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    1964J O S N I VA L D O J U N I O R

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    O Julgamento d

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    ecife, 2014

    1964J O S N I VA L D O J U N I O R

    R O M A N C E

    O Julgamento de D

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    Copyrigh by Jos Nivaldo Junior

    Reviso Alan Leal

    CapaMoema Cavalcan i

    Produo GrcaBagao Design L da.*Lot Estrada de Tabatinga, 336 TabatingaIgarassu/PE CEP 53605-810Telefax: (81) 3205.0132 / 3205.0133e-mail: [email protected]

    www.bagaco.com.br

    * Endereo para correspondncia:ua Luiz Guimares, 263. Poo da Panela,

    Recife-PE CEP 52061-160

    N734m Nivaldo Junior, Jos, 1951-1964 : o julgamen o de Deus / Jos Nivaldo

    Junior. ecife : Bagao, 2014.302p.

    1. FICO BRSILEIR PE NAMBUCO.2. BRSIL HIST IA EVOLUO, 31 DEMA O, 1964 FICO. 3. BRSIL HIST IA EVOLUO, 31 DE MA O, 1964 HUMO ,STIR, ETC. I. T ulo.

    CDU 869.0(81)-3CDD B869.3

    PeR BPE 14-96

    ISBN: 978-85-8165-127-9

    Impresso no Brasil 2014

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    OFE ECIMENTO

    memria de Manoel Lisboa, Amaro Luiz de Carvalho(Capivara), Amaro Flix, Manoel Aleixo (Ven ania) e Emmanuel Bezerra, heris e mr ires do povo brasileiro,em nome de odos os que doaram ou colocaram em risco as

    suas vidas para enfen ar di adura mili ar. Para Le a, Andra, Marcela, Luiz e Fidel, esposa e lhosde Evandro Cavalcan i, em nome de odas as v imas nocon abilizadas da violncia exercida con ra os que lu arame lu am por liberdade e jus ia social - paren es e amigos quainda hoje choram e sofem a perda de en es queridos, almdo al o preo que pagam anonimamen e em suas vidas,dia aps dia.

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    AGRDECIMENTOS

    A Srgio, Ricardo, Murilo, Joo Henrique, Danilo, Breno, Marcelo e Marcos, que con riburam com cr icas e suges es;

    A Flvia, Jemesson, Risomar, Welling on, Givanildo e Ra ael

    colaboradores e amigos, que compar ilharam a are a de azer; A Magnlia Cavalcan i, a parceira de sempre no ar esana o das palavras;

    A Izabel, que me mo ivou a rilhar o di cil, sofido e gra ican percurso para lhe con ar es a his ria.

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    Sumrio

    1 Um mocorongo no poder 9

    2 Revoluo ou piada? 29

    3 O samba do crioulo doido 51

    4 Terremo o pra ningum bo ar de ei o 67

    5 Hora de jun ar os cacos 91

    6 Um xeri e aloprado 111

    7 Como diria a madre superiora 127

    8 O coronel e seus dois mamulengos 147

    9 Um en erro do ou ro mundo 159

    10 O perigo vem do al o 173

    11 F demais, bem, voc sabe 193

    12 Os Te us re omam vanguarda 211

    13 Cada coisa em seu lugar 227

    14 Como gos osa a liberdade 247

    15 A aque con ra de esa 261

    16 O vo o decisivo 281

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    Captulo 1

    Um mocorongo no poder

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    OS MATUTOS COSTUMAM DIZE NA SUA LINGUAGEMpeculiar: Ms miou, ms cabou. Ou seja, depois de me ade, o ms jes chegando ao m. Acos umado a acordar de madrugada ao longode oda a vida, o marechal chegou cedo ao Palcio do Planal o, naque-le dia da segunda me ade de agos o de 1964, quando o ms j inhaembicado para o nal. Aguardava para uma audincia o minis ro das

    elaes Ex eriores.

    Depois de dar uma olhada nos jornais, cou andando de um lado parao ou ro, con emplando a Esplanada dos Minis rios e o CongressoNacional a ravs das paredes de vidro do gabine e presidencial, seulocal de rabalho desde abril. Es ava no governo havia pouco mais dequa ro meses, ainda procurando se acos umar melhor aos meandrosdo ambien e pol ico. De repen e se deu con a de que era a primei-ra vez que um minis ro civil solici ava uma audincia a ele. An es, compareciam quando convocados. A solici ao indi a o in rigava. Oque o auxiliar es ava razendo? S podia ser problema, e dos grandes.

    Escolhido pelos seus pares para ocupar o cargo mximo do Pas, de-

    pois do golpe mili ar, em circuns ncias que ao longo da narra iva vcar melhor esclarecidas, o marechal usurpou o ulo republicano edemocr ico de presiden e, e como al exigia ser ra ado.

    Como os his oriadores nunca se deram ao rabalho de bo ar os pingosnos is, e os documen os ociais nunca foram re icados, os di ado-res do perodo mili ar, e a de di aduras an eriores, con inuam sendchamados de presiden es. De modo que o Pas viveu quase 40 anosin ercalados sob di aduras diversas, sem que cons e dos livros de His-

    ria um nico sujei o achado de di ador.

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    O marechal s era chamado de di ador, irano ou ou ro sinnimoequivalen e em pane os clandes inos que a mui o cus o a oposioconseguia fazer circular. Ou em raras ocasies no ex erior, por par i-

    dos de esquerda que funcionavam em pases democr icos A voz do chanceler, um ra amen o que era a ribudo ao responsvelpelas relaes in ernacionais do Pas, deno ava apreenso e ansiedade. Presiden e, desculpou-se por telefone,s es ou lhe irando dos seus mui-

    os a azeres porque ra a-se de um assun o urgen e e delicado. E s oessa liberdade porque j esgo ei odas as ins ncias sem encon rar umaorien ao adequada. O nico encaminhamen o que me res a recorrer sapincia, ao irocnio e au oridade iluminada de Vossa Excelncia.

    O marechal gos ou de ouvir o elogio. Concordou no n imo. Ele, real-men e, na condio de maior au oridade do Pas, no era para ser per-

    urbado por qualquer d c aquela palha.

    O que apreciava, na verdade, era conversar sobre mo es e piadas de

    caserna. Conhecia os l imos modelos de armamen os, as icas ees ra gias mais modernas, era especialis a em his ria mili ar. E se es- baldava de rir com as mais olas anedo as sobre recru as.

    Ou ro ema que dominava bem era li era ura regional. Cul ivava a ami-zade de escri ores, inclusive idos como esquerdis as. Nesse assun ono fazia discriminaes ideolgicas. Nas frias, frequen ava a fazendade consagrada romancis a social que na juven ude fora a comunis a.

    De es ava conversar sobre banalidades em geral, par icularmen e fo-focas sociais, fu ebol e principalmen e pol ica.

    Depois que assumiu o cargo supremo do Pas, esse l imo ema pas-sou a ser par e da sua ro ina. Era um dos con rapesos da funo. Mili-

    ar acos umado a dar ordens e ser obedecido. Pol ica, mesmo numa

    di adura, implica em conversas e negociaes. Coisa mui o cha a, paraele. Sua lcera queimava como brasa. E pol ica in ernacional, en o,era purgan e em dose dupla.

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    Por isso, no fazia, a aquele momen o, mui a ques o de acompanhaas mincias do governo. Tudo o que subal ernos pudessem pr empr ica sem con rariar o seu comando es ava de bom amanho. Desd

    que no desagradasse ao Exrci o e Embaixada dos Es ados Unidosda Amrica do Nor e. Pode a parecer brincadeira, mas a dou rinaado ada depois do golpe era clara: o que bom para os Es ados Uni-dos bom para o Brasil.

    Apesar do esforo para aparen ar uma unidade monol ica, o Exrci oa Marinha e a Aeronu ica dispu avam poder en re si. Den ro de caduma dessas foras, corren es an agnicas se digladiavam. O governona par e que coube aos mili ares, era uma sucesso de feudos, ocupa-dos pelas diversas linhas coni an es. A m de acomodar esse saco dega os, cada qual mandava no seu pedao.

    En re an o, quando surgiam problemas, complicaes ou aborreci-men os que no conseguiam resolver sozinhos, odos corriam parao marechal. Ele era o pon o de equilbrio, o algodo en re os cris ais Assim, era forado a lidar com um aborrecimen o a rs do ou ro. aroo dia que no lhe caa no colo algo desagradvel para decidir. Governar resolver pepinos, losofou cer o dia para um al o execu ivo da ONUPor isso, j andava pela ampa do abaqueiro, como se dizia no in eriodo Cear, com an as cha eaes medocres.

    Enquan o esperava, olhando para o relgio a odo ins an e, foi vria

    vezes ao banheiro arrumar o fraque dian e do espelho. Duran e odaa sua ex ensa carreira, desde os empos da Escola Mili ar, o marechasempre fora o que na gria dos quar is se chama de mocorongo. Umcaipira de almanaque, um sujei o desman elado como uma capivara.Do uniforme de campanha farda de gala, nenhum raje lhe caa bem.

    Destacou-se entre os seus pares pela aplicao, cultura e at mesmo in-eligncia, nunca pela elegncia. Agora, escolhido di ador, ou melhor

    presiden e da epblica, conforme a erminologia ocial, foi obrigadoa rocar a farda por roupas civis. A si uao cou ainda pior.

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    Era baixinho, cabea grande e cha a. Diziam que cara assim porquena infncia dis an e no Cear os adul os ba iam sempre com a palmada mo no seu quengo e falavam: Esse menino vai dar pra gen e. Nin-

    gum os en a uma ca edral desse amanho para nada.Foi assim, segundo as ms lnguas, que aplainou o al o da cabea eafundou o pescoo. O que res ou dessa par e do corpo que a girafa

    em de sobra era o pequenininho que a cabeorra parecia pregadadire amen e sobre os ombros. A para olhar para os lados era difcil,

    inha quase que virar o ronco in eiro, como se fosse o rob do popu-lar seriado da eleviso Perdidos no Espao.

    Mas esse de alhe no a rapalhou sua raje ria. Vida afora, acaboucumprindo as profecias da infncia. Galgou por mri o os mais al ospos os do Exrci o, casou com mulher honrada, in eligen e e boni a, eagora, vivo, es ava empoleirado no cargo mais impor an e da Nao.

    O sucesso no impedia que vivesse mal acomodado den ro do fraque

    cortado justo, na tentativa dos alfaiates para deix-lo um pouco maisesbel o e menos desgracioso.

    Para piorar as coisas, cer o publici rio gacho eve uma infeliz ideiaque a mui os ulicos pareceu genial. Sugeriu e foi aca ado que o di-

    ador por asse, o empo in eiro, a faixa presidencial verde e amarelaa ravessada sobre o pei o. Isso para se diferenciar do an ecessor, poucodado a essas formalidades bobas. E, de quebra, passar a ideia de serpresiden e em empo in egral.

    A imagem desse mocorongo que parecia mal-assombrado foi quaseimedia amen e espalhada a ravs de uma fo o ocial obriga ria nasrepar ies pblicas, escolas, prefei uras, sindica os e, ambm, ado a-da por bajuladores ou par idrios do regime em ins i uies, igrejas ea residncias.

