O vocabulário de Parentesco Dravidiano como expressão do casamento (tradução)

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5/13/2018 OvocabulriodeParentescoDravidianocomoexpressodocasamento(trad... http://slidepdf.com/reader/full/o-vocabulario-de-parentesco-dravidiano-como-expressao-do-casa  1 O VOCABULÁRIO DE PARENTESCO DRAVIDIANO COMO EXPRESSÃO DO CASAMENTO * .  Louis Dumont Este  paper 1 nasce de duas fontes. De um lado a familiaridade direta com este vocabulário de parentesco me fez sentir mais fortemente seu caráter sistemático, lógico. Não posso deixar de pensar que este vocabulário tem seu centro no casamento e que deve ser possível exprimir seus dois traços numa fórmula simples. Mas, em se tratando de fazê-lo, encontrei uma resistência considerável das idéias antropológicas correntes. Por isso sugerem-se algumas observações críticas ** . Preliminares Os traços principais são bem conhecidos: classificação de acordo com as gerações, distinção de sexo, distinção de dois tipos de parentes no interior de certas gerações, distinção de idade. Desde Morgan, que baseou seu segundo tipo de família, também chamado “punaluan”, nos sistemas Dravidiano e Sêneca-Iroquês, este tipo de terminologia, conhecida como tipo Sêneca ou Iroquês Dakota, e uma das mais amplamente disseminadas, tem desafiado os antropólogos. Rivers, estudando os sistemas dravidianos, constatou que sua principal característica é a distinção entre primos paralelos e primos cruzados e corretamente conectou algumas dessas características ao casamento de primos cruzados, porém, tentando dar conta do todo, propôs a existência de um hipotético estágio anterior de organização dualista. Descrições menos satisfatórias, quando encontradas na literatura moderna, testemunham a dificuldade encontradas pelos acadêmicos em familiarizar-se com esta importante e relativamente simples terminologia. Ainda em 1947 encontramos mantida a denominação de “fusão bifurcada” [ou assimilação bifurcada], tipo introduzido previamente com a seguinte explicação: “bifurcado porque nele os parentes paternos e maternos são distintos; e fusão/assimilação à medida que há assimilação parcial dos parentes”, uma definição obviamente inexata e confusa já que a distinção não é entre os * N.T: Traduzido de “The Dravidian Kinship terminology as na expression of marriage”, publicado na  Man, 53 (Mar., 1953), pp. 34-39) N.T.2: Ao longo do texto o termo “relatives” foi traduzido como “parentes”. 1 Gostaria de expressar meus agradecimentos ao Professor Evans-Pritchard pela discussão deste paper e a D. Pocock pela sua ajuda em sua preparação. A abordagem estrutural, apesar de diferente, é largamente inspirada no trabalho de C. Lévi-Strauss,  L’Analyse structurale em linguistique et anthropologie, Word, New York, vol. 1, n.2, Agosto de 1945. Para uma abordagem estrutural das atitudes [?] E. E. Evans- Pritchard. The Study of kinship. Man, 1929, 148 e 1932, 7. * * N.T.: Na versão em francês deste  paper , publicada alguns anos depois, esta introdução breve foi ligeiramente modificada por Dumont. Por considerá-la mais esclarecedora, transcrevo-a a seguir: “O estudo nasceu de um desacordo entre a experiência de campo e a concepção corrente. De um lado a familiaridade direta com este vocabulário de parentesco me fez sentir mais fortemente seu caráter sistemático, lógico. Não posso deixar de pensar que este vocabulário tem seu centro no casamento e que deve ser possível exprimir seus dois traços numa fórmula simples. Mas, em se tratando de fazê-lo, encontrei uma resistência considerável do lado das idéias antropológicas correntes. É por isso que algumas observações críticas gerais se impõem de início” (Le vocabulaire de parenté dravidien comme expression du Marriage. (1975). In:  Dravidien et Kariera: L’alliance de marriage dans L’Inde du Sud, et em Australie. Paris : EHESS ; Mouton Editeurs).

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Artigo de Louis Dumond "O vocabulário de parentesco dravidiano como uma expressão do casamento" publicado em 1953 na Man traduzido para o português.

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O VOCABULÁRIO DE PARENTESCO DRAVIDIANO COMOEXPRESSÃO DO CASAMENTO*.

