OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · A escolha de Charges e tirinhas se deu...
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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
CHARGE E TIRINHA: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA DE IMAGENS EM
SALA DE AULA NO ENSINO MÉDIO
Dalmira Inês Bernardi1
Prof. Dr. Ubirajara Inácio de Araújo2
RESUMO
Para que ocorra uma mudança na aprendizagem, é necessário que as atividades sejam significativas para o aluno e que este perceba sua importância, compreendendo e interagindo com o meio em que vive. Este artigo tem como objetivo fazer um relato da proposta de estudo apresentada no PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), que parte da implementação de um projeto que tem como base atividades com leitura de imagens, buscando abrir novas possibilidades de instigar e provocar o aluno a desenvolver e ampliar a leitura de mundo e, consequentemente, compreendê-lo melhor. Por meio da teoria do discurso e da semiótica, as atividades buscaram promover a leitura e interpretação de charges e tirinhas, com ênfase na construção dos sentidos do texto, considerando-se as condições de produção do discurso. Neste projeto foram ofertadas três oficinas para professores da área de Língua Portuguesa, com leitura e discussão de conceitos básicos de semiótica, linguagem, gêneros textuais e discurso e, também, as características de charges e tirinhas, e uma oficina no laboratório de informática com acesso a sites nos quais os participantes pudessem criar suas próprias tirinhas ou charges. Também foram analisadas diversas tiras e charges, de acordo com um roteiro. O resultado das oficinas foi a elaboração de uma unidade didática para aplicação em sala de aula. Também se abordam neste artigo as atividades realizadas no GTR (Grupo de Trabalho em Rede), da Secretaria Estadual de Educação do Paraná. Tanto a implementação do projeto realizada no Colégio Paulo Leminski, em Curitiba–PR, quanto o GTR, mostraram que ainda há grande dificuldade em realizar propostas ligadas à leitura em sala de aula e que os textos imagéticos são uma boa opção para mudar essa realidade.
Palavras-chave: 1.Leitura; 2. Gêneros textuais; 3. Charge; 4. Tirinha.
1 Formada em Letras pela UNIOESTE. Especialista em Interdisciplinaridade na Escola e Gestão do Trabalho Pedagógico: Orientação e Supervisão Escolar. Professora da Rede Estadual do Ensino do Paraná, atuando no Colégio Estadual Paulo Leminski, em Curitiba. 2 Mestre e Doutor em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de Metodologia e Prática de Docência de Língua Portuguesa do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Introdução
As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná apontam que as
práticas em sala de aula de língua Portuguesa devem desenvolver estratégias
diferenciadas que oportunizem uma intervenção pedagógica facilitadora do
aprendizado, buscando formar no aluno uma postura crítica diante de seu
contexto social (PARANÁ, 2008).
Atividades com leitura de imagens em sala de aula abrem
possibilidades de levar o aluno a desenvolver e ampliar a leitura de mundo e,
consequentemente, melhor compreendê-lo. Essa premissa contribuiu para
definir o objeto deste estudo: trabalhar a leitura dos gêneros charge e tirinha,
veiculados nos diversos meios de comunicação (mídia eletrônica, jornais,
revistas, etc.), com o intuito de identificar as possibilidades de trabalho para a
formação do leitor com os textos imagéticos que circulam socialmente.
A escolha de Charges e tirinhas se deu considerando-se que a
sociedade vive uma era imagética, com crescente número de diferentes
suportes (jornais, revistas, emissoras de televisão, entre outros veículos de
comunicação), que exploram esses gêneros textuais, que se constituem em
gêneros que trabalham com práticas socioculturais do tempo presente, o que
os configura como instrumentos de entendimento do momento histórico e
crítica à realidade social e política contemporânea.
O desinteresse dos alunos pela leitura tem sido tema amplamente
discutido e destacado nos meios acadêmicos e educacionais em geral, no que
se refere ao ensino de língua portuguesa, justificando assim uma proposta de
estudo que leve em consideração a importância da leitura na sociedade atual e
na escola como espaço privilegiado dessa atividade. Considerando a ideia de
que há deficiências no ato de ler, surge a seguinte questão norteadora: Como
desenvolver um trabalho de leitura em sala de aula tendo como objeto as
charges e tirinhas, de modo a gerar questionamentos e levar a reflexões que
concorram para ampliar a leitura de mundo dos alunos?