    Seu desalinhamen o facili ava a vida dos chargis as e humoris as, em- bora es es ivessem pouco espao para divulgar suas carica uras. Es as

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    circulavam como folhe os clandes inos, passando de mo em mo eprovocando gos osas risadas en re os frequen adores da boemia.

    O desman elo facili ava ambm a vida dos imi adores de odos oquila es. Em oda conversa nos bares ou pon as de rua, onde no es- vesse presente uma autoridade, um policial ou conhecido dedo-duro,havia sempre algum para arremedar o di ador.

    At pelo interior do Pas esse assunto era tratado. Di ia-se pelas bo-degas: Esse a oi escolhido a dedo. Quem ez ele elizmen e quebro rma. O homem mais eio do que alho de oice, mais mal-amanhdo que o boi de nanico.

    Tambm nos ambien es mais sele os das sociedades carioca e paulis-ana, a es ica presidencial era assun o obriga rio. As senhoras q

    se reuniam odo dia para rezar um rosrio pelo sucesso do que chama- vam evoluo Ca lica, Apos lica, omana e eden ora no con-seguiam fugir ao assun o. En re elegan es chvenas de ch impor ad

    acompanhado pelo mais leg imo bolo ingls, pergun avam maliciosa-men e qual a mis eriosa soluo para o presiden e conseguir colocara grava a.

    Era udo falsidade dessas ma ronas carolas, que posavam de bas ieda moral e dos bons cos umes. Todas sabiam a respos a, que ouviamnas cozinhas, nas garagens, nas conversas de p de ouvido.

    A populao em geral ambm conhecia a frmula. Bas ava circularpor ocinas, pu eiros, bares, praas, ruas. Ou a car no sereno dasmissas e casamen os, nas por as das igrejas. O m odo u ilizado, muisimples, por sinal, era geralmen e descri o com de alhes e coreograda forma mais dire a e escrachada possvel.

    Dava-se como certo, e assim se representava a cena, que o marechal s

    conseguia comple ar o raje passeio ocial quando o ajudan e de or-dens aplicava-lhe uma popular dedada no centro das ndegas. E mes-mo assim com bem mui a fora, sob pena de no fazer efei o.

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    Todo mundo sabe que o dedo maior de odos, aplicado com vigor noeixo cen ral da bunda, provoca em qualquer homem uma reao sio-lgica na ural: um gemido gu ural e uma es icada do pescoo.

    Nesse momen o crucial, o di ador conseguia espichar um an inhode nada a minscula embalagem da gargan a. Aprovei ando o movi-men o ins in ivo, o ajudan e de ordens, agindo com des reza e rapidez,conseguia encaixar a grava a. Em caso de fracasso, o procedimen ocons rangedor inha que ser repe ido.

    Essas e dezenas de ou ras piadas endo o di ador como mo ivao semul iplicavam Pas afora. Anal, rir dos opressores remdio com sa- bor de refrigeran e.

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    Um quengo privilegiado

    Por con a das carac ers icas e con radies de uma di adura que ai-da enga inhava, a agenda do dspo a, que fazia fora para parecer es-clarecido, era um verdadeiro faz de con a. Tinha sempre um oque deimprevisibilidade, desde que os minis ros mili ares me iam a mo napor a e en ravam a qualquer hora, sem se fazerem anunciar. Mesmo as-sim, a relao de compromissos era folgada fei o colarinho de palhao.

    Para preencher os espaos vagos, o minis ro chefe da Casa Mili ar, queironicamen e era o responsvel pela comunicao do governo, asses-

    sorado por publici rios e jornalis as me idos a especialis as em gesde imagem, sempre inha o cuidado de programar algum compromis-so que rendesse no cia.

    Inu ilidades simp icas como visi ar uma escola infan il ou um hosp-al eram cons an emen e relacionadas para humanizar a sua imagemeceber alguma au oridade es rangeira dava ao di ador ares de impor-

    tncia e reconhecimento internacional. Reunir-se com lideranas reli-giosas, sindicais ou empresariais, passava a impresso de um homemaber o ao dilogo. Tudo isso no ocupava mais do que uma hora doseu dia. En re an o, gerava fo os para as primeiras pginas dos jornae recheava os no icirios de rdio e da eleviso. Alm de preencherespao nas na urais, como eram chamados os no icirios que an ece-diam os lmes nos cinemas, exibidas en re umrailere ou ro.

    Nesse caso especco, com o empo, a durao das aparies foi sen-do grada ivamen e reduzida. que oda vez que o di ador surgiaaprovei ando o escurinho do cinema, a moada o saudava com umasonora vaia.

    Mais ou menos pelo mesmo mo ivo, as a ividades ex ernas do di adoeram moni oradas com mui o cuidado. Vis oriar obras ou frequen arlocais com aglomerao popular, por exemplo, eram programas forade cogi ao.

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    A primeira e nica inicia iva do gnero, logo nas primeiras semanas,resul ou em verdadeiro desas re midi ico e pol ico. Primeiro, no foiencon rado em nenhuma loja do ramo um capace e capaz de se aco-

    modar na imensa cabea do di ador. Foi preciso fabricar um ape rechocom dime ro especial. Mesmo assim, ou por isso mesmo, o resul adono podia er sido pior.

    Os operrios foram perlados dis ncia regulamen ar e alguns es a- vam, sob coao, segurando faixas lauda rias. En re an o no esca-pou aos ouvidos a en os dos jornalis as presen es, inclusive e princi-palmen e dos es rangeiros, o desmoralizan e coro de vaias com que o visi an e foi saudado. No dia seguin e, o regis ro nega ivo es ava feina imprensa do mundo in eiro.

    Mas a pior repercusso acon eceu mesmo em solo p rio. A equipepalaciana vivia pisando em ovos, odos com medo de se ornarem sus-pei os de sabo agem ou agen es da guerra psicolgica adversa, que eracomo se ra avam os comen rios desfavorveis ao regime.

    No ambien e palaciano, quando se referiam ao general, era inimagi-nvel qualquer res rio ou comen rio que parecesse cr ica. Assim,ningum eve coragem de omar a inicia iva e expressar o pensamen-to comum sobre o ridculo da foto o cial do evento. Repetiu-se noPlanal o Cen ral aquela fbula do rei que es nu. Como no houvemanifes ao de discordncia, a assessoria liberou a imagem para a

    mdia impressa.No ou ro dia, logo cedo, quando a fo o apareceu es ampada em odasas primeiras pginas dos jornais, acon eceu um verdadeiro bafaf.

    Na fo ograa, o marechal, com seu capace e de inimaginvel dimen-so, cou parecendo um ex ra erres re de his ria em quadrinhos. Aspessoas passavam pelas bancas e, mesmo quando no compravam umexemplar, faziam ques o de apreciar a munganga para cair na inevi - vel gargalhada.

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    O mais a revido foi cer o jornaleco meio comunis a do io de Janei-ro, que a en o sobrevivia s perseguies da di adura a durssimapenas. Sen indo que no aguen aria por mui o empo a presso do go-

    verno, as sucessivas prises de seus colaboradores e a fuga em massados anunciantes, o editor-proprietrio optou por aproveitar a opor-unidade para sair de cena em grande es ilo. Fez uns ajus es na fo o

    enquadrou o marechal em fren e a uma bri adeira, de um ngulo emque a mquina cou parecendo uma nave espacial.

    Ocupou com o re ra o oda a par e de cima da primeira pgina. Logabaixo da fo o, es ampou uma manche e espalhafa osa anunciandoque os marcianos inham omado o governo no Brasil. S l embai- xo, em ipos quase ilegveis, se explicava que a manche e no era nadmais nada menos que uma chamada para um ar igo de co cien -ca, a ser publicado na edio seguin e. Que, alis, nunca veio luz.

    An es que a Polcia Mili ar invadisse a redao e empas elasse a pub-cao a marre adas, o jornaleco rodou 4 edies sucessivas. U ilizoua papel empres ado por concorren es que, meses an es, pregavam ogolpe, mas que ambm no es avam sa isfei os com o andar da ca-ruagem. Vendeu fei o gua no deser o. Os exemplares eram dispu a-dos a apa na Cinelndia, no Largo da Carioca, na Avenida io Brancoe ou ros pon os de grande concen rao popular.

    Graas pon e area, em pouco empo a publicao chegou a So

    Paulo. No io, as Polcias Civil e Mili ar foram mobilizadas. evis avam arrancavam os impressos das mos dos lei ores. Filas, elevadores, res-

    auran es, repar ies pblicas, lo aes, escri rios, rens de sub- bio, udo virou um verdadeiro pandemnio, um generalizado campode ba alha. Quem conseguiu salvar o seu exemplar fez sucesso noi enos bairros. Vrios desses lei ores, denunciados por vizinhos alcague-

    es, que naqueles dias sombrios se mul iplicavam fei o erva daninhaforam parar em delegacias e quar is.

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    Cabeas rolaram. A equipe demarke ing , do publici rio ao fo grafo,foi oda subs i uda. Mas o es rago es ava fei o.

    A par ir dali, o prprio marechal es abeleceu que em ma ria de obra,s iria a inauguraes quando no se exigisse capace e em ningum.E como nada havia para inaugurar, ele aprovei ou o episdio para selivrar de levar sol quen e no quengo e aplaudir discursos sem graanenhuma.

    Nada disso, porm, es ava em pau a ou sequer era lembrado naque-la manh. O que in eressava eram as novas do minis ro, que cumpriu britanicamente o horrio, fe -se anunciar, cumprimentou o chefe, es-perou a ordem para sen ar.

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    Bate-bate corao

    O marechal ajeitou-se com di culdade na cadeira larga e alta que forafei a para acomodar as longas pernas de Juscelino Kubi scheck, seuprimeiro ocupan e. Sem se preocupar em esconder o desconfor o, au-

    orizou o minis ro a expor o que o levara a solici ar s pressas aquelaudincia imprevis a.

    O chanceler es ava ainda pior acomodado. Balanava para um lado epara o ou ro, parecia pndulo de relgio de parede. Procurava ajei aras ndegas na pol rona o empo odo. Se es ivesse sen ado em cim

    de um formigueiro, no ranspareceria maior desconfor o. Sabia quedicilmen e o que inha a dizer agradaria. Era perspicaz o sucienpara perceber, ambm, que o seu papo, recheado de mesuras e forma-lismos vazios, dava nos nervos do di ador.

    Achou que precisava ganhar algum empo, preparar o espri o do co-mandan e supremo. Por isso, iniciou uma conversa do ipo que o povo

    chama de cerca-loureno, evitando ir direto ao assunto.O marechal j sabia que o problema no era simples. Por isso, apsouvir alguns longos minutos de lero-lero, girando em torno da delica-deza do ema a ser ra ado, cor ou a palavra do auxiliar e, bruscamenordenou que fosse dire o ao assun o.

    Mais suado do que sugeria o clima do Cerrado naquela poca doano, o minis ro nem assim conseguiu ser esclarecedor. Es ava ra- vado, sua aclamada loquacidade de repen e fora para o espao. Aoinvs de cumprir a ordem, con inuou cos eando o alambrado, comose diz no Sul.

