Onde Foi Que Voces Enterraram Nossos Mortos

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    Por estes mortos, nossos mortos,

    peo castigo.

    Para os que salpicaram a ptria de sangue,

    peo castigo.

    Para o verdugo que ordenou esta morte,

    peo castigo.

    Para o traidor que ascendeu sobre o crime,

    peo castigo.

    Para o que deu a ordem de agonia,

    peo castigo.

    Para os que defenderam este crime,

    peo castigo.

    No quero que me dem a mo

    empapada de nosso sangue.

    Peo castigo.

    No vos quero como embaixadores,

    tampouco em casa tranqilos,

    quero ver-vos aqui julgados,

    nesta praa, neste lugar.

    Quero castigo.

    Pablo NerudaNossos Inimigos (Canto Geral)

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    IN MEMORIAM

    Abelardo Rausch Alcntara, Ablio Clemente Filho, Aderval Alves Coqueiro, Adriano

    Fonseca Filho, Afonso Henrique Martins Saldanha, Albertino Jos de Oliveira, Alberto

    Aleixo,Alceri Maria Gomes da Silva, Aldo de S Brito Souza Neto, Alex de Paula Xavier

    Pereira, Alexander Jos Ibsen Voeroes, Alexandre Vannucchi Leme, Alfeu de Alcntara

    Monteiro, Almir Custdio de Lima, Alusio Palhano Pedreira Ferreira, Amaro Luz de

    Carvalho, Ana Maria Nacinovic Corra, Ana Rosa Kucinski Silva, Anatlia de Souza Melo

    Alves, Andr Grabois, ngelo Arroyo, ngelo Cardoso da Silva, ngelo Pezzuti da Silva,

    Antogildo Pacoal Vianna, Antnio Alfredo de Lima, Antnio Benetazzo, Antnio CarlosBicalho Lana, Antnio Carlos Monteiro Teixeira, Antnio Carlos Nogueira Cabral,

    Antnio Carlos Silveira Alves, Antnio de Pdua Costa,Antnio dos Trs Reis Oliveira,

    Antnio Ferreira Pinto (Alfaiate), Antnio Guilherme Ribeiro Ribas, Antnio Henrique

    Pereira Neto (Padre Henrique), Antnio Joaquim Machado, Antonio Marcos Pinto de

    Oliveira, Antnio Raymundo Lucena, Antnio Srgio de Mattos, Antnio Teodoro de

    Castro, Ari da Rocha Miranda, Ari de Oliveira Mendes Cunha, Arildo Valado, Armando

    Teixeira Frutuoso, Arnaldo Cardoso Rocha, Arno Preis, Ary Abreu Lima da Rosa, Augusto

    Soares da Cunha, urea Eliza Pereira Valado, Aurora Maria Nascimento Furtado,

    Avelmar Moreira de Barros, Aylton Adalberto Mortati, Benedito Gonalves, Benedito

    Pereira Serra, Bergson Gurjo Farias, Bernardino Saraiva, Boanerges de Souza Massa,

    Caiuby Alves de Castro, Carlos Alberto Soares de Freitas, Carlos Eduardo Pires Fleury,

    Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Carlos Nicolau Danielli, Carlos Roberto Zanirato,

    Carlos Schirmer, Carmem Jacomini, Cassimiro Luiz de Freitas, Catarina Abi-Eab, Clio

    Augusto Guedes, Celso Gilberto de Oliveira, Chael Charles Schreier, Cilon da Cunha Brun,

    Ciro Flvio Salasar Oliveira, Cloves Dias Amorim, Custdio Saraiva Neto, Daniel Jos de

    Carvalho, Daniel Ribeiro Callado, David Capistrano da Costa, David de Souza Meira,

    Dnis Casemiro, Dermeval da Silva Pereira, Devanir Jos de Carvalho, Dilermano Melo

    Nascimento, Dimas Antnio Casemiro, Dinaelza Soares Santana Coqueiro, Dinalva

    Oliveira Teixeira, Divino Ferreira de Souza, Divo Fernandes de Oliveira, Djalma Carvalho

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    Maranho, Dorival Ferreira, Durvalino de Souza, Edgard Aquino Duarte, Edmur Pricles

    Camargo, Edson Luis de Lima Souto, Edson Neves Quaresma, Edu Barreto Leite, Eduardo

    Antnio da Fonseca, Eduardo Collen Leite (Bacuri), Eduardo Collier Filho, Eiraldo Palha

    Freire, Elmo Corra, Elson Costa, Elvaristo Alves da Silva, Emanuel Bezerra dos Santos,

    Enrique Ernesto Ruggia, Epaminondas Gomes de Oliveira, Eremias Delizoicov, Eudaldo

    ,Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, Ezequias Bezerra da Rocha, Flix Escobar

    Sobrinho, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Fernando Augusto Valente da Fonseca,

    Fernando Borges de Paula Ferreira, Fernando da Silva Lembo, Flvio Carvalho Molina,

    Francisco das Chagas Pereira, Francisco Emanoel Penteado, Francisco Jos de Oliveira,

    Francisco Manoel Chaves, Francisco Seiko Okama, Francisco Tenrio Jnior, Frederico

    Eduardo Mayr, Gastone Lcia Carvalho Beltro, Gelson Reicher, Geraldo Magela Torres,

    Fernandes da Costa, Gerosina Silva Pereira, Gerson Theodoro de Oliveira, Getlio deOliveira Cabral, Gilberto Olmpio Maria, Gildo Macedo Lacerda, Grenaldo de Jesus da

    Silva, Guido Leo, Guilherme Gomes Lund, Hamilton Fernando da Cunha, Helber Jos

    Gomes Goulart, Hlcio Pereira Fortes, Helenira Rezende de Souza Nazareth, Heleny Telles

    Ferreira Guariba, Hlio Luiz Navarro de Magalhes, Henrique Cintra Ferreira de Ornellas,

    Higino Joo Pio, Hiran de Lima Pereira, Hiroaki Torigoe, Honestino Monteiro Guimares,

    Iara Iavelberg, Idalsio Soares Aranha Filho, Ieda Santos Delgado, ris Amaral, Ishiro

    Nagami, sis Dias de Oliveira, Ismael Silva de Jesus, Israel Tavares Roque, Issami

    Nakamura Okano, Itair Jos Veloso, Iuri Xavier Pereira, Ivan Mota Dias, Ivan Rocha

    Aguiar, Jaime Petit da Silva, James Allen da Luz, Jana Moroni Barroso, Jane Vanini

    Jarbas Pereira Marques, Jayme Amorim Miranda, Jeov Assis Gomes, Joo Alfredo Dias,

    Joo Antnio Abi-Eab, Joo Barcellos Martins, Joo Batista Franco Drummond, Joo

    Batista Rita, Joo Bosco Penido Burnier (Padre), Joo Carlos Cavalcanti Reis, Joo Carlos

    Haas Sobrinho, Joo Domingues da Silva, Joo Gualberto Calatroni, Joo Leonardo da

    Silva Rocha, Joo Lucas Alves, Joo Massena Melo, Joo Mendes Arajo, Joo Roberto

    Borges de Souza, Joaquim Alencar de Seixas, Joaquim Cmara Ferreira, Joaquim Pires

    Cerveira, Joaquinzo, Joel Jos de Carvalho, Joel Vasconcelos Santos, Joelson Crispim,

    Jonas Jos Albuquerque Barros, Jorge Alberto Basso, Jorge Aprgio de Paula, Jorge Leal

    Gonalves Pereira, Jorge Oscar Adur (Padre), Jos Bartolomeu Rodrigues de Souza, Jos

    Campos Barreto, Jos Carlos Novaes da Mata Machado, Jos de Oliveira, Jos de Souza

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    Jos Ferreira de Almeida, Jos Gomes Teixeira, Jos Guimares, Jos Huberto Bronca,

    Jos Idsio Brianezi, Jos Inocncio Pereira, Jos Jlio de Arajo, Jos Lavechia, Jos

    Lima Piauhy Dourado, Jos Manoel da Silva, Jos Maria Ferreira Arajo, Jos Maurlio

    Patrcio, Jos Maximino de Andrade Netto, Jos Mendes de S Roriz, Jos Milton Barbosa

    Jos Montenegro de Lima, Jos Porfrio de Souza, Jos Raimundo da Costa, Jos Roberto

    Arantes de Almeida, Jos Roberto Spiegner, Jos Roman, Jos Sabino, Jos Silton

    Pinheiro, Jos Soares dos Santos, Jos Toledo de Oliveira, Jos Wilson Lessa Sabag,

    Juarez Guimares de Brito, Juarez Rodrigues Coelho, Kleber Lemos da Silva, Labib Elias

    Abduch, Lauriberto Jos Reyes, Lbero Giancarlo Castiglia, Lgia Maria Salgado Nbrega,

    Lincoln Bicalho Roque, Lincoln Cordeiro Oest, Lourdes Maria Wanderley Pontes,

    Loureno Camelo de Mesquita, Lourival de Moura Paulino, Lcia Maria de Souza,

    Lucimar Brando, Lcio Petit da Silva, Lus Alberto Andrade de S e Benevides,Lus Almeida Arajo, Lus Antnio Santa Brbara, Lus Incio Maranho Filho,

    Luis Paulo da Cruz Nunes, Luiz Affonso Miranda da Costa Rodrigues, Luiz Carlos

    Almeida, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, Luiz Eurico Tejera Lisboa, Luiz Fogaa

    Balboni, Luiz Gonzaga dos Santos, Luz Guilhardini, Luiz Hirata, Luiz Jos da Cunha,

    Luiz Renato do Lago Faria, Luiz Renato Pires de Almeida, Luiz Ren Silveira e Silva,

    Luiz Vieira, Luza Augusta Garlippe, Lyda Monteiro da Silva, Manoel Aleixo da Silva,

    Manoel Fiel Filho, Manoel Jos Mendes Nunes de Abreu, Manoel Lisboa de Moura,

    Manoel Raimundo Soares, Manoel Rodrigues Ferreira, Manuel Alves de Oliveira,

    Manuel Jos Nurchis, Mrcio Beck Machado, Marco Antnio Brs de Carvalho,

    Marco Antnio da Silva Lima, Marco Antnio Dias Batista, Marcos Jos de Lima,

    Marcos Nonato Fonseca, Margarida Maria Alves, Maria ngela Ribeiro,

    Maria Augusta Thomaz, Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Maria Clia Corra, Maria

    Lcia Petit da Silva, Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo, Maria Regina Marcondes

    Pinto, Mariano Joaquim da Silva, Marilena Villas Boas, Mrio Alves de Souza Vieira,

    Mrio de Souza Prata, Maurcio Grabois, Maurcio Guilherme da Silveira, Merival Arajo,

    Miguel Pereira dos Santos, Milton Soares de Castro, Mriam Lopes Verbena, Neide Alves

    dos Santos, Nelson de Souza Kohl, Nelson Jos de Almeida, Nelson Lima Piauhy Dourado,

    Nestor Veras, Newton Eduardo de Oliveira, Nilda Carvalho Cunha, Nilton Rosa da Silva

    (Bonito), Norberto Armando Habeger, Norberto Nehring, Odijas Carvalho de Souza, Olavo

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    Hansen, Onofre Pinto, Orlando da Silva Rosa Bonfim Jnior, Orlando Momente, Ornalino

    Cndido da Silva, Oroclio Martins Gonalves, Osvaldo Orlando da Costa, Otvio Soares

    da Cunha, Otoniel Campo Barreto, Pauline Reichstul, Paulo Csar Botelho Massa, Paulo

