Os Critérios Para a Definição Do Ente Competente Para o Licenciamento Ambiental

15
OS CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DO ENTE COMPETENTE PARA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL[1]. FREDERICO AUGUSTO DI TRINDADE AMADO Procurador Federal Mestrando em Planejamento Ambiental pela Universidade Católica do Salvador - Especialista em Direito do Estado pela UNYAHNA/IESUS - Professor de. Direito Ambiental e Previdenciário em cursos jurídicos preparatórios para concursos públicos e pós- graduações. É consabido que o Brasil adota na Lei Maior vigente um federalismo de cooperação, que prevê, além de competências exclusivas e privativas, as concorrentes (competências para legislar) e comuns (competências materiais ou administrativas) entre as entidades políticas, à luz do Princípio da Preponderância do Interesse , incluindo os municípios, que pioneiramente no Brasil foram elevados à condição de entidades políticas. Com efeito, em termos de competências administrativas ambientais , optou o poder constituinte originário pela repartição material comum entre as entidades políticas, conforme disciplinado no artigo 23, III, VI e VII, da Constituição Federal de 1988: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora. A competência municipal decorre do artigo 30, da Constituição, pois aos mesmos cabe, além de legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, proteger o meio ambiente.

description

Os Critérios Para a Definição Do Ente Competente Para o Licenciamento Ambiental

Transcript of Os Critérios Para a Definição Do Ente Competente Para o Licenciamento Ambiental

OS CRITRIOS PARA A DEFINIO DO ENTE COMPETENTE PARA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL[1].

FREDERICO AUGUSTO DI TRINDADE AMADO

Procurador Federal Mestrando em Planejamento Ambiental pela Universidade Catlica do Salvador - Especialista em Direito do Estado pela UNYAHNA/IESUS - Professor de. Direito Ambiental e Previdencirio em cursos jurdicos preparatrios para concursos pblicos e ps-graduaes.

consabido que o Brasil adota na Lei Maior vigente um federalismo de cooperao, que prev, alm de competncias exclusivas e privativas, as concorrentes (competncias para legislar) e comuns (competncias materiais ou administrativas) entre as entidades polticas, luz do Princpio da Preponderncia do Interesse, incluindo os municpios, que pioneiramente no Brasil foram elevados condio de entidades polticas.

Com efeito, em termos decompetncias administrativas ambientais, optou o poder constituinte originrio pela repartio material comum entre as entidades polticas, conforme disciplinado no artigo 23, III, VI e VII, da Constituio Federal de 1988:

Art. 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios:

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico, artstico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notveis e os stios arqueolgicos;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora.

A competncia municipal decorre do artigo 30, da Constituio, pois aos mesmos cabe, alm de legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislao estadual e federal no que couber, proteger o meio ambiente. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justia, no RESP 29.299/94 (grifos do autor):

CONSTITUCIONAL. MEIO AMBIENTE. LEGISLAO MUNICIPAL SUPLETIVA. POSSIBILIDADE.

ATRIBUINDO, A CONSTITUIO FEDERAL, A COMPETENCIA COMUM A UNIO, AOS ESTADOS E AOS MUNICIPIOS PARA PROTEGER O MEIO AMBIENTE E COMBATER A POLUIOEM QUALQUER DE SUASFORMAS, CABE, AOS MUNICIPIOS, LEGISLAR SUPLETIVAMENTE SOBRE A PROTEO AMBIENTAL, NA ESFERA DO INTERESSE ESTRITAMENTE LOCAL.

Na prtica, muitas vezes a cooperao das atividades polticas na esfera ambiental meramente retrica. Em razo da inexistncia de lei complementar para regulamentar o tema, comum a disputa entre entidades polticas para o exerccio da competncia material comum, especialmente no que concerne ao licenciamento ambiental de atividades lesivas ao meio ambiente.

Com arrimo no artigo 1, inciso I, da Resoluo CONAMA 237/97, cuida-se o LICENCIAMENTO AMBIENTAL de:

[...] procedimento administrativo pelo qual o rgo ambiental competente licencia a localizao, instalao, ampliao e a operao de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradao ambiental, considerando as disposies legais e regulamentares e as normas tcnicas aplicveis ao caso.