 Louis Dumont 

Este  paper 1 nasce de duas fontes. De um lado a familiaridade direta com este

vocabulário de parentesco me fez sentir mais fortemente seu caráter sistemático, lógico.Não posso deixar de pensar que este vocabulário tem seu centro no casamento e quedeve ser possível exprimir seus dois traços numa fórmula simples. Mas, em se tratandode fazê-lo, encontrei uma resistência considerável das idéias antropológicas correntes.Por isso sugerem-se algumas observações críticas**.

Preliminares

Os traços principais são bem conhecidos: classificação de acordo com asgerações, distinção de sexo, distinção de dois tipos de parentes no interior de certasgerações, distinção de idade. Desde Morgan, que baseou seu segundo tipo de família,também chamado “punaluan”, nos sistemas Dravidiano e Sêneca-Iroquês, este tipo determinologia, conhecida como tipo Sêneca ou Iroquês Dakota, e uma das maisamplamente disseminadas, tem desafiado os antropólogos. Rivers, estudando ossistemas dravidianos, constatou que sua principal característica é a distinção entreprimos paralelos e primos cruzados e corretamente conectou algumas dessascaracterísticas ao casamento de primos cruzados, porém, tentando dar conta do todo,propôs a existência de um hipotético estágio anterior de organização dualista.Descrições menos satisfatórias, quando encontradas na literatura moderna, testemunham

a dificuldade encontradas pelos acadêmicos em familiarizar-se com esta importante erelativamente simples terminologia. Ainda em 1947 encontramos mantida adenominação de “fusão bifurcada” [ou assimilação bifurcada], tipo introduzidopreviamente com a seguinte explicação: “bifurcado porque nele os parentes paternos ematernos são distintos; e  fusão/assimilação à medida que há assimilação parcial dosparentes”, uma definição obviamente inexata e confusa já que a distinção não é entre os

* N.T: Traduzido de “The Dravidian Kinship terminology as na expression of marriage”, publicado na Man, 53 (Mar., 1953), pp. 34-39)N.T.2: Ao longo do texto o termo “relatives” foi traduzido como “parentes”.1 Gostaria de expressar meus agradecimentos ao Professor Evans-Pritchard pela discussão deste paper e a

D. Pocock pela sua ajuda em sua preparação. A abordagem estrutural, apesar de diferente, é largamenteinspirada no trabalho de C. Lévi-Strauss,  L’Analyse structurale em linguistique et anthropologie, Word,New York, vol. 1, n.2, Agosto de 1945. Para uma abordagem estrutural das atitudes [?] E. E. Evans-Pritchard. The Study of kinship. Man, 1929, 148 e 1932, 7.

* * N.T.: Na versão em francês deste  paper , publicada alguns anos depois, esta introdução brevefoi ligeiramente modificada por Dumont. Por considerá-la mais esclarecedora, transcrevo-a a seguir: “Oestudo nasceu de um desacordo entre a experiência de campo e a concepção corrente. De um lado afamiliaridade direta com este vocabulário de parentesco me fez sentir mais fortemente seu carátersistemático, lógico. Não posso deixar de pensar que este vocabulário tem seu centro no casamento e quedeve ser possível exprimir seus dois traços numa fórmula simples. Mas, em se tratando de fazê-lo,encontrei uma resistência considerável do lado das idéias antropológicas correntes. É por isso quealgumas observações críticas gerais se impõem de início” (Le vocabulaire de parenté dravidien comme

expression du Marriage. (1975). In: Dravidien et Kariera: L’alliance de marriage dans L’Inde du Sud, et em Australie. Paris : EHESS ; Mouton Editeurs).

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lados materno e paterno, que são, pelo contrário, tratados pelo mesmo princípio, como  já havia sido esclarecido por Rivers. Mesmo quando o princípio da “solidariedade dogrupo de germanos [siblings]” é invocado, nós retornamos à mesma confusão, pois a tiapaterna é assim assimilada ao pai, e o tio materno, à mãe 2.