    Foi naquela al ura que o marechal perdeu a calma pela primeira vez.Levan ou a voz e de erminou: Minis ro, por caridade, poupe os meus

    neurnios. Se eu no sei do que se ra a, como posso lhe dar comandorien aes ou sequer rezar um padre-nosso pela soluo do problema

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    Apesar de cul o, o marechal inha um senso de humor ras eiro. Alm disso,no es ava acos umado e no gos ava de ser desobedecido. En o apeloupara a ignorncia. Ameaou o minis ro com a linguagem dos pores, onde

    os prisioneiros pol icos eram in errogados:Talvez uns bons choques el ri-cos nos culhes lhe aam desembuchar. N o es e a minha pacincia.

    A presso excessiva fez efei o con rrio, como alis acon ecia mui as vezes nos calabouos onde se pra icavam as or uras con ra inimi-gos do regime. O minis ro perdeu a cor, a fala e a capacidade de seexpressar.

    O absurdo da si uao era o eviden e que o marechal caiu em si. Es-ava no caminho errado. Era preciso relaxar o in erlocu or. Aper ou

    uma campainha e pediu solci a secre ria, que surgiu aparen emen edo nada, dois copos com gua gelada e dois cafezinhos bem passados.

    Logo en rou Ccero, o copeiro ocial, razendo a encomenda nograu. Xcaras fumegan es, copos suando da gua gelada. O marechal

    aprovei ou para desanuviar o ambien e e pergun ou a Ccero pelasnovidades.

    Era como um cdigo. O copeiro sempre razia para o presiden e con- versas de cocheira, rela rios da R dioCorredor e a piadas sobre oprprio marechal que ningum inha o ope e de con ar. Em roca,servia de conden e para reexes di a oriais que nenhum ou ro ou- vido inha o privilgio de escu ar.

    Naquele momen o enso, o copeiro foi pea fundamen al para resol- ver o impasse. Percebendo que o ambien e es ava so urno, fez o seu jogo. Disse ao di ador que conhecia uma piada nova sobre o regime,mas era mui o pesada e ele no inha coragem de con ar na presenade um es ranho.

    Con e , ordenou o marechal. a bom, porque esse ai deve pensar queeu sou um mons ro e vai ver que eu sou, alm de democra a, mui o bemhumorado.

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    Ccero en o arriscou. E narrou a piada do nibus lo ado que foi pararnuma delegacia devido a uma confuso generalizada.

    A causa do fuzu foi o espancamen o sofrido por um ocial do Exrci oque es ava fardado. O mili ar, mui o irri ado, disse ao delegado que fagredido pelos passageiros e exigia uma punio exemplar para odos.

    A au oridade policial comeou, en o, a ouvir os acusados. A primeirfoi uma moa boni a e exal ada, que sem medo apon ou para o mili a

    ela ou que es ava no nibus sen ada no seu can o quando inespera-damen e o milico passou a mo nos seus seios sem o menor respei o. Me i minha sombrinha nele com oda a ora , confessou.

    O prximo depoen e falou que era noivo da moa. Conrmou a his-ria, admi iu que ambm inha dado uns sarrabulhos no a revido

    Para azar do ocial, a famlia in eira da noiva es ava no cole ivo. Pame, irmos, primos, odos admi iam o espancamen o em funo dodesrespei o donzela.

    L por l imo vem um amarelinho, e o delegado, j de saco cheio, per-gun ou: E o senhor, o qu da moa? O sujei inho fez cara de espan o: Eu no sou nada, seu delegado. Nem conhecia ela.

    Surpreso, o delegado pergun ou se ele ambm inha agredido o o-cial. Mais surpreso ainda cou quando o sujei inho conrmou. Es avano nibus, viu odo mundo me endo o pau no mili ar, pensou que arevoluo inha acabado, desceu o cace e ambm.

    O marechal gargalhou, o chanceler deu um risinho amarelo, o climadesanuviou. Ccero foi convidado a se re irar, a palavra vol ou ao mi-nis ro, que, bem mais ranquilo, conseguiu engrenar a conversa.

    Presiden e, eu preciso de comandos urgen es. J consul ei o coronel

    e do Servio Secre o, no ob ive respos a. O embaixador do pas Lincoln no quer en rar no assun o. A San a S pede in ormaes

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    principais jornais querem en revis as, as nossas embaixadas no sabemo que dizer. Adminis rei a aqui, agora ugiu da minha alada.

    A fala do minis ro, sol ando orpedos em doses homeop icas, era fru-o da remo a esperana de o marechal j es ar informado de alguma

    coisa que facili asse a sua misso. Mas udo foi in il.

    Pela expresso do chefe, o minis ro percebeu que ele es ava comple a-men e por fora do assun o. o que d in imidar a imprensa e encherde medo os auxiliares. Acaba-se sem saber de coisas importantes quedeveriam ser bem conhecidas, pensou com os bo es da sua casaca.O pior que o des ino o escolhera para ser o por ador da m no cia.

    Ten ando num esforo supremo enrolar um pouco mais para prepararmelhor o espri o do chefe, assumiu o risco e ergiversou:O senhorconhece a cidade pernambucana de Boi Pin ado, an igamen e denomi-nada Boa Vis a, presiden e?

    O marechal conhecia. Fora l uma vez, na poca de comandan e do IVExrci o, cuja sede no ecife. Fica a cerca de 130 km da capi al per-nambucana, na regio Agres e do es ado. aclamada, a hoje, comoCapi al Mundial da Vaquejada.

    Foi exa amen e para assis ir a um desses even os que se deslocou a a cidade. eclamou da es rada ruim, achou udo feio, de es ou a fes a. Vaqueiros derrubando bois pelo rabo, levan ando poeira, o povo vi- brando em palanques que pareciam poleiros. Um espor e no qual noachava graa nenhuma, apesar de ser mui o apreciado por seus con er-rneos nordes inos. Es ar em Pernambuco e no conhecer a radicio-nal vaquejada de Boi Pin ado, que acon ece odo ms de se embro, como ir a oma e no ver o papa.

    Porm, nos l imos meses, a m impresso da visi a desaparecera. E o

    marechal fez ques o de regis rar: No apenas conheo, como de l senho recebido boas no cias.

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    Agora a surpresa foi do chanceler. Ocupado com as relaes in erna-cionais, no inha empo para se a ualizar no no icirio in erno. Po-

    an o, no sabia de nada de bom acon ecido em Boi Pin ado, s es a

    informado da par e complicada.O marechal encarou o chanceler, a expresso mais animada razia aomesmo empo uma ordem inadivel. Agora que precisava ainda de al-gum empo, o minis ro no dispunha de mais nenhum.

    Conformado, enga ilhou frase: No sei se o senhor es a par, presiden e...

    O manda rio, no es ava a par de nada ruim vindo de Boi Pin ado. Eno gos ou de saber que es ava desinformado. Pior ainda, achou mui ocons rangedor er que passar recibo da sua ignorncia para um auxiliarcom o qual no inha qualquer in imidade. O seu desconhecimen o eraprova de que ou o Servio Secreto - o j temido SS - no funcionava ouomi ia no cias ao chefe supremo.

    O ministro percebeu a situao, atrapalhou-se num gaguejado inter-minvel. Foi preciso que o presiden e perdesse a linha pela segunda vez, desse uma apa na mesa, para o homem cair em si, novamen e serecompor e desembuchar de uma vez por odas: No sei se o senhorsabe, presiden e , falou rpido e nervoso , mas Deus vai ser julgado em Boi Pin ado, e o assun o j ganhou o no icirio in ernacional.

    A mudana na expresso do mais al o manda rio do Pas foi o grandque o minis ro eve a impresso de que o marechal inha cado verdeamarelo, azul e branco ao mesmo empo. Se enassem um cabo de vas-soura no seu ouvido, naquela hora, podiam balanar que seria confun-dido com uma bandeira nacional. Alm disso, da boca que emi ia uma baba parecida com espuma, saiu um urro quase animal: Deus o qu?

    Nesse momen o, o minis ro inha a ingido quase os limi es da co- vardia. Segurou-se a custo para no urinar ali mesmo. Para sua sorte,

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    lembrou de uma expresso calhorda que mui o ouvira na poca de es-udan e, mas que exclura comple amen e do seu vocabulrio elegan e.

    Naquele ins an e de agonia, ele, que nunca u ilizara expresso grossei-ra, se agarrou silenciosamen e com a frase como uma bua de salva-o: J que passou a cabecinha, o res o vai de qualquer jei o.

    ecompos o, passou a se expressar com inesperado vigor e a umapon inha de a revimen o: isso mesmo que o senhor ouviu, presiden e.O julgamen o de Deus es marcado para se realizar em Boi Pin ado,agora, no prximo dia 7 de se embro. O nncio apos lico, represen andire o do Papa e do Espri o San o, quer uma audincia urgen e com osenhor. E a imprensa in ernacional, abusada como sempre, es exigin-do uma en revis a cole iva para saber a posio ocial do Pas sobre esseinusi ado acon ecimen o.

    O alvio opera milagres. A cada palavra que proferia, o minis ro ia re-cuperando a sua habi ual imper inncia, nunca exerci ada dian e dos

    poderosos do regime. Percebeu que a fraqueza mudara de lado. Agoraquem remia nas bases era o di ador. Mudava de cor como uma rvorede Na al, parecia que ia er uma convulso a qualquer momen o.

    O chanceler sentiu-se inesperadamente tomado de tranquilidade e sa-isfao. Passou a saborear cada palavra como uma espcie de vingana

    pela in imidao que o superior lhe infundia. Mandou falar, ia ouvir.

    E prosseguiu: Alm disso, presiden e, exis em diversos ou ros problemasacon ecendo por l. Temas polmicos e complexos, que desper am o in-

    eresse no apenas da San a S, como ambm dos servios de in eligncia es rangeiros e da comunidade cien ca in ernacional. Ques es qudesaam a nossa gloriosa e vi oriosa Revoluo Reden ora, que o senhor

    em conduzido com irocnio per ei o e generosa mo de erro. Finalizan-do, repe iu, dessa vez gra ui amen e, por pura maldade: Deus vai serlevado ao banco dos rus em Boi Pin ado, Excelncia.

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    Foi a vez do marechal quase engolir a lngua. Ar iculou as palavrascom diculdade, fazendo pausas en re cada uma delas, procurando ar.

    Quer dizer que, no meu governo... ca lico, apos lico, romano, ocidal e cris o... de ensor da , da radio, da amlia e da propried

    privada... resul ado da Revoluo Reden ora de 31 de Maro con racomunismo a eu...

    Quando se referiu ao comunismo a eu, foi dominado pela emoo.Perdeu o flego, parecia asxiado, o mul icolorido do ros o foi subs-

    i udo pelo roxo monocrom ico. O chanceler, apavorado, gri ou posocorro.

    O coronel mdico de plan o, que sempre es ava no gabine e con -guo, en rou s carreiras e, quando viu o quadro, diagnos icou um pos-svel enfar o em andamen o. Desconsiderou a hierarquia e, de acordocom o manual de medicina de comba e, desferiu um murro violen ono pei o do marechal, para garan ir o corao em funcionamen o.

    A au oridade desabou de cos as, meio desacordada. Para sua sor e efelicidade geral do mundo ociden al e cris o, es ava dian e do sofcaiu no fofo e no se feriu.

    Na verdade quem saiu machucada foi a mo do mdico, que naquelaagonia no percebeu e esmurrou dire amen e a es rela de me al quesobressaa no meio da faixa es endida sobre o pei o di a orial.

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    Captulo 2

    Revoluo ou piada?