Em Direito Ambientalnormalmente se utiliza a expresso licenciamento ambiental em sua acepo ampla, abarcando, alm das licenas propriamente ditas, as autorizaes ambientais, que tem carter precrio e no vinculado.

Na omisso da legislao ambiental sobre o tema, nada impede a aplicao supletiva ao licenciamento ambiental FEDERAL, no que for compatvel, da Lei 9.784/99, que rege o procedimento administrativo no mbito federal (note-se que se trata de lei federal em sentido estrito, e no nacional, no se aplicando s demais entidades polticas, que detm competncia legislativa para legislar sobre procedimento administrativo).

Frise-se que, nos moldes doartigo 2, da Resoluo CONAMA 237/97, estaro sujeitas ao licenciamento ambiental as atividades relacionadas noanexo I, da citada Resoluo, que traz umrol no taxativo, pois o ente ambiental poder complement-lo, fundamentando a necessidade.

Talvez a questo que traga mais conflito entre os entes que compem o SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente seja arepartio de competncias para o licenciamento ambiental, chegando ao ponto de despertar a competncia do Supremo Tribunal Federal para julgar o tema em ao originria, na condio de Tribunal da Federao, com fulcro no artigo 102, I, f, da Constituio Federal de 1988.

muito comum que mais de um ente se julgue competente para licenciar, o que interfere negativamente no desenvolvimento econmico, pois o empreendedor fica desnorteado sem saber com quem dever licenciar a sua atividade.

Na ausncia de lei complementar sobre o tema, como determina o pargrafo nico, do artigo 23, da CRFB/1988, coube a Resoluo CONAMA 237/97 tratar da matria, em que pese a discusso sobre a sua inconstitucionalidade formal, que vem sendo relevada pelos tribunais brasileiros.

De incio, cumpre observar que dois so os principais critrios definidores da competncia material para promover o licenciamento ambiental que predominam em nosso ordenamento jurdico, a saber:o CRITRIO DA DIMENSO DO DANO, que decorre do Princpio Constitucional da Preponderncia do Interesse eo CRITRIO DA DOMINIALIDADE DO BEM AFETVEL. H, ainda,o CRITRIO DA SUPLETIVIDADE, direcionado especialmente ao IBAMA.

Deveras, a legislao ambiental vacilante sobre a prevalncia do critrio a ser utilizado, ora pendendo para um lado, ora para outro, a depender da situao concreta.

Adotando primordialmente o CRITRIO DA DIMENSO DO DANO em um primeiro plano, e, secundariamente, o CRITRIO DA SUPLETIVIDADE, eis a cabea do artigo 10, da Lei 6.938/81, que pontifica que:

[...] a construo, instalao, ampliao e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradao ambiental, dependero de prvio licenciamento de rgo ambiental competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBAMA, em carter supletivo, sem prejuzo de outras licenas exigveis.

Mais adiante, prossegue o 4compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBAMAo licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de mbitonacional ou regional

Logo, pela dico legal, OIBAMAS LICENCIAR EMPREENDIMENTOS DE IMPACTO REGIONAL OU NACIONAL, assim como, supletivamente, nas hipteses de impossibilidade dos entes polticos ou administrativos estaduais ou municipais.

Em regulamentao, o CONAMA editou aResoluo 378/2006que define os empreendimentos causadores de impactos ambientais regionais ou nacionais a serem licenciados pelo IBAMA:

Art. 1 Para fins do disposto no inciso III, 1, art. 19 da Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965, com redao dada pelo art. 83 da Lei n 11.284, de 2 de maro de 2006, compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis - IBAMA a aprovao dos seguintes empreendimentos:

I - explorao de florestas e formaes sucessoras que envolvam manejo ou supresso de espcies enquadradas no Anexo II da Conveno sobre Comrcio Internacional das Espcies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extino - CITES, promulgada pelo Decreto n 76.623, de 17 de novembro de 1975, com texto aprovado pelo Decreto Legislativo n 54, de 24 de junho de 1975;

II - explorao de florestas e formaes sucessoras que envolvam manejo ou supresso de florestas e formaes sucessoras em imveis rurais que abranjam dois ou mais Estados;

III - supresso de florestas e outras formas de vegetao nativa em rea maior que:

a) dois mil hectares em imveis rurais localizados na Amaznia Legal;

b) mil hectares em imveis rurais localizados nas demais regies do pas;

IV - supresso de florestas e formaes sucessoras em obras ou atividades potencialmente poluidoras licenciadas pelo IBAMA;

V - manejo florestal em rea superior a cinqenta mil hectares.

