Origens da ergonomia

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Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 3 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 3.1 3 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA De acordo com dados da Ergonomics Research Society, Inglaterra, a Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos deste relacionamento. De fato, segundo Moraes e Soares (1989:3), os conhecimentos sobre os “componentes humanos” dos sistemas homens-máquinas começaram a ser sistematicamente coletados antes do aparecimento oficial da Ergonomia. Foram os pesquisadores, físicos e fisiologistas, que se interessaram para compreender o funcionamento do organismo humano, e que geraram as primeiras informações sistemáticas sobre a máquina humana. Dentre os organizadores do trabalho, pode-se definir como precursor da Ergonomia, Frederick Winslow Taylor, pai da administração científica do trabalho. Seu trabalho Princípios de Administração Científica, publicado em 1911, influenciou empresas nos Estados Unidos, na Europa e até países socialistas, conforme Moraes e Soares (1989:3). A Ergonomia surge após a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista as falhas ocorridas na interface entre o homem e máquina. A Ergonomia nasce com os objetivos práticos de segurança, satisfação e bem-estar dos trabalhadores no seu relacionamento com sistemas produtivos. Ao contrário do Taylorismo,

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Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 3 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 3.1

3 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA

De acordo com dados da Ergonomics Research Society, Inglaterra, a

Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho,

equipamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos

de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos deste

relacionamento.

De fato, segundo Moraes e Soares (1989:3), os conhecimentos sobre os

“componentes humanos” dos sistemas homens-máquinas começaram a ser

sistematicamente coletados antes do aparecimento oficial da Ergonomia.

Foram os pesquisadores, físicos e fisiologistas, que se interessaram para

compreender o funcionamento do organismo humano, e que geraram as

primeiras informações sistemáticas sobre a máquina humana.

Dentre os organizadores do trabalho, pode-se definir como precursor da

Ergonomia, Frederick Winslow Taylor, pai da administração científica do

trabalho. Seu trabalho Princípios de Administração Científica, publicado em

1911, influenciou empresas nos Estados Unidos, na Europa e até países

socialistas, conforme Moraes e Soares (1989:3).

A Ergonomia surge após a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista as falhas

ocorridas na interface entre o homem e máquina. A Ergonomia nasce com os

objetivos práticos de segurança, satisfação e bem-estar dos trabalhadores no

seu relacionamento com sistemas produtivos. Ao contrário do Taylorismo,

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que buscava a eficiência e o aumento da produção, na Ergonomia, a

eficiência vem como resultado, pois visa, em primeiro lugar, o bem-estar do

trabalhador e parte do conhecimento do homem para fazer o projeto do

trabalho, ajustando-o às suas capacidades e limitações humanas.

Segundo Chapanis (apud MORAES et al., 1989:4), uma importante lição de

Engenharia, proveniente da II Guerra Mundial, é que as máquinas não lutam

sozinhas. A guerra solicitou e produziu maquinismos novos e complexos,

porém, geralmente, essas inovações não faziam o que se esperavam delas.

Tal ocorria porque excediam ou não se adaptavam às características e

capacidades humanas. Por exemplo, o radar foi chamado de ‘olho da arma’,

mas o radar não vê. Por mais rápido e preciso que seja, será quase inútil, se

o operador não puder interpretar as informações apresentadas na tela e

decidir a tempo.

Tendo em vista tais acontecimentos, surge a Ergonomia. Em 12 de julho de

1949, na Inglaterra, reuniram-se cientistas e pesquisadores interessados

pela primeira vez, em discutir e formalizar a existência deste novo ramo de

aplicação interdisciplinar da ciência. O termo Ergonomia é derivado das

palavras gregas ergon (trabalho) e nomos (regras, normas). Este termo foi

adotado nos principais países europeus, onde se fundou a Associação

Internacional de Ergonomia (IEA), que atualmente representa as associações

de 40 países, com um total de 19 mil sócios (DUL et al., 2004:1). A IEA

realizou o seu primeiro congresso em Estocolmo, em 1961. Nos Estados

Unidos, porém, foi criada a Human Factors Society em 1957 e, até hoje, o

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termo mais usual naquele país continua sendo human factors (fatores

humanos), embora Ergonomia já seja aceito como sinônimo. No Brasil, existe

a Associação Brasileira de Ergonomia – ABERGO, fundada em 1983, sendo

filiada a IEA.

