CFO são oriundos da classe

média e ingressaram na carreira policial militar devido a base de apoio familiar em relação

aos estudos e ao trabalho. Conforme Bourdieu (1992, p. 218) “o ensino superior tende a

ser reservado às classes mais favorecidas economicamente, estabelecendo e reconstruindo

uma hierarquia social”.

Conforme a Fundação Perseu Abramo – FPA (2006), um aspecto ideológico

comum a qualquer classe média é a idéia de que os filhos possam ter uma vida melhor que

seus pais. Essa esperança de que o futuro possa ser melhor que o presente, ou o passado é

considerada por alguns autores a sua principal marca.

No Atlas da Nova Estratificação Social no Brasil organizado por Pochmann (2006)

apud FPA (2006), a classe média:

[...] destaca-se por posições altas e intermediárias tanto na estrutura

sócio-ocupacional como na distribuição pessoal da renda e riqueza.

Por conseqüência, a classe média termina sendo compreendida como

63

portadora de autoridade e status social reconhecidos, bem como

avantajado padrão de consumo [...] Em valores de 2005, o piso e o

teto da renda mensal das famílias de classe média equivaleria a R$

1.556,00 e R$ 17.351,00 respectivamente. (POCHMANN, 2006

apud FPA, 2006)

Do ponto de vista econômico (poder de compra e renda familiar), a Associação

Brasileira de Empresas de Pesquisa – ABEP elaborou um estudo denominado Critérios de

Classificação Econômica no Brasil (2003), que estratifica a população brasileira em sete

classes econômicas: A1 (acima de 32,47 salários mínimos); A2 (acima de 19,36 salários

mínimos), B1 (acima de 11,68 salários mínimos), B2 (acima de 6,95 salários mínimos), C

(acima de 3,86 salários mínimos), D (acima de 1,76 salários mínimos) eE (acima de 0,86

salários mínimos). As classes A1 e A2 são consideradas elite e classe alta. As classes B1,

B2 e C integram a classes média-alta, média e média-baixa. As classes D e E compõem a

classe baixa à linha da pobreza.

Considerando que os jovens que ingressam no CFO possuem renda familiar entre 5

e 15 salários mínimos, já se enquadravam economicamente entre as classes B1, B2 e C.

Ao que tudo indica, a carreira de oficial tende a aumentar o horizonte social dos jovens

tenentes, sendo que estes poderão conquistar autoridade e status social e ao longo da vida

profissional atingir a classe A2, com renda acima de 20 salários mínimos.

Após análise dos dados deste capítulo, concluo que os jovens tenentes cuiabanos e

interioranos, filhos da classe média que migrou para Mato Grosso, tendem a ingressar no

CFO atendendo uma expectativa pessoal e familiar de boa ocupação no mercado de

trabalho, apostando num futuro promissor.

A historiadora mato-grossense Elizabeth Madureira Siqueira, retrata o jovem mato-

grossense do século XIX quando retornava dos estudos realizados as parcas faculdades do

sudeste do império:

[...] de lá cada qual rumava para o seu destino. Anos se passavam e

os jovens poucas vezes retornavam à sua terra natal durante o

período de estudo, preferindo regressar definitivamente quando

formados. Novamente se reproduzia a emocionante cena no Porto de

64

Cuiabá, agora com familiares e amigos despojados de lenços, mas de

braços abertos para recepcioná-los. (SIQUEIRA, 2006, p. 8)

Já neste século não temos a cena do Porto de Cuiabá, mas ao final do curso de

formação de oficiais, os jovens agora chamados aspirantes, são recepcionados pela família

e amigos em estilo festivo, com trajes de gala, espadas prateadas e ao som de valsa

caminham singularmente.

O território do jovem oficial não é mais a Academia, mas sim o território mato-

grossense próximo de tudo e de todos.

65

Capítulo 7 – A Formação e Atuação dos Tenentes sobre o Uso Legal da

Força

Egressos dos Cursos de Formação de Oficiais

Este capítulo é resultado das entrevistas realizadas com os egressos do CFO sobre o

uso legal da força, no período de formação e atuação policial. Os entrevistados são

identificados através de uma letra do Alfabeto Fonético Internacional, usado

costumeiramente no âmbito das instituições militares ao citar letras do Alfabeto a fim de

se evitar ruídos de comunicações de rádio, “Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo, Fox, Golf

[...]”.

O entrevistados já atuam nas ruas como comandantes de tropa, formaram em 2003,

possuem três anos de prática policial. São jovens com idade entre 22 a 27 anos, alguns já

casaram, apenas um entrevistado possui filhos, a renda familiar daqueles que já se casaram

varia entre até R$5.000,00, aqueles que moram com os pais a renda familiar chega a

R$10.000,00.

A seguir consta a análise de vários trechos das entrevistas, sendo que cada pergunta

foi transformada em um tópico, constam as respostas, uma a uma, dos entrevistados dentro

de cada tópico, com citação diretas e indiretas.

***

− Sobre o que o egresso aprendeu no Curso de Formação de Oficiais (C.F.O.) sobre

Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (P.B.U.F.A.F.).

Alfa entende que a força tem que ser proporcional a ação do oponente, e que o uso

da arma de fogo emprega-se somente quando esgotados todos os recursos de neutralização

quer pela verbalização, técnicas de imobilização. Bravo entende que ficou muito vago o

contato com a doutrina e o uso do armamento, mas buscou pesquisar sobre o assunto,

quanto ao uso de arma somente para defender a si e a terceiros, porém de forma

proporcional à ação do agressor. Charlie aprendeu os conceitos sobre uso da força e

entende que mais importante que atirar é saber quando atirar. Delta aprendeu que, o

66

emprego da arma de fogo em uma abordagem deve ser utilizada em último caso visando

defender a integridade física própria ou de terceiros e discorreu sobre os diversos níveis de

força. Echo aponta que o uso da força deve ser moderado e sempre proporcional.

− Sobre onde e como surgiu os P.B.U.F.A.F. E se foi citado no curso.

Alfa não se recorda. Bravo disse não saber. Charlie ouviu falar, mas não se lembra

onde surgiu, mas que havia aprendido nas aulas de direitos humanos. Delta não se recorda

onde surgiu, no curso discutia-se muito sobre direitos humanos, mas já pesquisou sobre o

assunto. Echo não se lembra.

− Verifica em quais disciplinas do curso o egresso estudou P.B.U.F.A.F. E qual o

enfoque.

Alfa estudou na disciplina de Técnicas Gerais de Policiamento com 60 h/a, Direitos

Humanos com 30 h/a, Tiro Policial com 90 h/a. Na primeira disciplina citada foi enfocado

o uso da verbalização e técnicas de imobilização, na disciplina de Tiro Policial foi visto o

momento do emprego da arma de fogo, e em Direitos Humanos estudou tipos de

abordagem policial. Alfa entende que, a carga horária das disciplinas citadas deveria ser a

maior do curso, ao invés de disciplinas como Espanhol e Inglês que possuíam carga

horária de 120 h/a cada, além disso, a assimilação de conteúdos era difícil pelo fato de as

disciplinas serem constantemente interrompidas em sua seqüência, tinha-se uma aula e

depois de algum tempo, às vezes semanas, se retomava o conteúdo. Bravo se recorda que

estudou os princípios nas disciplinas de Armamento e Explosivos e em Técnicas Gerais de

Policiamento. O enfoque foi em emprego da força proporcional, seguindo os princípios da

necessidade, legalidade e proporcionalidade. Charlie estudou nas disciplinas de Tiro,

técnicas gerais de policiamento, direitos humanos, operações de alta complexidade, em

técnicas de imobilização e uso de tonfa (bastão policial). Na parte de tiro era comentado

que o uso de armamento letal teria que ocorrer somente quando sofresse uma agressão

injusta. Na técnica geral de policiamento o enfoque iniciava com a parte da abordagem

com o uso da verbalização, emprego de força física e uso letal da força, Charlie lembra

também que muito se discutia sobre o uso de gás, sobre sua proibição ou uso, porém o

egresso entende que o uso do gás atende tratados internacionais de direitos humanos que

67

prevêem o uso de agentes químicos pelos agentes de segurança como alternativa não letal.

Na disciplina Operações de Alta Complexidade, o enfoque foi o uso progressivo da força

dentro das alternativas táticas de negociação e emprego de agentes menos que letal. Na

disciplina Técnicas de Imobilização e Uso de Tonfa, também abordava-se o uso

escalonado da força, iniciando na verbalização. Exceto a disciplina de Imobilizações

Táticas, todos os demais instrutores eram policiais militares. Delta se recorda ter

aprendido na disciplina de Policiamento Ostensivo Geral durante os três anos, e que essa

matéria procurava-se conciliar legalidade através do que se aprendia em Direito Penal e

Constitucional, quando estudava o uso da algema o instrutor questionava sobre a

legalidade na ação e as situações de emprego de força. Segundo Delta o instrutor sempre

colocava vários casos reais e a questão de que existem diversos níveis de abordagem e

dentro do policiamento ostensivo geral, existe diferenciação entre uma abordagem no

trânsito em relação a uma abordagem de uma força tática, diferente da abordagem em

rodovias e em policiamento ambiental. Echo se recorda que estudou os princípios nas

aulas de Direito Penal em virtude de o instrutor ser militar e nas aulas de tiro. Que Direito

Penal era mais voltado para o uso da força quanto a legalidade da ação policial, e a

disciplina de Tiro mais voltado para utilização da arma de fogo. Segundo Echo, nas

matérias de Direito Penal sempre se discutia o uso de algemas e imobilização, e a

utilização das armas de fogo era mais abordada nas aulas de Tiro.

− Conhecimento sobre o Modelo de Uso da Força.

Alfa disse conhecer o modelo de uso da força, mas não se recorda,

categoricamente, dos níveis. Bravo disse ter aprendido, mas não se recorda bem, justificou

dizendo que esse assunto não foi muito difundido, e que as cargas horárias de disciplinas

como espanhol e inglês eram superiores às disciplinas específicas de polícia, estas

possuíam 90 h/a enquanto aquelas 120 h/a. Charlie disse conhecer e citou a verbalização,

uso de força física e bastão policial, uso de agentes menos que letal e uso da arma letal,

sendo um total de quatro níveis. Que em uma especialização aprendeu o seguinte modelo:

verbalização, uso da força física, uso do bastão policial e outros equipamentos (rede e

espuma), uso de agentes químicos (gás), depois uso de munições menos que letais

(munição anti-motim, de impacto controlado, pistola taser) e por último o emprego de

arma com munição letal. Delta disse conhecer, e discorreu sobre a verbalização, contato

68

físico e visual, contato mais coercitivo através da força física. Echo disse que pode até

conhecer, mas não como apresentou o entrevistador, que estudou na academia e

posteriormente no manual de policiamento ostensivo de Minas Gerais.

− Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a

verbalização e possíveis exemplos.

Alfa emprega em todas as circunstâncias de abordagem, o primeiro nível sempre

deve ser tentado, para que a partir daí possa evoluir para os demais níveis. Um exemplo

que vivenciado foi quando um homem tomou o próprio filho como refém e que após três

horas de abordagem verbal fora resolvida a crise, sendo o filho entregue sem que fosse

necessário o avanço aos demais níveis de força. Acrescenta que a maioria das ocorrências

mal sucedidas por parte das guarnições policiais se dá em face ao mau uso desse primeiro

nível de força. Na maioria das ocorrências de desacato, desobediência e resistência houve

falhas quanto à argüição da guarnição para com a pessoa a ser abordada. Alfa afirma que a

verbalização é o nível mais importante, pois evita conseqüências danosas durante as

ocorrências. Bravo verbaliza no momento de abordar o cidadão quando ele não oferece

resistência nenhuma, optou por um exemplo genérico de quando um cidadão recebe ordem

do policial para levantar as mãos e colocá-las na parede e não tendo resistência procede a

uma revista. Charlie entende que há diversas situações de verbalização, é a primeira ação

policial, uma ação sempre tem que passar pela verbalização em todas as situações.

Também optou por um exemplo genérico, ao se cumprir um mandado de prisão, que após

lido, a pessoa não oferece resistência à condução. Delta já partiu para um exemplo prático

vivenciado, onde ele e sua equipe abordaram um veículo onde os ocupantes eram

suspeitos de quebrar um bar e ameaçar um comerciante e que estariam armados, na

abordagem foi feita a verbalização para que eles fossem para a parede, não ofereceram

resistência, no veículo acharam uma pistola e durante a ocorrência descobriram que só

ocorreu um desentendimento, um dos ocupantes do veículo era policial e a denúncia era

infundada sobre disparo de arma de fogo e agressão física. Echo entende que a

verbalização é o mais comum em abordagens a suspeitos, tão comum que praticamente em

todas as ocorrências é utilizado, citou um exemplo sobre a suspeita de um elemento

armado, onde o primeiro contato é a verbalização. Echo comentou durante a sua fala que

esta entrevista causa a impressão de ser um teste sobre o que foi aprendido e aplicado na

69

prática.

− Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se o

contato físico, como se procede e um exemplo.

Alfa citou um exemplo genérico, uma situação da quebra da ordem pública por

uma pessoa que se encontra no estado de embriagues e sem lucidez nas suas atitudes,

verifica-se a ineficiência do uso do primeiro nível de força, restando avançar para o

contato físico para que a ordem pública seja restaurada. Para Alfa o contato físico é

realizado com o objetivo de conter a ação de uma pessoa sem que seja necessário ainda o

avanço ao terceiro nível, no contato físico a pessoa percebe a presença da autoridade

polícia. No contato físico a pessoa é segurada por um dos braços e tocada pelas costas para

que entenda que está sendo conduzida à delegacia. Bravo cita um exemplo vivenciado

dentro de um presídio, ao dar uma ordem para que os reeducandos saíssem da cela com as

mãos na cabeça para realização de uma revista de cela, ao sair a segunda ordem é para a

retirada de todas as roupas para examinar as vestes, e alguns se negam a ficar nus e passar

a roupa, sendo necessário algemá-lo e pedir para que o agente prisional retire as roupas e o

reviste através de uma busca pessoal nas roupas, onde costumam esconder drogas e

celulares. O egresso se justifica dizendo que é necessário que retirem a roupa por inteiro

pelo fato de alguns dos reeducandos costurarem celulares e drogas na parte interna da

cueca. Charlie aponta um exemplo de contato físico em uma situação onde é dada uma

ordem clara solicitando que alguém se encoste à parede para uma busca pessoal e após

verbalizar e ocorrendo desobediência, a pessoa é encostada na parede ou colocada de

joelhos, pois existe uma suspeita ou fundada suspeita para a abordagem policial, já

cabendo, se for o caso, a prisão do suspeito por desobediência devido à resistência. Para

Charlie a frase mais comum: “encoste na parede porque se você não encostar vai ser

conduzida por desobediência!” Tal medida geralmente evita o contato físico. Delta cita

uma abordagem que realizou em um pessoal que fez um assalto, recebeu uma informação

de que havia quatro pessoas em um bar e que estariam comemorando um assalto em

Várzea Grande. Na abordagem foi verbalizado para ir para a parede e um dos membros

tentou sair do local e foi dada ordem para que o policial não o deixasse sair, eles foram

segurados pelos braços e encontradas armas, o contato físico ocorreu devido à resistência.

Echo disse que o contato físico é adotado quando apenas a verbalização não é suficiente,

70

citou como exemplo um local de grande aglomeração de pessoas, quando há a necessidade

de abordar um suspeito, às vezes a simples verbalização não basta para levar para um local

mais isolado para realizar uma revista, basta o policial encostar a mão guiando-o, sem

necessitar puxar pelo braço, uma forma de condução que a pessoa sente que o policial está

junto mas sem usar a força, e muitas vezes, basta para que o cidadão acate à ordem.

− Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a

imobilização e como se procede e um exemplo.

Alfa aproveita o exemplo anterior, se a pessoa oferecesse resistência na sua

condução para a delegacia, se faria necessário o uso de técnicas de imobilização, realizada

através de torção dos braços até que se esgotem as possibilidades de resistência,

normalmente quando se emprega o terceiro nível de força, se faz necessário o emprego das

algemas. Bravo continua seguindo o exemplo do presídio, quando se torna necessário

realizar a imobilização de presos quando se negam a mudar de um raio para outro,

principalmente quando ele se nega a ser transferido para outro raio alegando desafetos. O

agente algema, e quando ocorre a resistência, o preso é pego pelos braços e levado quase

que arrastado. O egresso complementa que um dia presenciou um dos reeducandos urinar

de medo em virtude da transferência de raio, mas o local para onde ele foi era seguro.

Charlie cita que no momento em que é dada voz de prisão para a pessoa,

independentemente do crime cometido, se ela oferece resistência para evitar a condução,

assim usa-se a imobilização e algema para a condução da pessoa, acontece principalmente

com pessoas sobre efeito do álcool ou entorpecente. Delta indica que a imobilização pode

ocorrer ao abordar uma pessoa que cometeu um delito, nesse caso cabe a imobilização em

virtude do risco que pode ser oferecido à guarnição, usam-se as algemas como extensão da

imobilização, ocorrendo resistência pode acarretar em lesões e sendo necessário redigir

um auto de resistência. O Egresso complementa que a imobilização pode ser também sem

contato físico, como em uma ordem para não se mexer, através da intimidação do policial

com uma arma empunhada, isso seria uma imobilização verbal. Echo também aproveita o

exemplo anterior, havendo suspeita fundada que o elemento esteja armado ou com

entorpecentes e ao se realizar uma revista mais minuciosa, ocorre resistência em

acompanhar a guarnição, momento em que se utiliza a imobilização e condução. Echo

entende que a imobilização vai depender de como a pessoa vai reagir, às vezes é

71

necessário somente imobilizar o braço, outras vezes usar algemas, às vezes usar dois ou

mais policiais na condução.

− Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a

força não letal e como se procede e um exemplo.

Alfa aponta que o uso de força não letal é mais empregado nos casos em que o

número de pessoas a serem contidas é muito superior ao efetivo policial de forma que os

três primeiros níveis tornam-se ineficientes e até perigoso para a segurança da guarnição,

restando somente o avanço ao quarto nível de força através de armas não letais que visam

à dispersão dessas pessoas para tão somente se faça a contenção de grupos reduzidos. Para

que seja feita tal dispersão empregam-se bombas de efeito moral ou uso de spray de gases

de pimenta em meio à multidão até que ocorra a dispersão. Alfa complementa que pela

sua experiência policial, pouco se utiliza este quarto nível, pois as guarnições policiais dos

batalhões não possuem acesso a este tipo de arma não letal, chegando até ao terceiro nível

com o uso de algema é o necessário para a condução individual. Bravo cita que a força

não letal seria no caso de um tumulto generalizado que para dispersar a multidão, através

de agentes químicos ou numa rebelião os policias utilizam munições anti-motim de

impacto controlado. Charlie cita que se usa a força não letal quando a imobilização se

torna ineficaz, discorreu sobre um exemplo pessoal durante uma prisão, tentou fazer a

imobilização e foi agredido, sendo necessário usar munição anti-motim na perna do

agressor. Outro exemplo foi uma situação que empregou gás em um homem escondido

dentro de uma sala com arma de fogo “[...] ele atirou contra a guarnição e nós usamos uma

granada de gás lacrimogêneo e ele saiu voado e desarmado [...]”. Delta entende que a

força não letal pode ser empregada em raros casos quando o abordado não oferece risco

letal contra a guarnição. Cita um caso em que um cidadão não estava portando arma de

fogo, o uso da força não letal é interessante, a probabilidade de ocorrer algo errado é

ínfimo, mas questiona como saber se o cidadão não vai sacar uma arma de fogo, cita que é

necessário uma verbalização bem imperialista, pois mesmo que ela tenha uma arma de

fogo, vai pensar de duas a três vezes antes de esboçar reação. Um tanto quanto confuso,

entende que arma de fogo é necessária como supremacia de força para suprir a supremacia

numérica e que a abordagem sempre deve ser de dois policiais para um suspeito, mas na

prática isso é difícil, devido à escassez de efetivo. Argumenta que o policial tem que estar

72

armado e sempre verbalizar com a arma em punho, isso dá vantagem contra qualquer

surpresa do oponente. Echo emprega a força não letal quando outras alternativas de força

mais brandas não são suficientes, um exemplo particular é o uso do gás de pimenta e

sempre que necessário ela usa em virtude de ser pequena e ser mulher, sente bastante

resistência principalmente dos homens nas abordagens. Desabafa que ao verbalizar, tem a

impressão, quase todas as vezes, de ser olhada diferentemente, quase todas as vezes

precisa verbalizar de duas a três vezes, principalmente em abordagens a bares.