Pargrafo nico. A explorao de florestas e formaes sucessoras dever respeitar as regras e limites dispostos em normas especficas para o bioma.

J aosESTADOS E AO DISTRITO FEDERALCOMPETIR O LICENCIAMENTO DE ATIVIDADES QUE POSSAM CAUSAR IMPACTO DENTRO DA RESPECTIVA UNIDADE POLTICA E AOSMUNICPIOSOS IMPACTOS LOCAIS (nos limites territoriais do municpio), nos moldes dos artigos 5 e 6, da Resoluo CONAMA 237/97, desde que a entidade poltica local possua Conselho de Meio Ambiente (artigo 20, da Resoluo CONAMA 237/97).

Esta foi a linha recentemente adotada pelo Tribunal Regional Federal da 1 Regio na definio do ente competente para licenciar as obras nas barracas de praia na orla de Salvador (BA):

AG2007.01.00.000782-5/BA - ADMINISTRATIVO. CONSTRUO DE BARRACAS DE PRAIA. ORLA MARTIMA. SALVADOR. LICENCIAMENTOAMBIENTAL. COMPETNCIA.1. Acompetncia para a conduo do licenciamentoambientaldeve ser definida de acordo com o potencial dano do empreendimento e no segundo a propriedade da rea em que sero realizadas as construes. 2. As obras de construo ou reforma de barracas na orla martima de Salvador/BA, ainda que estejam localizadas em terreno de marinha, de propriedade da Unio, no atraem a competncia exclusiva do IBAMA para conduzir o correspondenteestudodeimpactoambiental, por no estar configuradoimpactoambientalnacional ou regional. 3. Agravo de instrumento a que se d provimento.

Nesse sentido, a corrente doutrinria majoritria, a exemplo de FINK (2000, p.. 41):

Pouco importa a titularidade da rea onde ser implementada a obra ou atividade. Por vezes afasta-se deste critrio, entrando em rota de coliso com a autonomia dos entes federativos, fixando, por exemplo, a competncia licenciadora pelo critrio da dominialidade do bem. Estes dispositivos, contudo, devem ser desconsiderados (ou declarados inconstitucionais), pois desrespeitam a Constituio Federal, dando competncia licenciadora a quem pode no det-la dentro do ordenamento legal, como facilmente verificvel

Outrossim, advoga MIRRA (2002, p. 156):

Nessa linha entendimento, tem-se sustentado, com razo, queo fato de a degradao ambiental atingir bens de domnio da Unio, como o mar territorial, as praias, os rios interestaduais, as cavernas e stios arqueolgicos e pr-histricos, os recursos minerais (art. 20, III, VI, IX, X, da CF), os exemplares da fauna terrestre (art. 1, caput, da Lei n. 5.197/67) e aqutica (art. 3 do Decreto-lei n. 221/67) ou as reas naturais abrangidas por unidades de conservao federais - Parques, Reservas, Estaes Ecolgicas etc. -,no suficiente para caracterizar o interesse jurdico apto a viabilizar a interveno da Unio no processo movido para a obteno da responsabilizao civil do degradador. Isso porque, como analisado anteriormente, o dano ambiental significa a leso ao meio ambiente, como bem incorpreo, qualificado juridicamente como bem de use comum do povo (art. 225, caput, da CF), e aos elementos corpreos e incorpreos que o integram - os denominados bens ambientais -, os quais receberam tratamento legal especifico, devido a sua funo ecolgica e ambiental, como recursos ambientais (art. 3, V, da Lei n. 6.938/8 1), sendo, em quaisquer dos casos, na sua dimenso coletiva, como interesses difusos, bens pertencentes a coletividade, independentemente da titularidade do domnio reconhecida sobre a elemento material especifico atingido (grifos do autor).

Sucede que em determinadas hipteses a competncia definida pelo CRITRIO DA DOMINIALIDADE DO BEM AFETVEL, adotada, por exemplo, no artigo 19, da Lei 4.771/65, alterada pela Lei 11.284/2006,cabendo ao IBAMA licenciar empreendimentos que possam afetar florestas pblicas e unidades de conservao federais e ao MUNICPIO caso se trate de florestas pblicas e unidades de conservao municipais.

