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  • 7/28/2019 Objetos da observao lugares da experincia

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    ObjetOs da ObservaO lugares da experincia

    Robert Kudielka

    RESUMO

    No discurso que hoje hegemnico, a preocupao com a

    espacialidade das e nas obras de arte foi retirada da pauta artstica nos espaos institucionais e sociais existentes. Mas a

    ampliao das concepes artsticas, das estratgias e modos processuais trouxe lembrana essa condio de existncia

    das obras de arte modernas, cujo alcance foi longamente subestimado. Este texto faz um panorama acerca da questo daespacialidade nas artes plsticas do sculo XX e procura situar o debate com relao produo contempornea.

    PALAVRAS-CHAVE: artes visuais; espao; arte moderna; crtica de arte.

    SUMMARY

    Nowadays, the concern with the space of and in the works of

    art has been withdrawn from the artistic debate. But the current enlargement of artistic conceptions, strategies and

    process modes brings to memory this condition of existence of the works of art, whose reach has been broadly under-

    estimated. This text traces an overview of the matter of space in visual arts during the XXth century and relates the

    debate to contemporary production.

    KEYWORDS: visual arts; space; modern art; art criticism.

    NOVOS ESTUDOS 82 NOVEMBRO 2008 167NOVOS ESTUDOS 82 NOVEMBRO 2008 167

    [1] White,John.The birth and rebirthof pictorial space.3-aed.Londres,1987[1957].

    [2] Oautorserefereseodope-ridiconaqualesteensaioseinsere.[N.T.]

    The birth and rebirth of picturial space o ttulo de umlivro de John White, dos anos 1950, o qual mostra, a partir do exem-

    plo do renascimento italiano, que o espao nas artes plsticas no simplesmente um recurso j dado, do qual se pode dispor livre-mente, mas uma formao cambiante e sumamente exigente, quedeseja ser constantemente recriada1. O tema da seo A inveno e areinveno do espao2 apanha e amplia ao mesmo tempo essa tese,pois no se trata mais, hoje em dia, de um espaopictrico aparen-temente, isto o que menos importa. Nos ltimos anos, a arte con-tempornea ultrapassou de muitas maneiras esses limites. O espaopictrico foi, por fim, o grande tema da arte nos anos 1960. Nunca

    a espacialidade das obras de arte foi discutida de modo to intensoe controverso como nos debates artsticos e da crtica de arte dessapoca. Questes relativas realizao da obra reduziram-se a pro-blemas da organizao espacial: bidimensionalidade versus iluso deprofundidade, espao aberto ou fechado, hierarquias versusall-over. At

    Sobre a mudana da concepo de arte no sculo XX

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    [3] Hetzer, Theodor. FranciscoGoyaunddieKrisederKunstum1800.In:Berthold,Gertrude(org.).Schr ift en The odor Hertzers (ZurGe-schichtedesBildesvonderAntikebisCsanne).Stuttgart,1998,vol.9,pp.141-63.

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    mesmo os contedos foram definidos a partir de propriedades espa-ciais: como resultado do efeito da pintura e da escultura na consti-tuio do espao, considerando-se a tenso existente entre o espaoimaginrio e o espao que fisicamente experimentado, com base na

    proximidade ou distncia dos elementos artsticos em relao aosoutros objetos presentes nesse espao.

    Hoje, o interesse por esses problemas, se j no se extinguiu, refluiuconsideravelmente em favor de questes sobre o lugar e a funo deformulaes artsticas no contexto do assim chamado espao real.Resumindo: no discurso que hoje hegemnico, a preocupao com aespacialidade das e nas obras de arte foi retirada da pauta artstica nosespaos institucionais e sociais existentes. Pode-se lamentar o amon-toado indiferente das formas, cores e citaes, com o qual a pintura

    busca h alguns anos produzir novamente. Mas no se reconhecemapenas dficits na alterao desse campo de interesses: a ampliao dasconcepes artsticas, das estratgias e modos processuais amplia-o que atinge potencialmente todos os espaos de ao trouxe lembrana uma condio de existncia das obras de arte modernascujo alcance foi longamente subestimado. A arte moderna est desti-tuda de lugar. E que por toda parte tenhamos de estar preparados paraela, parece ser a conseqncia ps-moderna dessa condio.

    Nesse contexto a falta de um lugar no significa, em primeira mo,o fato histrico de que a prxis artstica tenha perdido a sua base her-dada, quando as instituies que tradicionalmente a sustentavam,a Igreja e o Estado, perderam a sua autoridade representativa. Como surgimento de uma esfera pblica burguesa para a arte, afastou-seessa iminente calamidade de ocorrer um rompimento com a tradio.Desde meados do sculo XX a arte moderna est relativamente bemestabelecida nas sociedades ocidentais. Isso em nada altera a falta degarantias no espao da representao, insegurana surgida na primei-