O interesse nesse novo ramo de conhecimento, afirmam Dul et al. (2004:1),

cresceu rapidamente, em especial nos Estados Unidos e na Europa, na

Ingleterra, principalmente.

Segundo os autores, a Ergonomia estuda vários aspectos: a postura e os

movimentos corporais (sentado, de pé, empurrando, puxando e levantando

pesos), fatores ambientais (ruídos, vibrações, iluminação, clima, agentes

químicos), informação (informações captadas pela visão, audição e outros

sentidos), controles, relações entre mostradores e controles, bem como

cargos e tarefas (tarefas adequadas, cargos interessantes). A conjugação

adequada desses fatores permite projetar ambientes seguros, saudáveis,

confortáveis e eficientes, tanto no trabalho quanto na vida cotidiana.

Dul et al. (2004:1), explicam que também a ergonomia baseia-se em

conhecimentos de outras áreas científicas, como antropometria,

biomecânica, fisiologia, psicologia, toxicologia, engenharia, desenho

industrial, eletrônica, informática e gerência industrial. Ela reuniu, selecionou

e integrou os conhecimentos relevantes dessas áreas, desenvolvendo

métodos e técnicas específicas para aplicar esses conhecimentos na melhoria

do trabalho e das condições de vida, tanto dos trabalhadores, como da

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população em geral.

A ergonomia difere de outras áreas do conhecimento pelo seu caráter

interdisciplinar e pela sua natureza aplicada. O caráter interdisciplinar

significa que a ergonomia se apóia em diversas áreas do conhecimento

humano. O caráter aplicado configura-se na adaptação do posto de trabalho

e do ambiente às características e necessidades do trabalhador.

De acordo com definição oficial dada durante o Congresso Internacional de

Ergonomia, realizado em 1969, a Ergonomia é o estudo científico da relação

entre o homem e seus meios, métodos e espaço de trabalho. Seu objetivo é

elaborar, mediante a contribuição de diversas disciplinas científicas que a

compõem, um corpo de conhecimentos que, dentro de uma perspectiva de

aplicação, deve resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios

tecnológicos e dos ambientes de trabalho e de vida.

Segundo o Conselho Executivo da IEA (2000), a Ergonomia (ou human

factors) é a disciplina científica que trata de entender as interações entre

humanos e outros elementos de um sistema; é a profissão que aplica teoria,

princípios, dados e métodos para projetar de modo a otimizar o bem-estar

humano e a performance total do sistema.

Para Moraes (1993:366), a Ergonomia situa-se como mediadora entre as

ciências que estudam os diversos aspectos do ser humano e as diversas

tecnologias projetuais, para as quais fornece recomendações que viabilizam

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projetos e ambientes humanos. Moraes apresenta um quadro da Ergonomia

com suas etapas de intervenção, finalidades e objetivos gerais e seus

afluentes e efluentes (Figura 3.1).

Atualmente, a Ergonomia apresenta dois enfoques, ou seja, duas linhas de

intervenção, que, segundo Moraes et al. (2000:16), vêm a ser o enfoque

americano e o enfoque europeu.