Partindo desta questão, estabeleceu-se como objetivo implementar um
projeto que possibilitasse discutir e desenvolver com professores de língua
portuguesa atividades de leitura com gêneros textuais, cuja construção se
fundamente na utilização de imagens, tendo como objeto charges e tirinhas.
Para tanto, foram realizadas oficinas presenciais, estudos individuais,
elaboração de atividades/materiais, aplicação das atividades em sala de aula
com os alunos e, por último, divulgação dos resultados para a comunidade
escolar por meio de um mural.
Para fundamentar o estudo optou-se por seguir a teoria enunciativo-
discursiva de Greimas (1975), Bakhtin (1997-2002) e Marcuschi (2005),
principalmente, entre outros, que deram o devido suporte teórico necessário
para atender ao disposto nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do
Estado do Paraná.
O desenvolvimento deste artigo apresenta-se da seguinte forma:
- Aspectos históricos e conceituais da teria semiótica.
- Estratégias de ação e metodologia da pesquisa.
- Relato da implementação ocorrida na escola por meio de oficinas
diversificadas e comentários sobre o desenvolvimento dessas oficinas.
- Resultados obtidos não apenas da implementação na escola, mas
também da participação de professores no GTR (Grupo de Trabalho em Rede),
realizado no segundo semestre de 2015.
1. Fundamentação Teórica
A definição de Semiótica é uma tarefa complexa devido à significativa
parcela de seus seguidores que, mesmo mantendo o “núcleo” semiótico,
alguns deles, a exemplo de Greimas, acrescentaram à teoria características de
acordo com sua própria visão de semiótica.
O termo semiótica remete a várias definições, tais como “a Semiótica é
a ciência dos signos” (SANTAELLA, 2007, p. 7), mas o conceito relevante para
este projeto traz que “a teoria semiótica deve apresentar-se inicialmente como
o que ela é, ou seja, uma teoria da significação” (GREIMAS e COURTÉS,
2008, p. 455).
Neste estudo, interessa a segunda definição, visto que sua base
teórica é a semiótica greimasiana, cujas raízes encontram-se na teoria da
linguagem, que concebe a língua como instituição social, que tem por objeto a
significação (SANTAELLA, 2007; NÖTH, 2004; BERTRAND, 2003).
Conforme acrescenta Bertrand (2003), essa concepção de semiótica
não se preocupa em descrever o signo e sim, a significação. Busca
compreender as estruturas significantes, modeladoras do discurso social e
individual. Seu foco, portanto, é a significação manifestada por meio de textos,
nos quais busca explicar “o que o texto diz” e “como o diz” (BARROS, 2005, p.
6).
À semiótica, assim, cabe dar conta do significado, no sentido amplo,
tendo em vista que o plano da manifestação no processo discursivo, que reúne
uma expressão e um conteúdo, não poderia constituir lugar satisfatório de
análise sem que se tomasse significado e significante, tal como na análise
linguística, e se ultrapassasse esse nível para analisar as unidades mais
profundas e menores de cada um desses planos, para a reconstrução do
sentido nesse processo enunciativo (GREIMAS, 1975, p. 147).
Destaca-se, do exposto, que conteúdo e expressão, embora
interdependentes, apresentam-se como planos de significação específicos. O
plano do conteúdo é estudado por meio de um percurso gerativo de sentido,
enquanto o plano de expressão se constrói de acordo com as singularidades
de cada texto (oral, verbal, icônica, entre outras). Salienta-se, assim, que para
a linha teórica greimasiana, a semiótica é uma teoria da significação à qual
interessa “analisar os mecanismos de produção de sentido partindo de um
percurso gerativo do sentido” (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p. 448-456).
O Percurso Gerativo de Sentido conta com a participação do
enunciador (quem produz), enunciado (o texto, ou mensagem), enunciatário
(leitor) que constituem o plano de expressão, advindo da enunciação. Quanto
ao plano de conteúdo, constitui-se na compreensão de todos os elementos
produzindo o sentido, gerando o significado do enunciado. Da fusão desses
dois planos, o da expressão e o do conteúdo, decorre o sentido (FLOCH,
2001).