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    PE GUNTE A QUALQUE ALUNO DO P IMEI O GRUem que da a ocorreu o golpe mili ar de 1964, que ele responder com

    oda a segurana: No dia 31 de maro.

    Trata-se de uma impostura que vem sendo alimentada ao longo de d-cadas. O golpe ocorreu no dia 1 de abril. A da a no poderia ser maisadequada, pois trata-se do Dia Internacional da Mentira. E falsidadesociais foi o que nunca fal ou sobre os acon ecimen os daquele dia eseus desdobramen os pelos prximos 21 anos.

    Os responsveis pela an ecipao foram os prprios ar ces do movi-men o. Naquela poca, a comemorao era mui o maior do que hoje.

    No mundo in eiro, quase odas as pessoas se empenhavam em fazeramigos ou desconhecidos carem em alguma esparrela. E ambm i-nham que pres ar a eno para no serem apanhados em armadilhas,pois as loro as eram mui as e cria ivas.

    A rgos srios da imprensa in ernacional en ravam na brincadeirano iciando os acon ecimen os mais improvveis com ares da maiorseriedade. Mui os acredi avam e repe iam a co. Algumas omavapropores globais.

    Em Boi Pin ado, an iga Boa Vis a, era comum se espalharem naqueldia as mais variadas po ocas. Desde a mor e sbi a de algum de quemno se gos ava a que a padaria de um adversrio pol ico es ava di-

    ribuindo po de graa.

    Poucos anos a rs, inham engabelado mui a gen e no mesmo pacoSeu Mulambinho era conhecido como o maior velhaco das redonde-zas. Vivia encalacrado com Deus e o mundo. Cinicamen e, ado ava o

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    lema devo, no nego, pago quando puder. Andava odo engomadoe com banha nos cabelos pelas ruas da cidade de cabea erguida, na-riz empinado, farejando a prxima v ima. Quem no e conhece que e

    compre , falava o povo. Agia como se fosse a cria ura mais corre a doUniverso.

    Um dos mui os enganados por ele espalhou a falsa no cia de que seuMulambinho inha acer ado na milhar do jogo do bicho. ecebera umdinheiro e es ava se preparando para arribar.

    Foi um desadouro. Os credores em peso correram para receber o seupedao. Comercian es, pres adores de pequenos servios, prossio-nais liberais, agiotas, amigos ludibriados de boa-f, dirigiram-se em bandos sua casa para no perderem a chance. A diversas raparigasda Avenida, como se chamava a zona de baixo mere rcio de Boi Pin a-do, acorreram ao even o. No eram poucas que inham levado o popu-lar xexo de seu Mulambinho. Ou seja, pres aram seus peculiares ser- vios sem receber a remunerao acordada. Agora, engrossavam com

    oda razo a mal a irada que encurralou o homem na sua prpria casa.

    A enfurecida mul ido des ruiu odo o precrio pa rimnio do deve-dor. No sobrou um po e para con ar a his ria. Nem mesmo os avi-sos colocados s pressas no alto-falante da igreja matri , alertando apopulao de que se ra ava de uma brincadeira de primeiro de abril,zeram efei o sobre a fria do populacho. Seu Mulambinho s no

    embarcou dessa para pior graas primeiramen e a Deus e depois in erveno providencial da polcia, que dispersou a urba com irospara o al o, conforme a insuspei a narra iva de dona Mimosa, esposado calo eiro.

    Por isso, no se pode dizer que, nesse caso, os idelogos do golpees ivessem desprovidos de razo. Caso admi issem o dia corre o dogolpe, es ariam dando cabimen o a uma piada pron a que o mundo in-

    eiro cuidaria de ironizar. Fecharam ques o no 31 de maro, quando

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    comprovadamen e ocorreram mui as reunies conspira rias, masno acon eceu nenhuma ao golpis a.

    Uma das maiores provocaes que se podiam fazer na poca aos mili-ares era dizer que a evoluo eden ora deles foi uma piada de pri-

    meiro de abril. Mui a gen e levou rompaos e a acabou no xilindrpor falar o cndida verdade.

    Depois da redemocra izao, a da a equivocada con inuou sendorepe ida. Talvez porque a polmica naquele momen o no valessea pena. Podia soar como revanchismo ou a provocao; na pocarealmen e exis iam coisas mais impor an es para ra ar. Por ou ra,- vez realmen e porque no zesse mais nenhuma diferena o golpe erocorrido no dia al ou qual. In eressava ao Pas era es ar livre dele.

    Pelo sim, pelo no, a hoje prevalece a da a errada. no dia 31 de mar-o que velhos milicos saudosis as se renem em clubes decaden espara fes ejar a merda que zeram com o Pas. Au oridades mili ares

    fazendo ouvidos de mercador orien ao dos governos civis, emi emOrdens do Dia louvando o golpe que persis em chamando de revo-luo. E ainda por cima, a da a comemorada em quar is Pas afora.

    As crianas con inuam aprendendo nas escolas o dia errado por con-a do desconhecimen o de mui os professores e principalmen e em

    decorrncia do pouco caso e da fal a de pulso das au oridades da reaeducacional.

    A da a exa a incon es vel. Cada dia em 24 horas, como odo m-do sabe, e acaba meia-noite. A partir da, j madrugada de um outrodia. E at meia-noite do dia 31 de maro de 1964 no havia nenhumsinal de es ripulia pelas ruas do Pas. Nas al as horas da madrugadade primeiro de abril, na calada da noi e, como se diz, que algumas

    ropas acenderam o es opim, saindo dos quar is, em Minas Gerais, sedeslocando em comboio na direo do io de Janeiro.

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    bom assinalar que, embora o golpe viesse sendo preparado pelo me-nos desde a renncia de Jnio Quadros, em 1961, udo acabou acon-

    ecendo de modo bas an e improvisado.

    Havia mui as divergncias no in erior das prprias foras armadas eprincipalmente na relao dessas com os norte-americanos sobre aocasio, a forma e a in ensidade do golpe. Prevaleceram as desavenas,o consenso no foi alcanado. Quando chegou a informao de queuma fro a ianque es ava a caminho para omar a fren e da derrubadado governo, a si uao fugiu do con role.

    Considerando inacei vel a presena descarada dos Es ados Unidosno comando e para no car a reboque dos es rangeiros, um grupogolpis a, nacionalis a e an icomunis a resolveu agir por con a prpria.

    Naquela madrugada de 1 de abril, um cer o general Olmpio Mouro,sediado em Minas Gerais, ps as ropas que comandava em movimen-

    o, por sua con a e risco. Forou a barra, iniciou o levan e e deu o golpe

    como fa o consumado.O resul ado de uma manobra dessas no acon ece como num passede mgica. Tanto que ao meio-dia o presidente Joo Goulart, que todomundo chamava de Jango, es ava chegando em Braslia vindo do iode Janeiro e con inuava no poder. O mesmo acon ecia com Miguel Arraes em Pernambuco, Seixas Dria em Sergipe e diversos ou rosgovernadores e prefei os que depois seriam depos os pelos golpis as. A o comeo da arde do dia primeiro, em Minas, no io de Janeiro,no ecife, em So Paulo, em Braslia, alm de ou ras capi ais, apenasnos crculos mais enfronhados da poltica, sabia-se que um possvelgolpe es ava em curso. As pessoas bem informadas sen iam que algoes ranho es ava se passando, embora ningum fosse capaz de rela arexa amen e o qu.

    Em Boi Pin ado, por exemplo, localidade onde as pessoas eram infor-madas e ouviam odas as edies do repr er Esso, inclusive porque

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    o no icirio era reproduzido pela dio Surubim, um servio dealto-falantes instalado nos postes da cidade, ningum sabia absoluta-mente de nada. Era um dia de quarta-feira como outro qualquer.

    Naquele comeo de arde, quen e como uma lambida do diabo, por-que o inverno eimava em no chegar, um grupo de rapazes cochilavaem plena via pblica. Como de hbi o, descansavam do almoo nacalada da ma riz, quase em fren e casa paroquial. Aprovei avam agradvel sombra proporcionada pela al a orre da igreja nova. O mo- vimen o da rua era quase nenhum, j que a maioria da populao am- bm irava um cochilo depois do almoo. Nada os incomodava.

    Tratava-se de um grupo heterogneo, conhecido pelo apelido de Pen-sadores Te us, como eles mesmos se chamavam. O povo dizia sim-plesmen e que eram os Te us, nome de uma ave no urna da regio,aparentada com o quero-quero. Costumavam discutir madrugadaaden ro os assun os mais variados. Do sexo dos anjos Guerra Fria,das ques es fundamen ais da losoa a um pnal i no marcado noClssico das Mul ides. Por isso, duran e a arde, es avam sempre so-nolen os, aprovei avam a modorra do horrio para irar um ronco.

    De repen e, chega odo esbaforido, suado fei o irador de espri o com a cara espan ada de quem acabara de ver assombrao, nada maisnada menos que Tovrish Li.

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    Negro vai virar macaco, branco vai virar banana

    Tovrish, como se sabe, a palavra russa para designar camarada, ora amen o ocial que os comunis as de qualquer escalo ado avam

    en re si para ransmi ir a ideia de que odos eram iguais.

    No que Li fosse comunis a, ningum acredi aria em al acusao.Para falar a verdade, o elemen o no inha ideologia de nenhuma na-

    ureza. No puxara ao pai, vermelho de car eirinha, comunis a decla-rado e afamado.

    Tan o que para demons rar sua afeio Unio Sovi ica, o velhoregis rou a penca de lhos com nomes de personagens gloriosos dahis ria do socialismo, odos com o seu sobrenome, Almeida e Silva.O mais velho, por exemplo, era Karl Marx, conhecido como Marqui-nhos. O segundo, Frederico Engels, era Fredinho para odo mundo.O erceiro, Luiz Carlos Pres es, era Lulinha. As duas mulheres eram

    osinha, de osa Luxemburgo, e Guinha, como chamavam Olga Be-

    nrio de Almeida e Silva.O caula carregava o nome de Vladimir Uilianov Lenine. Chamadopelo pai desde o bero de Tovrish, ganhou na escola a alcunha de Li,o apelido pegou compos o.

    Tovrish inha pressa, mui a pressa. Con udo sabia mui o bem queno adian ava en ar acordar a cambada de um por um, com sacudi-delas ou modos educados. Como a urma era bru a e brincava pesa-do, ele u ilizou a obje iva soluo de aplicar um chu e com o bico dosapa o no vo das cos elas de um dos lderes do grupo, o indigi adoCumpade Deca.

    Registre-se que daqui por diante, sempre que for mencionado, Deca vai ser ra ado por Cumpade, que era como odo mundo o chamava.

    Escrever compadre, conforme os padres da l ima or do Lcio, in-cul a e bela, seria uma adul erao imperdovel. En o, como prega

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    o lsofo Zadock dos Muros Al os, inspirado na po ica de ManuelBandeira, a bem da comunicao fuzilemos a gram ica.

    Desper ado dessa forma ecaz, Cumpade berrou um palavro queacordou no apenas oda a canalha do grupo como qualquer um queporven ura es ivesse dormindo nas casas das imediaes. A donaSeverina do Padre, que omava con a da residncia do monsenhor Afonso, deu um pulo da cama, espan ada como se es ivesse sendo en-

    ada pelo demnio em pessoa.