− Procedimentos quando ocorre uma resistência ativa, onde o suspeito tenta agredir o

policial de forma não letal.

Alfa comenta que o terceiro nível de força sempre excluirá o uso da força não letal,

devendo ser esgotados todas as técnicas de imobilização, a não ser nos casos em que o

oponente apresentar o uso de arma letal ou objetos que tragam risco à integridade física da

guarnição como faca ou pedra, seria prudente a guarnição antes de responder com o uso de

arma letal, responder de forma não letal, como por exemplo, o uso de munições anti-

motim para que o oponente cesse sua ação. Bravo disse usar tonfas (bastão policial) e

cacetetes e emprego de defesa pessoal aprendidas nos cursos. Mas, para que haja o

desencorajamento de uma ação contra o policial é necessária superioridade numérica e de

força. Nos casos dos bastões policiais os locais no corpo, ideais para aplicação dos golpes,

seriam braços e pernas, mas na prática, no momento da ocorrência, “no calor da refrega”

[se referindo ao uma frase que ouviu de um juiz], no embate, às vezes acaba atingindo

áreas sensíveis. Uma vez atingida, a pessoa é conduzida para atendimento médico, depois

é confeccionado auto de resistência à prisão e boletim de ocorrência policial. Charlie

inicia com um exemplo de um homem com a filha de refém e dois facões, a menina

escapou e veio correndo para o lado da guarnição e o pai partiu para cima dos policiais

com os dois facões para cima, foi usada munição anti-motim, acertando a coxa e a cintura,

o agressor largou os facões na hora e sentou, depois foi algemado. Quando a menina

correu o egresso verbalizou para largar a arma, mas como não foi obedecido, disparou a

uma distância de seis metros. Delta disse que, o policial dificilmente porta arma não letal

com exceção feita ao bastão policial, que sendo utilizado de forma negligente, poderá se

tornar uma arma letal; que o bastão policial exige treinamento e isso não ocorre com

freqüência. Echo cita um caso que vivenciou, ao realizar um cordão de isolamento em

73

uma manifestação, um dos manifestantes tentou agredir um superior que se posicionou

atrás da entrevistada, o manifestante foi empurrado e Echo seguiu junto com ele e caiu no

meio do povo que estava partindo para cima da polícia, recebeu três murros no peito e teve

que partir para o enfrentamento com aquela pessoa, mas quando os policiais perceberam,

aproximadamente cinco subordinados vieram em auxílio e a pessoa foi presa. Echo disse

que os policiais foram até muito firmes na prisão por causa da agressão que ela sofreu, os

policiais não toleram agressão contra mulheres, querem proteger e até demais.

− Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a

força letal e como se procede e exemplo.

Alfa narra que o uso da força letal ocorrerá nos casos em que o oponente estará

portando arma letal, porém antes de se fazer o uso da arma letal por parte da guarnição,

deverá tentar a verbalização, isso nos casos em que o oponente ainda não utilizou a arma

letal, mas somente portando-a. Alfa completa que já deparou com o oponente armado e ele

quando avistou a presença da guarnição efetuou disparos na direção da guarnição restando

a guarnição responder na mesma força do oponente, ou seja, com uso da arma letal. Bravo

pelo que aprendeu a força letal só pode ocorrer para salvar a própria vida ou de terceiros.

Cita um exemplo genérico, durante uma ocorrência de rotina na rua ao abordar uma dupla

de rapazes pedindo para que parassem, um deles saca de uma arma atira contra a

guarnição, a guarnição responde com disparos e acaba atingindo um e levando-o a óbito.

Charlie aponta uma situação em que o agressor utiliza-se da arma de fogo ou de uma

nítida ameaça contra a vida da guarnição ou de terceiros. Um exemplo vivenciado foi um

assalto onde o meliante levou o veículo de um roubo a residência, depois assaltou uma

loja, e durante a fuga ocorreu o cerco policial, ele bateu o veículo e reagiu atirando na

guarnição, foi necessário o emprego de arma de fogo para neutralizar aquela ação, ele foi

conduzido para o pronto socorro vindo, depois de algum tempo no hospital, a óbito.

Charlie explica que foi realizada uma sindicância pela Polícia Militar, além dessa medida,

o processo tramitou em âmbito externo da justiça militar, mas não foi oferecida denúncia

contra a guarnição, por ter sido caracterizado legítima defesa. Delta comenta que o

emprego da arma de fogo passa por três vertentes do “triângulo do fogo”, e quando ele se

fecha pode-se usar a arma de fogo: perigo iminente (saque de uma arma), oportunidade

(destreza do policial no uso da arma e segurança) e habilidade (constante manutenção do

74

armamento e capacitação diária), uma outra vertente que é a conveniência (verificar se é

conveniente atirar em um local que cause risco a terceiros). Echo cita que o uso da força

letal é empregado quando todas as alternativas não forem suficientes. Comenta “[...] ainda

não passei por isso, eu espero não passar, mas se acontecer, sei que em todas as

abordagens eu já me preparo mentalmente para um possível confronto armado[...]”.

− Verifica qual o procedimento após o confronto letal.

Alfa argumenta que ao perceber o cessar da ação do oponente, e verificando lesão a

integridade física, a primeira preocupação é prestar o devido socorro ao oponente lesado

de forma que garanta a sobrevivência da pessoa alvejada pelos disparos, fazendo os

procedimentos de acionar o atendimento médico no local ou deslocando-o para o Pronto

Socorro. Bravo cita que a medida é verificar se o cidadão está com vida, caso não tenha

mais pulso e nem respiração, isolar o local, informar a perícia e aguardar até a chegada dos

peritos, e estando com vida prestar socorro imediato levando-o até o hospital mais

próximo. Charlie comenta que caso a pessoa tenha sinais vitais deve ser encaminhada

para Pronto Socorro, no local do fato realizar o isolamento, acionamento da perícia,

confecção do auto de resistência à prisão e boletim de ocorrência. Delta informa que o

policial primeiro se aproxima com segurança para verificar se a pessoa ainda tem sinais

vitais, o policial tem o dever de prestar os primeiros socorros no local, o maior bem é a

vida. Na prática, o policial coloca na viatura policial e leva-o para o hospital, a

preocupação grande do policial é se naquele local terão outros comparsas ou pessoas

afetas que poderiam causar retaliação. Quando ocorre supremacia, chama-se o resgate para

prestar os socorros, no caso da morte, aquele local passa a ser isolado para a perícia

criminal. Echo cita que em tese, havendo o óbito, preserva-se o local e chama-se a perícia;

se foi apenas ferimento levar imediatamente para cuidados médicos.

− Verifica em qual situação o egresso aprendeu sobre o uso da força.

Alfa cita que teoricamente aprendeu no Curso de Formação de Oficiais; porém a

afirmação dos conceitos, em sua prática, ocorreram somente na experiência operacional

vivenciada após o curso, até porque o exercício desse conteúdo durante o curso foi pouco

75

praticado em virtude do pouco estágio operacional realizado, mas especificamente

falando, tais estágios eram realizados eventualmente quando acontecia policiamento em

eventos periódicos. Também vale ressaltar que o domínio desse conteúdo só será obtido

após algum tempo de prática. Bravo cita que aprendeu na academia e depois de formado

no dia-a-dia do serviço. Charlie cita que aprendeu na academia e no curso de

especialização, e que esse assunto sempre é alvo de comentários, e tem muitas literaturas.

Delta disse que aprendeu na academia e na vida prática, experiência de rua. Echo informa

que a teoria aprendeu na academia, mas na prática é possível visualizar cada nível de

força.

− Verifica como o egresso avalia a sua atuação em relação ao uso legal da força e se

sente insegurança na decisão quanto ao nível adequado a ser empregado.

Alfa disse que no início de sua vivência operacional sentia dificuldades devido à

falta de prática, mas que hoje se sente mais bem preparado e seguro em aplicá-los. Cada

circunstância que depara é diferente, como por exemplo, uma situação que se faça

necessário o uso de arma letal, por mais que a prática lhe traga segurança, existem fatores

fisiológicos, como a adrenalina, que pode causar instabilidade emocional trazendo

insegurança que afete a decisão. Neste momento, de forma espontânea o egresso desabafa:

“[...] nem sempre depende da gente, já passei por isso, em uma troca de tiro o meu estado

emocional ficou bastante alterado e naquele momento eu não tinha nenhuma condição de

tomar decisão e curiosamente eu fui acalmado por um subordinado que possuía muitos

anos de prática policial e naquele momento fora ele quem gerenciou tal situação para que

não ocorressem erros que prejudicassem a guarnição e a minha pessoa, fui ajudado por um

policial conhecido na gíria policial como um soldado “antigão”, com 42 anos de idade,

essa situação marcou minha vida, entendi que o ser humano não é só razão, a emoção pode

tomar conta do nosso corpo e não há nada que se faça, e que se pode cometer erros na

decisão, a parte emocional tem que ser muito exercitada, há momentos em que temos que

recuar, buscar a calma para não errar, uma boa decisão hoje não significa uma boa decisão

amanhã, e se tem que reconhecer quando é tomado pela emoção e isso é difícil de ser

percebido no momento, só vai ser percebido depois de errar [...]”. Bravo afirma que sente

absoluta segurança e confiança no nível de força a ser empregada em determinada

ocorrência, nunca se viu em nenhuma situação que exagerasse no uso da força ou

76

deixasse de utilizá-la de forma necessária. Bravo continua, dando sinais de angústia “[...]

pode acontecer de amanhã eu estar em uma ocorrência que eu não tenha segurança, que eu

tenha medo. Tenho medo de utilizar força letal com pessoas desarmadas, isso pode ocorrer

numa situação de risco e estresse, ou encurralado por uma multidão furiosa, e sendo o

único armamento ali disponível de uso letal. Esta pergunta me deixou confuso e suscitou

várias dúvidas sobre o uso da força letal, é muito fácil aprender que se usa a força letal

para salvar a sua vida ou a de outro, mas o difícil é em uma situação real decidir, sobre a

sua vida, a vida dos seus subordinados e a vida do oponente em frações de segundos, e

depois ser julgado por alguém que está sentado e apoiado em princípios jurídicos e

doutrinários e dizer o que deveria ser feito ou não de certo ou errado [...].” Charlie,

emitindo sinais de autoconfiança e de forma curta, avaliou a sua atuação como dentro da

técnica e se algum dia deixou de escalonar a força foi por falta de meios, e não por falta de

conhecimento, que sempre foi seguro nas suas ações. Delta, desconfiado, disse que não se

viu em uma situação que estivesse inseguro quanto ao uso da força, o que procura é

cumprir e fazer cumprir a parte legal adequando ao trabalho prático de rua. Echo inicia

com a palavra “sinceramente” segue com a palavra “na verdade” tenta se mostrar segura

no início, que sempre pensa bem antes de tomar uma atitude, evita usar a emoção, sente-se

segura quando precisa utilizar mais a força. Cita que no início do seu trabalho nas ruas

ficava muito ansiosa, hoje em dia está mais tranqüila. Continua dizendo que em todas as

ocorrências tem receio de ser excessiva ou truculenta, porque pode errar e responder por

isso, sempre os policiais são muito visados nas atitudes que tomam. Echo comenta: “[...]

as experiências do dia a dia estão me trazendo mais segurança [...] penso que no início eu

precisava de auto afirmação e conquistar a tropa, principalmente pelo fato de ser mulher,

mas isso também ocorre com os homens em busca de conseguir seu espaço [...]”.