Tudo isto exigiria uma explicação e alguns dos que considero serem os fatores

que produzem esses equívocos serão encontrados abaixo. Talvez possa ser dito que, nogeral, a terminologia não foi ainda considerada em si, mas em termos de outros aspectosdo parentesco, de fatos relacionados, mas diferentes dela. Ao mesmo tempo, aterminologia foi apressadamente definida como irracional, sem contar com umadescrição precisa. Isso é tão verdadeiro que, quando Kirchhoff, que ao invés de defini-laquis apenas descrevê-la, acabou chegando perto de uma explicação. Ele afirma, em seutipo D, a existência de “uma palavra comum para pai e irmão do pai, mas uma palavradiferente para irmão da mãe” (etc. em duas colunas)3. Vamos partir deste ponto paraalgumas observações suplementares. Aqui, na geração do pai, há apenas duas classes deparentes masculinos. Em seguida há duas classes que nós não devemos enfatizar porqueo pai e o irmão da mãe são alocados nestas duas classes, na verdade substituindo a idéia

de uma relação dualística pela de uma única classe, como faríamos se propuséssemos,por exemplo, que o “irmão da mãe” fosse o significado básico e, os demais, extensões4.

Além disso, o irmão da mãe é também o sogro e a suposição corrente segundo aqual o significado da afinidade é aqui secundário, sendo o significado cognático o valorprimário, é fundada somente sobre a noção corrente de que a situação de parentesco dealguém precede necessariamente de seu casamento, uma idéia completamente deslocadaaqui porque somente a análise do sistema pode revelar o real significado da categoria.Todas essas suposições arbitrárias nascem de nossa própria forma de pensar,inconscientemente sobreposta às formas nativas. Devemos nos negar a aceita-las emanter diante de nós a questão: qual é o princípio da oposição entre essas duas classesde parentes que chamamos de pai e irmão da mãe? Desde que consideremos que aoposição substitui o que lhe é de direito [ou esta oposição como existente nela mesma] enão aceitemos que o princípio desta oposição esteja na relação com o Ego,proporcionando que visualizemos o contexto do sistema como um todo [e considerandoa relação com o sistema como um todo, podemos encontrar uma resposta aproximada](ver nota 7 adiante).

2 Lewis Morgan, Ancient Society, London, 1877, pp. 424-42; W.H.R. Rivers, Kinship and social

organization, London, 1914; pp. 47-9, 73; vide ainda ‘The marriage of cross cousins in India’J.R.As.Soc., 1907, pp.611-40.‘Bifurcate-Merging’ R.H. Lowie. ‘A note on relationship terminologies’.  Amer. Anthrop., 1928, p.265f.cf. G.P. Murdock ‘Bifurcate-Merging, a test of five Theories’. 1947, pp. 56-68'Solidarity of the Sibling Group': A. R. Radcliffe-Brown, em  African Systems of Kinship and Marriage,Introduction, p. 25.3 P. Kirchhoff.‘Verwandtschaftsbezeichnungen u. Verwandtenheirat’, 'Zeits. für Ethnol.,Vol. LXIV(1932), pp. 4I-72; cf  Lowie, Social Organization (1948), London, I950, p. 63.

4 Para um protesto vigoroso contra este tipo de extensão ver A. M Hocart, “Kinship Systems”, Anthropos,vol. XXXII (1937), pp. 545-51 (Reimpresso em Live-giving Mith), London, (Mathuen), 1972.

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É muito provável que o princípio da oposição se encontre nesta relação. Pode serque nossas idéias preconcebidas resistam a tal ponto de vista, mas elas não deveriamceder se os fatos assim o exigem? Chamaremos esta relação de uma relação de aliança,como uma relação que nasce entre dois entes do sexo masculino (ou feminino) e seusirmãos (germanos) do mesmo sexo, assim que uma irmã (“um irmão”) de um (a) se casa

com o (a) de outro:

Ou mais genericamente:

Esta relação exprime o fato de que se o casamento cria uma relação entre duaspessoas de sexos diferentes, conecta-se também com os seus grupos. Em uma fórmulaequivalente eu mostrarei ainda como exprimir o fato de dois homens (ou mulheres)estabelecerem uma relação de aliança como afins masculinos (ou femininos).