    Costa Ribeiro Bastos, Paulo de Tarso Celestino da Silva, Paulo Mendes Rodrigues, Paulo

    Roberto Pereira Marques, Paulo Stuart Wright, Pedro Alexandrino de Oliveira Filho,

    Pedro Carretel, Pedro Domiense de Oliveira, Pedro Incio de Arajo, Pedro Jernimo de

    Souza, Pedro Ventura Felipe de Arajo Pomar, Pricles Gusmo Rgis, Raimundo Eduardo

    da Silva, Raimundo Ferreira Lima, Raimundo Gonalves Figueiredo, Raimundo Nonato

    Paz, Ramires Maranho do Vale, Ransia Alves Rodrigues, Raul Amaro Nin Ferreira,

    Reinaldo Silveira Pimenta, Roberto Cieto, Roberto Macarini, Roberto Rascardo Rodrigues,

    Rodolfo de Carvalho Troiano, Ronaldo Mouth Queiroz, Rosalindo Souza, Rubens Beirodt

    Paiva, Rui Osvaldo Aguiar Pftzenreuter, Ruy Carlos Vieira Berbert, Ruy Frazo Soares,Santo Dias da Silva, Sebastio Gomes da Silva, Srgio Correia, Srgio Landulfo Furtado,

    Severino Elias de Melo, Severino Viana Colon, Sidney Fix Marques dos Santos, Silvano

    Soares dos Santos, Soledad Barret Viedma, Snia Maria Lopes de Moraes Angel Jones,

    Stuart Edgar Angel Jones, Suely Yumiko Kanayama, Telma Regina Cordeiro Corra,

    Therezinha Viana de Assis, Thomaz Antnio da Silva Meirelles Neto, Tito de Alencar

    Lima (Frei Tito), Tobias Pereira Jnior, Tlio Roberto Cardoso Quintiliano, Uirassu de

    Assis Batista, Umberto Albuquerque Cmara Neto, Valdir Sales Saboya, Vandick Reidner

    Pereira Coqueiro, Victor Carlos Ramos, Virglio Gomes da Silva, Vtor Luz Papandreu,

    Vitorino Alves Moitinho, Vladimir Herzog, Walkria Afonso Costa, Walter de Souza

    Ribeiro, Walter Kenneth Nelson Fleury, Walter Ribeiro Novaes, Wnio Jos de Mattos,

    Wilson Silva, Wilson Souza Pinheiro, Wilton Ferreira, Yoshitane Fujimori, Zuleika Angel

    Jones

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    Onde foi que

    vocs enterraram

    nossos mortos?

    ALUZIO PALMAR

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    COPYRIGHT Aluzio Palmar

    4 EDIO 2012

    organizao dos originais e projeto grfico

    capaSIMON LUIZ DUCROQUET

    foto da capaDIEGO SINGH

    RevisoDOUGLAS FURIATTI

    Dados internacionais de catalogao na publicaoBibliotecria responsvel Mara Rejane Vicente Teixeira

    Palmar, Aluzio, 1943Onde foi que vocs enterraram nossos mortos?

    Aluzio Palmar Curitiba Travessa dos Editores

    xxxxp : Il ; 22 cm

    ISBN 85-89485 50 - 1Inclui Bibliografia

    1. Pessoas desaparecidas Brasil ditadura. 2 Prisioneiros polticos Brasil.3. Tortura Brasil I. Ttulo

    CDD (21 Ed.)

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    SUMRIO

    [12] Arqueologia poltica

    [20] A cachorrada nadou de braadas

    [25] A obsesso de Onofre

    [28] Um rquiem para a VPR

    [30] Cianureto para escapar das torturas[39] Ch, guerrilha e tenso

    [42] Arquivos vivos queimados

    [46] Liliane Ruggia entra em cena

    [57] Marival confirma a traio

    [66] Escavaes em Nova Aurora

    [74] Nenhuma pista deve ser descartada

    [81] Vasculhando os arquivos da ditadura

    [93] Madalena e Gilberto

    [122] Buscando pistas em Capanema

    [127] O italiano virou japons

    [132] Enfim a tal base fictcia

    [140] Com a ponta do novelo entre os dedos

    [147] Assim aconteceu o caso

    [155] O ministrio de Onofre

    [161] A busca na regio do lago[169] Como eu entrei nessa

    [180] Um furaco sobre nossas cabeas

    [188] A guerrilha que no aconteceu

    [193] Nos crceres da ditadura

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    [199] Noites de terror no Ah

    [202] Clandestino no exlio

    [210] Aos tropeos com a morte

    [215] Certa tarde em Buenos Aires

    [219] A verdade estabelecida

    (245) Revelaes de Otvio Camargo, testemunha

    da chacina do Parque Nacional do Iguau

    (269) Revelaes do contato de Onofre Pinto, que sucumbiu e passou pro

    lado da represso

    (282) Uma carta comovente

    [289] A Guerrilha de Trs Passos e o comportamento de Alberi

    [296] Fontes informativas e referncias bibliogrficas

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    ARQUEOLOGIA POLTICA

    ELES FORAM ATRADOS pelo ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do

    Sul, Alberi Vieira dos Santos, para uma emboscada armada dentro do Parque

    Nacional do Iguau. A Rural Willys dirigida por Otvio Camargo, militar do Centro

    de Informaes do Exrcito, apresentado ao grupo como membro da base de

    apoio da VPR, trafegou seis quilmetros pela Estrada do Colono levando Joel

    Jos de Carvalho, Daniel de Carvalho, Jos Lavchia, Victor Carlos Ramos e

    Ernesto Ruggia em direo morte. De repente, no meio da floresta exuberante,

    os cinco militantes da esquerda revolucionria caram fuzilados pelo grupo deextermino. Os ces de guerra comandados pelos chefes do Centro de

    Inteligncia do Exrcito executavam a fase final da Operao Juriti, que consistia

    em atrair exilados polticos para reas fictcias de guerrilha e mat-los.

    Entre todos, Onofre era o mais procurado pelos golpistas de 1964, devido a

    sua participao no Movimento dos Sargentos, que durante o governo Goulart

    lutou pelo direito dos suboficiais sargentos e cabos exercem mandato parlamentar,

    alm de ter sido um dos fundadores da Vanguarda Popular Revolucionria e terrecrutado o Capito Carlos Lamarca para essa organizao. Ele foi preso em

    maro de 1969 e solto seis meses depois, junto com outros 14 presos polticos,

    em troca do embaixador americano no Brasil. Tinha 36 anos quando foi

    assassinado em Foz do Iguau. Joel Jos de Carvalho era o filho mais novo da

    famlia Carvalho, que na dcada de 1950 migrou para So Paulo em busca de

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    melhores condies e se estabeleceu no ABC paulista no incio da instalao das

    indstrias metalrgicas e automobilsticas. Tal como seu irmo, o torneiro

    mecnico Daniel, ele comeou sua militncia poltica no Partido Comunista

    Brasileiro e aps o golpe militar de 64 passou a atuar no PC do B. Ao divergir com

    essa organizao, organizou a Ala Vermelha, depois Movimento Revolucionrio

    Tiradentes e ingressou posteriormente na VPR. Joel morreu com 26 anos e Daniel

    com 28 anos. Antes deles, o irmo mais velho, Devanir, dirigente do Sindicato. dos

    Metalrgicos de So Bernardo do Campo, foi assassinado na tortura em abril de

    1971. Daniel e Joel saram da priso em troca do embaixador suo Giovanni

    Bucher, seqestrado por um comando revolucionrio da VPR. Jos Lavchia era o

    mais velho, morreu com 55 anos, Enrique Ernesto Ruggia o mais novo do grupo

    vtima da cilada montada na Regio Oeste do Paran. Argentino, estudante deagronomia veio para o Brasil acompanhando seu amigo Joel Carvalho. Conta sua

    irm Liliane, que Enrique tinha idias socialistas, mas nenhuma militncia orgnica

    em partidos ou entidades.

    Corria o ano de 1974 e Liliane trabalhava e estudava. Num dia do ms de julho

    Enrique chegou ao seu local de trabalho e lhe disse que viajaria para o Brasil junto

    com Joel e outras pessoas. Deu-me um beijo, disse que voltaria em uma semana

    ou dez dias, que iria fazer uma tarefa poltica, e se foi. Fiquei petrificada. Eu

    estava num escritrio pblico, a rua cheia de gente. Fiquei assim, sem ao, por

    alguns segundo. Quando me dou conta do que estava sucedendo, me largo pelas

    escadas, chego na rua, mas nunca mais o vi, recorda Liliane. Enrique Ernesto

    Ruggia morreu com 18 anos. Victor Carlos Ramos saiu do Brasil e foi para o

    Uruguai ao ter sua priso preventiva decretada pelo tribunal militar. Logo aps, foi

    para o Chile e com o golpe militar que derrubou o governo de Salvador Allende se

    asilou na embaixada da Argentina, em Santiago. Ele era escultor e tinha 30 anos

    quando conheceu Suzana Machado, 21, com quem se casou no dia 20 de

    Fevereiro de 1974. Trs meses aps o casamento, Suzana, que pertencia

    Juventude Peronista, morreu, segundo verso oficial, num acidente de carro. A

    famlia dela no acredita que tenha sido acidente. Dois meses aps a morte da

    mulher, Victor ingressou no grupo de Onofre e retornou clandestinamente ao

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    Brasil. Antes, porm, enviou um telegrama para o sogro datado de 12 de Julho de

    1974, dizendo que voltaria logo. Victor foi assassinado no Parque Nacional do

    Iguau com trinta anos de idade.

    A partir de 1974, com a eliminao de todas as organizaes que optaram

    pela luta armada, a ditadura mandava para o exterior seus agentes infiltrados ou

    recrutados dentro da prpria esquerda. Esses agentes procuravam aqueles

    militantes que estavam propensos a continuar a luta e os convidavam a regressar

    ao Brasil. A armadilha da qual foram vtimas Lavchia, Onofre, Daniel, Victor, Joel

    e Ruggia, nada mais foi do que uma armao de um setor da represso poltica

    para convencer o Conselho do Segurana Nacional a continuar oxigenando com

    recursos as estruturas operacionais de captura dos adversrios do regime militar

    dentro das foras armadas.Para tanto precisavam do servio de pessoas com trnsito livre entre as

    organizaes e militantes de esquerda que estavam no exlio. O cabo Anselmo e

    Alberi so os mais famosos desses agentes que, disfarados de membros da

    resistncia, agiram com desfaatez e atraram para a morte exilados que

    estudavam, trabalhavam ou constituam famlia no exterior.

    O ex-cabo Anselmo o responsvel por vrias prises e mortes de

    militantes de esquerda. Ele montou uma armadilha que, no dia 8 de Janeiro de

    1973, resultou na morte de Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de

    Souza, Jarbas Pereira Marques, Jos Manoel da Silva, Pauline Philippe Reichstul

    e Soledad Barret Viedna. Esses militantes da VPR foram presos, torturados e

    assassinados. Seus corpos apareceram numa chcara em So Bento, na Grande

    Recife.

    Oito meses aps o massacre de Pernambuco, os militares enviaram Alberi

    para o Chile com a misso de atrair o que havia restado da VPR para uma

    armadilha no Sul do pas. Porm, com o golpe militar que derrubou o governo de

    Salvador Allende, o recrutador da morte acabou indo parar no Mxico. Nesse pas,

    ele recebeu um passaporte da Embaixada Brasileira e foi para a Argentina atrs

    dos exilados, e s descansando quando os levou para a emboscada armada

    dentro do Parque Nacional.

