OPINIÃO : Artigo 19 um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento

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Um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento

Abordagem ao modelo de governação e “accountability”

Porque não devemos falhar…

De alguns anos a esta parte não se tem verificado, por parte de alguns atores

públicos, mecanismos de controlo, auditoria e avaliação dos programas de

apoio ao desenvolvimento financiados pelos parceiros internacionais e

organismos doadores.

Por outro lado, poucos projetos têm tido resultados práticos no terreno,

situação que se relaciona, talvez, com erros de conceção e de execução dos

mesmos tendo em conta a realidade do País e a visão do desenvolvimento

integrado e sustentado que se pretende.

Porém, no que se refere aos atores não estatais, concretamente ONG´s de

prestígio, que atrevo-me a considerar de poucos mas genuínos, tanto nacional

como internacional, as coisas mudam de figura, nalguns casos são elas que

acabam por executar determinadas políticas públicas da responsabilidade dos

organismos públicos, acabando por ter um papel determinante e mais

integrador nas respostas sociais, culturais, ambientais e económicas que o

País tem necessitado.

Assim, é dessa forma que pretendo com este pequeno ensaio desenvolver três

assuntos que se relacionam e interagem como um todo, apontando caminhos e

estratégias possíveis para uma boa governação das políticas públicas

associadas aos programas de desenvolvimento e sua eficácia no plano

nacional, tendo em conta os mecanismos de controlo “accountability”, modelo

de gestão ou governação, financiamentos e projetos de desenvolvimento.

1 Luís Barbosa Vicente

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Por “accountability“ ou responsabilização se quiserem, entende-se à “obrigação

de membros de um órgão administrativo prestar contas as instâncias

controladoras ou aos seus representados”. Significa que “quem desempenha

funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que

anda a fazer, como faz, porque faz, quanto gasta e o que vai fazer a

seguir”.

Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas,

também, de autoavaliar a obra/projeto feito e desenvolvido, de dar a conhecer

o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou.

A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto maior quanto a

função é pública, ou seja, quando se trata do desempenho de cargos públicos

pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Portanto, é importante que cada vez

mais se tenha este princípio como “Mandamento” e ser automaticamente

acionado em circunstâncias que denotam responsabilidade civil, obrigações e

prestação de contas. “Accountability” é considerada um aspeto central

da governança, tanto na esfera pública como na privada.

No caso em particular e tomando como exemplo, saliento que não houve

escolha ou interesse por este ou aquele projeto/programa em especial mas

apenas a essência e a importância que o mesmo reveste para o País, a

execução do “Projeto de Apoio a Reforma na Administração Pública” (PARAP)

que decorreu entre os anos 2008 e 2011 salvo erro. Na verdade, como é do

conhecimento público, este é um importante projeto de reforma da

administração pública que beneficiou de cerca de 6,5 milhões de euros por

parte da União Europeia para a reforma da administração pública da Guiné-

Bissau.

No entanto, de acordo com o relatório público, o então Ministro da tutela (2012)

referiu, cito, (…) o projeto foi mal desenhado e mal concebido e os resultados

2 Luís Barbosa Vicente

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estão aquém das expectativas (…), conforme a notícia que se pode ler através

do link: http://www.gaznot.com/?link=details_actu&id=825&titre=Entrevista#.U9paQVjzl9U -

publicada pela Gazeta de Notícias Gaznot.com em 31/10/2012.

Portanto, a questão não tem só a ver com o desenho do projeto mas, também,

com a avaliação “ex-ante” que deveria ter sido feita previamente e,

automaticamente, adaptar o mesmo à realidade guineense, bem como

monitorizar toda a fase de execução do mesmo e apontando caminhos que

devem ser seguidos para a sua boa execução.

Em termos práticos, desenvolveu-se um conjunto de procedimentos e gerou-se

uma panóplia de propostas que não deram corpo ao projeto na sua plenitude,

acabando por ser abandonado com a interrupção constitucional de Abril de

2012, tal como refere ainda o artigo supracitado (…) durante todo esse

tempo houve vários projetos de diploma de modernização e inovação

da administração pública elaborados pela consultoria, mas nenhum

desses diplomas, infelizmente, foi aprovado durante a vigência do

projeto (…). Na verdade, é importante a responsabilização porque não

devemos e nem podemos falhar…!

Aplicar o conceito “accountability”, não se trata, portanto, apenas de prestar

contas em termos quantitativos mas, também, de autoavaliar a obra/projeto

feito e desenvolvido, e dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo

em que se falhou. A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto

maior quanto a função é pública, ou seja, quando se trata do desempenho de

cargos públicos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Portanto, é importante

que cada vez mais se tenha este princípio como mandamento e ser,

automaticamente, acionado em circunstâncias que denotam responsabilidade

civil, imputabilidade, obrigações e prestação de contas.