    ra crise, ocorrida no sculo XIX, quando, ao desaparecer a misso derepresentar uma imagem estrita da realidade, caducava tambm o con-ceito tectnico [tektonisch] do espao imaginrio. Esse achado fun-damental na histria ocidental das artes plsticas demonstrou-se noapenas potencialmente explorvel e cambivel, mas tambm resisten-te a grandes agravos e contestaes. A fora desse prottipo revela-se,retrospectivamente, e, talvez de modo mais claro, no fato de que eleestava em condies de aceitar ou integrar os muitos abalos e ataquesexpressivos, dramticos e maneiristas a que estava sujeito. Quando o

    estrato tectnico [tektonisch] se dissolveu, por vezes de forma bastanteabrangente e significativa como nos quadros de Goya e Turner ,desapareceu tambm a possibilidade de provocao e de protesto3. Anovidade nos primrdios da pintura moderna consiste, portanto, noapenas na confrontao direta com a realidade da percepo. Para a

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    [4] Cf.o captuloOsplanos.In:Schmidt,Bertram. Csannes Lehre.Kiel,2004,pp.194-226.

    [5] Merleau-Ponty,Maurice.Lil etet lesprit.Paris,1964,p.68f.

    [6] Cf. a seoCzanneund dieTiefedesBildraumes,emKudielka,

    R. Chromatische und plastischeInteraktion.berdieWirkungsweisederBildfarbeimWerkevonBridgetRiley.In:Hoormann,AnneeScha-welka,Karl (orgs.),Whos afraid of.Zum Stand der Farbforschung.Weimar,1998,pp.135-39.

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    constituio da imagem, foi de igual modo urgente a tarefa de conceder multiplicidade e turbulncia do que se observa o seu devido lugarna superfcie do quadro.

    As diferentes solues que especialmente a pintura francesa de

    meados do XIX encontrou para esse problema so conhecidas e seseparam dos desenvolvimentos observados no XX por meio de umaruptura decisiva. Mas esbocemos rapidamente as principais mudan-as ocorridas com relao tradio, porque elas permitem que sereconhea uma alterao agravante no carter de obra dos quadros. Oenftico conceito de obra, tributrio do salto na filosofia da arte quese observara entre Karl Philipp Moritz e Schelling, to inadequadopara o diagnstico dessa transformao quanto o seu pedantismoromntico a preferncia pelo fragmento e pelo processo. Nem

    as categorias do completo-em-si-mesmo [des In-sich-Vollendeten] oudo fundado-em-si-mesmo [des in-sich-Gegrndeten], nem a modernaapologia do aberto, do incompleto, correspondem de modo precisoao tipo de imagem, o qual,grosso modo, formou-se entre o realismode Manet e o aparecimento dos ps-impressionistas. Pois a inten-o de criar o espao correspondente ao contexto da percepo naimagem produziu, na agenda da reflexo artstica, trs modificaesimprevistas no carter da imagem: uma temporalizao radical daapreenso espacial, um rebaixamento do motivo em favor da arti-culao de sua percepo, e, conseqentemente, uma atualizao darelao at ento desconhecida entre o observador e a imagem.

    O discurso peculiarmente arcaizante de Czanne em torno doscampos ou planos [Plnen] les plans pode servir comoexemplo dessa transformao, sempre que ele fala do espao emseus quadros4. O termo significava originalmente, no sculo XVII(aproximadamente na poca de Abraham Bosse), a clssica divisodo espao em primeiro plano, plano mdio e plano de fundo. Mas na

    pintura de Czanne no existe mais essa estruturao clara e estticado espao. Os planos coloridos projetam-se a partir de uma pro-fundidade incomensurvel, de um no-se-sabe-de-onde on ne

    sait do , como escreveu Maurice Merleau-Ponty5; e as relaes dedistncia e proximidade, do que est adiante e atrs, transformam-se, embora no o faam de maneira dramtica, pelo movimento doolhar que os articula. A muito comentada solidez das construespictricas de Czanne no nada mais que a relao ou conexocontnua daquela mobilidade6. O espao imagtico desenvolve-se

    sobre e atravs do tempo da observao. Isto era novidade. Decertoo tempo utilizado na observao de quadros tivera um papel impor-tante, mas enquanto o observador pde se fiar no reconhecimentosempre renovado de sinais iconograficamente seguros, inseridosnuma ordem espacial apreensvel, este aspecto permaneceu oculto.

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    [7] VanGogh,Vincent.Carta21,amileBernard.In:V.W.VanGogh(org.),Verzamelde brieven van VincentVan Gogh,Amsterd,1954,vol.4,p.236.

    [8] Proust,Marcel.Auf der Suche nachder verlorenen Zeit.Trad.EvaRechel-Mertens.FrankfurtamMain,1979,vol.10(DieGefangene2),p.347.

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    Somente com a retirada dos fatores estabilizantes a temporalidadepde realmente aparecer.