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    Durante 26 anos procurei saber o que havia acontecido com o grupo.

    Finalmente, cheguei ao fim e o destino dos seis remanescentes da Vanguarda

    Popular Revolucionria poder ser expostos luz. Quem diria que a chave para

    desvendar um dos mistrios mais bem guardados do perodo ditatorial estava aqui

    perto? E o mais inusitado que s descobri isso depois de passar tanto tempo

    pesquisando, remoendo, querendo saber as circunstncias das mortes e a

    localizao da cova onde foram enterrados os integrantes do grupo que

    acompanhou Onofre Pinto.

    A primeira vez que eu manifestei minha opinio sobre o desaparecimento

    dos militantes da Vanguarda Popular Revolucionria, que entraram no Brasil em

    Julho de 1974 para continuar com as aes armadas contra a ditadura, foi em

    Outubro ou Novembro de 1980, quando recebi a visita do jornalista Marco AurlioBorba. Ele esteve em Foz do Iguau em busca de informaes para uma matria

    sobre o cabo Anselmo que seria publicada na revista Playboy em janeiro do ano

    seguinte1.

    Eu ainda carregava muitas seqelas adquiridas na vida clandestina quando

    Marco Aurlio chegou a minha casa. Fazia pouco tempo que eu havia regressado

    Foz do Iguau depois de passar oito anos clandestino na fronteira e cinco meses

    clandestino no Rio de Janeiro. Eu havia voltado em Maio de 1979, vindo da

    Argentina onde morava desde 1972, ano em que sa clandestino do Chile para

    reativar a luta revolucionria no Brasil. Voltei antes da anistia, pois a ditadura

    Argentina estava em plena campanha de cerco e aniquilamento da esquerda e em

    qualquer momento eu podia ser preso e pr em risco de morte minha mulher

    Eunice e trs filhos.

    Quando Marco Aurlio me procurou eu o recebi ainda desconfiado e

    falando meias verdades. Fiz algumas revelaes sobre as discusses ocorridas no

    1A Vanguarda Popular Revolucionria foi criada em Maro de 1968, ainda sem esse nome, e fezalgumas das aes mais espetaculares da guerrilha, como o assalto a um hospital militar em SoPaulo. A fundao oficial da organizao ocorreu em Dezembro de 1968. Um ms depois, a VPRconseguiria sua mais famosa adeso: o capito do Exrcito Carlos Lamarca fugiu com armas deum quartel em Quintana (Grande So Paulo) para unir-se aos guerrilheiros.

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    Sabia que Onofre e outras pessoas estavam embarcando numa canoa

    furada, mas no tinha como avis-los. Na dvida, decidi fugir, escapar do encontro

    que poderia resultar em minha morte. Mais tarde, ao voltar do exlio, obtive a

    confirmao de que Alberi havia passado para o lado da represso e sua misso

    era atrair militantes da esquerda armada para armadilhas montada pelo Centro de

    Informaes do Exrcito. Passados dezoito meses da chacina acontecida em

    Pernambuco, quando seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionria (VPR)

    foram assassinados, a mesma histria se repetiu no Oeste do Paran. Em

    Pernambuco o cachorro foi o cabo Anselmo; no Paran o sargento Alberi. L

    foram seis vtimas; aqui tambm foram seis. Tristes coincidncias!

    Trinta anos aps aquele incio de 1974, em que a intuio e a desconfiana

    me levaram a escapulir da arapuca, terminaram as minhas buscas, acabaram asinquietaes que durante anos atormentaram a minha alma. Ao buscar os

    desaparecidos vasculhei arquivos, analisei milhares de documentos emitidos pelos

    rgos que faziam parte do sistema repressivo da ditadura e montei vrias

    situaes e cenrios. Tinha conscincia de que era preciso ter um cuidado

    especial com aqueles papeis produzidos pela ditadura. Naqueles escritos havia

    tanto informaes como contra-informaes, verdades e mentiras. Por isso no

    me ative apenas a documentos: parti atrs de depoimentos e para tanto me

    internei no Sudoeste do Paran e Noroeste do Rio Grande do Sul.

    A descoberta do local onde foram enterrados os desaparecidos do

    chamado grupo de Onofre Pinto no aconteceu por acaso, at porque nada

    acontece por acaso. Achei porque tive pacincia, fui persistente, no desdenhei

    nenhuma pista e ao pesquisar arquivos do regime militar procurei checar e cruzar

    todo e qualquer dado. Foi um encadeamento contnuo de informaes, de

    descobrimentos e mais informaes. Fui atrs e ouvi depoimentos de Antnio

    Maffi, Roberto De Fortini, Joo Bona Garcia, Umberto Trigueiros Lima e dos

    parentes de Alberi. Maffi, Fortini, Bona e Umberto foram, tal como eu, cantados

    por Alberi para integrar o grupo que foi eliminado ao entrar em territrio brasileiro.

    Demorou, mas agora j sei como morreram e tenho a pista que pode levar

    ao lugar onde enterraram os ltimos guerrilheiros da VPR. Contudo, o xito da

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    descoberta se funde angstia de minhas descobertas ao vasculhar os

    escaninhos de minha memria, ainda danificada pelos traumas adquiridos nas

    torturas, priso, exlio e clandestinidade.

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    Vctor Ramos

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    ACACHORRADA NADOU DE BRAADAS

    EU MORAVA NO CASARO que a VPR mantinha no Paradero Deciocho,

    da Avenida Santa Rosa, em Santiago, quando o cabo Anselmo chegou ao Chile

    em outubro de 1971. Ns estvamos reunidos e de repente houve um alvoroo.

    Era Ubiratan Vatutim procurando o Onofre Pinto. Algum importante havia

    chegado do Brasil e pedido o Jos Duarte para lev-lo at o Onofre. Duarte pediu

    ento ajuda de Vatutim para chegar ao comando da Organizao.

    Mais tarde eu soube que a agitao foi causada pela chegada do cabo

    Anselmo. Porm eu estava longe de desconfiar, tal como os demaiscompanheiros, que o mtico lder da Revolta dos Marujos de 64 era o mais recente

    cachorro da represso e pea-chave de uma operao conjunta do Centro de

    Informao da Marinha (Cenimar) e do delegado Srgio Paranhos Fleury. Estava

    sendo inaugurada uma nova estratgia da represso que at ento punha os seus

    agentes apenas para seguir os militantes de esquerda esparramados pelo mundo.

    Agora tratava-se de atra-los para o retorno clandestino ao Brasil e mat-los.

    Anselmo foi a isca para a represso localizar, atrair, prender, torturar e matartodos aqueles que cassem na armadilha.

    O ex-marinheiro chegou a Santiago em outubro de 1971 e foi posto em

    contato com a ex-dirigente da VPR Maria do Carmo Brito, por intermdio de

    Anglica Faun, militante da esquerda boliviana. O plano da represso poderia ter

    sido abortado naquele encontro, pois alguns dias antes Maria do Carmo soube por

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    uma amiga que visitou na priso a tambm ex-dirigente da VPR, Ins Etienne

    Romeu, que Anselmo havia sido preso 2.

    Aquela informao seria o suficiente para o cabo cair do cavalo, pois pela

    lgica se algum como ele tinha sido preso, continuaria preso ou morto, e no

    circulando livremente por Santiago.

    Para a sorte do cachorro de Fleury, as denncias de Maria caram no

    vazio. Ela estava com a imagem desgastada entre os membros da VPR, naquela

    altura uma organizao dividida por desconfianas e intrigas de toda natureza. As

    patrulhas ideolgicas e os mtuos antemas faziam parte daqueles tempos de luta

    interna extremada.

    Quando a denncia de Ins Etienne chegou ao Chile, a VPR passava por

    sua ltima e mais intensa luta interna. Dentro do Brasil a organizao estavadestroada e no interior seus quadros discutiam se era vivel ou no o congresso

    que havia sido convocado um ano e cinco meses antes pelo auto-extinto comando

    no Brasil. Em torno dessa questo, a VPR acabou dividindo-se em trs faces:

    1 O grupo do Onofre no queria o congresso, defendia o retorno imediato

    ao Brasil e a retomada das aes armadas; 2 O grupo liderado por ngelo

    Pezzuti defendia a realizao do congresso para definir os rumos da organizao;

    3 Os militantes recentemente chegados de Cuba e da Coria do Norte queriam o

    congresso e, ao contrrio do grupo de ngelo, no aceitavam esmagar o Onofre.

    Confiante na informao recebida por sua mulher e na desconfiana que

    ela tinha do cabo Anselmo, ngelo Pezzuti saiu atrs de Onofre para convenc-lo

    da traio do ex-cabo. Onofre, porm, alm de fazer pouco caso da informao,

    deu US$ 50 mil para Anselmo montar em Pernambuco uma infraestrutura

    destinada a receber os militantes que estariam voltando do treinamento.

    2Ins Etienne foi presa em So Paulo em 5 de maio de 1971 e levada para a Delegacia de OrdemPoltica e Social (DOPS) de Srgio Paranhos Fleury. Na tortura ela inventou um ponto lugar deencontro entre militantes no Rio de Janeiro e ao ser levada para o local se atirou sob um nibus,sendo retirada ma seqncia do Hospital Central do Exrcito e mantida encarcerada durante 96dias numa casa que o Centro de Informaes do Exrcito mantinha em Petrpolis. O informe deIns Etienne saiu do hospital e foi direto para nas mos de sua amiga Maria do Carmo Brito.

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    60, foi vtima de um atentado neonazista, que marcou sua pele com uma cruz

    sustica.

    Soledad Barret Viedna morava em So Paulo quando Onofre a ps em

    contato com o cabo Anselmo. Filha de comunista, Soledad seguiu o caminho da

    dispora latino-americana. Morou no Uruguai, Argentina, Unio Sovitica e Cuba,

    onde se casou com o brasileiro Jos Maria Ferreira Arajo, o Aribia. Arajo

    voltou ao Brasil em 1970 e consta como desaparecido poltico. Cansada de

    esperar notcias de Jos Maria, ela deixou em Cuba a filha aysandy e veio para

    o Brasil em 1972.

    A primeira misso do jovem Jorge Barret como correio de Onofre foi

    atravessar a fronteira com sua guitarra a tiracolo e alugar em So Paulo um

    apartamento para sua irm Sol assim era intimamente chamada - e entregaruma carta. Na carta, instrues de Onofre para ela encontrar-se com o cabo

    Anselmo e ir para a base da VPR no Recife, onde ajudaria na construo de uma

    fachada para a infraestrutura montada pela organizao. Jorge fez outras viagens

    do Chile para o Brasil, levando instrues e dinheiro. A ltima viagem precipitou o

    massacre dos militantes da VPR em Pernambuco.

    Cerca de um ano aps o cabo Anselmo ter estado no Chile e diante das

    denncias e evidncias de que o cabo era um traidor, Onofre acabou dando

    acolhida sugesto do coletivo formado para investigar as denncias, e enviou

    uma mensagem para a base de Recife. Cometeu, porm, o erro de escolher como

    emissrio o jovem irmo de Soledad, que vinha a ser a mulher de Anselmo. Jorge

    entregou a carta sua irm, que ingenuamente, mostrou ao cabo o comunicado

    que recomendava a evacuao da rea.