    To logo os parceiros abriram os olhos, espan ados, Li foi anuncian-do, com as palavras en recor adas pela respirao ofegan e, que inhse e no cias es ranhas, e cada uma pior do que a ou ra, para compar-lhar com a urma.Querem ouvir?

    De imedia o, veio cabea de odos que Tovrish inha imaginadouma men ira de se e modas, como se falava. Ou seja, um molho dequengadas, para usar expresso da poca. Na linguagem elevisiva de

    hoje, se diria que Li inha armado um paco e de pegadinhas, logose e, que a con a do men iroso. Cons a ado isso, odos acordadoningum era bes a de acredi ar em mais nada do que ele armasseem seguida. S podia ser impos ura do safado para en ar engabelaro grupo.

    No era arefa fcil. A o alidade dos presen es, se excluirmos da l-a o no vel professor Na rcio Pai dos Burros, carregava nas cos a

    um his rico mui o pouco recomendvel de brincadeiras pesadas e demau gos o, em qualquer dia do ano. Eram capazes de reconhecer umaloro a de longe.

    Coisas como enar um pedao de cigarro aceso na orelha de um burrocarregado de panelas de barro e car espiando de longe, esperandoo resul ado, eram comuns. Imaginem o espe culo do animal pulan-do ensandecido pela dor, as panelas voando e se espa ifando no cho.

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    Podia ser mui o engraado para quem assis ia, mas represen ava umgrande prejuzo para o proprie rio da carga.

    Ou ra brincadeira da urma era afrouxar a cilha da sela do cavalo dealgum ma u o parado na por a de uma bodega para omar a bicadasaideira. Quando a v ima, geralmen e j bem melada, en ava mon ar,levava uma queda desajei ada e mui as vezes perigosa para a in egrida-de de braos, cos elas e a do pescoo.

    Maldade maior era colocar uma mu uca, ou seja, um pedacinho defsforo aceso, na cara de algum que es ivesse dormindo de papo parao ar. Na reao ins in iva dor, o sujei o levava s mos ao ros o com

    oda a fora, provocando uma for e pancada.

    ecen emen e, isalvo Pezo, direi is a assumido e desafe o declara-do do grupo, es ava dormindo numa mesa do bilhar de seu Janoca,com os braos aber os. Colocaram uma mu uca no seu ros o, ena-ram-lhe um par de tamancos nas mos. A pancada foi to forte que

    isalvo quebrou o nariz e passou uns dois meses de cara inchada.No primeiro de abril, sos icavam as pa ranhas. No ano an erior, apro- vei ando que falar em marcianos es ava na moda, aquele mesmo gru-po adap ou a ideia de um americano que anos a rs, a ravs do rdio,disseminou o pnico nos Es ados Unidos.

    Em plena madrugada de 1 de abril, sol aram na Ch do Marinheiro,local mais al o da cidade, um balo em forma de disco voador. Tiverama as cia de amarrar a pea a um jumen o que carregava uma ba eriapara alimen ar luzes piscando em orno do ar efa o, fei o uma rvorede Na al. medida que o animal andava, a impresso era a de que oOVNI se deslocava len amen e.

    Em seguida, eles mesmos se encarregaram de sair acordando as pes-

    soas para mos rar o fenmeno. Em pouco empo odo mundo es avana rua em pnico, mui os pensando que 60 chegara com a raso.

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    Essa meno a 1960 no por acaso. 1959 coincidiu com o nal deuma das severas secas peridicas que a hoje a ormen am os nordes-

    inos. Por an o, foi ano de enorme pobreza e sofrimen o.

    Na cul ura apocalp ica nordes ina, bas ava um fenmeno pouco con- vencional da na ureza ou qualquer acon ecimen o fora do normal elogo algum desencavava a ideia de que o mundo ia acabar ou algumacoisa es ranha es ava para acon ecer.

    Naquela poca no exis ia o poli icamen e corre o. Mui o menos aleis Afonso Arinos ou Maria da Penha e ou ros avanos da convivnciacivilizada. Ningum que ivesse uma carac ers ica de raa ou defeifsico esperasse a condescendncia de um eufemismo. Negro era ne-gro. Aleijado era aleijado. Cego era cego. Co era co . Doido era doi-do. Ano era ano. Gago era gago. Fanho era fanho. Manco era manco.Mouco era mouco. Velho era gag. Baixinho era ampinha, rodap depu eiro, meio o ou ambore e de forr. Um sujei o al o era grampespanador da lua ou ira coco sem vara. Se fosse magro, o apelido eraMi de Ferro.

    Expresses amenas como afrodescenden e, decien e audi ivo, por-ador de necessidades especiais e ou ras do mesmo eor sequer eram

    cogi adas.

    Den ro desse espri o, um bando de gaia os espalhou que quando 60chegasse os negros iam virar macacos. Can avam pelas ruas: Pisa na ul/pisa no buraco/60 vem a/nego vai virar macaco.

    Os a ingidos revidaram. Ser pre o, por aquelas bandas, no era sin-nimo de subservincia. A escravido quase no exis ira naquelas pa-ragens. Alm disso, a maioria dos negros da regio vivia ou era prove-nien e da localidade de Umari, an igo, duradouro e invic o quilomboformado por escravos fugidos do li oral.

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    De modo que ali sobrevivia quase in ocada uma populao pre a re-in a, al iva e desaforada. Com a his ria de que os negros iam virar

    macacos, os umarizenses invadiam aos bandos a feira nos sbados,

    provocando e fazendo algazarra. Parodiavam, can arolando al o e bomsom: Pega na ful/ca bem bacana/ negro vai virar macaco/branco vai virar banana.

    E, quando passavam per o de uma ou vrias mocinhas, ameaavamabocanhar os pescoos virginais, dizendo: Te prepara, branquela,quem vai e comer sou eu.

    Troco bem aplicado. Foi preciso a polcia pedir reforo e in erferircom energia para acabar aquela liber inagem.

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    As pegadinhas de Li

    Acos umados a presenciar e par icipar de acon ecimen os dessa na-reza e com enorme vivncia na aplicao de pulhas as mais diversas,nenhum Te u ia cair em armadilha o bvia como as se e conversasda carochinha anunciadas por Tovrish Li.

    Porm, para no es ragar a brincadeira, odos ngiram en rar no climae au orizaram o pilan ra a con ar as ais novidades surpreenden es.

    Passava pela cabea de odos ouvir o rosrio de invenes para, em

    seguida, jogar o fei io con ra o fei iceiro e dar o roco, deixando Lcom cara de rapariga.

    ecuperando um pouco o flego, olhos esbugalhados e corao aindaaos sal os, o mensageiro fez primeiramen e a meno fon e, que re-gra bsica de odo bom men iroso para dar credibilidade s suas pa ra-nhas. Segundo Li, ele soube das coisas porque ouviu uma conversade seu Marcondes Telegras a, um dos comunis as mais conhecidosda cidade, na ocina do seu pai, que era ferreiro concei uado, alm decomunis a de car eirinha, como a gen e j sabe.

    Segundo ele disse, seu Marcondes reuniu os camaradas de maior con-ana e con ou errveis novidades que es avam acon ecendo no PaO elegras a fazia par e de uma rede de prossionais comunis as qu

    rocavam informaes de in eresse geral e par icularmen e do PCBEs ava sempre um passo adian e na maioria das no cias.

    Li disse que ouviu escondido no quin al da ocina e por isso mui-os de alhes escaparam. Mas quando odos saram s pressas, ele en-

    con rou no cho uma ira dos regis ros do elgrafo. Graas amizadcom o seu pai, o elegras a ensinou a ele rudimen os do Cdigo Mor-se. Foi graas a esse conhecimen o supercial que ele complemen ou

    o que inha escu ado decifrando em par e, no cias pavorosas.

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    Mos rou a ira do elgrafo cheia de furinhos e, como um cego semia-nalfabe o lendo em braile, foi decifrando e anunciando as novidadespela ordem. Primeiro, diz aqui que es em curso uma operao chama-

    da Bro her Sam, com o obje ivo, parece, de anexar o Brasil aos Es adosUnidos.

    A gargalhada geral no quebrou a seriedade de Li. Logo CumpadeDeca repreendeu de men irinha a odos. Espera a gen e, o assun o srio mesmo, deixa Tovrish con inuar.

    Bem , prosseguiu o mensageiro,a segunda en endi menos ainda, mases impresso. Com cer eza o marinheiro Popeye em alguma coisa a vercom isso. Pelo menos az par e do al o comando das ropas.

    A foi danado. Deca reforou os pedidos de silncio. Agora ele es a- va mesmo curioso para saber a onde ia a safadeza de Tovrish. Omarinheiro Popeye, sempre com seu cachimbo escorado no can o da boca, e erno pre enden e de Olvia Pali o, era gura popular nos dese-

    nhos animados da eleviso. En re isso e par icipar de uma operaomili ar no Brasil, vai uma dis ncia enorme. Se ainda fosse Z Carioca,personagem brasileiro, v l, podia er sido ado ado como masco e dealgum pelo o. Mas um boneco americano, era mesmo hilarian e.

    Por isso mesmo, com essa ningum se aguen ou. Ou ra sonora garga-lhada dominou o ambien e.Vai ver que eremos que comer espinafe

    odo dia , comen ou um gaia o.

    A mui o cus o, a ordem foi res abelecida, porque, alm das risadas, jse mul iplicavam os comen rios. Finalmen e, com o precrio silncio,Li pde prosseguir. A erceira no cia con orme diz aqui que ropasdo Exrci o marcham pela Via Du ra lideradas por uma vaca ardada.

    A risadagem redobrou de al maneira que comeou a jun ar gen e, em

    pouco empo j parecia um pequeno comcio.

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    Que negcio engraado e absurdo. Essa, nem Chico Anysio era capaz dcriar. Li inven a cada uma! Esse 1 de abril vai ser campeo. E o pior que ele in erpre a com uma seriedade o grande que se a gen e

    conhecesse bem a pea era capaz de acredi ar. Cada men ira mais cabeluda que a ou ra, e o danado man m a cara o almen e compene ranem um risinho. Grande a or que ele . Provoca mais gargalhadas doque Mazzaropi. Es se perdendo por aqui,era o que se falava.

    quelas al uras, a curiosidade da pla eia es ava aguada. Deca nemprecisava pedir silncio, era a prpria pla eia que fazia sinal com asmos e repe ia: Psiu, cala a boca gen e, ainda em mais, con a a prxi-ma, Tovrish.

    A prxima era a seguin e:Os Es ados Unidos enviaram uma fo a comum por a avies e vrios des rieres en upidos de marines para a ac Braslia pelo meio da ores a e depor o presiden e Jango.

    Imagine o lei or que naquele momen o inha gen e chorando de an

    rir. Como que ? Uma fro a naval vem da Amrica do Nor e paraa acar Braslia, que ca, como odo man buchudo sabe, a mais de 2mil quilme ros do mar? E por uma ores a, que s pode ser a Ama-znica? Que confuso dos diabos. Essa merece en rar no Livro dos Re-cordes como a maior men ira de odos os empos.