Em outro momento da entrevista Delta se emociona e aborda esta questão de forma

espontânea, o qual passo a transcrever com detalhes: “[...] Acredito assim, a nossa vida

profissional é regida por parâmetros, a natureza humana do policial, tende a se envolver

emocionalmente, fundindo sentimentos frente a uma situação real em relação ao que ele

aprendeu. Um exemplo que vivenciei foi um homicídio em uma comunidade onde pai

atirou na esposa na frente de um filho de três anos, e quando nós chegamos para atender a

ocorrência, a criança aproximou-se de mim e disse, “tio meu pai matou minha mãe”,

naquela situação, quando olhei para a criança, e tendo um filho na idade dele, eu imaginei

meu filho sofrendo como aquela criança, só que nem por isso eu tinha que ter uma atitude

77

não profissional caso encontrássemos o autor do homicídio, ou seja, muitas pessoas na

sociedade falam que o policial é frio, mas na verdade a gente tem que ser frio, não

podemos tomar partido, tem que fazer cumprir o que determina a justiça, tem muita

ocorrência que mexe com o lado emocional do policial, ao retornar para a base a gente

procura ajudar o policial que às vezes já carrega outro problema e uma ocorrência pode

deixá-lo mais confuso e pode interferir na sua vida pessoal. Toda vez que passo por aquele

local, lembro do meu filho... isso me causa vontade de estar com o meu filho, e tudo que

faço na minha vida profissional é movido pelo sentimento que tenho pelo meu filho... O

sentimento que me veio agora foi de frustração frente a tantas coisas que acontecem de

ruim no dia a dia, vejo coisas horríveis no dia a dia e mesmo assim ter que fazer de forte

perante os subordinados e familiares, não posso fazer muito, mas tento fazer o meu

melhor. Os meus subordinados têm muitos problemas familiares e de saúde, e quando me

procuram, na condição de oficial, de comandante, eu tenho que me fazer de forte, procuro

trabalhar os problemas deles e os meus[...]”.

− Verifica a atuação dos egressos como comandante na instrução aos policiais sobre os

P.B.U.F.A.F.

Alfa afirma que instrui os seus subordinados apoiado por estudos de casos. Bravo

também comenta que instrui, mas não necessariamente sobre os princípios questionados.

Charlie comenta que sempre instrui os comandados e deixa claro que ele é quem decide

sobre o nível de força que deverá ser usado no momento da ação. Delta diz instruir

exaustivamente, além das determinações corriqueiras, também instrui quanto à legalidade

no uso da arma de fogo e apresenta muitos casos práticos para chamar a atenção. Echo

costuma conversar sobre legalidade e ação moderada, são tópicos que sempre faz questão

de falar, evitar arbitrariedade, abuso de poder e etc.

− Identifica se os subordinados acatam ou resistem e em caso de resistência, como

reagem os egressos no dia-a-dia e qual a sua atitude em caso de resistência do

subordinado.

Alfa cita que muitos subordinados resistem por já possuírem dentro de si

procedimentos que se tornaram vícios e não aceitam que sua forma de trabalhar seja

78

mudada, mesmo sabendo que os seus vícios com relação à abordagem policial são

procedimentos incorretos. Os que possuem resistência não assimilam o que é passado e

verifica-se que tais policiais são os que apresentam mais queixas e denúncias quanto à

forma de trabalho. Em casos de queixas ou denúncias, é instaurado um procedimento

disciplinar para avaliar a conduta negativa, e se confirmando tal conduta, o policial é

punido disciplinarmente, há casos de policiais que possuem doenças relacionadas com o

alcoolismo, dependência química, o que interfere diretamente em sua conduta, sendo que

esses casos, quando são constatados, após a apuração de procedimento disciplinar, são

encaminhados para tratamento. Ocorre que, na maioria dos casos dos policiais que

apresentam distúrbios e após tratamento e licença, ao retornarem à atividade fim,

continuam a apresentar as mesmas condutas desviantes. Bravo cita que ocorre certa

resistência dos subordinados, alguns cumprem as ordens, mas rejeitam a idéia, muitos, por

uma questão cultural, não acreditam que deveria haver uma gradação no uso da força.

Muitos policiais culturalmente acreditam, isso já vem socialmente antes de ingressar na

polícia, que o infrator deve ser punido com tapas, agressões verbais e físicas, alguns

policiais acabam querendo tirar uma “casquinha”. No caso de descumprimento de abusos,

o policial pode ser sancionado com medidas administrativas e penais. Da mesma forma o

policial sofrerá uma gradação nos níveis de correção, da advertência à prisão. Charlie, já

demonstrando fadiga, entende que seus subordinados nunca resistiram, e caso acontecesse,

seriam orientados e dependendo do caso, se viessem a trazer algum resultado mais grave,

o escalão superior seria informado, podendo inclusive, ser dada voz de prisão. Delta

entende que acatam parcialmente, que a resistência maior é passiva, principalmente em

relação à segurança própria, como o uso de colete balístico, necessidade de segurança nas

barreiras. Echo cita que, quando fala, os policiais concordam, mas na prática, às vezes

agem de forma excessiva. Cita um caso em que estava instruindo os policiais sobre o uso

da arma de fogo por ter sido questionada se ao perseguir um veículo o policial poderia

atirar para parar o veículo, ela disse que não, pois não se sabe o porquê da fuga, pode ser

um adolescente fugindo por estar sem documentos, e essa coisa de tentar acertar o pneu

pode acertar pessoas, no mesmo dia um policial que estava na palestra saiu para o serviço

e ao abordar dois elementos em uma moto, o piloto empreendeu fuga e o policial ao

encontrar com a entrevistada disse: “[...] que colocou a arma para fora e mirou na moto e

naquele instante lembrou da minha fala sobre não atirar e decidiu não atirar e que depois

conseguiu abordar o moto e era coisa simples, ele me procurou e disse: “tenente, eu só não

79

atirei porque eu estava ouvindo a voz da senhora dizendo não atira...não atira.” Eu achei

isso bem interessante, me senti recompensada e com o sentimento de que vale a pena

instruir os policiais”.

− Identifica a percepção dos egressos sobre as principais queixas e denúncias na ação

policial.

Alfa reclama da falta do exercício da verbalização quando, por exemplo, uma

pessoa abordada questiona sobre o motivo de estar sofrendo a abordagem e a guarnição ao

invés de responder ao cidadão o motivo daquele procedimento, avança para o segundo e

terceiro nível, constatando, dessa forma, erros por parte da guarnição quanto ao

procedimento e esgotar os argumentos para convencer o abordado. Outra queixa é em

relação à falta de técnicas na imobilização, que seria executar procedimentos que

lesionarão a pessoa conduzida, ao passo que, se utilizassem as técnicas de imobilização já

ensinadas não ocorreria lesão à integridade física da pessoa conduzida. Outra queixa é o

uso de arma letal em situações desnecessárias como, por exemplo, quando o suspeito tende

a fugir durante a abordagem e a guarnição com a justificativa de fazer com que a pessoa

pare, efetua disparos para o alto ou na direção para intimidar, sem antes conhecer o motivo

pelo qual o suspeito está fugindo. Outra queixa é o uso de arma não letal em situações

desnecessárias como, por exemplo, o uso de gás de pimenta de forma inapropriada para o

tipo de ocorrência. Bravo entende que a principal queixa é que o policial foi truculento na

ação. Charlie cita pelo olhar dos policiais que também se queixam que quando utilizam a

força não possuem respaldo por parte da instituição, como amparo jurídico,

independentemente de estar certo ou errado, o policial arca com as despesas de advogados.

Complementa que suas equipes nunca foram denunciadas por exceder o uso da força, só se

não chegou ao seu conhecimento. Delta reclama do desvio de conduta, e que muitos

desses casos são questionáveis porque há pessoas com interesse em desmerecer o policial

em termos profissionais por não ter tido os interesses individuais atendidos. Assim, é

muito importante saber, de fato, o que realmente aconteceu através de uma apuração

imparcial. Echo cita “Bater demais, agressão numa simples abordagem, destrato às

pessoas”.

− Verifica a percepção do egresso sobre a sua turma formada em 2003, em

80

conformidade com as novas bases curriculares nacionais e se recebeu algum tipo de

aprovação ou reprovação por parte dos membros da instituição.

Alfa comenta que sentiu reprovação por parte de alguns oficiais que entendem que

esse tipo de currículo nada tem a ver com a formação de oficiais da Polícia Militar, pois a

apresentação de monografia está mais para o mundo civil do que para quem quer ser um

oficial. Foram rotulados de “turma de paisanos”, pela metodologia da grade curricular ser

totalmente contrária ao que a academia anteriormente pregava, quando por exemplo, as

nossas aulas ocorriam fora da estrutura física da academia, mais precisamente na

universidade pública, o que acarretou um contato maior com estudantes universitários e

daí a denominação de turma “paisana”. Bravo narra que, quando a turma já estava se

formando, ouviam muitos comentários do tipo “a turma de almofadinhas”, mas depois que

se formaram não notou mais comentários. Quem comentava eram alguns instrutores sobre

o que ouviam fora e também achavam. “Almofadinha”, “oficial de escritório”, “essa turma

não tinha ralado e sofrido fisicamente como outras turmas”. Charlie cita que teve

aprovação e reprovação. A reprovação em sua maioria ocorreu mais por parte dos oficiais

mais antigos e aprovação maior por parte dos praças (sargentos, cabos e soldados).