    Essa temporalizao do olhar alterou o carter de obra dos quadros.Pois ela significava que o objeto ou motivo j no eram fundamentais

    para o contedo da representao; eram, no mximo, um ensejo paraa realizao artstica de sua percepo. O olhar tornou-se, ele mesmo,contedo; e com ele todas as sensaes que o acompanham, as quais noso de natureza meramente visual. Van Gogh ressaltou de modo bastan-te claro essa mudana da expresso na constituio do modo de sentir,quando ele advertiu mile Bernard dos temas cristos: para se criar aimpresso de angstia no necessrio se afligir, como Cristo no Montedas Oliveiras bastam as oliveiras7. Uma boa parte da perplexidadeque a pintura moderna do XIX suscitou no pblico consiste nesse afas-

    tamento da viso e contedo representacionais. Ao invs de assegurar oobservador de uma ordenao das coisas que fosse confivel, os quadrospropiciavam uma grande variedade de acessos a uma realidade, a qualparecia se encobrir cada vez mais, medida que surgia um novo ponto devista artstico. Apenas no sculo XX a arte moderna encontrou o seu pri-meiro representante, o qual falava sem reservas dessa multiplicidade dosmodos de ver. Tratava-se de Marcel Proust: na apologia que aRecherchefaz da nica viagem verdadeira, a qual no consiste na busca de novaspaisagens, mas na possibilidade de que ns tivssemos outros olhosa fim de observar o mundo com os olhos de um outro, com os olhos deoutros cem; para poder observar os cem diferentes mundos, dos quaiscada um de ns v um e um em si mesmo8.

    Quando, em 1923, apareceu esse elogio de Manet, Monet e dosdemais, a apreenso da imagem se havia mais uma vez alterado; masde modo algum ela se alterara de maneira continuada e conseqente,como h muito os relatos modernos querem fazer crer. Provavelmenteforam as obrigatrias exposies rememorativas, ocorridas na pri-

    meira dcada do novo sculo, que chamaram a ateno de uma geraomais jovem para uma possibilidade j colocada e resgatada. O processode articular os prprios modos de ver derivado da perda da imagemrepresentativa da realidade no significava necessariamente que oobservador tivesse sido colocado numa relao fora de si mesmo, diri-gida para fora, diante de um motivo em plein air. A comprovada capaci-dade das obras de arte de constituir um lugar de experincia localizadoentre o fator que a ensejou e o observador pde voltar-se, igualmente,para o observador. Em vez de constituir um novo acesso a um exterior

    supostamente conhecido, os primeiros quadros fauvistas, expressio-nistas ou cubistas primeiramente nos representam, e, na verdade, nosentido confrontador de que ns de um modo em parte intrigante,em parte liberador somos, por meio deles, trazidos para fora de nse postos em relao conosco mesmos. Ns no vemos o mundo com

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    [9] Matisse,Henri.EntretienavecTriade(1929).In:Fourcade,Do-minique(org.).crits et props sur lart.

    Paris,1972,p.99f.

    [10]SofarasIknow,Iwasthersttobringthepaintingforwardfromtheframe,ratherthansetitwithintheframe.In:The new art The new life.The collected writings of Piet Mondrian.Holtzman,HarryeS.James,Martin(orgs.).Londres,1987,p.357.

    [11]Sobreoconceitodepeinture-objet,cf.Hess,Walter.Dokumente

    zum Verstndnis der modernen Malerei.ReinbeckbeiHamburg,1997,p.75f.

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    outros olhos: diante dos quadros, descobrimos em ns mesmos apossibilidade de estarmos no mundo de uma maneira diferente.

    Para que essa ruptura pudesse ocorrer, a arte teve de se desnudarcompletamente, desvencilhando-se de todos os subterfgios e segre-

    dos. Pois apenas dessa maneira a relao entre imagem e observadorpodia se tornar uma base aberta que abria para ambos os lados um novoconceito de obra. O motivo do ateli, tal como Matisse o concebeu, em1911, e que Picasso, Beckmann, Braque e muitos outros tomaram comodeclarao do espao artstico da ao, significou para a modernida-de do sculo XX o que a tica do trabalhosur le motifhavia significadopara o pintor do XIX: o certificado de uma autocompreenso artsticatransformada. Muito longe de sinalizar um afastamento da arte comrelao ao mundo, a imagem do ateliercomprova que aquilo que mais

    sagrado (Ingres) se revela aos olhos da sociedade exatamente aqui-lo que os homens haviam antes buscado nas imagens divinas. Isto nosignifica necessariamente uma trivializao. Entendido como espaodo artista, o espao pictrico se revela como uma esfera de usos, rela-es e ligaes especficos, a qual afasta dos contextos herdados oucostumeiros tudo aquilo que a penetra. Estar num lugar no significasimplesmente ocupar uma posio; experincia do lugar pertence,em geral, um contraponto no espao, o qual pode ser meramente umacoisa, um olhar ou, mais raramente, a presena perceptvel do nada.