    De imediato o cabo avisou o grupo de extermnio que o pessoal ia dar no

    p. O sinal dado pelo cabo Anselmo chegou at Fleury que acionou a execuo

    da fase final do plano elaborado em conjunto com o Cenimar, onde morreram

    fuzilados aps terem sido brutalmente torturados os seis membros da VPR,

    inclusive Soledad. Os corpos dos militantes da VPR foram levados horrivelmente

    desfigurados e com muitas perfuraes para o Instituto Mdico Legal do Recife.

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    Ao mesmo tempo em que os ces de guerra executavam a chacina,

    Anselmo foi posto num avio e enviado para So Paulo, juntamente com o agente

    do DOPS Carlos Alberto Augusto, infiltrado no grupo com o nome de Csar4. No

    mesmo avio seguiu o irmo de Soledad, o inocente pombo-correio de Onofre

    Pinto transformado em mensageiro da morte. Ele foi conduzido para o DEOPS

    paulista, onde ficou preso por algum tempo no fundo sendo mais tarde levado

    para o Rio de Janeiro e enviado para o Chile num avio de carreira..

    O massacre repercutiu como uma bomba no Chile e Onofre foi acusado por

    uns de conivncia e por outros de traio. O dio dos membros da VPR e de

    outras organizaes da esquerda armada brasileira se voltou contra o ex-

    comandante da VPR no exterior, que destronado e desmoralizado decidiu ir para o

    outro lado da Cordilheira dos Andes. Ele j no tinha mais espao no Chile.

    4O hoje delegado Carlos Alberto Augusto foi o agente policial que Fleury plantou na base da VPRem Recife. Ele usava o codinome de Csar.

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    AOBSESSO DE ONOFRE

    ONOFRE PINTO SE MUDOU para Buenos Aires antes do golpe militar no Chile e

    levou consigo contatos e algum dinheiro da organizao, o suficiente para garantir

    sua manuteno no exlio.

    Saiu do Chile porque no seria mais o todo-poderoso que possua bons

    contatos com a embaixada cubana e com a extrema-esquerda chilena. Estava

    carimbado como o responsvel pela morte dos seis militantes da VPR e mais um

    nmero considervel de prises e mortes em outras organizaes.

    Nada mais seria como antes, quando em meados de 1971 aportou em

    Santiago, vindo da Arglia, para onde tinha ido aps sair de Cuba. Naquela

    ocasio estava cheio de planos e assumiu o comando da organizao sem

    encontrar maior resistncia. Maria do Carmo Brito torceu o nariz para o

    despropsito da ingerncia, mas no se ops. Com o campo livre para preparar aoperao retorno, ele tratou de organizar infraestruturas para receber no Brasil o

    pessoal que ainda estava em Cuba e na Europa. Mais tarde seria a vez do ltimo

    contingente que sara para treinar na Coria.

    A idia era montar vrias unidades de combate que iriam atuar

    rigorosamente compartimentadas e de forma simultnea. Ele seria o comandante-

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    chefe da nova Vanguarda Popular Revolucionria. Para tanto tinha os militantes

    quase todos banidos, gente experiente e treinada, alm de muito dinheiro. Pelo

    menos no incio no haveria necessidade de fazer expropriaes5.

    ento que acontece o inesperado, levando seus planos por gua abaixo.

    Por que no dera ouvidos a Maria do Carmo e ao Digenes Arruda? A vaca foi pro

    brejo, e no adianta lamentar. O equvoco j havia sido cometido, no acreditou

    que o cabo fosse um agente inimigo e agora carrega a culpa de ser o responsvel

    pelo massacre de Recife e outras mortes ocorridas no Brasil.

    J no iria mais freqentar o apartamento de Nanny Barret, ir com ela

    Pea de Los Parras e ouvir as msicas de Violeta, cantadas pela voz penetrante e

    grave da amiga paraguaia. Agora, depois do massacre de Recife, fruto de sua

    leviandade, Nanny chora a morte da irm assassinada aos 28 anos, a meiga eguerreira Soledad, entregue para a morte pelo prprio marido, o cabo traidor.

    Sobre sua irm assassinada no Brasil, Nanny escreveu um texto que foi

    publicado em Maio de 1991 no boletim Hasta Encontrarlos, da Federao Latino-

    Americana de Familiares de Desaparecidos:

    Seu nome refletia a ausncia de nosso pai, que j nessa era

    perseguido por suas idias polticas como o fora tambm seu pai,

    nosso av, o escritor Rafael Barret.

    Quando Soledad tinha apenas trs meses tivemos que fugir

    para a Argentina, onde passamos a viver num pequeno povoado s

    margens do Rio Paran, durante cinco anos; quatro dos quais nosso

    pai esteve preso oi perseguido, tanto pela polcia paraguaia como

    argentina.

    Regressamos ao Paraguai e Soledad, com seus cinco anos e

    sua maneira de ser to doce, se converteu na adorao de quem a

    via. Tinha uma forma de falar pausada que lhe valeu o apelido de

    viejita entre seus irmos. Era uma criatura formosa, de cabelos cor

    de ouro, macios e longos, pele branca e sobrancelhas de cor

    castanho escuro, quase negro. No gostava de caminhar, preferia

    5 Trata-se de parte dos US$ 2,6 bilhes do cofre do ex-governador de So Paulo Adhemar deBarros enriquecido por anos e anos de corrupo. O cofre foi retirado no dia 18 de julho de 1969da manso onde morava o cardiologista Aaro Burlamarqui Benchimol, irmo de Ana GuimolBenchimol Capriglione, que por sua vez fora amante de Adhemar de Barros.

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    sentar-se e inventar histrias entre longos suspiros que provocavam

    o riso e manifestaes de carinho de todos que a ouviam...

    Adolescente e exilada no Uruguai, dona de uma graa especial

    para a dana folclrica, se converteu pouco a pouco no smbolo da

    juventude paraguaia nesse pas, tanto que no era a artista

    convidada.

    Eram tempos de mudanas no Uruguai, a tradio democrtica

    ia perdendo terreno, estava sendo minada. No dia 1 de julho de

    1962, Soledad foi um automvel e, sob ameaas de todos os tipos,

    quiseram obrig-la a gritar palavras de ordem totalmente contrrias

    s suas idias.

    Soledad se negou. Ento, com uma navalha lhe gravaram na

    carne uma cruz gamada, smbolo de Hitler, e a abandonaram em um

    local escuro, atrs do parque zoolgico de Villa Dolores.Era o comeo das perseguies, prises e torturas no Uruguai.

    Soledad, de vtima, passou a ser culpada para a polcia e foi de tal

    forma a perseguio que teve que ir-se. Esteve muitos anos longe

    de sua famlia, de sua terra. Um dia conheceu Jos Maria, se

    amaram e tiveram uma filha, mas o destino estava traado, e ele

    retornou ao seu Brasil.

    Ela em vo o esperou por mais de um ano e decidiu vir a seu

    encontro. O fruto desse amor o mais fiel testemunho do triste

    destino do nosso Continente. Crianas sem pais, sem o direito deserem crianas, sem o direito felicidade.

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    UM RQUIEM PARA A VPR

    EU ESTAVA FORA DO CHILE quando houve o massacre em Recife. Havia

    sado clandestino em maro de 1972, dentro da perspectiva de organizar bases

    para a luta revolucionria na regio Sul do Brasil. S retornei em julho de 1973

    para participar de uma reunio de avaliao, que formalizaria a extino da VPR.

    Acompanhado pelo boliviano David Acebey Delgadillo, que atendia pelo nome de

    Pepe, fui at Mendoza e cruzei a cordilheira num micronibus6.

    A outra vez em que eu atravessei aquela fronteira foi por cima, a bordo de

    um Boeing-707 da Varig que transportou os 70 presos polticos trocados pelo

    embaixador da Sua no Brasil, Giovanni Enrico Bucher. O avio aterrisou no

    aeroporto de Pudahuel s 4h22 do dia 14 de Janeiro de 1971, e ao descer pista

    erguemos os punhos fechados, abrimos a bandeira do pas que nos recebia e

    cantamos a Internacional. Naquela poca carregvamos o fervor revolucionrio e

    imaginvamos que o Chile seria apenas uma estao at a volta ao Brasil para

    continuar a luta. Tomados pela idia fixa de voltar ao Brasil e retomar a luta

    armada alguns companheiros chegavam ao cmulo de no querer tratar dos

    6David Acebey Delgadillo, o Pepe, um quadro do Exercito de Libertao da Bolvia, era o meusegurana e elemento de ligao com Santiago. Depois da extino da VPR, ele voltou para oChile e, com o golpe que derrubou o presidente Allende, se asilou na embaixada da Sucia.Atualmente, Pepe um festejado escritor na Bolvia e mora em Santa Cruz de La Sierra.

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    dentes. No meu exlio chileno convivi com alguns militantes que me respondiam

    quando eu queria saber o porqu de no irem ao dentista: Pra qu? Quando a

    represso me pegar vai ter um cadver de dentes podres.

    Um ano e meio aps aquela nossa chegada triunfal, eu retornava ao Chile

    dentro de uma nova realidade em que j no cabiam sonhos revolucionrios, com

    colunas guerrilheiras e retorno dos exilados. O balano geral era de que as

    organizaes da esquerda armada haviam sido derrotadas em razo de seu

    isolamento social e poltico. Os remanescentes da VPR no Brasil j tinham jogado

    a toalha aps a divulgao de trs dramticos comunicados onde davam conta

    das dificuldades em manter os grupos armados.

    Em julho de 1973 eu voltei ao Chile para participar da ltima reunio da

    VPR. Quando atravessei a Argentina, aquele pas estava passando por um

    momento de transio para a democracia, com os peronistas novamente no poder

    e nada menos que com o prprio Pern. Havia crise e estagnao, e a disputa

    violenta por espao entre a direita e a esquerda peronista ocupava as principais

    manchetes da imprensa. Cmpora venceu as eleies de 11 de maro de 1973

    para um mandato tampo, visto que Juan Pernestava inapto a se candidatar por

    restries do governo militar que presidia a Argentina. Sua primeira medida foi,

    conforme havia prometido, anistiaaos presos polticos. Quatro meses aps sua

    eleio, Hector Cmpora renunciou abrindo caminho para o terceiro mandato em21 de setembro de 1973.

    Enquanto isso, do outro lado da cordilheira, o clima de tenso poltica nas

    ruas chegava aos quartis, e em 29 de Junho de 1973, o Regimento Blindado N

    2, comandado pelo tenente-coronel Roberto Souper, rebelou-se contra o governo

    da Unidade Popular. Os tanques rodearam o Palcio La Moneda e ocorreram

    alguns enfrentamentos. Essa situao foi controlada pessoalmente pelo general

    Carlos Prats. Porm estava dada a largada para a conspirao patrocinada pela

    CIA e que resultaria no golpe de 11 de Setembro que derrubou o governo dopresidente socialista Salvador Allende. O lder da coligao Unidade Popular

    estava realizando a reforma agrria e promovendo uma srie de programas

    sociais, como alfabetizao e melhoria do sistema de sade e do saneamento

    bsico, alm de nacionalizar diversas empresas norte-americanas.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Juan_Per%C3%B3nhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Argentinahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Anistiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Anistiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Argentinahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Juan_Per%C3%B3n
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    CIANURETO PARA ESCAPAR DAS TORTURAS

    DUAS SEMANAS APS o tancazo eu retornei ao Chile. O micronibus rodou

    suave pelo caminho sinuoso que dribla com elegncia as montanhas cobertas de

    neve da Cordilheira dos Andes. Um casal de argentinos que estava sentado aomeu lado puxou conversa deixando Pepe de sobreaviso. Ele estava sentado no

    fundo, pronto para entrar em ao caso eu fosse preso. O casal era muito

    simptico, mas como diz o ditado popular: Cachorro mordido por cobra tem

    medo at de lingia. Talvez fossem apenas recm-casados em viagem de lua-

    de-mel, mas tambm podiam ser policiais disfarados. Afinal, vivamos numa

    Amrica Latina em polvorosa e nunca sabamos quem eram realmente as

    pessoas.O cerco repressivo que se armou no continente naquele perodo e as

    conexes entre as policias polticas e as Foras Armadas de vrios pases

    aconselhavam a gente a ter precauo. Durante quase toda a viagem eu fiquei

    tenso, em dvida quanto eficcia dos documentos falsos que eu mesmo havia

    preparado. Era uma carteira de identidade do Estado de So Paulo e uma tarjeta

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    de entrada no pas do Departamento de Migraciones, com carimbo de entrada na

    Argentina por Puerto Iguaz. Eu mesmo fiz esses documentos em Posadas e no

    estava seguro quanto qualidade do servio.