No plano do conteúdo, que se constitui com o percurso gerativo de
sentido, encontra-se o significado do texto, e se concretiza por meio do plano
da expressão, “no qual se manifesta a figuratividade da geração de sentido
descrita pelo percurso gerativo, investida de valor desde o nível fundamental”
(PIETROFORTE, 2007, p. 1).
Do exposto, entende-se que, segundo a linha greimasiana, qualquer
sistema semiótico, ao possuir forma (expressão), conteúdo, um contexto de
produção e um objetivo, é um texto, o que permite deduzir que a semiótica,
segundo Greimas (1975), tem o texto como objeto, procurando descrever e
explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz (BARROS, 2005).
O Plano de expressão e o plano de conteúdo mostram-se, dessa
forma, duas dimensões indissociáveis do enunciado. Complementando esse
entendimento: “[...] Entende-se como plano de conteúdo o que o texto diz e
como faz para significar aquilo que diz, e o plano de expressão é compreendido
como o texto se manifesta, seja de forma verbal, não verbal ou sincrético”
(PIETROFORTE, 2007, p.11).
A primeira etapa do percurso gerativo de sentido – a mais simples e
abstrata – corresponde ao nível fundamental (ou das estruturas fundamentais)
e nele surge a significação como oposição à semântica mínima. O segundo
nível é o narrativo ou das estruturas da narrativa, que se organiza do ponto de
vista de um sujeito. O terceiro nível é o do discurso ou das estruturas
discursivas em que a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação
(PIETROFORTE, 2007).
Partindo do então exposto, a semiótica mostra-se uma teoria que
utilizada na análise do discurso, acena com possibilidades de percorrer
caminhos que levam aos sentidos “implícitos” do texto. Sendo assim, fornece
instrumentos para se perceber as intenções do enunciador e como foram
projetadas por ele no texto.
Entende-se que, por meio da interação, o emissor procura levar o
enunciatário a acreditar na “verdade” por ele expressa. Em outros termos,
busca agir sobre o receptor e seduzi-lo. Nesse sentido, é relevante o percurso
gerativo da enunciação, ou seja, o sentido gerado no desempenho e não na
competência do falante.
Em Bakthin, o princípio do dialogismo destaca-se como basilar no
funcionamento da linguagem, conforme se pode observar, quando afirma: “A
verdadeira substância da língua [...] é constituída pelo fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua” (BAKHTIN,
1999, p. 123).
Essa concepção dialógica da linguagem também se torna evidente,
considerando-se que “a alteridade define o ser humano, pois o outro é
indispensável para sua concepção: é impossível pensar no homem fora das
relações que o ligam ao outro” (BAKTHIN, 2002, p. 35). Ainda conforme o
autor, a língua é constituída pelo fenômeno social da comunicação discursiva
concreta e está presente na vida cotidiana, o que possibilita entender que
discurso e língua percorrem caminhos paralelos, sendo, portanto,
indissociáveis. Dessa forma, a enunciação, na perspectiva bakthiniana, é vista
como "uma resposta a alguma coisa e é constituída como tal. Não passa de um
elo na cadeia dos atos de fala” (BAKHTIN, 2002, p. 98).
Nessa perspectiva teórica, as atividades humanas, independentemente
de sua diversidade, relacionam-se ao uso da língua, que se concretiza nos
enunciados (orais ou escritos, concretos e únicos) (BAKTHIN, 2002).
O enunciado, conforme o Bakthin, reflete as condições específicas e as
finalidades de diferentes esferas humanas, visto que a real substância da
língua se constitui na interação verbal que se realiza na enunciação. O autor
aponta que linguagem e sujeito estão interligados, e sendo assim, a linguagem
se constitui “no produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra
serve de expressão a um em relação ao outro” (BAKHTIN, 2002, p. 113).
O sentido de um enunciado, portanto, constrói-se pelas vozes
representantes das diferentes esferas sociais. Essa concepção constitui e
reforça a teoria dialógica do discurso, que tem sido utilizada por vários estudos,
que a ela creditam possibilitar a compreensão da linguagem em uma dimensão
discursiva.