Em outra forma de expressar o mesmo fato, embora não completamente errado,mas que considero menos exato, e o criticismo, sob o qual eu jogarei mais luzes, daresistência inconsciente dos antropólogos à idéia classificação. É possível estender adistinção entre primos cruzados e paralelos para falar de parentes em geral, paralelos ecruzados, pelo princípio da distinção [determinando] se há ou não uma troca de sexoquando se passa da linha direita à linha colateral. Segui esta doutrina num estudomonográfico de parentesco entre uma comunidade Tamil-falante5. Mas toda apassagem, embora com tendência a uma visão sintética, é, temo eu, obscura. A fórmula

não satisfaz por dois motivos: (i) apesar dos nativos passarem de uma linha para outraquando rastreiam as relações, estas não estão entre suas categorias básicas e não estão,nem ao menos, expressas em sua teoria; (ii) O sistema tem muito o que melhorar arespeito do casamento, e isto poderia aparecer mais claramente, se fosse possível, nessafórmula. De fato, o antropólogo sozinho é o responsável pela introdução deste conceitoinsatisfatório de “mudança de sexo”. Ele faz isso porque quer rastrear através de umparente do sexo oposto uma relação que o nativo concebe – quando pensaclassificatoriamente – de uma maneira diferente. Como exemplo, nós introduzimos amãe como um elo entre Ego e o irmão de sua mãe, quando, de fato, o último é apenasoposto ao pai. Dois erros convergem aqui: (i) a tendência de ‘extensão’ confunde todauma classe com o atual irmão da mãe; (ii) a introdução de um nome descritivo,

ocidental, traduzido por ‘mãe’, só é relevante neste nível como elo pelo qual a relaçãoentre pai e irmão da mãe vem a existir. Se, contudo, nós concordarmos em considerar ostermos para os dois sexos separadamente, (como é normal num sistema onde os termospara mulheres são distintos, e não meras formas/versões femininas dos termosmasculinos) em uma perspectiva classificatória, as dificuldades desaparecem.

Após esta morosa, mas necessária discussão, nós podemos agora definir oproblema.

5 Fórmula de Lévi-Strauss nas Estruturas Elementares do Parentesco (1949). Eu espero que minha ênfaseno parentesco seja entendida como inspirada neste trabalho. L. Dumont, “Kinship and alliance among the

Pramallai Kallar”. Eastern Anthrop. Lucknow, vol. IV, n. 1, set-nov. (1950-1), pp. I-26. (mas com váriaserratas) ver p. 5-12 como numa primeira tentativa nesta presente direção

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Limites e natureza da análise

Desde Morgan tem sido reconhecido que os sistemas terminológicos utilizadospela maioria das comunidades falantes de uma das quatro linguagens dravidianas (algo

em torno de 70 milhões de pessoas) são muito semelhantes. O que acontece com essemontante quando cada linguagem usa diferentes termos, quando novamente em cadalinguagem a lista atual de termos difere ligeiramente de um grupo para outro, e quando,além disso, somente alguns poucos tipos de listagens são registradas entre o vastonúmero das existentes? É possível abstrair algo como um sistema terminológicocomum? É, graças ao caráter sistêmico de uma notável estrutura constante. E nãonegaremos que o esforço será mais lógico que estatístico. Nem todos os gruposconformam-se perfeitamente com o sistema delineado adiante – por exemplo, algunsTâmil Brahmins alteram o sistema consideravelmente pela introdução de um número determos individualizantes, ou os Nayar, que atualmente não distinguem entre primos (deacordo com Madame Bierdeau), mas pode-se dizer que a maioria das listagens estão

centradas num esquema comum, do qual diferem ligeiramente e individualmente. Oexemplo das listagens Tâmil e a dos Kanarese ilustram isso quase perfeitamente6.

Os limites da análise podem ser definidos como próximos ao núcleo vital dosistema: eu deveria considerar apenas as características classificatórias comuns numafaixa de cinco gerações.

Um ponto importante é que a natureza da tarefa compele-nos a considerar que adistintividade dos termos denotam as classes, suficientemente independente da suaforma lingüística concreta. Isso é um feliz acaso, porque permite a análise dodesenvolvimento no nível mais básico da estrutura do sistema, considerando que talanálise geralmente mistura-se com as considerações lingüísticas, bem como com asconsiderações das atitudes ou instituições que pertencem a um diferente nível de análisee as quais são excluídas aqui pela grande diversidade do quadro. A necessidade deacentuar o casamento entre primos cruzados parecerá mais evidente nodesenvolvimento de nossa elaboração.