3 Luís Barbosa Vicente

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Por outro lado, e no que respeita à importância que se dá aos projetos de

desenvolvimento e a forma como atuam nos planos político, económico, social,

cultural e ambiental, tendo em conta a lógica das necessidades e dos modelos

de governação dos mesmos, devem ser enquadrados sempre na ótica do

tipo/modelo de desenvolvimento que o País carece e não tanto da arquitetura

de programas previamente definidos pelos parceiros internacionais ou

organismos financiadores. É importante também verificar se os subsídios e

donativos subjacentes ao financiamento dos mesmos têm em conta à

alavancagem económica e social que se pretende tanto no plano nacional

como internacional.

Sem dúvida que é importante, aliás urgente, o desenvolvimento de

infraestruturas básicas necessárias à população, tais como energia, água,

saneamento, reabilitação urbana, rodovias, equipamentos de saúde e

educação, etc. Mas, é igualmente importante fazer acompanhar estes projetos,

de investimento da componente pública, e ter uma visão de integração e da

dinâmica do território, bem como do investimento que se pretende em áreas

não materiais, tais como a valorização do conhecimento, formação,

qualificação, ciência, tecnologia e inovação, bem como a promoção de níveis

elevados e sustentados de desenvolvimento económico e sociocultural, num

quadro de valorização da igualdade de oportunidades e, bem assim, do

aumento da eficiência e qualidade das instituições públicas.

Entendo que jamais se deverá descurar a intervenção nestas áreas, inclusive

reforçando o potencial humano e social, com forte investimento na educação,

cidadania, capacitação institucional pública e governamental, sendo esta última

reservar-se o direito de definir a melhor estratégia para a Nação. Sublinho que

a questão da qualificação é importante e deve ser tida em conta na articulação

entre os objetivos e as orientações estratégicas.

4 Luís Barbosa Vicente

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Tanto na questão de “accountability” como da arquitetura dos programas de

apoio, importa realçar e assinalar que a conceção, elaboração e

implementação de um mecanismo desta natureza exige forte concentração e

articulação de esforços por parte do Estado, dos parceiros económicos e

sociais, das instituições e da sociedade civil, pelo que acresce a

responsabilidade no desenho de um modelo de desenvolvimento que a Guiné-

Bissau pretende e que se adapte à sua realidade, não o que as entidades

financiadoras pretendem alocar com os seus recursos financeiros.

Por último, no que se refere ao “Modelo de gestão e/ou governação” dos

financiamentos e programas de desenvolvimento, gostaria apenas de salientar

que o conceito associado a este tema implica necessariamente “ações para

governar, dirigir, ordenar, dispor ou organizar”.

Na verdade, os governos têm um modelo de gestão no qual se baseiam para

desenvolver as suas políticas e ações, e com o qual pretendem alcançar os

seus objetivos. Contudo, o modelo de gestão adotado pelas organizações

públicas difere do modelo de gestão do foro privado, porque enquanto o

segundo tem por base a obtenção de lucros, o primeiro põe em jogo outras

questões, como o bem-estar social.

Desta forma, no que se refere aos projetos desenvolvidos por atores públicos

estatais, julgo que é relevante abordar o mecanismo de controlo através de

uma “Agência para o Desenvolvimento” capaz de garantir uma maior

coordenação das opções de “macro programação financeira” e reforçar a

racionalidade económica e a sustentabilidade financeira dos investimentos

cofinanciados.

Por exemplo, relativamente aos fundos da política de coesão e programas de

apoio, a concentração, numa única instituição, das funções relativas à

Coordenação global, Certificação, Pagamento, Avaliação, Comunicação,

5 Luís Barbosa Vicente

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Monitorização e Auditoria de Operações, neste caso em articulação com a

Autoridade de Auditoria (podendo ser o Tribunal de Constas), constitui um

contributo inequívoco para a racionalização, especialização, eficácia e

eficiência dos serviços.

A concretização da Agência para o Desenvolvimento torna igualmente possível

apoiar com maior alcance as políticas de desenvolvimento sustentável,

designadamente através da conceção e promoção de instrumentos de base

territorial que visem a valorização do território e, em simultâneo, desenvolver e

estabilizar um centro de competências especializadas em matéria de auxílios

de Estado.

A Agência para o Desenvolvimento teria por missão coordenar a Política de

Desenvolvimento Regional e assegurar a Coordenação geral dos Fundos

Estruturais e de Investimento. Deve ser dotada de autonomia administrativa,

financeira e patrimonial, aliás um instituto público de regime especial, com

capacidade jurídica de intervenção sobre todo o território nacional, situando-se

na esfera da administração indireta do Estado, integrada na Presidência do

Conselho de Ministros e atuando sob superintendência e tutela do Primeiro-

Ministro.

Julgo que a Nação está a viver um momento determinante da sua vida, e as

decisões de agora irão marcar não só o seu futuro próximo mas também dos

seus filhos. Dos poucos instrumentos que existem, poderão vir a existir muito

mais, serão necessárias não só as reformas económicas e políticas, mas,

também, direcionar os recursos para a valorização e capacitação do País, dos

recursos humanos e do emprego, por forma a dar novas esperanças às

pessoas e às instituições. Mas, até lá (…) até lá a Nação tem de acertar a

"marcha" com a coesão nacional! ©LV

Lisboa, 02 de agosto de 2014.

6 Luís Barbosa Vicente

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Luís Vicente

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