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26 Janeiro / Junho 2009 O Brasil é o país do futebol e, pelo menos, terá a hege- monia do esporte até 2010. Esta trajetória vitoriosa teve inúmeros heróis. Histórias com jogadores como Didi, Leô- nidas, Zagallo, Garrincha, Pelé, Zico, Romário, Ronaldo são co- muns. Porém, nem tudo são flores no percurso da Seleção Brasileira. Em algumas oportunidades erros corriqueiros ganharam uma pro- porção enorme e esses “vilões” Os carrascos da seleção GUILHERME COREIXAS E GUILHERME SACHETT O Brasil teve vilões em quase todas as Copas. Alguns deles são brasileiros, mas será que merecem este título? Barbosa (em pé, quinto da esquerda para direita) injustiçado por muitos ficaram marcados por um caso isolado. “No Brasil, a pena máxima para um criminoso é de 30 anos. Eu fui condenado à prisão perpé- tua” a frase é do goleiro Barbosa, um dos símbolos de personagens que são lembradas por um lance isolado. O ex-jogador do Vasco é considerado por historiadores do futebol como “um goleiro seguro, elástico e que não tinha medo de mergulhar na bola.” Mas nenhuma característica é mais marcante do que a lembrança da cena do gol de Ghiggia, em 1950, nos momentos decisivos da final da Copa do Mundo, em pleno Mara- canã. “Ele foi o mais emblemático. Virou símbolo de um goleiro em seu pior momento da carreira. Mas houve uma enorme injustiça. Ape- sar da falha, ele não merecia esse julgamento” afirmou Paulo Gui- lherme, autor do livro Goleiros - He- róis e Anti-heróis de camisa 1. FIFA.COM

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26Janeiro / Junho 2009

O Brasil é o país do futebol e, pelo menos, terá a hege-monia do esporte até 2010. Esta trajetória vitoriosa

teve inúmeros heróis. Histórias com jogadores como Didi, Leô-nidas, Zagallo, Garrincha, Pelé, Zico, Romário, Ronaldo são co-muns. Porém, nem tudo são flores no percurso da Seleção Brasileira. Em algumas oportunidades erros corriqueiros ganharam uma pro-porção enorme e esses “vilões”

Os carrascos da seleçãoGuilherme coreixAs e Guilherme sAchett

O Brasil teve vilões em quase todas as Copas. Alguns deles são brasileiros, mas será que merecem este título?

Barbosa (em pé, quinto da esquerda para direita) injustiçado por muitos

ficaram marcados por um caso isolado.

“No Brasil, a pena máxima para um criminoso é de 30 anos. Eu fui condenado à prisão perpé-tua” a frase é do goleiro Barbosa, um dos símbolos de personagens que são lembradas por um lance isolado. O ex-jogador do Vasco é considerado por historiadores do futebol como “um goleiro seguro, elástico e que não tinha medo de mergulhar na bola.”

Mas nenhuma característica é mais marcante do que a lembrança da cena do gol de Ghiggia, em 1950, nos momentos decisivos da final da Copa do Mundo, em pleno Mara-canã. “Ele foi o mais emblemático. Virou símbolo de um goleiro em seu pior momento da carreira. Mas houve uma enorme injustiça. Ape-sar da falha, ele não merecia esse julgamento” afirmou Paulo Gui-lherme, autor do livro Goleiros - He-róis e Anti-heróis de camisa 1.

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Quem diria que o maior ídolo da história do clube mais popular do Brasil seria responsabilizado pela eliminação do Brasil em uma Copa Mundial. Claro que boa parte dos torcedores é anti-flamenguista, mas o pênalti perdido por Zico no tempo normal da partida contra a França, nas quartas-de-final, não vai sair da memória de muitos torcedores. “Eu estava entrando naquele mo-mento, talvez não estivesse no cli-ma da partida. Bati mal, de uma

forma que se estivesse desde o início da partida, eu não teria batido”, se defende o Galinho.

Barbosa e Zico não são os únicos brasileiros que se tornaram cul-pados por derrotas decisivas pelos próprios brasileiros. A vida particu-lar de alguns jogadores, o excesso de peso e o desinteresse deles com a competição também foram as-pectos decisivos para justificar al-guma péssima campanha verde e amarela. “Aquela preparação foi

lamentável. O clima dos treina-mentos parecia tudo, menos o de uma seleção de verdade treinando para uma Copa do Mundo, analisa Leonardo Baran que acompanhou os bastidores da seleção brasileira durante o Mundial de 2006.