    A prxima! A prxima! Era a solici ao da pla eia insacivel. Logo aassis ncia parecia a orcida num jogo da seleo de Lagoa Nova, de-pois de um golao de Cici ou Incio Toro o . Mais uma, mais uma,gri avam e ba iam palmas. A balbrdia se generalizou de novo. A mui-

    o cus o, es ando sua liderana e seu vozeiro, Cumpade Deca conse-guiu impor algo parecido com silncio.

    Li, srio fei o um porco mijando, cumpria sua his rica misso comoda a galhardia. Ainda passando os dedos pela inha do elgrafo

    com cara de decifrador, eve que gri ar para ser ouvido, que o io de Janeiro es ava sendo a acado pelo general Cruel.

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    A essas al uras odos inham perdido as con as das no cias e achavamque a men irada, embora hilarian e, j es ava passando dos limi es.Invadir o io de Janeiro j seria um absurdo. E bo ar um cara chama-

    do Cruel para fazer isso, s se os hipo icos conspiradores fossemhumoris as.

    Tinha gen e embolando no cho de an o gargalhar. O pblico s faziacrescer, cada qual que chegava querendo saber as conversas de caro-chinha para rir ambm. Os privilegiados ouviam do prprio Li, querepe ia udo pacien emen e com a cara mais sria desse mundo. Osque ouviram, no odo ou em par e, rememoravam en ando lembraruma a uma. Nem Cumpade Deca, do al o de sua liderana, que emma ria de furduno era reconhecida por odos, foi capaz de res auraro silncio. Impossvel prosseguir.

    E ningum deixava de elogiar o desempenho e a cria ividade do men-iroso. Essas oram realmen e mui o boas, Tovrish merece ganhar o

    Oscar pelo desempenho. Mas nem por isso ningum ia acredi ar emnenhuma daquelas invenes desproposi adas, apesar de mui o per i-nen es para aquela da a. A que algum con ou nos dedos e anunciou bem al o, reabrindo a sesso de gargalhadas:Gen e, as se e men iras de Li so cinco. Que cara mais gaia o.

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    Morra a caterva vermelha

    Depois de serenada a risadagem, s para render com o assun o, osmais prximos procuravam argumen ar, mos rando ao mensageiro aspernas cur as das suas conversas adas. No s vendo que isso no em p nem cabea, Li?

    Argumen avam pelo caminho da razo. Primeiro, os mili ares no se-riam o idio as a pon o de derrubarem um governo que, alm de fra-co das pernas, inha da a marcada para acabar. O presiden e Joo Gou-lar , do PTB, era um rico la ifundirio, no inha nada de comunis a

    Defendia reformas de base, impor an es para a modernizao do pas,mas, como no inha apoio, nem isso ia conseguir fazer.

    Alm disso, fal ava pouco mais de um ano para a eleio. JuscelinoKubitschek, o ex-presidente que fe o Brasil andar 50 anos em cinco,cons ruiu Braslia, membro an igo do Par ido Social Democra a, PSD, por an o o almen e convel para as eli es e liderava dispara

    odas as pesquisas. Es ava pra icamen e nomeado presiden e da e-pblica por an ecedncia, qual o sen ido de um golpe mili ar agora?

    Os norte-americanos, era sabido, estavam interessados em colocarno Brasil um governo subal erno a eles, acabar com a independncianacional e ransformar nosso pas no maior quin al do mundo. Masseriam por acaso idio as a pon o de no es arem informados de quehavia qua ro anos a capi al do Pas inha sido ransferida do io de J-neiro para o Planal o Cen ral? E que Braslia no em ligao aqu icde qualidade nenhuma com o Oceano A ln ico? Como um pas oin eligen e como os Es ados Unidos ia mandar uma fro a para a acarcapi al se es a nem inha como chegar l? A ravs da ores a, eles iquando mui o, parar em Manaus.

    Isso sem falar de ou ras invenes engraadas, porm desproposi a-das. As gloriosas Foras Armadas brasileiras so mui o ciosas da suahis ria, das suas vi rias em campos de ba alha e do seu nacionalism

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    Imagine se iriam se submeter e aceitar um nome-c digo estrangeiro edesmoralizan e como Bro her Sam para seu improvvel movimen o.Na remo a hip ese do golpe acon ecer algum dia, eria cer amen e

    um nome genuinamente verde-amarelo, patri tico e ufanista.Mais desproposi ado ainda esse negcio de Popeye par icipar do co-mando da ropa. Logo ele, um boneco americano que s exis e nos dese-nhos animados, que no em nada a ver com a realidade brasileira. Aquia gen e sabe que ele fuma cachimbo e come espinafre, que parece umaespcie de bredo. Mas ningum jamais viu um bregueo desses sendo vendido em alguma feira e mui o menos servido em qualquer pra o.

    E uma vaca fardada no comando de um movimen o mili ar? ealmen-e a ideia mui o engraada. Mas algum j ouviu falar de vaca farda-

    da? Nem mesmo no Carnaval de Olinda, onde se abusa da cria ivida-de e irreverncia, nunca se viu qualquer folio fan asiado de vaca, comfarda, quepe, espada e udo o mais.

    Aqueles comen rios eram uma forma de valorizar a performance. Foisensacional, camarada. Espe acular. Mui o cria ivo. Mas nada daquilopodia ser verdade.

    Em vez de se curvar para receber os merecidos aplausos e usufruir doseu momen o de glria, o men iroso no se dava por vencido, en avaprosseguir sem dar o brao a orcer. Agora, j correndo o risco de en-cher o saco. Todo mundo sabe que depois de rir mui o a pessoa cameio enjoada, por isso no em nada mais cha o do que brincadeira in-sis en e. Minha gen e, eu no es ou brincando , repe ia.O general Crueles invadindo o Rio de Janeiro, juro pela alma da minha me.

    Achando que a brincadeira j inha dado o que inha que dar, Cum-pade Deca fez valer a sua au oridade.T bom, minha gen e, oi mui oengraado, mas bas a por hoje. E, imi ando Chacrinha, o Velho Guer-reiro, um dos orgulhos de Boi Pin ado, gri ou o bordo: Palmas pra

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    ele, que ele merece. Vocs querem bacalhau? Procurem na venda de se Lalau. E fez um ges o enf ico de que a fes a chegara ao m.

    Foi realmen e diver ido, o melhor primeiro de abril de odos os em-pos, superou o disco voador do ano passado. Mas ava na hora de cadaqual ir ra ar da sua vida.

    E assim eria acon ecido se no en rasse em cena o elegan e vereadoPedro Boi de aa. Homem dalgo, al o, for e, de grande sade e cre-dibilidade, campeo dos campees de vaquejada, fazendeiro e comer-cian e, ele sempre inha um bom rdio ligado no seu es abelecimencomercial.

    A en o comple amen e alheio ao fuzu, chegou com uma expressrans ornada. Abriu caminho a jun o de Cumpade Deca e de Tov-

    rish Li e pergun ou com seu vozeiro inconfundvel: Pessoal, algumaqui ouviu a edio ex ra do Repr er Esso, que Edson de Almeida acbou de ler na Rdio Jornal? Os mili ares es o omando o poder no Pa

    in eiro.Claro que ningum ali inha ouvido, es ava odo mundo na rua e a

    dio Boi Surubim, que reproduzia o no icirio, saa do ar na horasagrada do descanso depois do almoo.

    An es que Pedro Boi de aa ivesse empo de debulhar as surpreen-den es novas, en rou na rua acelerado, no seu carro espor e convers- vel todo empoeirado, o ricao mais famoso da regio. Tratava-se de

    aul Bondinho, lho nico de um maiores fazendeiros e produ oresde algodo do lugar.

    Bondinho vivia mais anando no ecife e no io de Janeiro do queem Boi Pin ado. O apelido vinha do fa o de ele falar mui o no bondi-nho do Po de Acar e, sinceramen e, com seu corpanzil arredonda-

    do, meio que parecer com o elefrico carioca.

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    Embora no se mis urasse mui o com os locais, di ava moda e exerciafor e inuncia sobre os lhos dos la ifundirios e grandes comer-cian es. De vez em quando aparecia acompanhado por es rangeiros

    e comandava uma sociedade meio secre a nos moldes da Ku KluxKlan norte-americana. S que nos Estados Unidos a KKK, como eraconhecida, caava negros. A en idade de aul era chamada de CCC,que signicava Comando de Caa aos Comunis as e, segundo se dizia,es ava se espalhando por odo o Pas.

    De acordo com as ms lnguas, o sujei o, reconhecido como playboy at nas publicaes mundanas do Centro-Sul, estava por trs de vriasameaas e violncias que eram pra icadas con ra camponeses e lderessindicais da regio. Casos de espancamen o e a sumios deni ivosno eram raros. O povo eximia o coronel Honora o dessas arbi rarie-dades de fundo ideolgico. A linha do coronel era ou ra, como vere-mos adiante. Di ia-se que era mesmo Raul quem estimulava e nan-ciava essas operaes cavernosas, embora, na uralmen e, ningumconseguisse provar.

    Con rariando seu cos ume de no dar mui a rela gen alha de BoiPin ado, Bondinho chegou buzinando e fazendo o maior alarde.

    Ves ido com seu raje de viagem, que mui o se assemelhava ao dosaviadores dos lmes pre o e branco, irou o gorro, levan ou os culose fez o primeiro e alvez nico discurso pblico da sua vida: Pessoal,

    ui para o Reci e, mas no consegui en rar. Os mili ares omaram condo Pas, a capi al es cercada. O nibus es vol ando, os carros de pra-a ambm. Nem Dr. Hidelbrando, que ia levando um pacien e, passou pela barreira. Finalmen e chegou a nossa vez. a salvao da P ria, da amlia e da propriedade.

    Ato contnuo, puxou o rev lver 38 e disparou seis tiros para o alto, a ulo de comemorao. Arrogan e como sempre, berrou ainda mais

    al o:Quem iver ogos pra vender, eu compro. Lol, pode razer odoo seu es oque. Eu quero udo. Torro dinheiro, mas vou comemorar a

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    derro a desses comunis as lhos da pu a que viviam irando o sossdas amlias de bem.

    Avis ando seu Pacco do ho el e Doze Dedos do bar, assim chamadopor er mesmo seis dedos em cada mo, ordenou: Podem servir bebida para odo pa rio a que quiser comemorar. Hoje udo por minha con

    E, em clima de apo eose, berrou a planos pulmes: Morra a ca ervavermelha. Viva a Revoluo Reden ora de 1 de abril de 1964...

    Naquele momen o, o golpe invadia a vida paca a de Boi Pin ado.

    Comeava a his ria que desaguaria no julgamen o de Deus.

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    Captulo 3

    O samba do crioulo doido

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    TO LOGO ECUPE OU SE, O MA ECHAL, COMO BOM Eal ivo mili ar, ra ou de minimizar a pilora. No oi nada , armou , umasimples indisposio provocada por uma gripe mal curada, alm desse

    clima horroroso do Cerrado, mais a emoo dessas no cias inesperadas. Disfarava o desconfor o e uma errvel dor de cabea que, no seucaso, u ilizando a linguagem poli icamen e incorre a da poca, ocup- va uma grande par e da rea il do seu corpo.

    O senhor, como mdico, deve es ar a par de udo, principalmen e do mes ado emocional, para no azer diagns icos precipi ados. Meu carocoronel, mdico do glorioso Exrci o Brasileiro, no lhe con o a mal a-dada no cia que acabei de receber e que me irou do srio. Imagine q Deus vai ser julgado numa cidadezinha do in erior de Pernambuco.