    Fazia um ano que eu havia sado do Chile e desde ento vivia em

    permanente estado de alerta, trocando de identidade e de domiclio, sempre

    pronto para uma soluo extrema. Naquela poca, os quadros da esquerda

    armada carregavam uma cpsula de cianureto escondida em alguma parte da

    roupa. O meu veneno eu levava na bainha da cala ou ento no colarinho da

    camisa. No sei se teria coragem para us-lo. Minhas duas tentativas anteriores

    de suicdio no deram certo. A primeira foi durante o interrogatrio no Batalho de

    Fronteiras de Foz do Iguau no dia seguinte minha priso. Os torturadores

    queriam saber quando eu teria contato com a organizao, e eu abri que seriano quinto andar do Edifcio Avenida Central, no Rio de Janeiro. Meu plano era

    saltar daquele prdio que eu conhecia muito bem, pois o vi nascer no incio da

    dcada de 60, quando o Rio de Janeiro deixou de ser a capital do pas. O edifcio

    que eu havia escolhido para me suicidar foi construdo no lugar que eu

    freqentava em minhas fugas de adolescente. Com a demolio desapareceu o

    Hotel Avenida, em cujo trreo estava instalado o Caf Nice, point da

    intelectualidade carioca. Eu tinha quatorze anos quando escapava do balco do

    armazm que papai tinha em So Gonalo para passear na galeria. Circular entre

    as mesas de mrmore do Caf Nice ocupadas por jornalistas, escritores, poetas,

    artistas era o mximo para mim, um jovem egresso do interior e morador da

    periferia do Rio. Esses meus passeios no duraram muito. No mesmo ano que

    conheci o Caf Nice comearam as demolies e onde antes estava o meu

    espao preferido no Rio de Janeiro foi erguido o Edifcio Avenida Central. O

    romantismo havia sido substitudo por agncias de banco que preconizavam uma

    nova era, em que o capital financeiro passou a controlar a economia da Avenida

    Rio Branco e do pas.

    Eu acho que aquele gigante de ao e concreto erguido na Rio Branco me

    veio cabea na hora do pau por eu conhecer cada um de seus andares. Queria

    que me levassem para aquele quinto andar. Eu possua muitas informaes e no

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    sabia se ia conseguir continuar segurando-as, j estava no meu limite e o medo

    alimentava minha coragem. Contudo, meu plano no deu certo e os militares

    torturadores no me levaram para o ponto.

    A outra vez que tentei o suicdio foi o Quartel da Polcia do Exrcito, em

    Curitiba. Passei a noite raspando o pulso esquerdo com um pedao de vidro que

    algum havia deixado na cela. Apesar de todo o meu desespero, no tive

    coragem de cort-lo. Daquela noite de horror no PE da Praa Rui Barbosa ficou a

    cicatriz, marca no corpo que faz ressurgirem as lembranas e provoca at hoje

    aquela dor que no fsica, mas que mexe o fundo de minha alma.

    Eu estava decidido, durante minha viagem para o Chile, a no cair vivo.

    Acontecendo qualquer imprevisto era s engolir o resto ficava por conta do

    cianureto. Em vrias situaes cheguei a apalpar aquela cpsula de um marromescuro, deixando-a no ponto para ser retirada de seu esconderijo em minha roupa.

    Estava consciente de que se eu fosse preso a priso significaria a morte na

    tortura. Os banidos pela ditadura estavam jurados de morte pelos tiranos. Durante

    os sete anos em que vivi na clandestinidade me mantive sempre pronto para usar

    aquele veneno vindo, segundo o que diziam, da Coria do Norte. Nunca soube se

    algum militante da luta armada no Brasil usou o cianureto. Alis, o nico caso que

    conheo na Amrica Latina o dos argentinos Liliane Ins Goldemberg e Eduardo

    Gonzalo Escabosa, ocorrido durante a travessia entre o Porto Meira, em Foz do

    Iguau, e Puerto Iguaz, na Argentina. Foi num sbado, 2 de Agosto de 1980,

    Liliane, de 27 anos, loura e franzina, e seu companheiro Eduardo, de 30 anos,

    embarcaram na lancha Caju IV, pilotada por Antonio Alves Feitosa, conhecido na

    regio como Tatu. Antes da atracao no lado argentino, dois policiais brasileiros

    que estavam a bordo mandaram o piloto parar a lancha e apontaram suas armas

    para o casal. Cercados, Liliane e Eduardo ainda puderam ver que mais policiais

    desciam ao atracadouro, vindos da aduana Argentina. Assim que perceberam que

    haviam cado numa cilada, Liliane e Eduardo se ajoelharam diante de um grupo

    de religiosos que estava a bordo e gritaram que eram perseguidos polticos e

    preferiam morrer ali a serem torturados. Em seguida, abriram um saco plstico,

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    tiraram os comprimidos e os engoliram bebendo a gua barrenta do Rio Iguau.

    Morreram em trinta segundos, envenenados por uma dose fortssima de cianureto.

    Naquela viagem para o Chile eu sabia que meus documentos eram

    precrios. Eu mesmo os havia preparado. Tentei ser natural, mas no teve jeito, a

    tenso mexia com os nervos de minhas pernas e revirava meus intestinos. Eu

    estava pronto para o que desse ou viesse e s me descontra depois que o

    funcionrio da Migraciones Argentina recolheu minha tarjeta e o micro seguiu

    viagem. Da pra frente foi s alegria, eu estava protegido. Voltava para o pas que

    dois anos antes havia me acolhido, dado asilo e documento. Passei numa boa

    pelo controle policial em Las Condese, pela primeira vez, em muitos meses, senti-

    me to leve, to descontrado que cantei com os turistas a tradicionalssima

    cano Si vas para Chile.

    Si vas para Chile, te ruego que pases

    por donde vive mi amada

    es una casita muy linda y chiquita

    que esta en las faldas de um cerro enclavada,

    Chegamos a Santiago ao anoitecer e com muita dificuldade tomamos um txi que

    nos levou do terminal de micros ao centro da cidade. Entramos na Alameda

    Bernardo OHiggins, passamos pelo Palcio De La Moneda e desembarcamos na

    Plaza de Armas, onde Pepe, meu parceiro boliviano, me deixou num hotel de

    segunda classe. Durante a viagem de txi guardamos silencio, apesar de o

    motorista tentar puxar papo sobre futebol relembrando a seleo do bi em 1962 e

    at citando nomes de alguns jogadores como Castilho, Amarildo, Garrincha,

    Bellini, Didi, Djalma Santos e Vav. Senti vontade de conversar, ainda mais sobre

    aquela copa em que eu acompanhei pelo rdio do armazm que papai tinha em

    So Gonalo. Na hora dos jogos o negcio de secos e molhados, conjugado com

    ferragens, bar e sorveteria, ficava cheio. Os fregueses se encostavam no balco e

    enquanto tomavam cerveja vibravam com os dribles de Garrincha narrados pela

    voz meldica de Fiori Gigliotti.

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    Eu sempre gostei de conversar com taxistas, mas naquela ocasio preferi

    olhar pela janela do carro e puxar pelas lembranas. Santiago estava diferente,

    pouca gente nas ruas e apenas alguns nibus trafegavam.

    A cidade vivia os reflexos do malogrado tancazo do coronel Souper e dos

    lockouts promovidos pela direita com respaldo da CIA. A situao de

    abastecimento estava cada vez pior por causa do aambarcamento de

    mercadorias para o mercado negro e da greve dos caminhoneiros. Enquanto nas

    prateleiras faltava pasta de dentes, chupetas, mamadeiras, papel higinico,

    cigarros e carne, todos esses produtos eram encontrados no mercado negro. O

    Chile estava em crise e o clima era de pr-golpe de Estado. Os EUA estavam

    conseguindo desorganizar a economia chilena e com isso preparar as condies

    para derrubar o governo da Unidade Popular.Eu e Pepe sabamos que naquele momento era preciso ter muita cautela,

    pois Santiago estava minada de agentes policiais do Brasil e as organizaes de

    esquerda contaminadas pelas infiltraes. Redobrar os cuidados era a palavra de

    ordem, ainda mais depois de ter cado a base da organizao em Recife. Meus

    contatos no Chile seriam apenas com o ngelo Pezzutti e a Maria do Carmo

    Brito7. Apesar de o casal estar convencido da inviabilidade de se continuar com a

    luta dentro do Brasil e defender o recuo total, ele respeitava nossa posio de no

    recuar.

    A reunio do pessoal que tinha algum trabalho foi realizada numa casa

    prxima cordilheira. Para chegar at l viajamos por um caminho de cho que

    atravessava campos cercados de muros de pedra. De vez em quando a estrada

    estreita era trancada por rebanhos de ovelhas que cruzaram o caminho para

    trocar de pastagem. Eu no sabia para onde estava indo, nem tampouco tinha

    interesse em saber. Meu pensamento naquele momento se voltava para Eunice,

    que estava no Brasil. Caramba! Bem que ela ia gostar daquela paisagem

    composta por montanhas cobertas de neve, campos imensos e pastores

    7ngelo e Maria do Carmo saram da priso trocados pelo embaixador da Alemanha, Elfrid VonHollebem. Ela foi do comando da VPR, juntamente com Lamarca e Ladislas Dawbor.

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    GUERRILHA E TENSO

    A REUNIO PARA DECRETAR a desmobilizao do que sobrou da VPR foi

    curta. No houve balano e nem foram discutidas posies polticas, apenas as

    questes administrativas estavam em pauta. A VPR j no existia nem no Brasil,

    nem no Chile, nem em Cuba e tampouco na Europa. Os nicos trabalhos que

    remanesciam, e mesmo assim em fase de implantao, eram o meu e do Roberto

    De Fortini, um italiano que tambm saiu no seqestro do suo e que ficou

    famoso por ter montado no inicio da dcada de 70 a maior estrutura de apoio que

    teve a esquerda armada brasileira. O esquema tinha como fachada uma

    companhia de pesca na regio de Trs Passos e consistia em barcos pesqueiros,

    caminhes frigorficos e at uma estrutura legal e nela trabalhavam militantes esimpatizantes da VPR que dariam apoio logstico aos futuros focos guerrilheiros.

    A fachada em forma de companhia pesqueira caiu ainda na fase de

    montagem em conseqncia de uma srie de prises ocorridas em So Paulo e

    no Rio de Janeiro. Dois anos aps as prises, Fortini voltou regio e retomou

    seu projeto de criar uma estrutura para a guerrilha, apoiada em novas bases, com

    maior rigidez quanto segurana, totalmente compartimentada. Dessa vez seria

    para receber a VPR exilada. A localizao da rea era um segredo guardado a

    sete chaves e apenas ele e seu companheiro de jornada, Gustavo Buarque

    Schiller, a conhecia9.