Charlie sempre ouvia de alguns oficiais mais antigos, que a sua formação era muito

humanística e que na rua, na prática, a teoria era outra. Dos praças ouviam que os novos

alunos davam oportunidade de ouvir e de conversar com os subordinados. Durante a

formação e algum tempo após, era costumeiro ouvir “turma da mamãe” pelo fato delas, as

mães, participarem no processo de formação pelo comando da academia, isso fez com que

elas se unissem e tomassem partido diante de algumas situações consideradas injustas, tais

como perseguição de alunos, privilégios de outros, tratamento diferenciado, questão da

alimentação, internato, entre outras questões. Delta visualiza alguns casos isolados,

entende que os oficiais da sua turma sempre se sobressaíram, e com o diferencial de

possuírem o título de bacharel. Comentários surgiram tais como: “vocês são a turma do

Balieiro” no sentido de que o curso não tinha tanta punição e mais acesso ao estudo, “ a

academia está mais light!”, pelo fato de favorecer mais a formação do aluno no aspecto

profissional. Echo cita que havia muitos comentários que a turma só era estudiosa, que

tinha mais conhecimento teórico do que prático, a academia era chamada de

“universidade”, o refeitório era chamado de” restaurante universitário” (RU). Era uma

brincadeira das turmas anteriores, isso no primeiro ano, quando foi divulgado o currículo

81

novo.

− Verifica a impressão dos egressos sobre os estereótipos recebidos pela turma de

formação.

Alfa comenta que a nova metodologia possui vantagens e desvantagens. A

vantagem é que tem uma visão moderna de ensino pedagógico na medida em que se

convivia com outros estudantes, porém no que diz respeito à grade curricular, possui

falhas quanto à carga horária de disciplinas e também possui desvantagens na formação

militar, pois realmente essa parte da formação militar era pouco exercitada. Porém, em

termos pedagógicos, o excesso do militarismo atrapalha a assimilação da aprendizagem à

medida que alguns procedimentos formais característicos do militarismo impossibilitam a

apresentação de ideias e inovações para o crescimento da instituição. Bravo acredita que,

na formação policial, ser submetido à situação de estresse é importante, mas de forma pré-

estabelecida didaticamente, sem necessidade de humilhação ou desmoralização. Charlie

vê como fato isolado e insignificante. Cada um iria mostrar o profissional que era,

trabalhando, que sempre acreditou no potencial de todos da turma. Delta comenta que a

sua formação foi voltada para o intelecto e estão mostrando, na prática, o que aprenderam,

na turma até hoje não teve nenhum desvio de conduta, a moralidade é um ponto a ser

ressaltado. Echo acredita que isso acontecia porque todas as atenções estavam voltadas

para a sua turma e isso causava um certo ciúme.

− Verifica a percepção dos egressos em relação aos oficiais que foram formados no

modelo curricular anterior.

Alfa possui dificuldades de adaptação, pois percebe que o sistema é muito rígido e

mudou muito pouco, já que convive com oficiais formados em outra metodologia, isso

gera frustração em saber que a nova metodologia irá demorar uns vinte anos para ter efeito

de mudança, entende que somente após o acesso da sua turma aos escalões superiores

poderá fazer com que algo mude, sente-se com a sensação de frustração, porque, apesar

das falhas na grade curricular, a metodologia que os conduzia gerou uma expectativa de

que poderiam inovar através de conhecimentos científicos, mas no campo prático percebeu

que é muito difícil aplicar as novas idéias. Hoje quase não existe rótulo, pois os integrantes

82

da turma estão em destaque e o que seria a turma de paisanos, na verdade, foi substituído

pelo destaque individual de cada membro da turma nas unidades operacionais, atualmente,

os tenentes mais elogiados são da sua turma, a Turma Milenium. Alfa finaliza com um

desabafo particular: “Para encerrar, eu achei que nunca teria a oportunidade de falar sobre

esse assunto, principalmente com um oficial superior, esta entrevista foi importante para

mim, um desabafo, e que seja refletido sobre o que eu falei e que contribua para

construção de uma doutrina científica na Polícia Militar de Mato Grosso”. Bravo, um

tanto indiferente, comenta: “Nem pior e nem melhor, porque acredito que

independentemente do currículo, em qualquer área para que tenhamos profissionais

competentes, é necessário que tenha força de vontade, assiduidade, compromisso e

inteligência, e isso não é o currículo que faz”. Charlie cita: “Nem melhor e nem pior. Não

me sinto diferente. Tivemos a oportunidade, talvez, de ter uma carga maior de

conhecimento”. Delta é ligeiro: “No mesmo patamar profissional dos outros”. E Echo

finaliza dizendo que não vê diferenças.

83

Capítulo 8 - Apresentação dos Resultados

Inicialmente nas entrevistas constam as opiniões dos egressos durante o processo

de formação em relação aos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo

(PBUFAF). Os sujeitos em sua maioria desconheciam os documentos que originaram os

PBUFAF. As opiniões demonstraram que alguns dos conteúdos curriculares abordaram de

forma direta e indireta os conceitos sobre os PBUFAF, porém foram vagos e com poucas

aulas práticas em relação ao uso do armamento. A frase que mais resume a preocupação

dos egressos sobre o uso da força no processo de formação narra que “mais importante

que atirar é saber quando atirar”.

As disciplinas mais apontadas durante a formação que contribuíram com o

conhecimento sobre o uso legal da força foram: “Técnicas Gerais de Policiamento”,

“Direitos Humanos”, “Defesa Pessoal” e “Tiro Policial”. O currículo da academia possuía

uma extensa carga horária, porém as disciplinas genéricas, às vezes, superavam as

disciplinas específicas, “a carga horária das disciplinas citadas deveriam ser as maiores do

curso, ao invés de disciplinas como Espanhol e Inglês que possuíam carga horária de 120

h/a cada”.

Conforme a base curricular do CFO apresentada no capítulo 4, esta visava o

desenvolvimento humano do profissional e as habilidades e competências específicas para

o exercício da profissão. O perfil para a formação do profissional de segurança pública

focaliza responsabilidade social, compreensão do meio sócio-político-econômico-cultural,

formação humana e técnico-profissional, liderança, formação de caráter generalista e

eclético.

Entendo que o paradoxo apresentado está associado ao conceito amplo do que é

“ser policial”. O sujeito deseja mais preparo técnico para o exercício da atividade policial

devido ao risco de vida, enquanto os diversos campos do saber exigem o policial

generalista.

Em termos de avanços, no período compreendido entre 2003 a 2006 ocorreram

diversos ajustes pedagógicos e políticos nas bases curriculares em âmbito nacional e

regional. A Base Curricular passou a ser denominada de Matriz Curricular. Todavia a

mudança ocorrida não é objeto deste estudo.

II

84

Conforme consta no capítulo 3, o modelo de uso de força possui cinco níveis de

intervenção policial: verbalização, contato físico, imobilização, força não letal e força

letal. Sobre estes níveis os egressos demonstraram poucos conhecimentos teóricos,

sobressaindo o conhecimento prático em função da autuação policial no dia a dia.

O modelo de uso da força foi abordado em algumas disciplinas durante o processo

de formação do ponto de vista teórico conceitual com ênfase na memorização, faltou

relacionar melhor os conteúdos com a prática. Sobre o ensino na academia, Balieiro (2003,

p.99) reforça a falta de significado e sentido lógico do material a ser aprendido em relação

ao conhecimento do aluno.

Sobre o nível de verbalização, os entrevistados foram unânimes em afirmar que

verbalizar é o ponto de partida para a ação policial, com uso inclusive em situações de

negociação de crises com reféns, “verbalização é o mais comum em abordagens, tão

comum que praticamente em todas as ocorrências é utilizado”.

Quanto ao uso da força no nível de contato físico, que em tese deveria ser apenas

um toque no ombro da pessoa abordada em caso de não atendimento da verbalização, os

egressos entenderam por contato físico “segurar pelo braço e conduzir”, uma “revista

pessoal”, “abordagem e revista pessoal”, “encostar-se à parede”.

No caso de necessidade de imobilização os egressos entendem como “imobilizar o

braço”, “uso de algema”, “vai depender de como a pessoa reagir”. A imobilização

conforme o modelo de uso de força é uma alternativa em caso de uma pessoa oferecer

certa resistência em caso de uma prisão, geralmente resistência passiva, pois não agride o

policial, somente resiste à prisão.

Referente ao uso de força não letal, o quarto nível, os egressos possuem uma

concepção de uso mais voltada para controle de massa. Entendem que funciona quando os

três primeiros níveis não são suficientes. Empregam “bombas de efeito moral ou uso de

spray de pimenta em meio à multidão até que ocorra a dispersão”, “quase não é preciso

usar esse nível”, “usado em tumulto generalizado para dispersar multidões através de

agentes químicos”, “quando o policial é agredido”, sobre um episódio de uma pessoa

escondida em uma casa com arma de fogo “ele atirou na guarnição e nós usamos granada

de gás lacrimogêneo e ele saiu voado e desarmado”, existem dúvidas no nível a ser

empregado “como saber se o cidadão não vai sacar uma arma e atirar? É necessária uma

verbalização bem imperialista, que mesmo armado vai pensar duas vezes”. Uma

85

constatação interessante foi a forma com que as mulheres superam a força física

masculina, “neste nível uso gás de pimenta”.

Sendo necessário o uso de força física, os equipamentos mais utilizados são gás

lacrimogêneo, bastão, munição anti-motim, algema, técnicas de defesa pessoal, os pontos

do corpo mais atingidos são braços e pernas, “na hora do embate às vezes acaba atingindo

pontos sensíveis do corpo do oponente”, “dificilmente o policial utiliza arma não letal, só

possui o bastão que pode ser uma arma letal em caso de mau uso”.