Tendo em vista a proposta delineada em trabalhar os gêneros charge e
tirinha em sala de aula, é pertinente entender o conceito de gênero textual, cuja
concepção, no decorrer do século XX, fundamentado na visão bakthiniana,
passou a referir-se à totalidade dos textos que circulam socialmente.
Relevante também uma reflexão sobre conceitos considerados
basilares para a compreensão de gênero e discurso, na concepção
bakhtiniana, o que envolve língua, discurso, texto, dialogismo e sujeito, visto
que, conforme já colocado, para Bakhtin (2002), além de linguagem e sujeito se
implicarem mutuamente, estão interligados e estabelecem uma relação de
dependência mútua.
Bakhtin (2002) define gênero como "tipos relativamente estáveis de
enunciados" elaborados pelas diferentes esferas de utilização da língua,
constituídos por três elementos básicos: conteúdo temático, estilo e forma
composicional.
Nessa perspectiva, as ações sociais efetivadas por meio da linguagem
caracterizam o enunciado em um sistema organizacional de práticas de
linguagem sócio-historicamente situadas e reconhecidas de acordo com a
esfera de comunicação e sua intenção comunicativa.
Os gêneros textuais são, assim, compreendidos como todos os textos
encontrados no cotidiano social e que “apresentam padrões
sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais,
objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de
forças históricas, sociais, institucionais e técnicas” (MARCUSCHI, 2005, p. 64).
Essa ótica abrange não apenas os textos prestigiados na esfera
literária (poema, romance e conto), mas também artigos científicos, notícias,
reportagem, charge, entre muitos outros, que apresentam determinadas
características relativamente estáveis, que permitem identificá-los como
pertencentes a um gênero específico. Nesse entendimento, todos os textos, de
qualquer modalidade, pertencem a um determinado gênero.
Conforme assinala Marcuschi (2005, p. 23), “são todos os textos
materializados, encontrados no cotidiano, são inúmeros e apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estudo e composição característica”.
Sobre a questão dos gêneros, vale recuperar o pensamento de
Bakhtin, ao afirmar que a utilização da língua “[...] reflete as condições
específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas da atividade humana,
não só [...] pela seleção operada nos recursos da língua [...], mas sobretudo,
por sua construção composicional” (BAKHTIN, 2002, p.279).
Esses três elementos (conteúdo temático, estilo e construção
composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos
eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação
(BAKHTIN, 2002, p. 279).
Os gêneros textuais são, assim, “formas verbais de ação social
relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de
práticas sociais e em domínios discursivos específicos.” (MARCUSCHI, 2005,
p. 25).
Nessa perspectiva, entendendo, segundo a visão bakthiniana, que a
comunicação humana acontece por meio do gênero textual, o trabalho com os
gêneros textuais nas escolas mostra-se uma estratégia que pode oportunizar
desenvolver um projeto que vem atender a já apontada necessidade de ampliar
o universo leitor dos envolvidos, por configurar-se como “tipos relativamente
estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2002, p. 262), possibilitando organizar
atividades e pessoas.
Relevante em Bakthin é que todos os textos produzidos, orais ou
escritos, trazem em si um conjunto de características estáveis que configuram
diferentes tipos ou gêneros textuais que podem ser identificados por três
aspectos básicos que coexistem entre si: o assunto, a estrutura e o estilo
(BAKTHIN, 2002).
Dessa forma, os gêneros textuais vinculam-se à vida social por meio
das interações comunicativas e, sendo assim, são relevantes no sentido de
contribuir para integrar o indivíduo a seu contexto sócio-histórico, visto que
configuram uma prática social.
Nessa perspectiva, a realização de um trabalho com os gêneros,
considerando essas premissas, implica observar os aspectos sociais, culturais
e políticos constitutivos do gênero a ser trabalhado (SILVA, 2008).
Conforme as ideias bakthinianas, a vida social, nos mais diversos
campos da atividade humana, é totalmente permeada pela linguagem, o que dá
a dimensão de seu papel na formação da sociedade, o que se concretiza por
meio da interação, envolvendo, assim, tempo, espaço, participantes, finalidade
discursiva e o suporte midiático. Cada esfera social, segundo o estudioso,
produz seus próprios gêneros. Ou, conforme o próprio autor:
“Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua”. (BAKTHIN, 2002, p. 261).