    9Gustavo Buarque Schiller saiu da rea algum tempo depois de a VPR ter sido desmobilizada, foipara a Frana e voltou para o Brasil com a anistia. Morreu de forma misteriosa no Rio de Janeiro.Roberto De Fortini continua morando em uma das bases que ele montou e vivendo nasemiclandestinidade e com dupla identidade. No Brasil ele o italiano, expulso do pas em 1971,

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    De famlia rica, Gustavo morava no bairro de Santa Tereza, prximo casa

    de seu tio, o mdico Aaro Burlamaqui, que a havia cedido para ser residncia de

    sua irm tia do bicho, Anna Gimel Benchimol Capriglione, tida como sendo a

    amante do Adhemar, ex-governador de So Paulo. Ao ouvir que no cofre do

    casaro de sua tia, que morava na Rua Bernardino dos Santos, havia milhes de

    dlares, Gustavo levou esse dado organizao. Em 18 de Junho de 1969, o

    cofre foi levado por um comando da VPR. Dentro dele havia 2,6 milhes de

    dlares fruto da roubalheira praticada pelo ex-governador de So Paulo Adhemar

    de Barros.

    A ltima vez que eu vi o Gustavo foi em Ober, cidade localizada no centro

    da provncia de Misiones, Argentina. Ele usava chapu de palha, tinha as mos

    calejadas e vestia uma roupa coberta pela poeira vermelha da regio. Meu visualno era nada diferente. Eu havia sado de um stio localizado em Campo Grande,

    prximo a fronteira da Argentina com o Brasil e que fora comprado com o dinheiro

    da VPR. Era uma pequena propriedade coberta por uma plantao de ch e que

    oficialmente pertencia ao doutor Alderete, dono da nica clnica da regio. Para

    todos os efeitos eu era o caseiro e, portanto, minha obrigao era manter limpos

    os corredores formados entre os arbustos e colher os brotos de ch. Alm de dar

    um duro danado no stio, eu ainda ia trabalhar nas propriedades da vizinhana

    para manter minha fachada de peo. Tinha de carregar nas costas, s vezes por

    mais de cem metros, uns sacos enormes, que os missioneiros chamam de

    ponchada, cheios de brotos de ch, e jog-los na carroceira do caminho que

    levaria a produo para o secadero. A planta de ch alcana em mdia um metro

    e meio e o seu broto cortado de forma mecanizada diversas vezes durante a

    primavera e o vero. Depois de colhidos, os brotos devem ser rapidamente

    levados aos secaderos, onde as folhas so secadas, modas e peneiradas.

    Meu contato com Gustavo na pracinha da igreja luterana de Ober foi

    rpido, de poucas palavras e muitos cuidados para que no vazasse nada que

    pudesse revelar onde estvamos. Depois desse encontro eu nunca mais vi o

    que vem de vez em quando visitar a famlia e amigos. Na Argentina, ele tem outro nome, agricultor, industrial e mestre em projetos para a pequena agroindstria.

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    Bicho esse era o apelido de Gustavo. Anos mais tarde, bem depois de nossa

    volta ao Brasil, soube que ele havia morrido ao cair de um edifcio em

    Copacabana.

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    ARQUIVOS VIVOS QUEIMADOS

    DEPOIS DAS REVELAES que eu fiz ao Marco Aurlio Borba, que alem de

    terem sado na revista Playboy fizeram parte do livro Cabo Anselmo, A luta

    armada ferida por dentro, publicado em 1981 pela Global Editora, s voltei a falar

    sobre o desaparecimento do grupo liderado por Onofre Pinto em uma matria que

    escrevi em 1984 para o semanrio Nosso Tempo, de Foz do Iguau. Na ocasio,

    sugeri que o pessoal havia cado em 1974, numa armadilha nas proximidades da

    cidade paranaense de Santo Antnio do Sudoeste, aps terem sido atrados para

    l pelo ex-sargento Alberi Vieira dos Santos. Ainda nessa matria, publicada h 21

    anos, contei que aps a chacina, Alberi foi ser fazendeiro em Rondonpolis, Mato

    Grosso, depois de passar uma temporada em Puerto Iguaz, cidade Argentina

    localizada na fronteira com o Brasil. Ele s voltou regio Oeste do Paran

    quando ficou sabendo que seu irmo Jos havia sido assassinado.

    Jos, que tinha uma oficina mecnica na Vila Yolanda, em Foz do Iguau,

    apareceu morto em Janeiro de 1977, na Estrada do Colono, que cruzava o ParqueNacional do Iguau, prximo ao Porto Moiss Lupion. Seu corpo estava

    completamente mutilado, apresentando sinais evidentes de tortura e com os olhos

    vazados por gravetos.

    Assim que soube da morte do irmo, Alberi jurou vingana. Ainda em

    Rondonpolis, preparou um extenso relatrio, que pretendia publicar em forma de

    livro, e s sete horas do dia 10 de Fevereiro de 1979 partiu, dirigindo a sua

    Braslia, com destino a Porto Alegre. Pouco se sabe sobre o contedo de 50

    folhas datilografadas, mas, segundo alguns de seus parentes, ele revelava o

    nome dos assassinos de seu irmo, alm de fazer um relato sobre a Operao

    Trs Passos e de suas passagens pelos presdios.

    No mesmo dia em que saiu de Rondonpolis, Alberi chegou a Medianeira, e

    como j havia anoitecido e estava cansado devido longa viagem, decidiu pousar

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    na casa do seu amigo Severino Miola, em Ramilndia, tambm no Oeste do

    Paran. No dia seguinte o ex-sargento da Brigada Militar Gacha apareceu morto

    na estrada que liga Medianeira a Missal. Havia sido atingido por quatro tiros de

    pistola nove milmetros, arma privativa do Exrcito. No Auto de Achada de

    Cadver, o ento delegado de Medianeira, Francisco Marcondes, relatou que nos

    bolsos de Alberi no foram encontrados documentos, jias, dinheiro ou quaisquer

    outros papis. As folhas escritas por Alberi, que poderiam elucidar alguns dos

    instigantes mistrios da fronteira haviam sumido e as investigaes sobre o crime

    se arrastaram por mais de seis anos sem que se tenha chegado ao seu autor ou

    autores. Em despacho datado de 25 de Fevereiro de 1985, o promotor Joo

    Pricles Goulart escreveu que tanto Alberi como seu irmo Jos foram vtimas de

    crime poltico, e que possivelmente teriam sido mortos por algum interessado nosilncio dos dois. Apesar desta hiptese ter pouca consistncia, tendo em vista

    que os dois irmos estavam envolvidos no banditismo at o pescoo, ela no

    pode ser totalmente refutada, pois Alberi chegou, aps a morte do irmo, a

    ameaar fazer revelaes que poderiam comprometer muita gente. Por isso no

    deve ser descartada a possibilidade de que a morte do ex-sargento tenha sido

    mais uma queima de arquivo.

    O mesmo destino de Alberi e de seu irmo Jos teve o comerciante

    Severino Miola, executado por Floriano Ojeda em 26 de Fevereiro de 1979, quinze

    dias aps a morte do ex-sargento. Foi no bar e dormitrio de propriedade do

    amigo e confidente que Alberi terminou de escrever o relatrio. Miola foi

    executado no interior do municpio de Santa Helena, no meio de uma plantao de

    soja, pedindo de joelhos demncia ao seu verdugo.

    Nos autos, arquivados no Frum de Santa Helena Oeste do Paran -

    chama ateno o depoimento de Sueli Luiza Bogoni Miola, filha de Severino Miola,

    que ajudava o pai no bar e dormitrio. Conta Sueli que na manh do dia 26 de

    Fevereiro de 1979 estava dedicando-se aos seus afazeres normais, quando por

    volta do meio-dia chegou ao estabelecimento comercial o policial Floriano Ojeda,

    destacado na delegacia de Matelndia, cidade localizada na regio Oeste do

    Paran, e que se fazia acompanhar por um professor da mesma cidade.

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    Iguau margem do Rio Paran, hoje submerso pelo Lago Itaipu e de l cruzou

    para o Paraguai.

    Com a execuo de Miola, um cidado querido por todos em Ramilndia,

    onde foi morar aps pedir demisso na Prefeitura de Cascavel, foi apagada a

    ltima pista que poderia elucidar as mortes de Alberi e de seu irmo Jos.

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    LILIANE RUGGIA ENTRA EM CENA

    O DESAPARECIMENTO do grupo do Onofre voltou a ser notcia em 1992, aps

    um depoimento dado ao Movimento de Justia e Direitos Humanos, de Porto

    Alegre, pela psicloga Liliane Ruggia, irm de um dos desaparecidos. Na ocasio,

    o jornal Zero Hora publicou a seguinte matria em sua edio de 25 de Janeiro

    daquele ano.

    REPRESSO MATOU GUERRILHEIRO

    Uma anlise das informaes feita pelo Movimento

    de Direitos Humanos mostra que a polcia

    brasileira cometeu os assassinatos na Fronteira

    com Uruguai.

    O Presidente do Movimento de Justia e Direitos

    Humanos, Jair Krischke, disse ontem que um grupo

    de brasileiros e um argentino ligado ao grupo

    guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionria

    (VPR), desaparecidos durante os governos

    militares do Cone Sul, foram assassinados em 1974

    pelos rgos der represso brasileiros na

    fronteira com o Uruguai. Krishke chegou a essa

    concluso depois de cruzar as informaes

    contidas nos arquivos secretos dos Servios de

    Ordem Poltica e Social (SOPS), com o depoimento

    de Liliane Ruggia de Farina, irm do desaparecido

    Argentino Enrique Ernesto. Os brasileiros que

    teriam sido mortos so: Onofre Pinto, Joel Jos

    de Carvalho, Daniel de Carvalho, Jos Lavchia e

    Victor Ramos.

    O elo final de uma longa srie de informaes

    desencontradas foi a chegada de Liliane a Porto

    Alegre na ltima quinta-feira. De frias em

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    Florianpolis com o marido Eduardo de Farina, a

    argentina tomou conta das reportagens dos jornais

    brasileiros sobre a abertura dos arquivos do SOPS

    e decidiu procurar Krischke. Desde que Enrique,

    de 18 anos, lhe pediu dinheiro para viajar, no

    dia 8 de Julho de 1974, Liliane est procura do

    irmo. Assim que a argentina citou para Jair o

    nome de Onofre Pinto como um dos brasileiros que

    haviam sado de Buenos Aires junto com Enrique,

    com o objetivo de entrar no Brasil pela fronteira

    com o Uruguai, no final de 1974. Essa informao

    foi obtida por Liliane depois de anos de contatos

    com pessoas ligadas a Joel Jos de Carvalho, um

    guerrilheiro de 26 anos, amigo de Enrique e

    ligado ao VPR.