    Suspirou fundo e prosseguiu: A onde sei, a primeira vez que algumem a ousadia de colocar Deus no banco dos rus. E olhe que no se ra

    de uma deidade pag e ex in a, ou um deus primi ivo e brbaro. Muimenos um animal ou um drago, que aqui e acol so adorados. Nem

    mesmo o sincr ico Xang ou o brasileirssimo Z Pilin ra. Mui o mera a-se de Al, que no Brasil no em mui os seguidores, podia ser p

    sub judice sem problema nenhum, oda ausncia a revida. Mas no, mcaro coronel. Querem julgar o nosso Deus, o smbolo maior da civilizaociden al, o mais al o inspirador da nossa Revoluo Reden ora de 31maro desse glorioso ano de 1964. Ou seja, desculpe o rocadilho, es cara que se ra a de uma inicia iva de m- com o nosso governo.

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    Exci ado, o marechal mal conseguia uma rgua para respirar. E pros-seguiu sem dar chance sequer para o mdico tentar acalm-lo.

    Es ando cer o o chanceler, o ru desse caso o Deus odo poderoso, cridor do cu e da erra, o Deus de Abro, Isaac, Moiss, Davi e Salomo, o pai da ma ria, o criador nosso que es nos cus,aquele que dispe so-beranamen e sobre os nossos des inos. Pois o Senhor Deus dos Exrci ovai ser julgado como se osse um simples melian e, ou um mero subversivo, o que um achincalhe mui o maior.

    E o pior de udo que ui o l imo a saber, como se Boi Pin ado, em vde um prspero municpio brasileiro e pernambucano, osse uma provn-cia localizada no mais remo o in erior do Paquis o. Para o senhor sen-

    ir o meu drama, a o papa Joo XXIII, o presiden e Lindon Jonhson,a rainha Elizabe h, os lderes comunis as Mao Ts Tung e Fidel Cas ro,

    odos j es o a par do caso. Enquan o eu, presiden e dos Es ados Unidos do Brasil, es ava comple amen e desin ormado, comendo mosca. Oque no gos am de mim podem me chamar inclusive de aluado, lun ico,abes alhado; nesse caso eriam oda a razo.

    Depois de um lapso que pareceu a e ernidade, re omou a palavra, ba-lanando a enorme cabea:Uma coisa indi a, a revida, que nos expeao ridculo no concei o das naes civilizadas. E ainda enho que aguen-

    ar me chamarem de di ador.

    O regime ainda no inha assumido que era uma irania, com odas asletras, como faria em 1968. Embora o clima fosse pesadssimo no Pasin eiro, mui a gen e fazia rocadilhos debochados com o novo gover-no. No fal ava quem, irando onda com os novos donos do poder,chamasse a di adura ora de democradura, ora de di amole.

    O marechal exigia um apoio moral e cvico devidamen e verbalizado.Os senhores no acham isso um absurdo comple o? Embora sem en en-der se o marechal se referia ao julgamen o ou ao fa o de lhe chamaremde di ador, o chanceler e o mdico desis iram do quem cala consen e

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    e acabaram se manifes ando:Sem dvida, excelncia, um absurdo o al. Alis, mui as coisa naqueles dias eram um absurdo o al.

    Por isso, recomendava a prudncia que ningum achasse nada. O l i-mo que achou nunca mais foi achado, faziam rocadilhos por a.

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    As aparncias no enganam

    Concordar, naquele ambien e, era passapor e para con inuar nas gra-as do poder. Apesar dos fumos democr icos que pre endia exalar, omarechal deixou claro desde o incio que o governo iria respirar o arimposi ivo e hierrquico que prevalecia nos quar is.

    J dissemos que ele adorava piadas de caserna. Pois duran e a primeirareunio minis erial, que deveria er sido solene e formal, replicou uma brincadeira de mui o mau gos o, repe indo o compor amen o de sar-gen os do ipo mal encarados na recepo aos recru as.

    Escolheu para v ima o minis ro da Educao, um civil conhecidopela olerncia do seu pensamen o, e que parecia o mais nervoso edesambientado de todos. Danou-se a fa er perguntas sobre a pasta,querendo saber de alhes que dicilmen e o auxiliar eria ido empopara assimilar e ci ar de cor.

    Qual verba para o ensino undamen al, minis ro? No sei, vou me in- ormar, presiden e. Quan as escolas cnicas ederais es o em unciomen o, minis ro? No sei, vou me in ormar, presiden e.E o marechal foirepe indo indagaes, cada qual dirigida de forma mais spera, semo in errogado conseguir a inar com a respos a para nenhuma delas.O minis ro, apavorado, suava mais do que ampa de chaleira e inhaperdido a condio de raciocnio. Chegara o momen o da piada. Opresiden e o encarou severamen e, mandou pres ar mui a a eno esapecou a pergun a, dedo em ris e, no om mais agressivo possvel:Qual o seu nome, minis ro?

    No deu ou ra. Comple amen e desarvorado, o in erlocu or j noouvia mais nada. Caiu na armadilha fei o um aru: No sei, vou mein ormar, presiden e.

    O minis ro da Guerra puxou a gargalhada, os minis ros mili ares, mes-mo os que no gos avam do marechal, riram com gos o. Ao con rrio

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    dos civis, que o zeram visivelmen e cons rangidos, exibindo um -mido sorriso amarelo.

    S pela narra iva desse bizarro episdio fcil compreender por queos auxiliares civis evi avam qualquer encon ro com o chefe. Diver-gir dele, en o, nem pensar. Era um lobo com modos de cordeiro. Squem usava a prerroga iva de expressar opinio con rria eram os mi-nis ros mili ares represen an es da chamada linha dura, apelidados dgorilas ou ambm de hidrfobos, em aluso doena que deixa oscachorros li eralmen e loucos. Esses rabalhavam para o regime aper-

    ar cada vez mais.

    Conhecendo mui o bem os meandros do poder, o chanceler sen iuque a fase mais difcil es ava ul rapassada. Aprovei ou, en o, parasegunda e apa, que era irar o dele da re a. Para isso, jogou mais lenhna fogueira de um auxiliar que o presiden e de es ava.

    epe iu que solici ara informaes ao coronel do Servio Secre o e

    ivera o silncio como respos a. Como a presso que sofria era granderesolvera recorrer dire amen e ao seu superior na cadeia de comando.Quem cumpre ordens no erra , arrema ou, usando uma expresso decaserna para bajular o chefe.

    Desde a primeira informao, o marechal j percebera o amanho da bronca. Assumira para um manda o ampo que deveria durar a aseleies marcadas para o ano seguin e. A principal razo da sua esco-lha que no era de linha nenhuma. No con emplava nem ameaavaningum.

    Apesar do apoio dos Es ados Unidos e do clima da Guerra Fria, quedividia o mundo, os principais pases da Europa, ciosos dos seus valo-res democr icos, olhavam com mui a desconana a al evoluo

    eden ora do Brasil.

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    Era difcil que engolissem como democr ico um golpe mili ar quedesrespei ou a Cons i uio, cassou manda os, suspendeu os direi oscivis, exilou democra as e abarro ou os crceres com presos pol icos

    de odas as condies sociais. A linha moderada, chamada de galinhas verdes, porque segundo osadversrios no ofendiam nem a um pin o, ainda predominava nosdiscursos e no as ociais. Seus par idrios faziam um grande esforopara man er as aparncias. Sus en avam o discurso de que os mili arestinham violado a Constituio com o intuito de preserv-la, tomaramo poder para garan ir a democracia, que es ava ameaada pelo comu-nismo a eu. To logo a ca erva vermelha fosse eliminada, o governoseria devolvido aos civis. Foi essa a verso ocial para jus icar o golpe.O mundo democr ico no engoliu.

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    A casa da Me Joana

    No dia a dia, a dispu a en re os dois grupos era um verdadeiro cabo deguerra, um permanente puxa-encolhe. O marechal representava umpon o de equilbrio, um algodo en re os cris ais. Conseguia condu-zir o governo aos rancos e barrancos, dando uma no cravo ou ra naferradura.

    Por con a dessa si uao, dian e daquele impasse crucial, o di ador nse sen iu seguro para decidir sozinho. Achou melhor ouvir opiniesde odas as alas e compar ilhar as responsabilidades, como j zera em

    ou ras ocasies delicadas.

    Convocou o minis ro da Casa Civil, um mili ar in elec ualizado e dsua es ri a conana, e explicou por al o a si uao. Para er empose recuperar do faniqui o que sofrera, solici ou uma audincia com ocoronel chefe do Servio Secre o, para as 17 horas, e ou ra, uma horamais arde, com o chamado ncleo duro do governo, acrescido do

    chancelerDian e do quadro real do Pas e do seu governo, aquele desao do julgamen o de Deus era po encialmen e explosivo. In ernamen econs i ua uma ameaa para sua precria liderana na ropa. No planoin ernacional, poderia gerar repercusses fa ais para a imagem do seugoverno. Era preciso mon ar uma es ra gia bem pensada para lidarcom aquela sinuca de bico.

    Elogiou o chanceler.Fez bem em me procurar, agora vol e para a suarincheira e aguarde a reunio.

    Ficou sozinho com o mdico. Es e aprovei ou a opor unidade pararecomendar com nfase uma ba eria de exames. O marechal relu ou,mas foi convencido pela argumen ao irre ocvel: Nes e momen o o

    senhor a P ria, es a no pode faquejar.

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    poca, di ia-se que o melhor hospital de Braslia era a ponte areapara So Paulo. A cidade era nova, poucos prossionais de renome i-nham arriscado ransferncia para l, mas o marechal ba eu o p: s

    acei ou ser levado para os alegados exames de ro ina no Hospi al deBase da capi al. L, foi examinado e reexaminado, realmen e nada ha- via no corao. Fora apenas um pico de presso causado pelo es resse.

    Recolheu-se na companhia da equipe mdica ao Palcio da Alvora-da, onde almoou. A j descri a cabea desproporcionalmen e gran-de e comple amen e cha a do presiden e es ava fervendo. Tomou unscalman es para conseguir relaxar e dormiu algumas horas. Acordouainda indispos o, mas fez um enorme esforo para no demons rar.Precisava agir altura das exigncias do momento. Tratava-se do seuprimeiro grande desao. Era necessrio corresponder ao que dele seesperava e calar os cr icos de odas as condies. Para isso, inha queacionar, como nunca an es, os recursos do seu quengo privilegiado.

    Quando saiu do quar o, es ava pron o para o comba e. Incorporava o bordo mili ar de que o comandan e superior ao empo. Fez ques odes a vez de ves ir sua farda de campanha para ransmi ir a odos queera uma ques o de vida ou mor e o caso que iriam ra ar.

    J no Planal o, recebeu pon ualmen e o comandan e do Servio Se-cre o. Na hora aprazada, ele chegou ao gabine e presidencial. Jun ouruidosamen e os sal os dos co urnos e s no ba eu a con inncia re-

    gulamentar porque as mos abraavam um monte de pastas. Tratava-se de um ocial osco e ecien e, da arma da Cavalaria, com quem odi ador no inha qualquer anidade. spido, foi dire o ao assun o:Coronel, o senhor es a par dessa his ria do julgamen o de Deus, em Boi Pin ado?