    Em sntese, no importando como o espao se revela nos quadros,diante de sua superfcie o lugar de mobilizao da experincia des-locou-se, aparentemente, na arte do sculo XX, para a relao entre aimagem e o observador. Isto vale para as confluncias ascendentes daspraas de de Chirico, bem como para as famosas janelas de Matisse, asquais sublinham a sensao de unidade e extenso do espao, abrindoo espao pictrico para dentro, para o observador9; e isto vale, sobretu-do, para a determinao do espao em Mondrian, o qual em aberta

    contradio com as interpretaes metafsicas correntes no fim desua vida gabava-se de ter sido provavelmente o primeiro a subvertera disposio da moldura do quadro, para deixar claro onde a imagemse encontra: no espao entre a superfcie pictrica e o espectador10. Aprimazia do primeiro plano em detrimento do plano de fundo podeser descrita como uma tendncia da arte no sculo XX, qual mesmoas obras dos surrealistas no se contrapem. Bem observados, mesmoos mundos delirantes de Dal no so profundos. Antes, eles se apre-sentam de maneira teatral no primeiro plano.

    Enquanto os quadros se abriam para o espao comum do obser-vador, eles se tornavam involuntariamente semelhantes s coisas noespao:peinture-objets pintura-objetos como diziam os cubis-tas11. Isto ocasionou um considervel deslocamento de pesos no mbi-to das artes plsticas. Pois a escultura, que, do ponto de vista da repre-

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    [12]Aprpriahistriaartsticada

    esculturaotemadolivrodeDieterRahm,Die Plastik und die Dinge. ZumStreit zwischen Philosophie und Kunst,Freiburg,1993.Arelaocomapin-turamodernadiscutidademodomaisdetalhadoemKudielka,R.Auf-stellenstattReprsentieren.ZurBe-deutungdesParadigmasderPlastikinderModerne.In:Kluxen,Andrea(org.),sthetische Probleme der Plastikim 19. und 20. Jahrhundert.Nrnberg,2001,pp.249-72.

    [13]Judd, Donald. Specific Ob-jects.In:Arts Yearbook,8,1965,pp.74-82.TraduoalememStemri-ch,Gregor(org.),Minimal art. EineKritische Retrospective.Dresden;Ba-sel,1995,pp.59-73.

    [14]Essa mudana transformou-se,em1964,numaespciedelemadaquelesartistasquehojesocarac-terizadoscomopertencentes mi-nimal art.Oargumentofoidebatidocriticamente,emfevereirode1964,numadiscussoradiofnicasobreotemaNewnihilismornewart?,publicadodepois,em1966,porLucyLippard,sobottuloQuestionstoStellaandJudd.InterviewbyBruceGlaser,naediodesetembrode

    Art News ;reimpressoemBattock,Gregory(org.),Minimal art. A criticalanthology.Londres,1968,pp.148-64.Sobreumahistriadarecepo,cf.Feldman,PaulaeSchubert,Karsten(orgs.),It is what it is. Writings on DanFlavin since 1964.Londres,2004.

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    sentao plstica, havia sido relegada a um segundo plano na Europa,adquiria agora quase o mesmostatus da pintura. A concentrao que amoderna pintura francesa do XIX realiza na perceposur le motifnopudera ainda compensar o velho preconceito, pois o espao pictrico

    retirado fora de seu sentido da viso permaneceu um campo imagi-nrio da viso, uma janela que se tornara igualmente opaca. Somenteos painis cubistas abalaram esse paradigma. Talvez nada mostremelhor a peculiar mudana na concepo de arte no sculo XX queo desenvolvimento da escultura, realizado de modo bastante inde-pendente em relao histria da pintura. Como objeto no espao,a escultura pde corresponder nova exigncia de constituio doslugares da experincia de um modo mais direto e abrangente que apintura12. Assim, Brancusi tomou a mcula tradicional das esculturas

    a de que elas quase sempre necessitam de um pedestal para ficarna altura que se convencionou para a pintura e o reverteu em favordelas mesmas. Para isso ele fez ressaltar literalmente a base de sus-tentao da escultura, por meio da construo em camadas, as quaisela partilha com o espectador.

    Observando-se o sculo como um todo, poderia parecer que asdistores decisivas tenham todas ocorrido por volta de 1910. A partirdo ateli, que tematiza o espao de ao do artista, parece haver umalinha direta que conduz ao exibicionismo doperformer, o qual empre-ga o seu corpo como meio de representao; e mesmo a deciso dopintor Donald Judd de preterir o carter de aparncia dos quadros emfavor de specific objects13 parece estar presente na revivescncia dacomparao hierrquica do paragone entre escultura e pintura nosobjetos pictricos de Picasso, em 1913. Mas a continuidade engana.As possibilidades de comparao mostram que existe uma relaogenuna entre a modernidade americana e a europia, mas elas ocul-tam ao mesmo tempo um deslocamento recente do enfoque, o qual se

    tornou visvel o mais tardar no incio dos anos 1960. Hoje mal se podeimaginar o quo libertadora e animadora foi a recepo das direesartsticas que se seguiram ao expressionismo abstrato provenientedos Estados Unidos. O rumor ps-existencialista e aquela presunohistoricamente neutra, que em cada abstrao nebulosa logo adivi-nhava uma vibrao csmica, foram abafados por um positivismoesttico implacvel: It is what it is14. Mais ainda, o categrico pro-testo do espao real, fisicamente vivenciado, fora to mais autnticoquanto independentemente de preferncias estilsticas e partida-

    rismos parecia confirmar uma tendncia do incio do sculo, a qualno obtivera at ento um desfecho. No bojo da recepo de JasperJohns, Allan Kaprow, John Cage, Richard Hamilton e outros, MarcelDuchamp tornava-se uma espcie de superpai da arte do sculo XX.A apresentao deBedroom ensemble (1963), de Claes Oldenburg, por