Uma breve explanação da expressão usada acima é necessária: “a distintividadedos termos denota as classes”. A distintividade dos termos é o problema central, comoeles são utilizados para distinguir (i.e. opor) classes. Mas, inversamente, diferençaslingüísticas que não são utilizadas para opor classes são irrelevantes aqui, e é por estemotivo que acrescento as palavras “denotam as classes”. Por exemplo, diferentespalavras aplicadas exatamente aos mesmos parentes são irrelevantes ou ainda,secundariamente, diferenças dentro de uma classe (obtida pela afixação, etc.) são

irrelevantes na medida em que não alteram a sua unidade (porque, por exemplo, apalavra da classe ou raiz da palavra é mantida em todas). Novamente, semelhançaspodem existir entre os termos de diferentes classes, na medida em que as classes nãoestão em oposição direta. Todos estes fatos são de interesse, e podem mesmo serencontrados de forma comum em todas as nossas terminologias; mas eles não são parteda estrutura básica. (limitações de espaço impedem que esses pontos possam serdesenvolvidos e exemplificados aqui como deveriam ser). Nossa situação é similar adaquele foneticista: assim como este isola entre as particularidades fonéticas apenasaquelas que diferenciam sentidos, nós aqui isolaremos entre as particularidades

6 As lista de Morgan são mais completas (Systems, p. 518f.) para os Tamil, Tegulu e Kanarese, comodestaca Mrs. I. Karve num estudo a ser publicado.

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lingüísticas apenas aquelas que diferenciam os parentes. E mesmo (por enquanto),somente a classe fundamental destes.

O sistema assim definido classifica todos os parentes de cinco gerações do avôao neto em 16 classes pelo uso de 16 distintos conjuntos de termos. As gerações sãocomo uma regra absolutamente distinguida; não há nenhuma assimilação de parentes

pertencentes a diferentes gerações. Adicionalmente, a geração de Ego é dividida emduas pela distinção de parentes mais velhos e mais novos que Ego: esta distinção deidade pode ser tratada como análoga à divisão entre gerações (a distinção de idade emoutras gerações, e.g. do pai, é marcada não pela distinção de termos, mas por adjetivosprefixados; consequentemente, não é relevante aqui, como foi estabelecido em nossoprimeiro ponto). Alguns destes termos têm uma forma masculina e outra feminina,alguns têm apenas uma forma, para a versão masculina ou feminina, e esta é a regraonde a distinção central e crítica que a segue está totalmente mantida. Em cada grupo deidade ou de geração, os parentes do mesmo sexo são distinguidos em duas classes. Noquadro (Fig 1), cada classe é designada por uma letra, de A a P, distribuídassimetricamente para acentuar a oposição.

Geração ∆  Ο  Ο  ∆ Avô A(+fem.A’)Pai B C D E

EgoEgo > F G H IEgo <  J K L M

Filho N(+fem.N’) I

O[=k+N]*+fem.O’Neto P=fem.P’Para a instância Tâmil, onde k provavelmente significacasamento. A conexão linguística entre N e O é enfatizadaaqui como uma exceção.

FIG 1A são os ‘avós’, B os ‘pais’, C as ‘mães’, as ‘irmãs dospais’ e ‘sogras’, E os ‘irmãos das mães’ e ‘sogros’, F os‘irmãos mais velhos’ que ego, J os mais novos, I e M‘cunhados cruzados’ mais velhos e mais novos, G, K,‘irmãs’ e H, L ‘cunhadas cruzadas’, respectivamente maisvelhas e mais novas, N os ‘filhos’ (fem. Para filhas), O os‘sobrinhos’ e ‘sobrinhas’.

Contudo, para a conveniência dos leitores, forneço os equivalentes ordinários;não devemos nos basear pelo mínimo mas, pelo contrário, tentar deduzir o significadode cada classe da sua situação como um todo.

Algumas qualificações são necessárias, tendo em vista o valor da tabela. Aclasse D tende a ser dividida entre os grupos Tâmil que eu tenho estudado, mas aclivagem nunca é a mesma, e os dois termos nos quais ela é baseada são largamenteintercambiáveis, assim, se isto é possível entre os Tamil, não é possível generalizar. Naregião HILM eu tenho que escolher entre duas variantes, a outra variante não aplicadistinção de idade neste grupo. As duas podem ser tidas como igualmente consistentes.Para N e O esta é a situação entre os Tamil, enquanto em outros lugares a distinçãocentral e a de sexo são mais evidentes.