Além de Ronaldo e Adriano, sím-bolos dos gordinhos de 2006, o Bra-sil cruzou com dois vilões adversá-rios. Zidane estava jogando aquela que poderia ser a última partida da sua carreira. O camisa 10 francês comandou o show de bola da Fran-ça e ainda contou com a decisiva colaboração do oportunista Henry, autor do gol que tirou o sonho do hexacampeonato brasileiro.

Uma história mal explicadaNos dias de hoje, uma goleada

de 6 a 0 da Argentina de Messi, um dos melhores do mundo, em cima do Peru, é um resultado possível de acontecer. Porém, esse mesmo resul-tado na Copa do Mundo de 1978, disputada na Argentina, chamou a atenção do mundo e revoltou os brasileiros, porque foi assim que nossos maiores rivais ficaram com um saldo de gols maior do que o do Brasil e nos desclassificaram da competição. O curioso é que a sele-ção peruana fazia uma campanha regular e no jogo polêmico, o golei-ro Quiroga tomou seis gols “estra-nhos”. Houve rumores de que a Di-tadura Militar argentina desejava

Zico perde um dos poucos pênaltis da carreira e fica marcado para sempre

O goleiro Quiroga do Peru, leva um dos seis gols. Desconfiança até hoje

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o título a todo custo, o que poderia explicar a goleada.

As suspeitas sobre a atuação do goleiro são enormes até hoje. Em dezembro de 2007, Fernando Ro-driguez Mondragón, filho de um ex-militar colombiano, revelou em livro que o cartel da Colômbia deu dinheiro para subornar a seleção peruana e permitir que a Argenti-na vencesse por 6 a 0. O goleiro do time negou todas as acusações. Ver-dade ou não, a história gera suspei-ta e revolta em torcedores brasilei-ros: “O episódio do goleiro do Peru me deixa indignado até hoje. Aliás, apenas do goleiro não, de todo o time do Peru. Os jogadores estavam visivelmente de corpo mole. A Sele-ção Brasileira tinha time para ser campeã. Tanto é que terminou em terceiro lugar e sem perder nenhu-ma partida” lembrou o engenheiro civil e torcedor Jorge José Coreixas.

Lesão vilã e misteriosaEm 1998, na Copa do Mundo da

França, a Seleção chegou como fa-vorita. Era a atual campeã e con-tava com o melhor do mundo, Ronaldo “Fenômeno”. Grupo bem preparado, jogadores em ótima forma física, clima de harmonia entre os jogadores até poucos dias

antes do torneio. Estava muito bom para ser verdade. Semanas antes da estreia na competição, Romário foi cortado e uma polêmica foi le-vantada: quem cortou o Baixinho? Há muitas correntes que apontam para Zico, outras para o médico Lí-dio Toledo e Zagallo: “Romário era um gênio. Deveriam ter tido mais paciência na recuperação dele. Ele também estava com um ótimo en-trosamento com o Ronaldo”, lem-brou o jornalista Ricardo Souto.

O caso do “Baixinho” foi apenas um dos vários acontecimentos que explicam a derrota da seleção bra-sileira na Copa da França. Outro ponto inesquecível foi a fatídica fi-nal, quando fomos derrotados por 3 a 0 pelos anfitriões, com direito a show de bola de Zinedine Zidane, autor de dois gols. Embora o francês seja considerado por muitos como o grande vilão do Brasil, aquela par-tida final, até hoje, é cercada por polê-micas e mistérios. Ronaldo teve um problema de saú-de às vésperas da

decisão. Minutos antes da partida, saíram duas escalações, uma com e outra sem Ronaldo. Ele jogou, mas não foi o fenômeno que estava sendo na Copa. Todo o time parecia preocupado com a saúde do craque, que também não rendeu o esperado. Se tivesse que ser escolhido apenas um responsável pela nossa derrota, a missão não seria das mais fáceis. Zagallo por ter escalado Ronaldo? O responsável por cortar Romário, ou o craque Zidane?