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    [15]ABedroom ensemble refere-seaumalembranaqueOldenburgtinhadeummotellocalizadona estrada

    costeiraquelevaaMalibu.Nelecadaquartoeramatizadopelocarterdeumdeterminadotipodepeleanimal:tigre,leopardo,zebraetc.Oconjuntomisturavaestespadreseoscombina-vacomaaparnciadadaporfolhasdemadeiramarmorizadas,dasquaisastexturaseramimitadascomrecursosfotogrficos.CuriosamenteOlden-burgnoviaemseutrabalhoqualquerdiferenadeprincpioscomrelaoaumainstalaoabstrata,comoadeMorris,aqualdramatizavaoespao

    dagaleriapormeiodecorpospura-mentegeomtricos:Geometry,abs-traction,rationalitythesearethethemesthatareexpressedformallyinBedroom[...].Bedroommighthavebeencalledacompositionfor(rhom-boids)columnsanddisks.In:Russel,JohneGablik,Suzi(orgs.),Pop art: re-dened.Londres,1969,p.95f.

    [16]Atraduodottuloparaatem-poradaeuropiadaexposioes-clarecedoranocontextoatual:O

    espaonaarteamericana:1948-1968Theartofthereal,catlogodaKunsthausesZrich,1969.

    [17]ODoherty,Brian.In der weienZelle: Inside the White Cube.Berlim:WolfgangKemp,1996.Oensaioapareceupelaprimeiravezem1976,emtrsnmerosseguidosdoperidi-coamericanodearteArtforum.

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    Sidney Janis, em 1964, e a instalao minimalista de Robert Morris, naGreen Galery, nesse mesmo ano, so apenas dois exemplos da conver-gncia do que aparentemente oposto numa inteno comum15. Theart of the real era o ttulo de uma exposio coletiva do Museu de Arte

    Moderna, que, em 1968, buscou apresentar uma primeira sntese daarte americana dos anos 1950 e 196016.

    Passaram-se ainda duas dcadas antes que, em face de explosivasconseqncias, ficasse claro em que consistia a fora artstica irruptivadessa orientao extraordinariamente estimulante e exitosa: na desin-tegrao da interioridade da obra de arte. A maneira europia de atualizar aarte como lugar da experincia baseava-se em ltima instncia e porfora da estrutura interna e da prpria postulao da obra no enreda-mento do espectador numa relao que abria um acesso especfico ao

    mundo. O enfoque americano foi bastante diferente. J nos quadros deMark Rothko, Barnett Newman e Clifford Still a complexidade internae a contundncia da construo da imagem se escondia curiosamenteatrs do impact, do efeito imediato que posies simples e de longoalcance exerciam sobre a sala de espera compartilhada pela imagem epelo espectador. Essa tendncia foi confirmada e fortalecida, no fimdos anos 1960, por meio do surgimento do tipo clssico de exposioda modernidade americana: uma reunio de quatro a cinco exposito-res, em princpio semelhantes, abrigados num espao fechado, o maisneutro possvel: o, desde ento, muito discutido white cube17. Masapenas a aceitao e a formao dos conceitos de environmente de ins-talao, nos anos 1970, introduziram a ambigidade que parece estarinserida na concentrao em torno do efeito espacial real da obrade arte. Pois a ascenso e a ampliao rigorosamente ativadas desseaspecto da organizao temporria da sala da galeria at land artconduziu finalmente conseqncia aparentemente lgica de aban-donar a preciso e a peculiaridade das normas artsticas, no mais a

    partir de dentro, desenvolvendo os intrinsic relationships dos arte-fatos, mas de suprimir os respectivos dados espaciais e contextuaisnas condies gerais exteriores [Rahmenbedingungen]. Em lugar da livrevagabundagem e da hospedagem em artefatos relativamente autr-quicos, introduziu-se a organizao objetiva de situaes espaciaisque se encontram em expanso.

    Esta mudana de orientao, que se pretende ps-moderna,apresenta aparentemente um poderoso argumento: o fato histricode que as obras de arte se destinam tradicionalmente a lugares e fun-

    es legitimados para isso. A acentuada diminuio desse aspecto naarte moderna no se originou, naturalmente, de nenhuma presun-o do artista, mas da dissoluo daquela estrutura rgida de lugarese atos representativos, a qual, at aqui, havia marcado a realidade daalta cultura. O ideal da obra autnoma, no ligada a qualquer locali-

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    [18]AinstalaoDie Toilette,deKa-bakov,pdeservista,em1992,naDo-cumentadeKassel.OWeather project,deEliasson,dominoudurantecincomeses,apartirdeoutubrode2003,a

    antigaSaladasTurbinasnaTateMo-dern,emLondres.EoCreation myth,deRhoades,foiexibido,nooutonode2004,dentrodaFlickCollection,noMuseudeArteContemporneadeBerlim,HamburgerBahnhof.