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Agora vamos descobrir, ou antes confirmar, a natureza do princípio da oposiçãocentral e desta forma definir o significado fundamental de cada classe (como distinto deseu significado lingüístico, ver adiante) e tentar entender a forma pela qual as diferentesdistinções são combinadas e a ordem desta extensão.

A geração do pai

Vimos anteriormente que a relação de aliança define o irmão da mãe em relaçãoao pai. Mas o pai é definido ele mesmo em relação ao Ego. Consideremos agora anatureza da última relação e das duas juntas. Fazendo isso, não devemos esquecer queapesar de termos tomado o exemplo genealógico particular do pai, nós estamos lidando,na verdade, com toda uma “classe” de pais. Na relação, ou como eu prefiro dizer, naoposição, entre Ego e o pai de Ego, há dois elementos, um dos quais é comum a ambos,enquanto o outro os diferencia. O elemento que é comum a ambos os termos daoposição eu chamo de “base” da oposição, enquanto o elemento diferenciador eu chamo

de “princípio”. O princípio é claro; é a distinção entre duas sucessivas gerações. Mas oque é a base? O que há de comum entre o ego e o pai de Ego? Obviamente, a respostareside no contexto: o que eles têm em comum é oposto ao que faz sua relação (maisprecisamente, a relação com o pai) com o irmão da mãe para a aliança (fig. 2).

O pai e o Ego são ligados por um elo que exclui a aliança e que eu proponhochamar de “elo de consanguinidade”. Uma qualificação em relação ao sexo deve seracrescentada: Considerando que os “pais” e os “irmãos da mãe” são respectivamente,grupos de siblings [germanos] masculinos, o sexo de Ego é irrelevante (os termos parapai, etc. são os mesmo, independente do sexo de Ego). As duas gerações opostas uma aoutra no grupo de parentesco é uma geração de siblings masculinos e a geração de suaprole, tanto masculina quanto feminina. Em outras palavras, a distinção de sexo, se éuma condição preliminar de diferenciação de parentesco, é independente da distinçãogeracional; isto deve ser lembrado.

Se nós tomarmos agora conjuntamente as duas distinções entre Ego, seu pai e oirmão de sua mãe, nós veremos que Ego e seu pai são similares na consanguinidade e sediferenciam na geração, enquanto o pai e o irmão da mãe são similares em geração ediferentes na consanguinidade (i. e. são aliados). Cada um dos dois elementos (geraçãoe consanguinidade) atua (diferencialmente) sob as suas formas negativas como princípiode uma oposição e sob suas formas positivas (unidas) como base de outra.

As duas oposições concretas não têm apenas um termo em comum (o pai), massua concatenação é construída sob duas oposições abstratas que operam

transversalmente (i) comunidade e diferença na geração; (ii) comunidade e diferença naconsanguinidade; i.e. consanguinidade e aliança. A última, dentro do qual a categoriaaliança [afinidade] é trazida a luz em oposição à categoria de consanguinidade, é desuma importância. Comparados aos sistemas malaios de Morgan, no qual as duascategorias não são distintas, é enfatizada a importância da aliança, i.e. de casamentocomo uma relação entre grupos. Além disso, ambas as idéias são dadas juntas, e nascemuma da outra: não há consanguinidade sem aliança, não há aliança semconsanguinidade.

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Algumas observações devem ser acrescentadas: (i) entendemos que não hátermos especiais (no atual nível) para os afins; o significado básico dos termos paracategorias cruzadas é afim. O irmão da minha mãe é essencialmente o afim do meu pai.(ii). Nós de fato tomamos duas oposições como caminho conducente do Ego para o paie do pai para o irmão da mãe. Teremos então o direito de falar de uma estrutura stricto

sensu? Mas aqui reside a característica da terminologia de parentesco quandocomparada com outros agrupamentos de parentesco que é uma constelação orbitando

em torno de Ego. A única diferença das visões costumeiras sobre o assunto está nomodo como nós temos tomado a mãe, não como imposta pela terminologia, pela formacomo ela aparece em nosso próprio vocabulário, mas, eu creio, pela forma nativa. (iii) Oque aqui é chamado de parentesco não tem nada a ver, é claro, com os atuais grupos,sendo apenas abstrações surgidas das oposições; isso novamente está centrado no Ego, eé apenas uma parte do que a terminologia sugere como tal, porque nós temos queabstraí-lo do lado masculino. Dirigindo-se aos parentes femininos, devemos encontrarsua contraparte feminina. Tudo pode ser chamado de “consanguinidade terminológica”para evitar confusão, e opor a “afinidade terminológica”. Este é apenas um quadro geralque é utilizado e formatado por cada grupo de acordo com suas instituições particulares.

Na mesma geração, nós podemos lidar com isso exatamente da mesma forma

que lidamos com a questão acima, com relação à oposição entre “mãe” e “irmã do pai”e conectado à oposição entre Ego e a mãe de Ego. Devemos deixar de fora o elointermediário, neste momento o pai, como um mero agente trazido (e, por conseguinte,contidos em) no relacionamento de aliança entre duas mulheres. O grupo deconsanguineos que surge aqui será formado por uma geração de siblings femininos, asmães (opostas às suas afins femininas) e a geração de sua prole de ambos os sexos. Estacategoria de consanguineos não é diferente da precedente. É a mesma, oposta à aliançacomo acima pelo qual temos uma outra visão de acordo com a distinção sexual dosistema. A fim de insistir sobre a característica classificatória, nós temos aqui (fig 3) umesquema generalizado; um similar, é claro, pode ser desenhado para os homens.

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Tendo encerrado parte da demonstração pela qual muito provavelmente surgiu acontrovérsia, e antes de entendê-la a outras gerações, podemos ter um vislumbre dotodo. Não há dificuldade, como alguém pode imaginar, no fato dos primos cruzados deEgo serem essencialmente afins de Ego, bem como irmãos da mãe, quecomprovadamente é um afim do pai. Isso significa que a aliança que é consideradahorizontalmente numa geração adquire uma dimensão vertical nas demais.

Aliança como uma instituição durável: casamento entre primos-cruzados

Não é outra aliança, mas a mesma relação transmitida de uma geração para aoutra, por herança; o que nós temos considerado até agora como uma relação de aliançaé apenas uma seção horizontal dela. E esta pode ser oposta à consanguinidade se nãotranscende gerações? É esta aliança como instituição duradoura que está incorporada naterminologia, o que alimenta sua oposição característica fundamental.

Mas afirmar que a relação de aliança é herdada é o mesmo que dizer que certaregulação de casamento é observada. Teoricamente, para manter a relação, umcasamento em cada geração é suficiente, mas quanto mais casamentos desse tipoocorrerem, mais a aliança será inabalável. A forma total mais imediata e completa paraisto é o “casamento com o primo(a) cruzado(a)” em qualquer uma de suas descrições.De fato, o que nós nos acostumamos a chamar de “casamento com primo cruzado” nãoé nada mais que a fórmula perfeita para perpetuar a relação de aliança de uma geraçãopara outra, desta forma fazendo da aliança uma instituição durável. Um nome particulare estranho para um fato de caráter geral e lógico. De fato, é somente o hábito dosantropólogos e seu vocabulário peculiar expressando a aliança em termos de parentescoque oculta esta verdade simples ao invés de revelá-la.

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Outras gerações

Como podemos, por nossa vez, repetir em outras gerações o que dissemos sobrea geração do pai? Se a relação de aliança pode ser supostamente similar, a relação entregerações será diferente.

Na geração do avô o casamento de primos cruzados (ou um equivalente)exemplifica uma ligação de afins entre os dois avós de Ego. E esta é a verdadeira razãopela qual eles não podem ser distinguidos e a razão pela qual há somente um termo paraambos, para ambos os parentes com uma só forma e afins em outra: a mãe, assim comoo pai, é consanguineo de Ego, e desta forma há os pais deles, que ao mesmo tempo emque tem um relacionamento de aliança, podemos considerar um deles A comoconsanguineo e o outro B como afim ou, da mesma forma, B como consanguineo e Acomo afim; as duas categorias que se fundem nesta geração e na distinção deconsanguineos não podem ser aplicadas a esta. O mesmo pode ser dito sobre os netos: aaliança atua como um princípio de oposição para apenas (duas ou) três gerações,enquanto que todos os consanguineos fundem-se na quinta e na primeira7.