Essa necessidade de procurar cul-pados não é comum apenas no futebol. A antropóloga e professo-ra da PUC-Rio, Simone Debeux, acredita que a busca de um vilão é normal: “O povo brasileiro tem a necessidade de achar um culpado. Não é só no futebol que isso aconte-ce”, analisou a professora.

“Romário era um gênio. Deveriam ter

tido mais paciência na recuperação dele.

Ele também estava com um ótimo entrosamento

com o Ronaldo” Ricardo Souto

Zidane marca dois gols de cabeça na final contra o Brasil. Grande vilão?

Ronaldo renascendo das cinzas para se tornar herói em 2002

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1950 - Barbosa

1954 - Máquina da Hungria

1958 - Campeão

1962 - Campeão

1966 - Portugal (violência contra Pelé

e a atuação de Eusébio)

1970 - Campeão - João Saldanha?

Zagallo? Ditadura?

1974 - Zagallo

1978 - Peru (Quiroga)

1982 - Paollo Rossi

1986 - Zico

1990 - Lazaroni? Dunga? Água

batizada argentina? Maradona?

Cannigia?

1994 - Campeão - Parreira?

1998 - Ronaldo? Zagallo? Zidane?

2002 - Campeão - Felipão? Romário?

2006 - Preparação? CBF? Ronaldo?

Adriano?

A vontade de achar culpados no futebol é tão grande que o brasileiro consegue achar até mesmo quando ele não existe, quando tudo dá certo. Na maioria das cinco conquistas, um vilão já estava pronto para ser execrado. Em 1994, por exemplo, a Seleção Brasileira

voltou a conquistar o título Mundial depois de 24 anos, mas o título foi suado. Romário, o grande herói da Copa e da classificação, foi convocado porque houve uma enorme pressão popular. Além de demorar muito para convocá-lo, o técnico Carlos Alberto Parreira persistiu em um esquema que não era bem visto pela opinião pública. Apesar das críticas, o Brasil foi campeão Mundial e tudo foi esquecido.Luis Felipe Scolari é outro que, por muito pouco, não foi transformado em vilão. No Mundial de 2002, aconteceu o oposto de 1994. O técnico não ouviu os apelos da torcida, tal como já tinha acontecido oito anos antes, mas, ao con-trário de Parreira, ele não levou o mesmo Romário para a

Copa do Japão e da Coréia. A Seleção Brasileira conquistou o pentacampeo-nato e a “família Scolari” teve outros méritos, como bancar a recuperação de Ronaldo.Os treinadores sofrem diante de milhões torcedores que se consideram especialistas em futebol. Em 1970, Mario Jorge Lobo Zagallo assumiu o comando da seleção brasileira perto do início da Copa do México, substituindo João Saldanha. O novo técnico mudou o esquema tático e colocou os melhores jogadores para jogar no mesmo time, formando o que, para muitos, foi a melhor seleção bra-sileira de todos os tempos. Apesar disso, Zagallo ainda foi contestado por muitos durante a preparação e o início da Copa.

Quando torcedores têm que escolher o maior vilão da seleção brasileira, a maioria tem uma resposta na ponta da língua: Paollo Rossi. Para

muitos, o atacante italiano não foi ape-nas o carrasco do Brasil, mas do próprio futebol arte. “Ele era um ótimo jogador, mas o que ele fez conosco não se faz. A seleção de 1982 jogava o fino da bola. Se ela fosse campeã acredito que o futebol mundial seria outro”, analisou o jornalista e na época torcedor Vítor Sérgio Rodrigues.

O time de Telê Santana é considerado o mais técnico das histórias das Copas: Valdir Peres, Leandro, Luizinho, Oscar e Júnior, Toninho Cerezo, Sócrates, Falcão e Zico, Éder e Sérgio Chulapa. A trajetótria da equipe foi incrível. Mais do que resultados ela dava shows. Apesar disso, a “Seleção Canarinho” não venceu a Copa e seu futebol, embora bonito de se assistir, não foi considerado eficiente. Tudo isso, por causa de Paollo Rossi e seus três gols no Estádio Sarriá, no dia 5 de julho.

As Copas e seus vilões

Paolo Rossi comemora com Gaetano Scirea e Francesco Graziani o terceiro gol da Itália

Telê Santana

ParreiraScolari

Zagallo

Seleção Brasileira comandada por Telê Santana. Para muitos o melhor time de todos os tempos

Treinador é sofredor

O grande vilão do futebol brasileiro

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