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e
escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele
campo da atividade humana (BAKTHIN, 2002, p. 261).
Considerando que a linguagem humana surge da interação dialética
entre o homem e seu meio sócio-cultural (BAKTHIN, 1999), concebe-se essa
teoria relevante, uma vez que essa perspectiva teórica possibilita dar conta dos
vários níveis de leitura de um texto.
Com base nas considerações apresentadas, este estudo aborda os
mecanismos de construção do sentido nos gêneros textuais charge e tirinha,
examinados para além da aparência.
Os gêneros textuais foram escolhidos para serem trabalhados em sala
de aula devido, principalmente, à diversidade de linguagens que apresentam, o
que oportuniza ampliar o trabalho com a leitura.
É preciso, então, apontar as características desses gêneros, bem como
as possibilidades que oferecem para o desenvolvimento de um trabalho com
leitura em sala de aula.
Distinguir os dois gêneros, conforme aponta Mendonça (2005), é
complexo mesmo para os profissionais da área.
Já Moretti (2001) considera que a diferença básica entre os dois
gêneros reside no fato de uma charge transmitir inteiramente uma mensagem
em um só quadro, enquanto a tirinha necessita de vários quadros para contar
uma história. A charge procura um assunto atual e vai direto ao ponto onde
estão focadas a atenção e o interesse do leitor.
Já a tirinha constitui-se uma narrativa exposta em poucos quadros
(RABAÇA; BARBOSA, 2011). Em outros termos, a charge exprime ideias e
opiniões por meio de uma imagem, enquanto a tirinha utiliza uma sucessão
obrigatória de quadrinhos para contar a história.
Para Romualdo (2000), a charge configura-se em um texto visual e
humorístico, de crítica a um personagem ou a um fato social ou político, com
limitação temporal, o que significa que, por alimentar-se da notícia, da
novidade, tem prazo de validade de curta duração, dependente do tempo em
que ficou em destaque.
A charge, assim entendida, é um gênero que tem como foco as
práticas socioculturais imediatas que, em sua forma atual, mantêm vivas as
tradições históricas de se apropriar de diferentes linguagens: a pictórica e a
teatral.
O humor presente na charge se dá pelo traço exagerado e fatos
sintetizados, que visam tecer uma crítica à realidade social e política,
influenciando, assim, a opinião do leitor.
Dessa forma, ao estabelecer uma espécie de cumplicidade cotidiana
entre autor e leitor, em um mesmo contexto social, fornece as bases para a
compreensão (BRESSANIN, 2014).
Conforme já apontado, a charge está em constante comunicação com
novos fatos sociais e políticos, o que a caracteriza como uma narrativa efêmera
(ROMUALDO, 2000). Ou seja, o desconhecimento ou a falta de uma
explicação do fato que a gerou limita ou impede sua compreensão. Ainda
conforme assinala o autor, outro aspecto importante é que, na “construção
interna da charge, o autor informa e também opina sobre um tema,
parafraseando-o ou parodiando-o por meio da representação de um ”mundo às
avessas”, satirizado pela própria inversão de valores sociais, oferecendo ao
interlocutor uma visão crítica da realidade” (ROMUALDO, 2000, p. 50).
No que se refere às tirinhas, aponta Ramos (2009) que elas pertencem
ao gênero quadrinhos, que agrega outros gêneros como os cartuns, as
charges, as tiras cômicas, com características e elementos linguísticos
próprios, nos quais a presença do humor é a principal característica, o que se
concretiza mediante a exploração de estratégias específicas, como a quebra da
expectativa, no caso das tiras, que consiste em um final inesperado.
Para Silva (2002 apud MENDONÇA, 2005, p. 45), a relação
entretenimento e crítica estão presentes nesses gêneros. E o humor e o
divertimento associados às personagens criticam fortemente os mais diversos
aspectos da realidade social. Relevante do contexto é que tanto as tirinhas
como as charges são formas gráficas que, em sua construção, apresentam
influências sócio-históricas e ideológicas.
Nas tirinhas, os conflitos e as frustrações da vida humana são
ingredientes fundamentais para a construção das histórias e das personagens
(BORGES & MOURA, 2005), enquanto nas charges, a principal característica é
o aspecto temporal e, conforme Silva (2008), possui a capacidade de
reproduzir a realidade, necessitando, portanto, para estabelecer uma
comunicação com leitor, do conhecimento de outros textos e contextos para
que a mensagem seja devidamente compreendida.