    O Servio Secre o con inuava mal es ru urado. A maioria dos agen esse informava principalmen e recor ando no cias dos jornais que, na-quele momen o, abusavam da au ocensura. O rgo, realmen e, es avapassando ba ido pelo caso de Boi Pin ado.

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    No en an o, assim que recebeu o aler a do chanceler, o coronel caiuem campo. Despachou imedia amen e seus melhores subordinadospara Pernambuco, mon ou uma ecien e rede de informaes.

    Os agen es enviados inham recen emen e recebido reinamen osecretos no Panam ministrados por instrutores franceses e norte-a-mericanos. Aplicaram os conhecimen os adquiridos, foi uma boa aulaprtica. Em 48 horas elaboraram um dossi que, apesar de incomple-

    o, razia informaes sobre os mais variados ngulos da complexaques o.

    Seguindo o lema de no in erferir em nada, mas acompanhar udo,man iveram es rei a vigilncia na cidade, a ualizando as informaquase em empo real.

    Assim, enquan o o chanceler perdia empo esperando por uma ideiasalvadora, o coronel preparava sua prpria salvao. Por sabedoria,man eve segredo, no se repor ou aos superiores. Preferiu aguardar

    ser chamado, sabia que logo isso iria acon ecer. Assim, j que perderao empo de se an ecipar ao problema, pelo menos quando acionadodaria uma respos a imedia a e precisa. No deixava de ser uma provade ecincia e pres eza.

    Duran e uma boa meia hora, exps de alhadamen e o que sabia deodo o imbrglio. A complexidade envolvia no apenas o julgamen o

    em si, como j adian ara o chanceler. Ou ras ques es in rincadas smis uravam. Mos rou papis, exibiu fo os, a cada dado que razia, con rariedade presidencial s fazia aumen ar.

    Ao rmino da explanao, o presiden e indagou:O senhor em algu-ma suges o, coronel? Ao longo de oda a sua carreira, que ainda reser- vava mui os sucessos no fu uro, ele s eve uma propos a para resolvqualquer problema. E tratou de enunci-la:Sugiro que a gen e prendae arreben e, marechal.

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    A conversa erminou. quelas al uras, o he erogneo grupo convoca-do para a reunio j se encon rava na an essala. Em Braslia, as no ciascorrem. De um modo ou de ou ro, odos j sabiam do que se ra ava.

    O marechal ordenou que se dirigissem para a sala de reunio. Numadeferncia especial, caminhou segurando no brao do presiden e daCmara dos Depu ados.

    Apesar de dezenas de congressis as erem sido cassados, mui os delespresos e a seviciados, o presiden e da Cmara Federal era gura obri-ga ria naquela democracia de faz de con a. Apelidado de Cereja doBolo, cava de pron ido em Braslia, no apenas para par icipar de a ossolenes, jan ares em embaixadas, recepes a au oridades es rangeiras,como para in egrar as reunies es ra gicas na condio de represen-

    an e do Poder Legisla ivo. Apesar de nunca abrir a boca nessas oca-sies, era apresentado como o legtimo porta-vo do povo brasileiro.

    Ou ra gura impor an e era o presiden e do Supremo Tribunal Fe-deral. O seu an ecessor fora cassado como subversivo, e ele, indicadopelos mili ares, venceu por unanimidade a eleio en re os seus pares.

    epresen ava o Poder Judicirio.

    Com mais esse jei inho brasileiro, a diviso dos rs poderes indepen-den es e harmnicos que carac erizava a moderna democracia, segun-do o modelo clssico de Mon esquieu, se conver ia em verdadeirafarsa ropical. O Brasil colocava suas ins i uies no mesmo nvel das

    mais inexpressivas republique as de bananas.Os demais par icipan es eram o minis ro das elaes Ex eriores, queno in egrava o ncleo duro, mas nes e caso especco era imprescin-dvel; o minis ro da Jus ia, que odo dia rebolava mais do que baianano bambol, para en ar provar ao Pas e ao mundo que a di adura era,na essncia, democr ica, e o governo cons i ucional an erior queera uma di adura comunis a em ges ao; o coronel chefe da Casa Ci- vil, adminis rava as difceis relaes do governo com lderes pol icose movimen os sociais que apoiaram o golpe.

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    Comple avam o grupo o comandan e da Casa Mili ar, ambm daquo a pessoal do presiden e. Desempenhava um papel semelhan e aode Goebbels na adminis rao de Hi ler na Alemanha nazis a e repre-

    sen ava a corren e an icomunis a e nacionalis a das foras armadasminis ro da Guerra, lder da linha dura, que achava o presiden e fracoe s pensava em substitu-lo; alm do coronel do Servio Secreto e dogeneral comandan e da Polcia Federal.

    Porm, o convidado mais impor an e, presena obriga ria em odasas omadas de decises es ra gicas do Pas, era o embaixador dos Es-

    ados Unidos da Amrica do Nor e. Ou comparecia ou se fazia repre-sen ar. Nada de impor an e se denia sem a sua aprovao.

    As trapalhadas militares dos norte-americanos na execuo do gol-pe, quando sequer dispunham de um mapa a ualizado do Pas, noin erferiram na conduo pol ica aps a vi ria. O embaixador dosEs ados Unidos era um craque nas ar iculaes, rapidamen e bo ou ogoverno mili ar no bolso. Nomeou os minis ros do Planejamen o e daFazenda e o presiden e da Casa da Moeda, que eram os execu ores dapol ica econmica, pau ada por linhas do maior in eresse das empre-sas estrangeiras. Em menos de 15 dias, para desconforto da ala nacio-nalis a, ocupou a posio de indiscu vel eminncia parda do regime.

    Pode a parecer men ira, mas essa inuncia era o grande que osnomes do minis ros eram raduzidos para o ingls. E assim eram men-

    cionados, a pela imprensa. ober o Campos, des acado ar ce dapol ica econmica da di adura, era chamado por odos, inclusive nosno icirios, de Bob Fields.

    O embaixador era informadssimo. Sabia de udo, a das conversaspessoais do presiden e, por elefone ou rdio.

    Assim que a reunio foi aber a, o minis ro da Guerra, que no respei-ava nem perdia opor unidade para hos ilizar e desaar a au oridad

    do presiden e, omou a palavra. E foi logo vociferando no seu linguaja

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    grosseiro e o almen e inadequado ao ambien e: A culpa desse imbr- glio s pode ser desse cago que voc nomeou para comandar o IV Exr-ci o. um molenga, um cala-fouxa, um imbecil que deveria er sido

    cassado desde a primeira hora.O coronel da Casa Mili ar, por sua vez, defendia o presiden e a ferroe fogo. Nem pediu permisso e foi logo revidando, em clima de bate--boca: Permi a-me discordar, Excelncia. Os comandan es mili ares sodire amen e subordinados ao senhor. E no me cons a que a demissodo general do IV Exrci o enha sido solici ada por sua pas a. Mas nem por isso vou-lhe a ribuir responsabilidades pessoais.

    Fechou-se o tempo, cada qual querendo fa er prevalecer sua opinio.O coronel do Servio Secre o, para no car por baixo, vociferou que aculpa era dos comunis as, inspirados por Che Guevara e Fidel Cas roe nanciados pelo ouro de Moscou.

    Foi preciso o presiden e, con rariando o es ilo mais ameno que procura-

    va exibir, ba er na mesa pela segunda vez naquele dia para conseguir serouvido.Senhores, eu no quero saber de quem a culpa, isso a gen e apuradepois. Precisamos omar decises e mon ar nossa es ra gia, o empo ur E solici ou ao coronel do Servio Secre o que zesse uma ampla exposi-o, de modo a nivelar as informaes para odos os presen es.

    Para qu? Na conversa an erior com o presiden e, apenas os dois nasala, o coronel a que se sara bem. Mas ali, na presena de odasaquelas altas patentes, atrapalhou-se todo. Acostumado a dar e receberordens, era ainda o almen e inexperien e em exposies complexascomo aquela. Tinha preparado um roteiro s pressas, perdeu-se na lei-

    ura dos picos.

    Bem, senhores, emos uma si uao bem complicada em Boi Pin adoO xeri e, ao que udo indica, perdeu o con role da si uao. O bea o quressusci ou dos meus, quer acabar com o julgamen o a bala. A Dama deOuro a principal suspei a no desaparecimen o do dinheiro arrecadado,

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    embora o juiz de direi o ambm deva ser inves igado. Sabemos queTe us so os responsveis pela ideia do julgamen o, mas emos cerde que os Fan asmas Vermelhos ambm no es o inocen es no caso

    Marimbondos e os Embola-Bos as lavaram as mos.Parou um pouco, passou a vis a pela pla eia, odos es avam boquia- ber os. O coronel in erpre ou mal, pensou que es ava abafandoe prosseguiu: Ainda es amos inves igando a que pon o o mis rida feira virgem que es grvida es relacionado com a ins alaodesse ribunal inacei vel. O caso da vaca no elhado oi devidameapurado e no eve qualquer cono ao pol ica. O abalo ssmico caso bem encaminhado, deve car onde j es , no crculo cnicocien co. No h provas do envolvimen o do arcebispo comunis a Reci e, mas para mim ele es por rs de udo. Para resolver o casosenhores conhecem o meu pensamen o. A j disse ao presiden e. mim, a gen e prende e arreben a.

    Apesar da inques ionvel gravidade do assun o, odos es avam se s-gurando para no rir. Que conversa maluca era aquela, ningum es-

    ava en endendo pa avina. Parecia uma reunio ocial do FEBEAPo Fes ival da Bes eira que Assola o Pas, criao do imor al S anislPon e Pre a. U ilizando esse pseudnimo, o genial jornalis a SrgiPor o ridicularizava o regime com o simples rela o de si uaes absur-das que se mul iplicavam por odo o erri rio nacional.

    Sen indo que es ava perdendo a parada, s res ou ao presiden e recor-rer ao embaixador, que, a en o, ouvia udo profundamen e concen-rado, com a cabea apoiada nas mos.

    O diploma a falou dire o e obje ivo:O nico pon o que realmen e preocupa a ques o do julgamen o de Deus, o res o ca pequeno. Na boca dele, graas ao so aque, a expresso bem brasileira cava mui odiver ida. An es de anunciar sua posio, en re an o, precisava cons-

    ar a Casa Branca. Em assun os que envolviam o Va icano no inhau onomia.

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    O minis ro da Jus ia aprovei ou para puxar o saco dos americanos: En o vamos esperar, emos que car alinhados. O que bom para os Es ados Unidos bom para o Brasil.

    No era oa que difamadores de plan o alimen avam o boa o de queo governo mili ar iria mudar o nome do nosso Pas, que na poca eraocialmen e Es ados Unidos do Brasil, para Brasil dos Es ados Uni-dos. O presiden e, mais uma vez, balanou a cabeorra, es ava preocu-pado; o resul ado da reunio no lhe agradara em nada.

    Ningum do governo conseguiu falar a mesma lngua e ainda inhamque car imobilizados esperando uma ordem de Washing on. Nessamarcha , pensou can ando a pedra,no demora e algum engraadinhovai dizer que o nosso governo um samba do crioulo doido.

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    Captulo 4

    Terremo o pra ningum bo ar de ei

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    ] T e r r e m

    o t o p r a n i n

    g u m b

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    d e f