De acordo com Moraes (2000:16), “[...] os americanos preocupam-se,

principalmente, com os aspectos físicos da interface homem-máquina

(anatômicos, antropométricos, fisiológicos e sensoriais), objetivando

dimensionar a estação de trabalho, facilitar a discriminação de informações

dos mostradores e a manipulação dos controles”. Segundos, ainda, a autora,

os americanos realizam simulações em laboratórios, onde medem alcances,

esforços, discriminação visual, rapidez de resposta, mantendo constantes

algumas variáveis, seres humanos com dimensões extremas (do 5º ao 95º

percentis), acuidade visual, nível de instrução etc. O americano considera a

Ergonomia como a utilização das ciências para melhorar as condições do

trabalho humano. Ao estudar o trabalho em terminais de vídeo, contempla as

dimensões do mobiliário; alcances, conformação do teclado; radiação da tela;

altura, espessura e desenho dos caracteres alfanuméricos; visibilidade e

compreensibilidade dos símbolos iconográficos; iluminação, ruído e

temperatura do ambiente (MORAES et al., 2000:17).

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Figura 3.1 – Fronteiras da Ergonomia, Ciência e Tecnologia: Projetos Ergonômicos (MORAES, 1993:367).

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Segundo a autora, os americanos privilegiam as seguintes características:

antropométricas; as relacionadas ao esforço muscular, as ligadas à influência

do ambiente físico; as psicofisiológicas e as dos ritmos circadianos.

Paralelamente aos estudos destas características pesquisam os efeitos do

envelhecimento, em particular os efeitos fisiológicos e psicofisiológicos.

A linha européia, segundo Montmollin (apud MORAES et al., 2000:17) diz:

[...] privilegia as atividades do operador, priorizando o

entendimento da tarefa, os mecanismos de seleção de

informações, de resolução de problemas, de tomada de

decisão. Tudo se inicia com observação do trabalho, em

condições reais. Em seguida, têm-se a verbalização de

trabalho executado pelos próprios operadores especificamente

nele envolvidos e considera-se a aprendizagem da tarefa e a

competência do operador[...].

Esta linha, ainda segundo Montmollin, enfatiza o conjunto de situação de

trabalho do trabalhador, em detrimento do estudo de equipamentos. Nesta

perspectiva, não é possível realmente explicar e diminuir a fadiga e o erro a

não ser que se analise a tarefa específica do operador e a maneira particular

como ele a realiza, considerando singularidades existentes. Para

exemplificar, na visão do enfoque francês, se a cadeira se torna penosa é

porque as informações que aparecem na tela se apresentam de tal forma que

impedem o operador de tirar os olhos do monitor, mesmo por pequenos

períodos, o que implica uma postura rígida, portanto a Ergonomia francesa é

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muito mais psicológica e menos cognitiva do que antropométrica e

fisiológica como a dos americanos.

Seja no enfoque francês ou no americano, a Ergonomia lança mão de

métodos e técnicas de pesquisa já consagrados por outras ciências e

disciplinas tecnológicas. Seu objeto – o trabalhador trabalhando no seu local

de trabalho – também é o foco da engenharia de produção e do estudo de

métodos. A Ergonomia também divide seu objetivo, quer seja adaptar o

trabalho, maquinária e equipamentos às características e capacidades

humanas, quer seja, melhorar as condições específicas do trabalho humano,

como a higiene e segurança do trabalho. A singularidade da Ergonomia está

justamente na sua práxis que integra não só as pesquisas sobre o homem,

como também os estudos tecnológicos com a proteção e avaliação de

sistemas, interfaces e componentes, sempre a partir das variáveis fisiológicas

e cognitivas humanas e segundo critérios que privilegiam o conforto, a

segurança e o bem-estar do homem.

Moraes et al. (2000:20) concluem que as duas Ergonomias não são

contraditórias, mas complementares. Em princípio, o mesmo ergonomista

pode ser chamado, em função das circunstâncias (ou seja, em função dos

interlocutores, dos decisores e dos financiamentos), para colaborar com um

engenheiro na concepção de uma máquina-ferramenta ou com um outro

engenheiro, na implantação de um sistema informatizado. Na prática, no

entanto, os ergonomistas se especializaram de tal modo que os manuais,

apenas excepcionalmente, tratam dos dois enfoques.