Sendo assim, para proceder à leitura eficiente de charges e tirinhas
com seus alunos, os professores devem estar bem informados sobre as
questões e fatos políticos e sociais de sua época, requisitos indispensáveis
para uma adequada relação dos textos verbo-visuais com outros textos, pois a
intertextualidade é uma característica inerente às charges e tirinhas (BORGES
e MOURA, 2005).
A escolha de tirinhas e de charges deve-se ao fato de unirem a
linguagem verbal e a não-verbal, abordando temas do cotidiano, com
exploração do humor e da crítica, pois seu entendimento implica conhecimento
de mundo por parte do aluno, para ampliar as possibilidades de formação e
desenvolvimento do aluno leitor.
Dessa forma, as atividades com a leitura desses gêneros textuais
podem contribuir para o ensino da língua materna, ao motivar para a leitura e,
por extensão, promover o desenvolvimento do pensamento crítico e melhor
compreensão das informações presentes no cotidiano.
2. Procedimentos Metodológicos
Este estudo foi realizado utilizando-se pesquisa bibliográfica e pesquisa
de campo com método qualitativo e abordagem descritiva/comparativa.
Gil (2002, p. 18) aponta que uma pesquisa, quanto aos seus
procedimentos técnicos, quando bibliográfica, é desenvolvida com base em
material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
A abordagem descritiva tem como objetivo primordial a descrição das
características de determinadas populações ou fenômenos. Uma de suas
características está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados,
tais como o questionário e a observação sistemática.
A abordagem comparativa consiste em investigar fenômenos ou fatos e
explicá-los segundo suas semelhanças e suas diferenças. Esse método é de
grande valia e sua aplicação se presta nas diversas áreas das ciências,
principalmente nas ciências sociais. Essa utilização deve-se pela possibilidade
que o estudo oferece de trabalhar com grandes grupamentos humanos em
universos populacionais diferentes e até distanciados pelo espaço geográfico
(FACHIN, 2001, p.37).
A proposta deste estudo foi desenvolvida durante o Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE-2014) do Estado do Paraná, sendo
elaborada em forma de oficinas, desenvolvidas com 05 (cinco) professores de
Língua Portuguesa do Colégio Estadual Paulo Leminski e 10 (dez) cursistas do
GTR.
Os instrumentos utilizados para o desenvolvimento deste estudo são
pesquisas bibliográficas e a observação de oficinas pedagógicas estruturadas.
As oficinas tiveram como tema a leitura de imagens, com ênfase nos
gêneros charges e tirinhas, para a formação do professor-leitor, e foram
fundamentadas na teoria semiótica, propondo discutir e desenvolver com
professores de língua portuguesa atividades de leitura com gêneros textuais
cuja construção se fundamente na utilização de imagens.
Partindo do princípio de que se comunicar oralmente ou por escrito
pode e deve ser ensinado sistemática e progressivamente, seguindo uma
sequência didática organizada de forma a melhorar uma determinada prática
de linguagem (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004), elaborou-se uma
estratégia de ação, adaptada de Schneuwly e Dolz (2004), Vargas e
Magalhães (2011) e Bressanin (2014), cujos passos se apresentam a seguir:
1. Apresentação do tema.
2. Atividade preparatória.
3. Leitura e reflexão sobre os gêneros em foco.
4. Leitura de charges e tiras.
5. Proposta de leitura de charges e tirinhas em jornais.
6. Discussão e reflexão.
7. Praticando a Leitura detalhada dos gêneros.
8. Desenvolvendo o posicionamento crítico e a produção de novos
sentidos.
9. Socializar os textos produzidos.
10. Produzir um mural.
3. Resultados
A proposta de implementação do projeto de intervenção pedagógica
para o Colégio Estadual Paulo Leminski iniciou-se em fevereiro, na semana
pedagógica. A receptividade por parte dos docentes foi boa, pois o assunto
abordado é de extrema relevância para todos, principalmente por se tratar de
leitura imagética, envolvendo charges e tirinhas, as quais se baseiam,
geralmente, em assuntos da atualidade. Devido à greve estadual dos
professores, não foi possível dar sequência ao projeto de implementação.