Em relação ao uso letal da força os egressos foram unânimes em informar que só

deve ser utilizado em caso de ameaça da própria vida ou de terceiros. Sobre as situações

mais freqüentes citaram “quando a gente aborda uma dupla armada eles atiram e a

guarnição responde com tiros”, “quando acontece sempre gera um óbito”, “ainda não

passei por isso, eu não quero passar, mas me preparo mentalmente”. Os casos de

confrontos letais os policias são orientados a prestar os primeiros socorros e preencher um

documento específico com testemunhas do fato.

III

Sobre o grau de autoconfiança dos egressos ao usar os níveis de força: “nem

sempre depende da gente, já passei por isso, em uma troca de tiro meu estado emocional

ficou bem alterado, quem me ajudou foi um policial antigão, isso marcou a minha vida,

poderia ter cometido um erro”, “a emoção pode tomar conta do nosso corpo”, “tenho medo

de atirar em pessoas desarmadas”. Este questionamento deixou vários egressos confusos e

angustiados sobre o próprio preparo, “esta pergunta me deixou confuso e suscitou dúvidas,

é muito fácil aprender, mas o difícil é - em que situação real decidir em fração de

segundos...”, “falam que policial é frio, mas na verdade a gente tem que ser frio, não pode

tomar partido”, um egresso ao comentar uma ocorrência onde uma criança aproximou-se

dele e disse que o pai matou a mãe, naquela situação “imaginei meu filho sofrendo como

aquela criança... quando passo naquele local lembro do meu filho e dá vontade de voltar

para casa e vê-lo, mas na condição de comandante tenho que me fazer forte...”. Nota-se

aqui um conflito do “eu”, que mediante tentativa de mutilação tende a incluir aguda tensão

psicológica para o indivíduo.

Ao falar de instituições totais, Goffman (1961, p.25) cita que o sujeito afasta de

sua identidade pessoal, qualquer que seja a maneira de ser chamado, tende a ocorrer uma

86

mutilação do eu, mudanças radicais nas crenças que têm a seu respeito, processos pelos

quais o eu da pessoa é mortificado são relativamente padronizados nas instituições totais.

Um exemplo desse tipo de mortificação é “quando é obrigado a executar uma rotina diária

de vida que considera estranha a ele e aceitar um papel com o qual não se identifica [...]

deve-se apresentar uma renúncia a sua vontade (id, p. 31-46)”.

IV

Em relação ao controle dos egressos sobre o comportamento dos subordinados

quanto ao uso da força, geralmente aplicam instruções diárias e nos casos de transgressões,

solicitam medidas punitivas, “muitos subordinados resistem e são cheios de vícios na

abordagem policial, nesse caso se usa o regulamento disciplinar”, “alguns cumprem as

ordens, mas rejeitam as idéias”, “muitos policiais querem punir e acabam tirando uma

casquinha, mas pode ser punido”, “a resistência passiva é pior”, “uma vez um policial me

disse, tenente eu só não atirei porque eu estava ouvindo a sua voz na minha cabeça

dizendo não atira, não atira”. As principais queixas contra os policiais subordinados são

relacionadas a abordagem errada, lesões na hora de imobilização, exibição de armas sem

necessidade, disparos de intimidação, ação truculenta, “bater demais” “destrato e agressão

numa simples abordagem”.

Apesar da tentativa de manter uma vigilância hierárquica e sujeição dos

subordinados, conforme já foi visto no capítulo 1, ocorrem também os ajustamentos

secundários, segundo Goffman (1961, p.57), este ajustamento reflete muito claramente o

processo de confraternização entre os subordinados e a rejeição aos dirigentes através de

uma “gozação coletiva”. Embora o sistema de castigo-prêmio funcione, surgem gestos

passageiros de desafio anônimo ou coletivo.

V

Sobre a formação dos egressos, estes comentaram que alguns oficiais mais antigos

criticavam o novo modelo de formação. Muitos foram os apelidos pejorativos dados à

turma de egressos durante o curso, tais como: “turma de paisanos”, pelo fato de estudarem

na APM e na UFMT, “turma de almofadinhas”, “oficial de escritório”, “essa turma não

tinha ralado e sofrido como as outras”, “a formação é muito humanística e que na rua a

87

prática é outra”. Pelo fato das mães terem acesso ao comando no período de formação e se

movimentarem socialmente contra atitudes que consideravam injustas, foram rotulados

também de “turma da mamãe”. As percepções dos egressos sobre os estereótipos

divergiram, mas a maioria considerou resistências às inovações, “a turma tem potencial,

não tem desvio de conduta, a moralidade é um ponto a ser ressaltado”, “às vezes isso

acontecia por ciúmes”. O estigma surge na tentativa de causar um efeito paralisante a fim

de proteger uma antiga identidade grupal.

Segundo Goffman (1963, p.11), os gregos criaram o termo “estigma” para se

referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de

extraordinário ou ruim sobre o status moral de que os apresentava, um atributo

profundamente depreciativo.

A postura dos policiais mais antigos rotularem os novos pode ser explicada à luz da

sociologia das relações de poder em pequenas comunidades, segundo Elias (1994, p.7), na

comunidade um grupo se reconhece como melhor, uma identidade social construída a

partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência. Mesmo que os

indicadores sociais sejam homogêneos, um grupo se estabelece como a “minoria dos

melhores”. A forma do “grupo de melhores” assumir a posição de modelo moral é

estigmatizando o “grupo de piores” com atributos associados com anomalia. No caso dos

policiais, uma postura mais civil que militar, “os de fora”. Os mais antigos da comunidade,

em suma “tratavam os recém-chegados como pessoas que não se inseriram no grupo. Esses

próprios recém-chegados, depois de algum tempo, pareciam aceitar, como uma espécie de

resignação e perplexidade” (ELIAS, 1994, p.20).

Elias (1994, p.55) reforça que com ou sem razão os grupos já estabelecidos sentem-

se expostos a um ataque contra suas fontes de poder, com isso repelem os novatos

excluindo-os e humilhando-os, já os novatos dificilmente teriam intenção de agredir os

antigos, assim, “o drama todo foi encenado pelos dois lados como se fossem marionetes

(Id.).

88

Considerações Finais – Limitações e Possibilidades

Na introdução deste estudo foi delimitado um problema, que indagava se o novo

sistema de ensino na Academia de Polícia Militar produziu mudanças na formação e

atuação dos tenentes em relação ao uso da força e armas de fogo.

Aqui confirmo a segunda hipótese, pois o novo sistema de ensino da Academia de

Polícia Militar possibilitou mudanças parciais, na atuação democrática dos tenentes a partir

de 2003 em relação ao uso da força e armas de fogo.

A base curricular foi alterada em 2001 para melhor capacitar os policiais militares

com habilidades específicas e genéricas, porém na percepção dos egressos, deixou-se de

focalizar e priorizar as disciplinas próprias do ofício de polícia, talvez sem essa intenção

ou devido às pressões sociais e políticas com discursos de mudança na atuação das

polícias.

Os conteúdos curriculares relacionados ao uso legal da força foram ministrados em

algumas disciplinas, porém sem muita articulação. Em destaque apareceram as disciplinas

Técnicas de Policiamento, Direitos Humanos e Tiro Policial. Neste contexto a inovação

curricular foi a inclusão da disciplina de Direitos Humanos na grade do CFO.

Do ponto de vista pedagógico, a relação dos conteúdos nas disciplinas deixaram

espaços abertos quanto à operacionalização da prática profissional, uma distância entre o

conhecimento e a atitude, contraste nos discursos policiais relacionados ao que aprenderam

no bacharelado e suas práticas correspondentes.

A função ocupacional do tenente exige competências pessoais no âmbito dos

princípios democráticos, tais como ética profissional, agir com humanidade, tolerância,

comprometer-se com a legalidade. Entre suas ferramentas de trabalho constam algemas,

armas de fogo e armas não letais. Fica evidente que tal ocupação decorre da preservação

da ordem pública através da força. A questão chave é quando usar a força em nome da

proteção da coletividade.

Ao tenente, quer queira ao não, é atribuído o poder de polícia, legitimado pelo Estado

para manter o controle social, pois são deveres sociais impostos e que funcionam

independentemente de sua vontade, e regula as condutas utilizando o poder imperativo e

coercitivo.

O poder de polícia é a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração

do Estado, sendo um ato imperativo obrigatório ao seu destinatário, e quando este opõe

89

resistência, admite-se até o uso da força pública para o seu cumprimento, inclusive

aplicando as medidas punitivas que a lei indique. Mas não é ilimitado, suas barreiras e

limites são entre outros, os direitos dos cidadãos no regime democrático, as prerrogativas

individuais e as liberdades públicas garantidas pelas Constituições e pelas leis. O Poder de

Polícia deixa de ser exercido com democracia quando extrapola os limites impostos pela

lei, torna-se uma arbitrariedade.

Como o poder de polícia permite o uso da força física, há de ser revestido de

legalidade, necessidade e proporcionalidade. O desafio está no equilíbrio do emprego legal

da força.

Em âmbitos nacional e internacional, várias publicações tentam estabelecer

parâmetros e princípios sobre o uso da força e armas de fogo pelas polícias, com destaque

aos Princípios Básicos sobre Uso da Força e Armas de Fogo. Pois os policiais, no

exercício das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos

antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força ou à armas de

fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado

desejado.

Paralelamente, instrumentos de controle das polícias são instituídos, a exemplo de

ouvidorias, julgamentos de policiais militares em tribunais civis, cursos de Direitos

Humanos, empregos de armas não letais e reformas curriculares. O que se pretende com

este esforço é a preservação do estado democrático de direito destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, segurança, bem-estar, igualdade e

a justiça.

Os egressos do bacharelado em segurança pública são jovens da classe média com

idades entre 22 e 27 anos, na maioria mato-grossenses, que aspiram crescimento pessoal e

profissional. As principais limitações apontadas por eles sobre a atuação democrática em

relação ao uso legal da força, residem na pouca ênfase dada ao conteúdo antes e após o

processo de formação, pois entendem que mais importante que atirar, é saber quando

atirar, isto não envolve somente mudança de currículo, mas mudança também de atitude.

Quanto à atitude do sujeito, este até deseja mais preparo técnico para o exercício da

atividade policial devido ao risco de vida, mesmo sendo-lhe exigido ser um pouco de

advogado, cientista político, assistente social, filósofo, gerente, poliglota, sociólogo,

pedagogo, cientista, preparador físico e psicólogo. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em

que se exige um generalista, um faz tudo, se exige um policial eficaz no emprego da força

90

e arma de fogo. Este por sua vez sente insegurança na hora de decidir entre manter a arma

na cintura ou sacá-la, e ao sacá-la se vai apertar o gatilho ou não, em instantes, destinos

dos envolvidos são lançados ao acaso, podendo o jovem tenente ter uma atitude aceitável

ou reprovável e irreversível.