Ainda pelo CRITRIO DA DOMINIALIDADE, caber aoIBAMAo licenciamento de atividades nomar territorial(12 milhasnuticas a contar da base territorial, sendo bem da Unio), nazona econmica exclusiva(188 milhasnuticas aps o mar territorial), naplataforma continentale emterras indgenas, nos termos do artigo 4, da Resoluo CONAMA 237/97.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4 Regio, no AC - APELAO CIVEL 217979,Relator Juiz Valdemar Capeletti, julgado em 18/12/2002:

ADMINISTRATIVO.AMBIENTAL. AO CIVIL PBLICA PROMOVIDA PELAUNIO. CONSTRUO DE HOTEL. MUNICPIO DE PORTO BELO. ZONA DE PROMONTRIO.REA DE PRESERVAO PERMANENTE. NON AEDIFICANDI. LICENA NULA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAOAMBIENTAL. INEXISTNCIA DE AVALIAOAMBIENTAL. PRINCPIO DA PREVENO. DESFAZIMENTO DA OBRA.

1. O empreendimento est localizado em rea de promontrio, considerada de preservao permanente pela legislao estadual (Lei n 5.793/80 e Decreto n 14.250/81) e pela legislao municipal (Lei Municipal n 426/84), e, por conseqncia, rea non aedificandi, razo pela qual a licena concedida pela FATMA nula, visto que no respeitou critrio fundamental, a localizao do empreendimento.

2. AFATMA no possua competncia para autorizar construo situada em terreno de marinha, Zona Costeira, esta considerada como patrimnio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se deBEMdaUNIO, configurando interesse nacional, ultrapassando a competncia do rgo estadual(grifos do autor).

Veja-se precedente do TRF da 1 Regio, noAG 2001.01.00.030607-5/PA, Rel. Juiz Alexandre Machado Vasconcelos, DJ de 25/10/2001:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AO CIVIL PBLICA. DECISO CONCESSIVA DE PROVIMENTO LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO: REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL: NO-CABIMENTO. CONSTRUO DE USINA HIDRELTRICAEM RIO DE DOMNIODA UNIO E QUE ATRAVESSA REAS DE TERRAS INDGENAS. ESTUDO DE IMPACTOAMBIENTALE RELATRIO DE IMPACTOAMBIENTAL. LICENCIAMENTOAMBIENTAL:COMPETNCIA DO IBAMA.DISPENSA DE LICITAO: REQUISITOS (ART. 24 DA LEI N 8.666/93). APROVEITAMENTO DE RECURSOS HDRICOSEM TERRAS INDGENAS:NECESSIDADE DE PRVIA AUTORIZAO DO CONGRESSO NACIONAL.

3. imprescindvel a interveno do IBAMA nos licenciamentos e estudos prvios relativos a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de mbito nacional ou regional, que afetarem terras indgenas ou bem de domnio da Unio (artigo 10, caput e 4, da Lei n 6.938/81 c/c artigo 4, I, da Resoluo n 237/97 do CONAMA) (grifos do autor).

Uma parcela minoritria da doutrina, com percucincia, defende a prevalncia do critrio da dominialidade do bem sobre o qual incidir diretamente a poluio para definir a competncia para o licenciamento ambiental, a exemplo de Benjamin (1999, p. 86),ibis idem:

Nesse ponto, a Resoluo CONAMA n 237/97 , no mnimo, incompleta, pois, na repartio das competncias licenciatrias ambientais que fez, diz muito menos do que exige a Constituio Federal. Alm das hipteses de licenciamento federal expressamente listadas no ato regulamentar do CONAMA, cabe ao IBAMA, evidentemente, licenciar projetos em que a Unio seja especialmente interessada, o que ocorre quando:

a) assim determina o ordenamento, expressando uma valorao direta de interesse federal;

b) de seu domnio o bem imediato potencialmente afetado; ou ainda,

c) por estar a Unio obrigada a fiscalizar o bem ambiental potencialmente afetvel.

Em 21 de outubro de 2002 foi exarado o Parecer 1.206, da lavra da Procuradoria Geral do IBAMA, atravs do seu ento Procurador-Geral, Dr. Vicente Gomes da Silva, ulteriormente homologado pela Presidncia do IBAMA, pacificando a questo do alcance da competncia do IBAMA para promover o licenciamento ambiental, no mbito da Autarquia Federal, tendo em vista o carter vinculante dos pareceres normativos.

Assim sendo, aps se escorar em algumas decises judiciais e na doutrina de Antnio Herman de Benjamim e Flvio Dino de Castro estabeleceu-se a competncia do IBAMA para licenciar atividades que afetassem bens da Unio, de suas autarquias, empresas pblicas e sociedades de economia mista, alm daquelas que pudessem causar impacto nacional ou regional, em unidades de conservao federal, previstas em legislao especfica, em carter supletivo, de impacto ambiental transfronteirio, ligadas a material radioativo e dentro de bases militares.

Demais disso, o mencionado ato salientou a possibilidade de delegao de competncia pelo IBAMA aos Estados ou Municpios, como forma, inclusive, de fazer respeitar manifestao do TCU, na Tomada de Contas 008.409/92-7, a teor do artigo 13, da Lei 9.784/99, alm de atuaes a serem providenciadas com o propsito da aprovao do anteprojeto de lei complementar para regulamentar a matria, proposto pela PROGE-IBAMA.

Entretanto, em 04 de setembro de 2004, foi editado o Parecer 312/CONJUR/MMA, subscrito pelo Dr. Gustavo Trindade, que modificou sobremaneira o tema no mbito federal, alterando todo o posicionamento do IBAMA, que foi compelido a rever sua anterior manifestao.

Deveras, passou a prevalecer que, aps verificada a legislao incidente sobre o tema, poderia se afirmar que a competncia dos integrantes do SISNAMA para realizar o licenciamento ambiental teria como fundamento o impacto ambiental do empreendimento ou atividade, sendo que em nenhum momento a legislao ambiental brasileira atrelaria a competncia para a realizao do licenciamento ambiental dominialidade do bem afetado.

Portanto, conforme definiu o Ministrio do Meio Ambiente, o instituto do licenciamento ambiental se vincularia aointeresse pblico e no titularidade do bem, mesmo porque, segundo opinio quase unnime dos mais significativos administrativistas, para fazer valer sua condio de proprietrio, seria necessrio que o ente estatal desafetasse o bem da finalidade pblica.

Assim, no haveria qualquer contradio entre o regime constitucional dos bens da Unio e dos entes integrantes da Administrao Pblica Indireta federal e o fato do licenciamento estadual, dada preponderncia do interesse pblico sobre o direito de propriedade do patrimnio da Nao. Ainda, porque a preservao do meio ambiente seria competncia atribuda a todas as esferas de governo (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios).

Logo, ainda segundo o MMA, no sendo a competncia ambiental privativa da Unio, quer seja para legislar, quer seja para fazer a gesto dos recursos ambientais, no haveria justificativa jurdica para restringir as atividades dos Estados neste campo, alm das restries j estabelecidas na lei de regncia da matria. No poderia o intrprete distinguir o que a lei no distingue.

Eis as concluses de Trindade (2004. p. 20-21),

a) o meio ambiente bem de uso comum do povo, no sendo de propriedade da Unio, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municpios. A preservao do meio ambiente interessa a toda a coletividade, no apenas s entidades polticas;

b) o licenciamento ambiental um procedimento de controle prvio das atividades potencialmente causadoras de impacto sobre o meio ambiente. Desta feita, o licenciamento ambiental no concede o direito explorao de bens de titularidade do Poder Pblico;

c) cabe ao Poder Pblico no ato da concesso do direito de explorar bens de titularidade zelar seu domnio. A concesso/permisso de tal uso de bem do Poder Pblico no autoriza o cessionrio a violentar as leis que preservam a natureza.

d) a titularidade do bem afetado pela atividade ou empreendimento no define a competncia do membro do SISNAMA para realizao do licenciamento ambiental. Tal critrio contraria o art. 10 da Lei n 6.938/81 e as disposies do CONAMA sobre o tema;

e) o critrio para definio do membro do SISNAMA competente para a realizao do licenciamento ambiental deve ser fundado no alcance dos impactos ambientais da atividade ou empreendimento, conforme o regrado pela Resoluo CONAMA n 237/97.

Lamentavelmente, o artigo 7, da Resoluo CONAMA 237/97 veda o licenciamento mltiplo, ou seja, feito por mais de um ente ambiental de diferentes esferas. Contudo, em razo da competncia administrativa comum para licenciar empreendimentos impactantes, nada impede o simultneo procedimento por mais de um rgo integrante do SISNAMA, motivo pelo qual flagrantemente inconstitucional o artigo 7, da Resoluo CONAMA 237/97, pois invadiu matria afetada a lei complementar, nico instrumento legal apto a disciplinar a cooperao entre os entes polticos, luz do pargrafo nico, do artigo 23, da Constituio Federal.

No outra a lio de Milar (2005. p. 542), para quem exsurgeda a eiva de inconstitucionalidade da Resoluo CONAMA 237/97, que, a pretexto de estabelecer critrios para o exerccio da competncia a que se refere o art. 10 da Lei 6938/81 e conferir o licenciamento a um nico nvel de competncia, acabou enveredando por seara que no lhe respeito, usurpando Constituio competncia que esta atribui aos entes federados.

Na mesma linha, obtempera Machado (2003. p. 260):

A lei federal ordinria no pode retirar dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios poderes que constitucionalmente lhes so atribudos. Assim, de se entender que o art. 10 da Lei 6.938/81 (Lei de Poltica Nacional do Meio Ambiente) no estabeleceu licenas ambientais exclusivas do IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renovveis, porque somente uma lei complementar poderia faz-lo (art. 23, pargrafo nico, da CF); e nem a resoluo CONAMA 237/1997 poderia estabelecer um licenciamento nico.Enquanto no se elaborar essa lei complementar estabelecendo normas para cooperao entre essas pessoas jurdicas, vlido sustentar que todas elas, ao mesmo tempo, tm competncia e interesse de intervir nos licenciamentos ambientais.No federalismo, a Constituio Federal, mais do que nunca, a fonte das competncias, pois caso contrrio a cooperao entre os rgos federados acabaria esfacelada, prevalecendo o mais forte ou o mais estruturado politicamente (grifos do autor).

Com propriedade, deveria a Resoluo CONAMA 237/97 instituir apenas normas e critrios para o licenciamento, e no atribuir competncia para os entes federativos promoverem o licenciamento.

Mas a citada vedao no o vem impedindo. Com propriedade, digno de um verdadeiro federalismo de cooperao foi o MLTIPLO LICENCIAMENTO AMBIENTAL (feito por mais de um rgo do SISNAMA em conjunto), admitido pelo Superior Tribunal de Justia, no Recurso Especial 588.022/SC-2004, onde se asseverou que existem atividades e obras que tero importncia ao mesmo tempo para a Nao e para os Estados e, nesse caso, pode at haver duplicidade de licenciamento.

Outro caso pioneiro digno de nota foi o licenciamento nico perpetrado para o Rodoanel Mrio Covas (popular minhoco), fruto de termo de ajustamento de conduta homologado judicialmente, com a participao simultnea do IBAMA, do Estado de So Paulo e do Municpio de So Paulo, em perfeita harmonia constitucional.

Eis as premissas estabelecidas pelo acordo homologado judicialmente, atravs do2003.61.00.025724-4, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1 Regio:

1) tpico a - o processo de licenciamento da obra referente ao Rodoanel Trechos Norte, Sul e Leste ser efetuado junto ao rgo seccional do SISNAMA (Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo), em nvel nico de competncia.

2) tpico b - o IBAMA ir acompanhar e participar do processo de licenciamento ambiental nico, analisando e manifestando-se de forma vinculativa, no bojo do procedimento, quanto aos aspectos de avaliao de impactos ambientais diretamente relacionados aos seguintes temas: Reserva da Biosfera do Cinturo Verde da Cidade de So Paulo, Ecossistema Mata Atlntica e reas Indgenas Barragem-Krukutu.

3) tpico c - no que pertine ao Anexo I, que se refere aos aspectos tcnicos e procedimentais a serem observados no licenciamento ambiental:

3.1) item I - o IBAMA dever considerar para fins de anlise do EIA/RIMA, o Plano de Trabalho elaborado, incluindo-se a Avaliao Ambiental Estratgica, documento essencial anlise do conjunto dos impactos ocasionados pelo empreendimento.

3.2) item III - previso da participao de profissionais habilitados, indicados por representantes da sociedade civil, universidades e tcnicos do Ministrio Pblico Estadual e do Ministrio Pblico Federal e das Prefeituras interessadas, para as reunies tcnicas com vistas ao debate das questes atinentes induo e ocupao da rea de mananciais decorrentes da implantao do Rodoanel.

3.3) item IV - possibilidade do IBAMA determinar complementaes ao Termo de Referncia, em vista do resultado das reunies tcnicas e das audincias pblicas realizadas.

3.4) item VIII - convocao de duas audincias pblicas, com a participao do IBAMA, a serem realizadas na cidade de So Paulo, preferencialmente na zona sul, eem So Bernardodo Campo, com objetivo de dar conhecimento pblico dos estudos realizados.

3.5) item X - vinculao dos rgos estaduais partcipes do licenciamento s deliberaes do IBAMA.

3.6) incluso do item XI - participao do IBAMA nos momentos seguintes concesso da licena prvia, ou seja, na fase de licena de instalao e na licena de operao, bem como no licenciamento dos demais trechos do Rodoanel (Trechos Leste e Norte).

Contudo,h de se ponderar que,ante a realidade do Brasil, a possibilidade do licenciamento mltiplo poder ultrapassar os lindes da razoabilidade prtica, diante da carncia de estrutura dos entes licenciadores, ao menos em sua esmagadora maioria, fato que assusta os empreendedores, que j se encontram perplexos com o lento trmite de um nico procedimento.

Em minha opinio, o critrio da dominialidade do bem ESPECIAL, enquanto do critrio da dimenso do dano GERAL. No todo empreendimento que possa causar degradao ambiental que poder afetar bem pblico municipal, estadual, distrital ou federal, mas, ao revs, sempre haver uma exteriorizao do dano, que poder se limitar aos lindes territoriais municipais, estaduais ou regionais.

Assim,entendo que sempre que a atividade licencianda puder afetar diretamente bem pblico, dever prevalecer o critrio especial, o da dominialidade do bem. Nos demais casos, incidir o critrio geral, o da extenso do dano.

Contudo, o mais importante ser a edio da lei complementar para conferir segurana jurdica ao tema, independentemente do critrio principal a ser adotado, porquanto no possvel que o pas conviva com a indefinio de competncia para o licenciamento ambiental, pressuposto indispensvel ao bom planejamento na rea.

REFERNCIAS:

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade.Direito Ambiental Sistematizado, 1. Ed. So Paulo, Mtodo. 2009.

ANTUNES, Paulo Bessa.Direito ambiental, Rio de Janeiro: Lumen Iures, 2005.

______.Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Iures, 2008.

ARAJO, Ubiracy. A repartio constitucional de competncias em matria ambiental. Braslia, 1997. Disponvel em: . . Acesso em: 15 de novembro de 2006.

BENJAMIN, Antnio Herman, Introduo ao direito ambiental brasileiro. In: III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL. Braslia. Anais... Braslia, 1999.

DASHEFSKY, H. Steven.Dicionrio de cincia ambiental. 3. ed. So paulo: Gaia, 2006.

FINK, Daniel, Aspectos jurdicos do licenciamento ambiental. So Paulo: Forense, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco.Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2008.

FREITAS, Vladimir Passos de, A Constituio Federal e a efetividade das normas ambientais. So Paulo:Revista dos Tribuanis, 1993.

MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro. So Paulo; Malheiros, 2003.

MILAR, Edis.Direito do ambiente. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MIRRA, lvaro, Ao civil pblica e a reparao do dano ao meio ambiente. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

MORAES, Lus Carlos Silva de.Cdigo florestal comentado. So Paulo: Atlas, 2002.

ROCHA, Ibraim Jos das Mercs, rgo ambiental competente para licenciamento de obra localizada nas margens de rio federal. Disponvel em: . . Acesso em: 05 de novembro de 2006.

SILVA, Jos Afonso da.Direito constitucional ambiental. So Paulo: Malheiros, 2002.

SILVA, Vicente Gomes da. Parecer 1206/02 PROGE/IBAMA. Disponvel em: . Acesso em: 01 de novembro de 2006.

TRINDADE, Gustavo. Parecer 312/CONJUR/MMA/2004. Disponvel em

. Acesso em: 01 de novembro de 2006.

[1]Artigo publicado na Revista da AGU Representao da Bahia 1 edio.