    LAMARCA Onofre Pinto tambm era integrante do

    VPR, que tinha como lder um dos guerrilheiros

    mais procurados pela represso, o ex-capito

    Carlos Lamarca. Trs pedidos de busca encontrados

    nos arquivos dos DOPS pedem intensificar a

    vigilncia a fim de capturar Onofre Pinto, que

    estaria para entrar no Brasil. O primeiro pedido

    possui data de 21 de Junho de 1974, enquanto que

    as listas de desaparecidos brasileiros falam em

    Dezembro de 1973. Outro documento cita, alm de

    Onofre, o nome de mais quatros brasileiros e um

    argentino. Pelo depoimento de Liliane, est

    evidente que o seu irmo Enrique era este

    argentino, explica Krischke. O grupo teria

    partido do Cecil Hotel local onde o alto

    comissariado da ONU abrigava os exilados em

    1974, de acordo com o relato de Flvio de Souza,

    que tambm morava no hotel nesta poca. Como as

    datas dos pedidos de busca do SOPS segunda

    metade de 1974 correspondem sada de

    guerrilheiros, tudo leva a crer que eles foram

    presos pela polcia brasileira na fronteira do

    Brasil com o Uruguai.

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    Alm disso, Flvio garantiu a Liliane que vrias

    ambulncias e sirenes e muita movimentao

    foram observados na fronteira exatamente neste

    perodo. Eles foram mortos l, agora nos falta

    ainda descobrir onde esto os corpos, arrematou

    Krischke.

    DESAPARECIDO NO CONSTAVA EM NENHUMA LISTA

    Ao contrrio da grande maioria dos que tiveram

    parentes desaparecidos durante o governo militar

    da Argentina, somente depois de descobrir o

    destino de seu irmo Enrique foi que Liliane

    passou a integrar oficialmente a famlia dos

    desaparecidos polticos, como diziam os

    argentinos.

    O caso de Liliane to curioso quanto doloroso.

    Como Enrique sumiu em 1974, dois anos antes do

    golpe militar, o seu nome no constava em nenhuma

    lista de desaparecidos na Argentina. Alm disso,

    Enrique no tinha participao em movimentos de

    esquerda ou partidos polticos. Ele era um

    adolescente; lembra que certa vez Enrique me

    disse que estava dividido entre comprar uma

    motocicleta e ser guerrilheiro. Me senti margem

    este tempo todo, confessou Liliane. O infortnio

    de Enrique foi ter ficado amigo de Joel Jos de

    Carvalho guerrilheiro de VPR que ficou no

    campo de experincia da Faculdade de Agronomia de

    Buenos Aires algum tempo, onde o irmo de Liliane

    estava. Provavelmente o convidou para viajar ao

    Brasil. Enrique aceitou. E nunca mais retornou.

    Em 5 de Fevereiro de 1993, fui procurado por Liliane Ruggia, e o jornal

    Nosso Tempo, onde eu trabalhava, em Foz do Iguau, voltou ao tema. Liliane

    peregrinava pelo Brasil em busca de seu irmo Enrique, que estava desaparecido.

    Meses antes o ex-agente do Centro de Informaes do Exrcito Marival Chaves

    havia revelado numa entrevista revista Veja que o grupo liderado por Onofre

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    Pinto havia sido dizimado na fronteira Brasil/Argentina, nas proximidades de

    Medianeira, e que no grupo havia um jovem argentino10. Essa informao trouxe

    nova luz sobre o caso. De acordo com Marival, alm de Onofre faziam parte do

    grupo os dois irmos Carvalho Joel e Daniel -, Jos Lavchia, Enrique Ruggia e

    Victor Ramos.

    Entretanto ainda no havia certeza sobre a traio de Alberi Vieira dos

    Santos, o ex-sargento que participou da Guerrilha de Trs Passos e que atraiu o

    grupo para a emboscada. Ao final de minha conversa com Liliane Ruggia, o

    semanrio Nosso Tempo publicou a matria que transcrevo abaixo na ntegra.

    TRAI O NA FRONTEI RA

    Depois de vinte anos de silncio, a busca

    incansvel de uma psicloga argentina traz luz

    o desaparecimento de cinco ativistas polticos na

    regio de Foz do Iguau. Os fatos ocorridos nos

    anos 70 revelam marcas de sangue e traio.

    Histrias como a de Alberi mostram o outro lado

    daqueles tempos sujos: a delao entre os

    militantes de esquerda.

    Depois de 19 anos de buscas, a psicloga

    argentina Liliane Clotilde Ruggia, 38 anos,

    acredita que est mais perto da verdade que

    envolve o paradeiro de seu irmo. Enrique Ernesto

    sumiu em 1974, em companhia de um grupo de

    exilados brasileiros que tentavam voltar ao

    Brasil, entre eles Onofre Pinto, um dos

    comandantes da VPR. Informaes tomadas num

    depoimento do ex-sargento Marival Chaves, que

    trabalhou nos rgos de represso da ditadura

    militar, do conta de que o grupo teria cado em

    10De 1967 a 1985 o ex-sargento Marival Chaves trabalhou nos principais rgos de represso doExrcito Brasileiro. No Destacamento de Operaes de Informaes Centro de Operaes deDefesa Interna (DOI-CODI) de So Paulo (at 1976); nos batalhes de Infantaria de Selva deImperatriz e de Manaus (de 1977 a 1980); e no Centro de Informaes do Exrcito (de 1981 e1985).

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    uma cilada armada por agentes infiltrados no

    movimento guerrilheiro.

    Liliane esteve em Foz durante a semana.

    Aconselhada pelos membros do Movimento de Justia

    e Direitos Humanos de Porto Alegre, resolveu

    checar as informaes do ex-agente Marival, que

    diz ter certeza da morte de seu irmo na regio.

    Enrique Ernesto tinha 18 anos quando desapareceu.

    Um pouco antes, em fins de 73, ele havia

    conhecido Joel Carvalho, um exilado brasileiro

    que acabava de chegar Argentina, vindo do

    Chile, onde estivera exilado at a queda de

    Allende. ns somos originrios de uma localidade

    que fica perto de Buenos Aires, chamada San

    Pedro, que abriga os cursos de Veterinria e

    Agronomia da Universidade. Joel havia sido

    convocado pelo diretor do campus a viver ali.

    Conta Liliane que seu irmo tinha idias

    socialistas, mas nenhuma militncia orgnica em

    partidos ou entidades. Mesmo assim, tocar em

    Joel era tocar em Che Guevara, no mesmo?,

    comenta. Joel voltou a Buenos Aires. Corria o ano

    de 1974, Liliane trabalhava e estudava. Num dia

    do ms de julho Enrique chegou ao seu local de

    trabalho e lhe disse que viajaria para o Brasil

    junto com Joel e outras pessoas. Me deu um

    beijo, disse que voltaria em uma semana ou dez

    dias, que iria fazer uma tarefa poltica, e se

    foi. Fiquei petrificada. Eu estava num escritrio

    pblico, a rua cheia de gente... Fiquei assim por

    um segundo. Quando retomei a ao, me largo pelas

    escadas, chego na rua, mas nunca mais o vi.

    Comeava assim a peregrinao de Liliane atrs de

    notcias do irmo. Nessa poca a Argentina vivia

    um momento poltico difcil. Pern havia morrido

    em julho e a direita peronista tomava de assalto

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    o poder e as ruas. A organizao Trplice A, de

    extrema direita, fazia suas vtimas entre

    estudantes e trabalhadores. Qualquer queixa

    oficial do desaparecimento poderia ser uma

    delao, ainda mais envolvendo exilados. Contei

    ao meu noivo o que havia acontecido. Passamos a

    procurar entre os papis de Enrique alguma pista.

    Encontramos vrios endereos de hotis.

    Recorremos todos. Mas a resposta era sempre a

    mesma, de que no havia brasileiros ali.

    O casal continuou a procura at que no Hotel

    Cecil, alugado pela ONU para abrigar exilados,

    depois de muitas negativas, conseguiram um

    contato com um brasileiro que se identificou como

    Jairo de Carvalho, irmo de Joel, e uma mulher

    que disse ser companheira de um outro irmo

    chamada Daniel. Eles confirmaram que Joel, Daniel

    e Enrique haviam partido juntamente com outras

    pessoas e que provavelmente teriam vindo ao

    Brasil.

    LOUCURA Liliane relata que seus encontros comos exilados brasileiros continuaram at que Jairo

    mudou-se para Portugal fugindo da represso que

    na Argentina recrudescia. Sem poder fazer

    qualquer queixa ao governo argentino, ela tentou

    as entidades de direitos humanos. Todo mundo

    dizia que no Brasil no estava acontecendo mais

    nada, que haviam matado a todos e que minha

    histria era meio sem nexo.

    Conta Liliane que o outro fator que dificultou

    muito sua procura pelo irmo foi a falta de

    informaes das entidades argentinas da situao

    dos exilados brasileiros. Eram em nmero reduzido

    e estavam s de passagem. Escaparam do Chile,

    passaram pela Argentina rumo ao Mxico, Cuba e

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    Europa. Para completar o quadro, a falta de

    militncia de Enrique deixava mais dvidas sobre

    a veracidade da histria que ela contava em cada

    escritrio. Quando procurava alguma informao,

    me olhavam e perguntavam se eu no estava louca.

    Parecia um delrio. Eu sou psicloga e conheo a

    estrutura do delrio. s vezes penso que era

    assim que me viam. Porque o delrio uma

    histria exclusiva do delirante. No h laos

    sociais com outra coisa. Minha histria era muito

    parecida. Ningum conhecia brasileiros, ningum

    conhecia meu irmo, ningum sabia o que estava

    acontecendo naquele momento no Brasil, enfim...

    Anos se passaram at que o governo democrtico de

    Alfonsin instalasse a Comision Nacional de

    Desaparicin de Personas (Conadep). Liliane

    tentou relatar o que acontecera com o irmo, mas

    a comisso recusou receber a denncia. A

    justificativa que recebeu era de que s estava

    averiguando casos de desaparecidos durante a

    ditadura militar argentina, fato este posterior

    ao desaparecimento de Enrique. So questes

    polticas. quase que dizer: averiguamos a

    ditadura, mas no os governos civis, ainda que do

    partido adversrio. Apesar de que o livro editado

    pela comisso, chamado Tor t ura Nunca Mai s, contm

    trs ou quatro denncias de casos anteriores

    ditadura. Apesar do nome de Enrique no constar

    dessa edio, est relacionado em entidades de

    defesa de direitos humanos como a Das Mes de

    Plaza de Maio.

    BRASIL No ano de 1984, Liliane tentou outros

    caminhos. Recorreu ao antigo diretor do campus de

    Sem Pedro, a quem ela prefere no nomear. Ele

    havia sido preso durante a ditadura militar e

    estava saindo em liberdade condicional. Da

    Europa, onde tinha ido morar, ele lhe manda

    notcias. Conta que coincidentemente havia estado

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    com um exilado brasileiro que habitou o mesmo

    hotel na poca e que dizia que o grupo fora

    integrado por Onofre Pinto, Jos Lavchia, um tal

    Victor e os dois Carvalhos. Tambm contou que por

    essa poca haviam escutado atravs de uma audio

    da Voz da Amrica que um grupo de brasileiros

    havia sido abatido na fronteira do Brasil com o

    Uruguai.

    Durante as frias de vero de 89, Liliane e seu

    marido estiveram com o ento presidente da OAB

    Porto Alegre, Luiz Goulart, recomendados por um

    jornalista argentino que esteve exilado no

    Brasil. Luiz teria se comprometido em averiguar o

    caso, mas no encontrou nenhuma lista informao

    substancial sobre os desaparecidos. Enrique no

    figurava em nenhuma lista brasileira ou

    argentina. No ano passado Liliane voltou a Porto

    Alegre na esperana de conseguir alguma

    informao. Os jornais davam que os arquivos do

    DOPS gacho haviam sido abertos. Seu advogado, no

    entanto, estava de frias. Atravs da secretria

    chegaram a outro advogado, Jair Krischke, do

    Movimento de Justia e Direitos Humanos de Porto

    Alegre. Dezoito anos depois, aconteceu. Eu me

    arrepiei toda. Contamos para ele a nossa

    histria. E ele disse: tenho aqui o que vocs

    esto falando.