O uso legal da força exige muita prática, durante e após a formação, pois envolve

aspectos fisiológicos e emocionais, um relato retrata bem a questão “é muito fácil aprender

que se usa a força letal para salvar vidas, mas o difícil é em que situação decidir sobre a

sua vida, a dos subordinados e do oponente, tudo em fração de segundos”. Outro relato

resume a angústia do sujeito “tenho medo de utilizar força letal”.

Os sujeitos percebem muitas resistências comportamentais em relação aos seus

subordinados e superiores, principalmente em função da idéia de que o bom comandante é

“valentão”, os tipos de abusos mais identificados se relacionam à truculência policial nas

abordagens, exibições excessivas de armas de fogo e agressões desnecessárias.

Outro aspecto que dificulta a transição curricular na prática é o momento em que os

jovens oficiais são alvos de estereótipos por parte dos oficiais mais antigos, são chamados

de “turma de almofadinhas”, “oficial de escritório”. O estigma surge na tentativa de causar

um efeito paralisante a fim de proteger uma antiga cultura, “pode-se formar ótimos alunos,

se cair na mão de quem tem outro tipo de comportamento, não adianta”.

Uma contribuição significativa, extraída das entrevistas, foi um depoimento sobre o

uso da força na formação:

[...] eu entendo que, quando você entra na academia, o que se

aprende parece ser algo muito abstrato, não tem idéia de como isso

acontece ou como se aplica, por mais que sejam dados exemplos, a

gente escuta, assimila mas só vai compreender a importância depois

que vai para a rua, e lá mediante acertos e erros você aprende, porém

o erro pode até tirar a vida [...]

Este depoimento singular evidencia que existe um distanciamento entre a teoria

aprendida na escola e a prática do serviço diário, talvez por falta de experiência

significativa sobre os conteúdos trabalhados, que após a formação cada um aprende por si

só, e isso é muito arriscado para a vida do policial e de terceiros. O que indica que, após o

período de formação, nas ações práticas, o egresso é lançado à própria sorte de acertar ou

errar.

No mesmo depoimento o egresso de forma lacônica diz “caso eu fizesse o CFO

91

hoje, com a minha experiência, eu daria muito mais valor aos ensinamentos, e até

aprofundaria mais”. Isso pode ser explicado pelo fato do “hoje” do sujeito ser repleto de

experiências e com significado relevante existente na sua estrutura cognitiva. Esta questão

se relaciona com o processo de ensino-aprendizagem.

Na Academia de Polícia Militar, a aprendizagem dos egressos, conforme Balieiro

(2003, p.40), teve um caráter mais decorativo para realização de provas, diferente da teoria

de Ausubel sobre aprendizagem significativa que relaciona a informação aos conceitos

relevantes já existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Assim, quando o conteúdo a ser

aprendido não consegue ligar-se a algo já conhecido, ocorre uma aprendizagem mecânica,

a pessoa memoriza fórmulas, leis e expressões e depois esquece.

Como sugestão entendo que duas disciplinas deveriam ser incluídas nas grades

curriculares dos cursos de formação em ciclos de treinamento policial, a primeira referente

aos Princípios Básicos Sobre o Uso Legal da Força e a segunda sobre o Modelo de Uso

Progressivo da Força, esta de caráter mais prático e focando em simulações e aquela em

caráter mais teórico. A inclusão de tais disciplinas não excluiria a abordagem transversal

do material, porém seria foco de atenção especial e com ferramentas pedagógicas que

pudessem reduzir a distância entre a teoria aprendida na escola e a prática do serviço diário

sobre uso legal da força.

O desafio maior é estabelecer que o uso legal da força não resulte em sorte ou azar.

As vidas não podem ser decididas com em um jogo de “cara ou coroa”. Instrumentos

devem possibilitar a capacitação continuada, na formação e atuação democrática da polícia

militar.

***

Para finalizar, apresento outros resultados decorrentes desta pesquisa que

influenciaram algumas práticas no âmbito das intervenções policiais.

Paralelamente, durante o processo de construção desta pesquisa, busquei alguns

encaminhamentos práticos com ênfase no objeto, o laboratório utilizado foi o 5º Batalhão

de Polícia Militar em Rondonópolis-MT, o qual tive a oportunidade de chefiar no período

de 2006.

92

Soluções alternativas foram criadas para que os policiais militares tivessem uma

postura mais democrática, e de perto acompanhei e orientei a conduta dos diversos

policiais, inclusive dos jovens tenentes formados na academia.

Para operacionalizar o discurso sobre a ação policial que resultasse no uso

moderado da força, recorremos aos principais estudos nacionais e internacionais sobre

“modelos de uso progressivo da força”. Adotamos o modelo denominado FLETC, que

opera em cinco níveis, adaptando-o a nossa linguagem e realidade policial local. No uso

destes níveis, cada situação tem características próprias e às vezes incomuns, cabe ao

policial, reagir com proporcionalidade e legalidade frente a cada situação exigida.

Publicamos uma adaptação do modelo de uso progressivo da força na Revista

Científica da PMMT em 2006, conforme consta a seguir:

Nível 1 – Presença: presença física do policial como atitude

preventiva que visa a inibir comportamento incomum ou

inadequado.

Nível 2 – Verbalização: através do diálogo o policial interpela o

cidadão em conduta inconveniente, buscando a mudança de atitude a

fim de evitar o afloramento de infração. A mudança de

comportamento encerra a ação do policial.

Nível 3 – Contato físico: em caso da verbalização não surtir o efeito

desejado frente a uma conduta inconveniente, como medida de

cautela e como demonstração de força para dissuadir e desencorajar

a ação, o policial verbaliza realizando contato físico (toque no

ombro). A mudança de comportamento encerra a ação do policial.

Nível 4 – Imobilização: em caso de resistência física ao se efetuar

uma condução coercitiva. Caracterizada geralmente pela recusa no

cumprimento de ordem legal, agressão não física ou tentativa de

fuga. Para chegar a este nível, devem ser esgotados os níveis

anteriores.

Nível 5 – Força não letal: em caso de resistência ativa ao se efetuar

uma condução coercitiva. Caracterizada geralmente pela agressão

física contra o policial ou terceiros. É admissível que o policial

empregue força física, sempre sem violência arbitrária ou abuso de

93

poder. A verbalização deve ser mantida sempre no sentido de

desencorajar o comportamento do agressor.

Nível 6 – Força letal: só se justifica no caso de legítima defesa e

preferencialmente no estrito cumprimento do dever legal em

inevitável risco de vida do policial ou de terceiros frente a uma ação

deliberada do infrator. A verbalização deve se mantida sempre no

sentido de desencorajar o comportamento do agressor. (COSTA e

SANDES, 2006, p. 18).

O modelo acima se tornou uma doutrina institucional, sendo socializado em

instruções e estudos de casos no dia a dia do serviço policial militar de Rondonópolis. No

ano de 2006, em confrontos armados, os policiais seguiram corretamente os níveis de

força, não resultando em ferimento mortal. Sobre o que aconteceu na hora da troca de tiro,

no chamado “calor da ocorrência”, tivemos os seguintes relatos: “ele atirou na gente, eu

revidei, ele caiu da motocicleta, eu cheguei mais perto e antes de continuar atirando eu

respirei e abaixei a arma, ele já não oferecia perigo”, o outro caso envolveu um tenente

egresso do CFO, “o suspeito apontou a arma e apertou o gatilho, mas a munição falhou,

disparei na perna, ele soltou a arma e eu parei de atirar, não desejo essa experiência para

ninguém, tudo aconteceu muito rápido, ele poderia ter acertado um de nós”.

No campo perceptivo, entendo que as instruções através de estudos de casos e

simulações sobre o uso legal da força tenham contribuído para se evitar o emprego letal da

força. Noto alguns sinais de amadurecimento sobre esta questão, como exemplo, em uma

barreira policial, um jovem motociclista carregando a namorada na garupa foi abordado e

fugiu, os policiais se entreolharam e um deles disse: “deixa ir, se a gente perseguir ele

pode cair, se machucar e machucar a moça”. Entretanto, uma cultura ainda enraizada e

perigosa na rotina policial é a prática do tiro de intimidação, para o alto ou em pneus de

veículos, que sempre são “justificados” para evitar a fuga.

Além das questões sobre uso legal da força, avançamos também em algumas

reflexões democráticas sobre a atuação policial. Em função das diversas discussões e da

troca de experiências em pesquisa, principalmente no âmbito do Grupo de Pesquisa,

Educação, Juventude e Democracia, ampliamos o olhar multidimensional sobre a realidade

social.

Assim sendo, finalizo destacando algumas intervenções sociais participativas

94

realizadas pela Polícia Militar em Rondonópolis.

- Um grupo de jovens praticantes de skate solicitou a presença da polícia em um

espaço público controlado por traficantes de drogas ilícitas, atendendo ao pedido,

ocupamos estrategicamente o espaço, colocando jovens policiais uniformizados e com

skate para realizar o policiamento interativo, ocorreu uma troca de conhecimento; policiais

aprendiam manobras de skate ao mesmo tempo em que estabeleciam, de forma

participativa, regras e valores de convívio pacífico.

- Outro episódio marcante envolvendo jovens, surgiu de reclamações sobre

veículos com alto volume de som em uma praça ao domingos, uma solução encontrada foi

a definição com o poder público de um espaço jovem denominado “rua do som”,

funcionando aos domingos durante duas horas no início da noite. O local se transformou

em um ponto de encontro de jovens, com o acompanhamento do poder público. Um dos

policiais possui um carro de som e ajuda a coordenar o evento.

- Em virtude de problemas que emergiam, o comando da instituição policial,

estabeleceu canais de comunicação e mediação social com diversos segmentos e grupos:

movimento sem terra, flanelinhas, grupos GLTS, profissionais do sexo, moto-taxi,

lideranças de bairro, entidades de classe, grupos hip hop, skatistas, grafiteiros, diretores de

escolas, vigilantes, comissões de presos, grupos de sem teto, grupos de pais, comunidades

indígenas, entre outros.