Não há dificuldade teórica na geração do filho de Ego, mas antes umadificuldade prática: pelo menos entre os Tamil, a oposição da aliança enfraquece (a baseé enfatizada pelo uso da mesma palavra, com o acréscimo de um prefixo de um lado,algo como acontece com filho “son” e “son-and-law”*), e ao mesmo tempo a oposiçãode sexo desaparece (“filha” é o feminino de “filho”), isso é consistente, mas não possooferecer explicações estruturais, embora haja provavelmente um quadro de referênciacomum.

Na geração de Ego (homens), algo interessante acontece se nós tentarmos aplicaro mesmo procedimento da geração do pai: de um lado a oposição de aliança estápresente, os homens afins sendo maridos das irmãs e irmãos das esposas, bem comofilhos do afim (masculino) do pai e afim (feminino) da mãe. Por outro lado, a oposiçãode geração desaparece, já que Ego e seus irmãos podem ser tomados indiferentemente,mas um novo princípio é invocado a fim de substituir aquele responsável pela paulatinadiminuição das diferenças: a idade relativa é distinguida e a geração é dividida em duasmetades abaixo do irmão mais velho e do irmão mais novo de Ego. As duas distinções(geração e idade), uma que alivia a outra, tem uma conotação no quadro de referênciade idade comum e estão intimamente conectadas8.

7 Esta característica é fundamental, e nossa análise em grande parte lhe cabe. Toda a estrutura é diferentequando neto e avô são identificados, como entre os Kariera (com dois termos para cada).

****N.T.: Em português, respectivamente, filho e genro. Para compreender o exemplo de Dumont,todavia, é necessário deixar os termos em inglês, a fim de se identificar os sufixos, que em português nãoexistem.

8 A conexão estreita entre idade e geração na estrutura pode constituir a base de uma exceção importanteao princípio geracional antes de uma natureza diacrônica ...

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Aliás, é nesta parte que a terminologia real difere mais do nosso gráfico. Váriosfatores atuam, e um dos quais é de natureza classificatória. É uma tendência sublinhar osexo relativo da pessoa em comparação com o de Ego, como é perfeitamente naturalonde pares prospectivos são encontrados. Esta tendência combina em vários sentidoscom a distinção entre mais velho e mais novo [elder/young] e o problema é ainda maiscomplicado por outros fatores que requerem tratamento especial.

No parágrafo anterior nós já antecipamos a classificação de consanguineosfemininos, que devem ser estendida da mãe para as demais gerações. Isto não énecessário quando a estrutura é simétrica (com exceção da que acabamos demencionar).

Conclusão

Espero ter conseguido demonstrar que a terminologia de parentesco dravidiana,e outras terminologias do mesmo tipo, pode ser considerada em sua amplafuncionalidade, como nascida de configurações precisas de quatro princípios deoposição: distinção de geração (qualificada como uma escala ordenada), distinção desexo, distinção de consanguineo idêntico com relacionamento de aliança e distinção deidade.

A terceira distinção (que por si só não é de forma biológica) é a mais importante;o sistema personifica a teoria sociológica do casamento tomada na forma de umainstituição que segue as gerações e supõe – bem como favorece – a regra de casar comum primo cruzado como uma forma de mantê-la. Por conseguinte, também é um fatobem preservado nos grupos indianos que as duas categorias de consanguineos e afinscompreendem todos os consanguineos sem nenhuma terceira categoria. Isso pode serentendido sem recorrer à organização dual; a oposição entre consanguineos e afinsconstitui o todo – o afim ou meu afim é meu irmão – o casamento é deste modo o todosocial, o que une e ao mesmo tempo separa em dois, do ponto de vista de Ego 9.

Não admira, então, que a Índia transforme esta na principal cerimônia, e talvezesta seja também uma explicação para a estabilidade e vitalidade da terminologiadravidiana que tem desafiado os antropólogos desde Morgan.

Tradução, a ser melhorada, de Fabiane Vinente dos Santos

9 Isto não ocorrer sempre, mas somente quando certas condições estão presentes.