    [19]Peter Sloterdijk seguiu essedeslocamentodepesosatascons-truesauto-referentesdomuseu,asquaiscelebramaexposiodo

    espaodeexposies:Osreci-pientesdemonstramdemaneiracadavezmaisclaraasuademandaporprecedncia,emdetrimentodeseucontedo.In:Sloterdijk,Peter.Sphren III : Schume .FrankfurtamMain,2004,p.813.

    dade, foi um reflexo inteiramente involuntrio no mbito das artes,em resposta liquidao de ordenaes e orientaes sociais rgidas.Liquidao que, pelo menos desde a Revoluo Industrial, tornou-seo fator social dominante. E esta mobilizao das relaes no sofreu

    qualquer decrscimo desde ento ocorreu justamente o contrrio.Se, por isso mesmo, nas duas ltimas dcadas a insistncia em tornode imposies e intervenes se tornou um motivo determinante nasartes, observa-se menos um retrocesso ou anacronismo do que umaresposta direta problematizada Atopia do mundo moderno, pre-sente na moderna crtica da civilizao, de Nietzsche a Foucault. Aexplcita configurao de lugares na arte contempornea parece serapenas a resposta dada de modo complementar a um sensvel emba-rao: a crescente ausncia de um lugar para a experincia.

    Com isto se revela uma dialtica peculiar: quanto mais natu-ralmente os artistas monopolizam o espao real como lugar quedetermina o seu trabalho, to mais evidente se torna a incerteza dessapremissa. O que vincula to diferentes instalaes como a Toilette(1992), de Ilya Kabakov, o Creation Myth (1998), de Jason Rhoades,e o Weather Project(2003), de Olafur Eliasson18? Seguramente noso os recursos artsticos empregados, nem uma relao formal oude contedo. A evocao kabakoviana impregnada de lembranas dacasa na Unio Sovitica, a produo que Eliasson faz de uma para-natureza no museu e as caticas acumulaes de lixo tecnolgico queJason Rhoades espalha no poderiam ser mais distintas entre si, doponto de vista formal e conteudstico. Entretanto, todas as trs insta-laes so concordes na aceitao de uma condio, sem a qual elas nopoderiam ter existido: elas precisam, cada uma, de um invlucro ourecipiente, nos quais elas se organizam e dentro dos quais elas podemlograr um efeito seja esse retorno um containerconscientementeocupado (Kabakov), um salo preexistente e que estava arrumado de

    um modo especfico (Eliasson), ou a indispensvel ampliao de umespao interno desocupado (Rhoades). Nenhuma providncia artsti-ca parece ser to importante quanto essa deciso a priori, pois apenas oapoio de uma moldura preexistente permite manter a organizao deum modo to aberto, que um espao de vivncia autntico, experimen-tvel ao se transitar dentro dele, passa a existir. Dentro desse espao oobservador pode dispor, sem instruo prvia e at certo ponto, de umolhar contemplativo19.

    Entrar e imergir, em vez de defrontar e ficar diante de algo a forma

    como se pode descrever as regras do jogo esttico do environmente dainstalao. O fato de que eles sejam empregados como estratgia deincremento das vendas das grandes lojas de comrcio no diminui demaneira alguma o seu poder de atrao. A experincia de estar inse-rido, de habitar e de se ver envolto inegavelmente uma experincia

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    [20]Sobreessalinguagemglobal,cf.Kudielka,R.WeltkunstAllerwel-tkunst?VomSinnundUnsinnderGlobalisierung in den bildendenKunsten.In:Jahrbuch14derbayeris-chenAkademiederShnenKnste,Munique,2000,vol.1,pp.441-59.

    espacial mais antiga que a da distncia para as coisas e entre as coisas.O problema reside muito mais na reduo e no enganoso aumentodessa sensibilidade, to logo ela seja simulada em limites e invlucrospreexistentes. Pois o horizonte, o onde do estar-no-espao no , real-

    mente, uma incluso real, nem uma moldura restritiva, mas umadelimitao indefinida e possvel cuja relativa amplido ou estreite-za se revela no trato com as coisas. Se essa interioridade insegura seconsolida de antemo pela suposio de um efetivo espao-container,surge uma separao real comparvel do espao privado, a qual, coma preferncia por anteparos autarquia, tranqilidade negociatambm as suas desvantagens: isolamento e toda sorte de autismosestticos. Entre os artistas importantes que realizaram instalaes,apenas Bruce Nauman se insurgiu desde o comeo contra o carter pri-

    vativo desse encasulamento, contra a cela branca, e tambm contra acaverna escura da videoarte [Bildschirmkunst], perturbando e rompen-do a unidade da experincia espacial por meio da alterao dos planosconsagrados, da assincronia do som e da imagem, da inverso de seusfluxos e de outros recursos artsticos.

    O parcelamento dos espaos da experincia , porm, apenas umaspecto problemtico da arte do real. Seu reverso no parece menosincerto: o freqente enfraquecimento que se observa na organizaointerna, nas relaes formais e de contedo, no enfraquecimento queacompanha o encapsulamento. Uma vez que a coeso parece estargarantida pela delimitao espacial, as instalaes muitas vezes seesgotam num disparatado amontoado ou no espalhamento de apetre-chos, cujas relaes entre si permanecem visivelmente subdetermina-das e por meio disso, em certas circunstncias, so percebidas comosendo muito significativas. No por acaso que a instalao, ao ladoda performance e do vdeo, seja a forma artstica global mais valoriza-da. O provimento de espaos expositivos com despojos culturais cria

    sempre um ambiente que de algum modo interessante, embora, emcasos mais raros, se crie mais que uma vaga sensao de familiaridadeno que estranho: quem haveria de contestar que a desarrumao seapresente em toda parte onde esteja o homem20?

    De modo ainda mais claro que o pr-requisito de um container, atendncia ao relaxamento da estrutura interna permite reconhecer amensurabilidade da idia de configurar de modo mais real o lugarda experincia. Felizmente o problema no filosfico; a afirma-o enftica mostra a sua legitimidade artstica e seus limites muito

    mais numa imagem-chave da modernidade do ps-guerra america-no: oAteli vermelho (1911), de Henri Matisse. Desde 1948 no acervodo Museu de Arte Moderna, este quadro balizou o surgimento deuma arte do real. Ele mostra, por meio da unidade e opacidadeda cor, um espao interior hermeticamente fechado, maciamente

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    [21]Uma exposio exemplar dacomplexidadedessequadroaparen-tementesimplesencontra-seemEl-dereld,John.Matisse in the collectionof the Museum of Modern Art.NovaYork,1978,pp.86-89.

    [22]OpapelcentraldoAtelier ver-melhonaartedeMarkRothko,atesta-dopeloprprioartista,jfoidiscuti-dovriasvezes;talvez,demodomaisconvincente,porElizaE.Rathbone

    eMarkRothko,emTheBrownandGrayPaintings.In:American art atmid-century: The subjects of the artist,catlogodaNationalGalleryofArt.Washington,1978,pp.245-66.

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    premido na superfcie: um mundo permanentemente vermelho, noqual a porta se fechou, a janela foi velada, o relgio parou somenteos quadros representados no quadro indicam que ainda existe umoutro lugar alm dessa atmosfera surpreendentemente densa. Mas

    o carter fechado desse espao decididamente imaginrio; a mesmacor impenetrvel que enfeixa o espao numa unidade recu-sa ao mesmo tempo aquele projetivo olhar para algo, bem como odesenvolvimento de uma empatia, abrindo caminho to-somentepara a relao entre o espectador e a superfcie vermelha como lugarda experincia21.A histria da conquista do espao real por meioda arte adquire desde esse ponto de partida um sentido passvel dereconhecimento: tanto em sua grandiosa ambio quanto em sualimitao cada vez mais patente. Pois, em sua exclusividade, tornar

    este espao imaginrio real exigiu no apenas suprimir e fazer esque-cer a efetiva mensurao de um invlucro existente. Era preciso queesse processo fosse to longe quanto o mundo vermelho de Matisse,o qual transborda e ultrapassa a estrutura perspectivista do motivodo ateli (algo que Mark Rothko conseguiu em suas melhores sriesde quadros)22.Para que esse tipo de espao pictrico pudesse se tor-nar realidade tambm do ponto de vista de seu contedo, foi precisoque, no lugar dos desenhos e contornos, objetos concretos e demar-caes fossem trazidos a uma estrutura de relaes que produzisseuma convico anloga e o crculo se fecha o mais tardar nesseponto, uma vez que as ligaes no so grandezas reais em si mes-mas; elas so, antes, imaginrias. Se houve um artista da instalaoque chegou a realizar essa contraditria obra de arte, este foi antesJoseph Beuys, e no um dos espao-realistas minimalistas.

    A imaginria exclusividade do Ateli vermelho chama a ateno, con-tudo, para um outro fato, aparentemente secundrio. Enquanto o qua-dro exibe um espao possvel na verdade improvvel se examinado

    luz de um julgamento racional , ele praticamente no exclui outrosmundos, de modo que ele pode coexistir perfeitamente com determi-naes diferentes de lugar, no mesmo espao de exposio. Ao contr-rio disso, o parcelamento do espao disponvel por meio de instalaese environmentsacarretam um dilema que no se pode mais ignorar: o queacontece com os espaos reclamados e reivindicados com exclusivida-de pelos artistas, quando eles tm de ser arrumados a fim de ceder olugar a novas aquisies? A presso para o desalojamento inevitvel,uma vez que os lugares e as instituies destinados s obras de arte so

    limitados. Alm disso, o encargo tradicional de apresentao e conser-vao por meio da posse dos recursos disponveis tornou-se insusten-tvel. Onde dispor espaos artsticos completos, que no podem seapresentar ou estar pendurados juntos ou na companhia do trabalhode outros expositores? Procura-se pensar em enormes ajuntamentos

    OBjETOS DA OBSERVAO LUgARES DA EXPERiNCiA Robert Kudielka

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    [23]Vischer,Theodora(org.),Roht-Zeit. Eine Dieter Roth-Perspekt ive .ShaulagerBasel,2003.OArma-zmdeExposiesmantidopelaFundaoLaurenz,abrigaoacervodaFundaoEmanuel-Hoffmann.