    CILADA As informaes encontradas por Jair

    Krischke, em sua pesquisas nas pastas do DOPS

    gacho, foram as primeiras informaes objetivas

    para Liliane. Ele conta que, ao procurar nos

    arquivos, encontrou trs fichas de pedidos de

    busca sobre o grupo. As duas primeiras sobre

    Onofre Pinto e Daniel Carvalho, e a outra s de

    Onofre. A partir dessa informao Jair comeou a

    se inteirar mais do assunto. Entra em contato com

    a viva de Onofre, Idalina Pinto, que lhe faz um

    relato de quem participava do grupo. Entre esses,

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    MARIVAL CONFIRMA A TRAIO

    NO INICIO DA DCADA DE 90 as revelaes e trocas de informaes sobre o

    destino do grupo comandado por Onofre Pinto foram tomando volume. Em 1993,

    uma carta enviada pelo ex-agente do Centro de Informaes do Exrcito Marival

    Chaves a Ceclia Coimbra, do grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro,

    confirmou o que eu vinha afirmando desde 1991: o grupo foi dizimado aps ter

    sido atrado pra uma cilada pelo ex-sargento Alberi.

    CARTA DE CHAVEZ CEC LI A DE TORTURA NUNCA MAI S DO

    RI O DE J ANEI RO

    Vi l a Vel ha, 07 de J anei r o de 1993.

    Pr ezada Cec l i a,

    Com r el ao aos dossi s envi ados, t enho a

    t e i nf ormar o que se segue: a. No t ocant e a PAULO

    GUERRA TAVARES, nada t enho a acr escent ar , at

    por que seu assassi nat o se deu, como se v, nopr i mei r o semest r e de 1972. Ocasi o em que ai nda

    me encont r ava ausente do DOI . No segundo semest r e

    de 1972, no entant o, mui t o se comentava no rgo

    acer ca de AVELI NO BI ONI CAPI TANI , cuj o nome

    apar ece na rel ao de exi l ados brasi l ei r os do

    Ur uguai . Sobre o qual no sei se AVELI NO e Paul o

    mi l i t avam no mesmo gr upo, i st o l i gados a LEONEL

    BRI ZOLA, suponho que est e l t i mo t enha si do

    vi t i mado no cont ext o da mesma oper ao. bom quese di ga que em se t r atando de aes r epr essi vas

    que envol vi am at i vi st as cl andest i nos, sobr et udo

    mor t os na rua, sob o di sf arce de f ami gerado

    t r ent i nho, er a extr emament e di f ci l par a quem

    est ava al hei o operao obt er dados al m

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    di sso, a ao pode ter si do r eal i zada por out r os

    rgos: DOPS, CI E, e et c. O conheci ment o f i cava

    r est r i t o s pessoas que par t i ci pavam in loco ou

    eventual ment e, no meu caso, i ntegr ant e do 3

    escal o, quem est i vesse mani pul ando a

    document ao da operao em curso, o que no

    sucedeu. opor t uno sal i ent ar que Paul o GUERRA

    f oi assassi nado em r azo da sua condi o de ex-

    sargent o do Exr ci t o, j que o aparel ho

    r epr essi vo era enf t i co quando af i r mava que assi m

    agi a para que a el i mi nao sumr i a do

    oposi ci oni st a pol t i co servi sse como exempl o,

    evi t ando assi m event uai s di st enses. Poucos

    mi l i t ar es di ssi dent es escapar am da mor t e no

    per odo de 1968 1975.

    b. Quant o a ENRI QUE RUGGI A, cumpre r el at ar

    t odos os dados que di sponho, que ser vi r o como

    subs di os par a uma poss vel concl uso, seno

    vej amos: at r avs de i ndi scr i es do Exr ci t o

    ( CI E) , t omei conheci ment o de que, no ano de 1973,

    aquel e rgo est abel eceu uma operao de

    i nf ormao, que f i ndou em 1974, na regi o de

    Medi anei r a, Nor t e do Par an, com o obj et i vo

    pr i nci pal de pr ender ONOFRE PI NTO, di r i gent e da

    VPR, bem como out r os at i vi st as da esquer da

    r evol uci onr i a que se encont r avam f or a do Pa s.

    Tal operao, que ut i l i zava como i nf i l t r ado o ex-

    sargent o da Br i gada Mi l i t ar do Ri o Gr ande do Sul ,

    ALBERI , que na ocasi o t r ansi t ava pel o Chi l e e

    Ar gent i na com o pr opsi t o de at r ai r br asi l ei r os

    r ef ugi ados pol t i cos naquel es pa ses, consi st i u

    na mont agem pel o CI E e Batal ho do Exr ci t o, com

    sede em Foz do I guau, de uma r ea f i ct ci a de

    t r ei nament o de guer r i l ha par a que ONOFRE e seu

    gr upo exer cessem at i vi dades e ti vesse um l ocal

    segur o em t er r i t r i o br asi l ei r o. O pr ocesso de

    negoci ao com vi st as vi nda do gr upo dur ou

    al guns meses. Fugi t i vo do Chi l e devi do a

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    dest i t ui o de Sal vador Al l ende do governo, o

    gr upo j havi a t r ansi t ado pel a Ar gent i na e out r os

    pa ses sul - amer i canos e era compost o por Onof r e

    Pi nt o, J os Lavchi a, Dani el J os de Car val ho,

    J oel J os de Car val ho, Gi l bert o Far i a Li ma

    ( Zor r o) , um r apaz chi l eno ou ar gent i no e V ct or

    de t al . Obs. : eu t i nha conheci ment o de que se

    t r atava de sete pessoas, t odavi a o pr enome Vi ct or

    ouvi pel a pr i mei r a vez por ocasi o do meu

    depoi mento na Comi sso Ext erna da Cmara. Sei s

    i ndi v duos f or am pr eso e sumar i ament e

    assassi nados assi m que chegar am a r ea f i ct ci a

    de t r ei nament o de guer r i l ha, no sem ant es t er em

    si do i nt er r ogados. O st i mo, Onof r e Pi nt o, f oi

    cant ado para at uar como i nf i l t r ado do CI E.

    Acei t ou a pr opost a em t r oca de possi bi l i dade de

    cont i nuar vi vo e chegou at a ser l i ber t ado para

    i r ao Par aguai sob um f or t e esquema de vi gi l nci a

    vel ada. Nesse nt er i m a Chef i a do CI E er a

    consul t ada acer ca da convi vnci a ou no de

    coopt - l o, j que o of i ci al que chef i ava a

    operao havi a t omado aquel a deci so por

    i ni ci at i va pr pr i a e a or dem de mi sso pr escrevi a

    a el i mi nao de t odo o gr upo.

    De r et or no ao t er r i t r i o br asi l ei r o Onof r e

    j t i nha decr et ado sua sentena de mor t e. A

    cpul a do CI E deci di u el i mi n- l o em r azo da sua

    condi o de ex- sar gent o do Exr ci t o sua mort e

    servi r i a como l i o par a pr eveni r event uai s

    di ss i dnci as nos quadr os das For as Ar madas e a

    conseqent e per i cul osi dade daquel e at i vi st a como

    di r i gente de uma organi zao da esquer da

    r evol uci onr i a, que o cl assi f i cava como i ndi vi duo

    pouco conf i vel .

    As mesmas f ont es der am cont a de que Al ber i

    f oi assassi nado no i nt er i or do Est ado do Par an

    meses aps, em conseqnci a de at r i t os de

    natur eza comum com f azendei r os da Regi o Nort e,

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    no obst ant e a CI E t - l o escondi do no Ri o de

    J anei r o por um bom per odo de t empo, ant e a

    per spect i va de que o pi or poderi a acont ecer - l he.

    Al ber i dei xou o Ri o por cont a pr pr i a,

    conf i gur ando um at o de i ndi sci pl i na.

    Sem mai s, um f or t e abr ao.

    P. S. Trat a- se de ALBERI VI EI RA DOS SANTOS.

    Per ceba que o pr pr i o ALBERI pode ter at r a do

    PAULO GUERRA TAVARES para ser assass i nado em So

    Paul o, num pont o, j que ambos est i ver am exi l ados

    no Ur uguai e pert enceram ao gr upo de BRI ZOLA.

    Out r o aspect o comum o t r nsi t o de ALBERI pel o

    Par an. Est ou apenas conj et ur ando.

    Aps as revelaes feitas por Marival Chaves eu fui procurado em julho de

    1996 pelo meu amigo Adelmo Muller, que na poca exercia a profisso de

    jornalista na imprensa de Foz do Iguau. Ele se interessou pela investigao que

    eu vinha fazendo sobre os desaparecidos, e a partir de nossa conversa saiu a

    campo. Como resultado de seu trabalho escreveu uma srie de matrias sobre o

    tema para o jornal O Estado do Paran,de Curitiba.

    Na matria publicada pelo O Estado do Paran de 24 de Julho de 1996,Adelmo afirmou que o grupo do Onofre havia sido abatido numa cilada

    comandada pelo tenente do Batalho de Fronteiras de Foz do Iguau Aramis

    Ramos Pedroso, que em 1981 foi assassinado em Mato Grosso.

    OFICIAL QUE ABATEU GUERRILHEIROS EM 74 VIROU

    SEQUESTRADOR E MORREU DURANTE FUGA

    Foz do Iguau (Sucursal) O oficial do Exrcito

    que comandava o ento Batalho de Fronteira deFoz do Iguau, em julho de 1974, era o tenente

    ARAMIS RAMOS PEDROSO. Ele foi acusado pelo ex-

    sargento do Exrcito Marival Chaves, que atuou

    por dezessete anos nos rgos de represso, de

    ter comandado a cilada em que foram mortos seis

    guerrilheiros da VPR (Vanguarda Popular

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    Revolucionria), que vinham da Argentina rumo a

    So Paulo, onde pretendiam matar o delegado

    Srgio Fleury, do DOPS.

    A identidade do ento tenente foi obtida por O

    Est ado junto a militares aposentados de Foz do

    Iguau. Aramis, no entanto no poder mais

    prestar depoimento Comisso Especial do

    Ministrio da Justia, conforme pretendia Suzana

    Lisboa, representante das famlias de

    desaparecidos polticos. que ele foi morto pela

    polcia de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul,

    ao tentar fugir da priso, depois de condenado

    pelo seqestro e assassinado do filho nico do

    ento senador Ldio Coelho.

    EXTERMNIO Nenhum dos militares ouvidos por O

    Est ado confirma a matana de guerrilheiros em

    Medianeira de julho de 1974, mas todos dizem que

    o tenente Aramis era o carrasco da tropa. O ex-

    sargento Marival Chaves revelou que Onofre Pinto,

    Victor Ramos e o argentino Enrique Ernesto Ruggia

    foram mortos quando entravam no Brasil, via

    Argentina. A informao de que eles pretendiam

    seguir a So Paulo foi obtida na poca pelo

    Centro de Informaes do Exrcito (CIE).

    Os seis foram apanhados de emboscada depois de

    entrar por Capito Lenidas Marques, ao

    atravessar a Estrada do Colono, em Medianeira,

    onde seus corpos teriam sido enterrados. Na

    regio, h trs locais onde pessoas foram

    enterradas, conforme O Est ado apurou.

    Em 28 de Julho de 1996, Adelmo M