95

Referências

ABRAMO, Helena Wendel. Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In: Retratos da

juventude brasileira – Análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação

Perseu Abramo, 2005.

ABRAMO, H.W; BRANCO, P.P.M. (org). Retratos da juventude brasileira – Análise

de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.

ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. In: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de

Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado; tradução de Walter José

Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon

Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, 2ª edição.

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos

ideológicos de estado; tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de

Castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições

Graal, 1985, 2ª edição.

ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Critérios de Classificação

Econômica no Brasil 2003. Disponível em <www.abep.org> Acesso em: 17 mar 2007.

ARENDT, Hannah, 1906-1975. Sobre a violência/ Hannah Arendt; tradução André

Duarte. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1994.

BALIEIRO, Almir. Avaliação do processo ensino-aprendizagem: uma concepção dos

professores civis e militares da Academia de Polícia Militar Costa Verde. 2003. 115 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal de

Mato Grosso, Cuiabá, 2003.

BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos humanos: coisa de polícia. Passo Fundo:

CAPEC, 1998.

BARBOSA, Valdemar de Almeida. Polícia Militar: as origens. In: Revista O Alferes.

Polícia Militar de Minas Gerais, n. 28, jan/mar 1991. Academia de Polícia Militar. Divisão

de Pesquisa, Belo Horizonte, 1991. P. 41-48.

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação – Uma

Introdução à Teoria e Métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

96

BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992.

BRASIL. Escola Superior de Guerra. Fundamentos Doutrinários da Escola Superior de

Guerra. Rio de Janeiro: Luzes, p. 51-71, 2000.

______. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Uso Legal da

Força (apostila eletrônica). Brasília: SEAT, 2006.

CABELHO, Gyancarlos Paglyneari; et.al. O Currículo propositivo da SENASP:Sua

aplicabilidade na formação do futuro oficial, análise crítica. Monografia apresentada

na Conclusão do Curso de Formação de Oficiais. Academia de Polícia Militar Costa

Verde, Várzea Grande: PMMT, 2003.

CAPOBIANCO, Janaína C. M. Educação e Comunicação: O jovem no jornalismo

impresso. In: Juventude da classe média e educação: cenários, cenas e sinais. Brasília:

Liber Livro Editora, 2006.

CASSIM Marcos. Louis Althusser e a sua contribuição para a sociologia da educação.

In: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Marxismo e ciências humanas.

São Paulo: Xamã, p.331, 2003.

Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA). Instrumentos Internacionais

de Proteção aos Direitos Humanos. Rio de Janeiro, 2001.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (05 de outubro de

1988). São Paulo: Atlas, 1988.

COSTA, A.E.M.C.; SANDES, W.F.S. Em busca do policiamento arte: um relato de

experiência em gestão estratégica por resultados do IV Comando Regional Sul da

Polícia Militar de Mato Grosso. In: Homens do Mato: Revista Científica de Pesquisa em

Segurança Pública. Polícia Militar de Mato Grosso. Academia de Polícia Militar Costa

Verde em Várzea Grande: APMCV, vol.2, n. 1, 2006.

DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Editora Nacional, 1987.

E FREITAS, Manoel Mendes. Poder de Polícia. In: Revista O Alferes. Polícia Militar de

Minas Gerais, ano 5, n. 14 jul/ago/set 1987. Imprensa Oficial, Belo Horizonte, p. 77-89,

1988.

ELIAS, Norbert. Formação do estado e civilização. Vol. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editor, 1994.

97

ELIAS, Norbert; SCOTSON, J. L.. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das

relações de poder a partir de uma pequena comunidade. In: Formação do estado e

civilização. Vol. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

ESTADO DE MATO GROSSO. PODER LEGISLATIVO. Lei Complementar Estadual

n.º 26/1993. Estatuto dos Servidores Públicos Militares. Cuiabá: Polícia Militar de Mato

Grosso, 1993.

______. Lei Estadual n.º 5.177/87. Cria a Academia de Polícia Militar do Estado de

Mato Grosso. Cuiabá: Assembléia Legislativa de Mato Grosso, 1987.

______. Lei Estadual n.º 6.388/94. Institui o Sistema de Ensino da Polícia Militar do

Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Assembléia Legislativa de Mato Grosso, 1994.

______. PODER EXECUTIVO. Decreto n.º 3.144/93. Cria o Curso de Formação de

Oficiais da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Casa Civil, 1993.

______. POLÍCIA MILITAR. ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR. Projeto Político

Pedagógico da Academia de Polícia Militar. Cuiabá: APMMT, 2003.

______. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. CONSELHO ESTADUAL DE

EDUCAÇÃO. Resolução n.º 253/96. Declara Equivalência do CFO ao Nível Superior.

Cuiabá: CEE-MT, 1996.

______. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. CONSELHO ESTADUAL DE

EDUCAÇÃO. Parecer n.º 428/03. Análise e Aprovação do Quadro de Organização

Curricular - CFO - Bel. Com Segurança Pública do Projeto Político Pedagógico da

APMCV . Cuiabá: CEE-MT, 2003.

FPB (Fundação Perseu Abramo). A classe média nas eleições de 2006. Boletim de edição

n.º 57 de maio de 2006. Disponível em

<http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=586 > acesso em: 17

mar 2007.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Petrópolis:

Vozes,1991.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005

(sétima edição em 2001).

GUIMARAES, Luiz Antonio Brenner. A polícia e a proteção à cidadania. In: ESTADO

98

DO RIO GRANDE DO SUL. MARIANO B. D.; FREITAS, I (org.). Polícia desafio da

democracia brasileira. Porto Alegre: CORAG, p.121-127, 2002.

KAHN, Tulio. Cidades Blindadas Ensaios de Criminologia. São Paulo: Brasiliano &

Associados: Sicurezza, 2002.

LAZZARINI, Alvaro. Poder de Polícia e Direitos Humanos. In: Revista Força Policial.

Polícia Militar de São Paulo, n. 30 abr/mar/jun 2001. São Paulo, 2001.

LEAO, Décio Jose Aguiar. Quando Atirar. O Conceito Americano do Uso da Força

Letal. Unidade n. 45 – janeiro/março 2001. Revista de Assuntos Técnicos de Polícia

Militar.

LE CLERE, Marcel. História Breve da Polícia. Lisboa: Ed. Lisboa, 1965.

LEMGRUBER, Julita; MUSUMECI, Leonarda; CANO, Ignacio. Quem vigia os vigias? -

um estudo sobre controle externo da polícia no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2003.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens

qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de Pesquisa:

planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas,

elaboração, análise e interpretação de dados. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MARTINS, Rosana Maria. ABNT – NBR 14724:2002. In: Guia prático para pesquisa

científica. 2. ed, Rondonópolis: Unir 2004.

MONTEIRO, Ubaldo. A Polícia de Mato Grosso: História – Evolução. Cuiabá: PMMT,

1985.

MORGADO, Maria Aparecida. A Lei Contra a Justiça – Um mal estar na Cultura

Brasileira. Brasília: Plano Editora, 2001.

_____. Da sedução na Relação Pedagógica. São Paulo: Summus Editora, 2002.

_____. Juventude: uma questão político-pedagógica e não problema policial. In:

Revista de Educação Pública. v.14, n.26, Cuiabá: Editora UFMT, 2005.

MORGADO, Maria Aparecida; MOTTA, Manoel F. V. Práticas transgressivas de

jovens da classe média e alternativas educacionais. In: Juventude da classe média e

educação: cenários, cenas e sinais. Brasília: Liber Livro Editora, 2006.

99

MORGADO, M..A; SANCHES, M.U.C. Realidades juvenis em Cuiabá, Mato Grosso:

escolarização, trabalho e esferas de participação. In: Realidades juvenis em Mato

Grosso: escola, socialização e trabalho. Cuiabá: Editora UFMT, 2007.

MUNIZ, Jacqueline de Oliveira. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e

cotidiano da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Rio de

Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, p.264-265, 1999.

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Manual

Básico de Policiamento Ostensivo. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1986.

______. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Bases Curriculares para Formação dos

Profissionais de Segurança do Cidadão. Brasília: SENASP, 2000.

______. PODER EXECUTIVO. Decreto-Lei nº 667/68 que Reorganiza as Polícias

Militares no Brasil . Brasília: Presidência da República, 1968.

______. PODER EXECUTIVO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. FUNDAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Convênio n.º 042/2003. Convênio

que entre si Assinam a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso e Polícia

Militar do Estado de Mato Grosso, Objetivando a Elaboração e Execução de Projeto

de Áreas Sociais, de Pesquisa, da Educação e da Cultura. Cuiabá: FUFMT, 2003.

_____. PODER EXECUTIVO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parecer Conselho

Nacional de Educação nº 1295/01. Inclui as Ciências Militares no Rol das Ciências

Estudadas no Brasil. Brasília: CNE/MEC, 2001.

_____. PODER EXECUTIVO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parecer Conselho

Federal de Educação nº 75/93. Trata de Equivalência de Cursos Militares. Brasília:

CFE/MEC, 2001.

ROVER, C. Manual do Instrutor. Direitos Humanos e Direito Internacional

Humanitário para Forças Policiais e de Segurança. Genebra: Comitê Internacional da

Cruz Vermelha, 1998. Disponível em

www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/mundo/rover/c5.htm . Acesso em: 15 de abr 2006.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Processo Seletivo 2006 – Perfil.

Disponível em http://cgi.ufmt.br/vestibular/concursos/ufmt2006/paginas/perfill.html .

Acesso em: 12 de mar 2007.

100

SANDES, Wilquerson Felizardo. Diagnóstico de Clima Organizacional da Polícia

Militar de Mato Grosso. Polícia Militar de Mato Grosso, Cuiabá, UFMT, (Monografia de

Especialização), 2001.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez,

1993.

SIQUEIRA, Elizabeth Madudeira. Prefácio. In: Realidades juvenis em Mato Grosso:

escola, socialização e trabalho. Cuiabá: Editora UFMT, 2007.

SOUZA, P.S.; ANDRADE, M.L. A Polícia Militar do Estado de Mato Grosso e a

criação do Centro de Instrução Militar no período de 1951 a 1960. UNIVAG - Centro

Universitário de Várzea Grande - GPA, Trabalho Técnico Científico, Várzea Grande:

Univag, 2002.

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo