OBTENÇÃO DE UMA BEBIDA FERMENTO-DESTILADA

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OBTENÇÃO DE UMA BEBIDA FERMENTO-DESTILADAA PARTIR DO "LICOR" DE LARANJA

Henrique ROÇAFA JUNIOR* Fátima Cristina PADOVAN*

João Bosco FARIA*

Alim. Nutr., Araraquarav.16, n.4, p. 321-325, out./dez. 2005

ISSN 0103-4235

* Departamento de Alimentos e Nutrição - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - UNESP - 14801-902 - Araraquara - SP - Brasil.

RESUMO: Dentre os subprodutos derivados doprocessamento do suco de laranja concentrado, ochamado “licor” de laranja, produto da extração finaldos resíduos industriais da fruta, em função da grandequantidade de sólidos solúveis que contém, tem sidoconcentrado e reincorporado ao resíduo seco da polpautilizada na elaboração da ração cítrica.Considerando-se portanto o grande volume de produção,e principalmente a economia que poderia representar ouso do “licor” de laranja como matéria-prima de umanova bebida destilada, foi objetivo deste trabalho obter,com base no processo de obtenção da cachaça, umaaguardente, com características físicas químicas esensoriais compatíveis com esse tipo de bebida.Nesse sentido, foram obtidas em laboratório amostras deaguardentes, de cana e de “licor’ de laranja, a partir dasrespectivas matérias primas, utilizando-se um processode dupla destilação dos vinhos e o envelhecimento dosrespectivos destilados em ancorotes de carvalho, comvistas a realizar um estudo comparativo entre as duasbebidas. A metodologia otimizada para a obtenção daaguardente de “licor” de laranja envelhecida, resultouum produto que, do ponto de vista sensorial, revelou-secomparável à cachaça. Estudos complementaresrelacionados aos aspectos econômicos e toxicológicos doproduto, deverão complementar os requisitos necessáriospara se propor comercialmente a nova bebidadesenvolvida.

PALAVRAS-CHAVE: Aguardente de cana; aguardentede “licor” de laranja; dupla destilação; envelhecimento;análise sensorial.

Introdução

Desde 1963, impulsionado pelo crescimento dasexportações e pelo desenvolvimento da indústria citrícola,o Brasil tem se destacado como um dos grandes produtoresde laranja, sendo atualmente reconhecido como o maiorprodutor mundial dessa fruta. O Estado de São Paulo é oresponsável por 70% dessa produção, com um volume deprodução da ordem de 400 milhões de caixa por ano1.

Apesar do suco de laranja concentrado e congeladoser hoje o principal produto da laranja, as indústrias cítricasproduzem também uma série de outros subprodutos taiscomo óleos essenciais, terpenos e o farelo de polpa cítrica,utilizado na elaboração de ração animal7.

Durante o processamento dos frutos cítricos, todo oresíduo produzido, que compreende, o bagaço, os descartesdas centrífugas, a polpa, as cascas e os refugos, sãoencaminhados para a produção de ração cítrica. Numaprimeira etapa, esse resíduo é triturado e seu pH corrigidopara facilitar a degradação da pectina, visando aumentar aeficiência das prensas na retirada da água do bagaço10.

A operação de prensagem, realizada após a adiçãode cal, resulta na produção de uma fase líquida chamada“licor” de laranja que apresenta uma concentração de sólidossolúveis, em torno de 10-12,5 oBrix, dependendo daquantidade de água adicionada no processo e da variedadeda fruta processada. Grande parte dos sólidos solúveispresentes no licor (60-75%) são constituídos de açúcares,principalmente glicose, frutose, sacarose e pequenas porçõesde pentoses4.

Considerando-se portanto, as características do“licor” de laranja, bem como as vantagens que poderiamadvir de seu aproveitamento como matéria-prima de umanova bebida destilada, obtida com procedimento semelhanteao utilizado na fabricação da cachaça, foi objetivo dessetrabalho, desenvolver uma bebida similar à aguardente decana, com características próprias e peculiares, utilizandoprincipalmente a dupla destilação3,8 e o envelhecimento emcarvalho, como etapas fundamentais da otimização doprocesso de obtenção dessa nova bebida.

Material e métodos

Material

Amostras de aguardente de cana e de aguardente de“licor” de laranja concentrado, obtidas em laboratório eenvelhecidas em ancorotes de carvalho, foram avaliadascomparativamente do ponto de vista físico-químico esensorial.

Preparo do Material

Foram inicialmente produzidas as amostras deaguardente de cana, sendo o preparo do mosto e suafermentação realizados conforme procedimentos jáestabelecidos na literatura11 e o vinho duplamente destiladoem um pequeno alambique artesanal de cobre, comcapacidade para destilar 5 litros de vinho cada vez. Emseguida, utilizando-se o mesmo processo e em condições

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semelhantes, foram obtidas as amostras da aguardenteelaborada a partir do “licor” de laranja.

A adoção do processo de obtenção da aguardente decana como modelo para a obtenção de um destilado alcoólicoa partir do “licor” industrial de laranja, foi baseado em doisprincipais motivos. O primeiro deles foi o exemplo já bemsucedido de se produzir álcool a partir dessa mesma matéria-prima4 e o segundo, não menos importante, de se utilizarno processo fermentativo, o mesmo pé-de-cuba desenvolvidopara a produção da aguardente de cana.

Nos dois casos, o procedimento de obtenção foiconduzido da mesma, forma.

Numa primeira etapa foi fermentado o caldo de cana,extraído em moendas convencionais e diluído a 14º Brix.Na obtenção do pé-de-cuba, foi utilizado fermento depanificação, que juntamente com as leveduras selvagenspresentes no caldo, deram origem ao fermento utilizado nosdois tipos de fermentação. Com base em ensaios prévios, otempo decorrido, desde o inicio da fermentação do caldo decana até o momento da destilação, foi estendido a 48 horas,o tempo médio necessário para completar a fermentação do“licor”.

No caso da fermentação do “licor” de laranja, amatéria-prima coletada na industria após o processo deevaporação do resíduo, teve seu conteúdo em sólidos solúveisabaixado de 32º para 14º Brix, e seu pH reduzido, com aadição de ácido fosfórico, de 6,0 para 3,7 visando favorecera ação das leveduras. O tempo e as condições da fermentaçãoforam os mesmos adotados no caso do caldo de cana. Aofinal da fermentação, o teor de sólidos solúveis do vinho de“licor”de laranja, ficou em torno de 8,5º Brix.

Após as etapas de fermentação, os vinhos conformeobtidos, foram lentamente destilados no alambique jámencionado, durante um tempo de destilação aproximadode 3 horas para cada amostra. Em seguida, as amostras deaguardentes de cana e de “licor” de laranja, foram entãorespectivamente reunidas em dois lotes A e B, diluídas a30°GL e novamente destiladas. Na re-destilação, apósseparadas as frações de cabeça e cauda, foram obtidosrespectivamente 5 litros de cada amostra (58/62 ºGL) queforam então, postas a envelhecer em pequenos ancorotes decarvalho, por 4 meses.

Após o processo de envelhecimento, as amostras deaguardente de cana e de aguardente de “licor“ de laranja, foramfinalmente diluídas a 42º Brix e comparativamente analisadas.

Métodos

Determinações Físico-Quimicas

A determinação do teor alcoólico das amostras foirealizada, de acordo com as normas do Instituto AdolfoLutz6, utilizando-se um alcoômetro simples de Gay-Lussac.No caso das amostras envelhecidas foram determinados osteores alcoólicos aparentes.

Os valores do pH aparente das amostras foramdeterminados através de leitura direta em um pHmetro

Tecnal (mod. Tec-2).Os teores de sólidos solúveis do caldo de cana e do

“licor”, foram determinados utilizando-se um refratômetroAtago (mod. RL3).

Determinação dos perfis de voláteis das amostras

A determinação dos perfis de voláteis das amostrasfoi realizada por injeção direta em cromatógrafo de fasegasosa VARIAN 3300, equipado com detector de ionizaçãode chama (DIC) e coluna capilar carbowax com 30m x0,32mm (id), nas seguintes condições de operação:temperatura do detector: 180ºC; programação detemperatura do forno: 60-120ºC (5ºC/min); temperatura doinjetor: 160oC; volume de injeção: 1 l.

Análise Sensorial- Testes de Aceitação

As amostras de aguardente de cana e de aguardentede licor de laranja, após o envelhecimento em ancorotes decarvalho foram submetidas a testes de aceitação em relaçãoà cor, aroma, sabor e impressão global2.

Para tanto, foram recrutados através de questionário,dentre alunos, professores e funcionários da Faculdade deCiências Farmacêuticas da UNESP, 40 provadores,consumidores de bebidas destiladas, que demonstraraminteresse em participar dos testes. Aos referidos provadores,foram submetidas as amostras de cachaça envelhecida e deaguardente de licor de laranja para análise da aceitação emrelação à cor, aroma, sabor e impressão global. As amostrasforam servidas aleatoriamente, de forma monádica, emcabines individuais do laboratório de Análise Sensorial doDepartamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade deCiências Farmacêuticas-UNESP, em cálices de cristaltransparente, codificados com 3 dígitos e cobertos comvidros de relógio que eram retirados no momento da análise.

As avaliações relativas ao aroma sabor e impressãoglobal, foram registradas em fichas utilizando-se uma escalahedônica estruturada de 9 pontos.

Análise Estatística dos resultados

Os dados obtidos nos testes de aceitação foramsubmetidos à análise de variância (ANOVA) e testes demédias de Tukey5, utilizando-se o Programa EstatísticoSAS9.

Resultados e Discussão

Os resultados das determinações físico-quimicas, queestão representados nas Tabelas 1 e 2, orientaram osprocessos de obtenção das amostras de cachaça e deaguardente de “licor”de laranja.

Nas Figuras 1,2,3 e 4, estão representados os perfisde voláteis das amostras de aguardentes de cana e de “licor”de laranja, antes e após o processo de envelhecimento.

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Aguardente de Cana

Ensaios Brix do Caldo de Cana

Brix do mosto

Tempo de Fermentação

Brix do Vinho

Tempo de Destilação

º GL do Destilado

Tempo de Envelhecimento

01 22º 14º 48 horas 4.5º 3,5 horas 37º - 02 20º 14º 48 horas 4.0º 3 horas 40º - 01 + 02 - - - - 3 horas 62º 4 meses

Tabela 1- Dados relativos à obtenção das amostras de aguardente de cana.

Aguardente de “licor” de laranja

Amostra Brix do Licor

Correção do Brix

Tempo de Fermentação

Brix do Residuo

Tempo de Destilação

º GL do Destilado

Tempo de Envelhecimento

01 31º 14º 48 horas 8.0º 4 horas 35º - 02 32º 14º 48 horas 9.0º 3,5 horas 38º - 03 33º 14º 48 horas 8.5º 3,5 horas 36º - 04 33º 14º 48 horas 8.0º 3,5 horas 38º -

01+02+03+ 04

- - - - 3,5 horas 58º 4 meses

Tabela 2 - Dados relativos à obtenção das amostras de aguardente do “licor” de laranja.

FIGURA 1 - Cromatograma da aguardente de cana semenvelhecer.

FIGURA 2 - Cromatograma da aguardente de canaenvelhecida.

FIGURA 3 - Cromatograma da aguardente de “licor” delaranja sem envelhecer.

FIGURA 4 - Cromatograma da aguardente de “licor” delaranja envelhecida.

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Os perfis de voláteis das amostras, apresentados nasfiguras acima, embora indiquem padrões semelhantes defermentação e destilação, não tem relação com a qualidadesensorial das amostras, pois como se sabe inúmeroscompostos, mesmo não percebidos pelos detectores , podemter grande importância sensorial, porém a diminuição dosteores de D-Limoneno já observada após a segundadestilação e principalmente após o envelhecimento, indicamque os processos adotados, visando eliminar o forte ecaracterístico odor cítrico observado no primeiro destilado,parecem ter atingido seus objetivos.

Na Tabela 3 estão expressos os resultados dos testesde aceitação e de Tukey e na Figura 5, os histogramas dasamostras de aguardente de cana e de “ licor”de laranja.

Os resultados obtidos, com exceção da aceitação emrelação à cor, revelaram uma preferência significativa emrelação ao aroma, sabor e impressão global, para aaguardente de cana envelhecida, conforme se pode visualizarna Figura 5.

Os resultados mais favoráveis obtidos na análisesensorial da aguardente de cana, já eram de certa formaesperados, uma vez que a cachaça por já ser reconhecidapelos provadores, acaba representando o padrão decomparação em relação à nova bebida. Cabe porém destacar,os valores relativamente altos de aceitação, obtidos no casoda aguardente de “licor” de laranja envelhecida, resultadosestes que permitem afirmar, ter esta nova bebida,características sensoriais de aceitação comparáveis às dacachaça.

Certamente, mais estudos relacionados com oprocesso de fabricação e envelhecimento da aguardente do“licor” de laranja devem ser conduzidos no sentido demelhorar o rendimento e a qualidade sensorial da novabebida, porém desde já é válido afirmar que a bebida obtidaa partir do “licor” de laranja conforme os procedimentosadotados na fabricação da cachaça, é perfeitamente aceitáveldo ponto de vista sensorial podendo portanto, representarum produto comercialmente viável.

Estudos complementares, principalmenterelacionados com eventuais efeitos toxicológicos do produtoe envolvendo aspectos econômicos, deverão ainda serrealizados, porém com base nos resultados obtidos, é possívelafirmar ser perfeitamente viável a obtenção de uma bebidafermento-destilada, a partir do “licor” de laranja, utilizando-se um procedimento semelhante ao adotado na produção

Tabela 3 - Resultados da ANOVA e dos Testes de Tukey para os valores do Teste de Aceitação relativos à cor,aroma, sabor e impressão global das amostras de aguardentes de cana e de licor de laranja.

AGUARDENTE DE CANA AGUARDENTE DE LICOR

COR AROMA

SABOR IMPRESSÃO

GLOBAL COR AROMA

SABOR IMPRESSÃO

GLOBAL Teste de Tukey

7,5250a

7,5500a 7,0875 a 7,3125 a 7,1750ª 6,8875b 5,7875 b 6,3000 b

DMS 0,5589

0,637 0,7357 0,5204 0,5589 0,637 0,7357 0,5204

da cachaça, desde que o vinho obtido, seja submetido a umprocesso de dupla destilação e devidamente envelhecido.

ROÇAFA JUNIOR, H; PADOVAN, F.C.; FARIA, J.B.A new fermented distilled beverage from orange liquor.Alim. Nutr., Araraquara, v.16, n.4, p. 321-325, out./dez. 2005.

ABSTRACT: Among the orange juice processing by-products, the orange “liquor” obtained by the pulp finalextraction, use to be concentrated and added to the pulpdried residue, that is used in the feed processing. Thetechnological and economic aspects related and theproduction scale of the orange “liquor”, makes it a veryinteresting raw-material to be considered for betteruses,.so the challenge to obtain a distilled beverage fromthe orange “liquor”, using the knowledge of cachaçaproduction, was the main reason to start this work. Inthis way, sugar cane juice and the orange “licor”, wereboth, fermented, distilled (twice) and aged in miniatureoak casks, using the same process, in order to make acomparative study with these two beverages. Theprocessing methodology of cachaça production, used toproduce the aged distilled orange “licor” beverage,results a new beverage, very similar, from the sensoryaspects, to the known aged distilled beverages.Complementary studies, mainly related to economic andtoxicological aspects, need yet to be made with this newproposed beverage.

0123456789

Cor Aroma Sabor ImpressãoGlobal

Aguardente de CanaAguardente de Laranja

FIGURA 5 - Histograma das médias dos Testes de Aceitaçãorelativos à cor, aroma, sabor e impressão global dasamostras de aguardente de cana e licor de laranja.

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KEYWORDS: “Cachaça”; orange “licor” spirit; aging;sensory analysis.

Referências bibliográficas

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