    [24]Sobreosurgimentoeaconcepo

    deBeacon,cf.oartigodeLynneCooke;ToposRaum.DieAktualittdesRu-mesindenKnstenderGegenwart.Berlim,AkademiederKnste,VerlagfrmoderneKunstNrnberg,2005,pp.72-89.

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    de containers que se podem ampliar indefinidamente, cujas unidadespodem ser, de acordo com as necessidades, objeto de troca e envia-das para o mundo todo. Ou, ainda, procura-se pensar nos grandescolumbrios que se localizam em reas abandonadas ou margem das

    regies populosas, os quais, como pontos de peregrinao, expem asprivaes do caminho, predecessoras do encontro com a arte.

    Estas no so vises extravagantes, como demonstram dois proje-tos excepcionalmente lcidos que vieram a pblico em maio de 2003.Na cidade de Basilia inaugurou-se o Armazm de Exposies[Schaulager] da Fundao Laurenz, com uma apresentao porme-norizada de Dieter Roth: um centro de coleo de arte nova, motiva-do por uma crescente limitao dos museus, os quais podem exibirapenas uma frao de suas colees. O novo centro tem a virtude de

    dispor para um pblico interessado o seu acervo na forma de algo quese encontra explicitamente armazenado23.Os arquitetos Herzog &de Meuron criaram para isso o edifcio adequado, tomando por baseaquilo que eles consideraram ser um mdulo-container. De um modototalmente diferente, mas respondendo igualmente a uma aguda exi-gncia contempornea, apresenta-se o museu da Dia Art Foudation,inaugurado nessa mesma poca, em Beacon, uma vila operria no valedo rio Hudson, distando cerca de cem quilmetros da cidade de NovaYork24.Erigiu-se no galpo de uma antiga fbrica de papelo o maiorespao de exposio do mundo, destinado a uma arte que espao-dependente e espao-determinante. Foram evitadas as limitaes deestilo, bem como uma descrio histrica coerente das obras. Apenaso momento em que vieram a pblico, os anos 1960, foi decisivo para asua escolha. Seu principal atrativo constitui-se em amplas instalaesde minimal arte land art, completadas por sees de obras de JosephBeuys, Andy Warhol, Richard Serra, Gerhard Richter e outros.

    Essas tentativas engajadas de levar a srio a mudana do carter de

    obra nas artes plsticas do sculo XX deixa naturalmente em abertouma ltima questo: no seria o caso de se pensar que, com a transfor-mao do objeto da observao em lugar da experincia, a dimensohistrica do tempo perdeu o seu significado primrio de contato coma arte? (e com ele a tarefa dos museus de fazer colees?) No se podedescartar essa hiptese completamente, como sugere o desapareci-mento da histrica formao do indivduo; e mesmo esse desapareci-mento no seria de se lamentar completamente possivelmente houtras formas de memria alm do armazenamento e da conservao.

    Mas o museu moderno no apenas o relicrio dos estetas, o centrode documentao para historiadores e o abrigo de emergncia para osartistas que se protegem daqueles que os desprezam. Ele , sobretudo,a imprescindvel sala de espera da arte moderna. E, por fim, a determi-nao do lugar vincula-se ao fator temporal da experincia artstica.

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    Alguns dos mais significativos agitadores da arte moderna, Czannee Duchamp frente (para no citar novamente oAteli vermelho), noteriam chegado jamais sua devida medida, se nas colees apa-rentemente voltadas para o passado no houvessem podido espe-

    rar pelo seu tempo, a futura atualidade. A mesma reserva vlida parao estabelecimento de uma arte especificamente espacial, com prazodelimitado. Mas um tanto simplista e limitada a idia de que a merapossibilidade de se entrar em algum lugar permita o acesso expe-rincia de um espao. Como dar tempo suficiente a esses espaos e aseu contedo, de tal modo que as pessoas ultrapassado o evento daprimeira apresentao possam neles se encontrar a si mesmas, ouseja, possam se encontrar dentro deles? A pergunta talvez caiba, para asua surpresa ou consternao, aos prprios artistas.

    Robert Kudielka professor de Esttica e Teoria das Artes na Escola Superior de Artes (hoje

    Universidade das Artes), em Berlim.

    OBjETOS DA OBSERVAO LUgARES DA EXPERiNCiA Robert Kudielka

    Recebidoparapublicaoem15dejunhode2008.

    nOvOs estudOsCEBRAP

    82,novembro2008pp.167-178