No retorno à escola, em março, o cronograma foi reorganizado e
realizou-se a primeira reunião na qual foi discutida a base do trabalho: a
importância da leitura e interpretação de imagens e constatou-se, por meio de
reflexão e troca de experiências, que a grande dificuldade está em acompanhar
os fatos que ocorrem no dia a dia.
A primeira oficina foi realizada no mês de março. Esta oficina centrou-
se nas questões teóricas como conceitos de semiótica, gêneros do discurso e
linguagem, definições e características de charges e tirinhas. Foram realizadas
análises coletivas de charges e tirinhas como exercícios de construção de
conhecimento teórico e troca de informações e observações que cada um fez
no texto estudado. A grande dificuldade encontrada foi em relação à teoria
semiótica, pois os professores ainda não conheciam esses conceitos dentro da
teoria de Greimas.
Na segunda oficina, realizada no mês de Abril, foram mostradas
algumas charges e tirinhas e foi proposta uma análise. Em seguida, foi
trabalhado com o material já coletado na pesquisa e jornais e revistas que
contenham os gêneros solicitados. Em pequenos grupos, foram analisadas as
tirinhas e charges e depois apresentaram para o grande grupo. A grande
dificuldade foi, novamente, a falta de informações sobre os acontecimentos
diários.
A terceira oficina aconteceu no mês de abril, no Laboratório de
Informática, local onde os docentes exploraram diversos sites que capacitam
os professores e que poderão ser utilizados futuramente no trabalho com
alunos, na elaboração/criação de charges e tirinhas. Nesses sites, os
participantes da oficina puderam criar personagens, cenários, ações, objetos,
diálogos, além de utilizar-se de recursos variados, característicos dos gêneros
trabalhados. Essa oficina foi muito proveitosa no sentido de que os sites e os
recursos disponíveis são muito interessantes, com grande variedade de opções
para elaborar trabalhos com esses gêneros. A dificuldade maior encontrada na
oficina foi o próprio manuseio do computador, visto que muitos ainda não
dominam as novas tecnologias. Ao término da oficina, foi solicitado aos
professores que elaborassem um plano de aula/sequência didática para ser
aplicado em sala de aula.
Novamente a implementação do projeto foi interrompida pela greve
estadual de professores no mês de maio, e no retorno das atividades
estudantis, em junho, fez-se necessária uma retomada das oficinas
desenvolvidas até o momento durante as horas atividades, por meio de
orientação na elaboração dos planos de aula para aplicação em sala.
Após as orientações, nos meses de junho e julho, houve a
concretização dos planejamentos elaborados pelos professores, com a
aplicação em sala de aula. Os alunos analisaram diversas charges e tirinhas e
perceberam que não é tão simples fazer a leitura das imagens por falta de
conhecimento prévio da atualidade, mas ficaram entusiasmados com o gênero
em si, ou seja, com a leitura, interpretação e produção de textos envolvendo
imagens. Além disso, ficaram maravilhados com os sites e recursos
disponibilizados na internet para elaboração das charges e tirinhas e
surpreenderam nas pesquisas, acrescentando outros sites além dos que foram
sugeridos.
Para finalizar, os participantes das oficinas apresentaram os resultados
dos planejamentos desenvolvidos em sala de aula e discutiram a validade do
trabalho das atividades desenvolvidas. Contudo, não foi possível a criação do
blog devido ao término do semestre e pelo fato de a escola possuir o sistema
de blocos, inviabilizando a sua manutenção no semestre letivo seguinte.
As oficinas contaram com 05 (cinco) participantes que trabalham com
turmas do Ensino Médio, mas apenas três deram retorno. A professora do
primeiro ano não aplicou em sala de aula e alegou que os alunos são muito
imaturos. A professora do segundo ano aplicou, mas não entregou o relato,
apenas disse que não deu certo porque escolheu tiras da Mafalda, que são
mais complexas. Apenas a professora do terceiro ano aplicou e apresentou
relato.
De acordo com a professora do terceiro ano, as atividades foram
dinâmicas e proveitosas. Foram aplicadas em duas turmas do terceiro ano do
Ensino Médio, buscando a construção de charges e tiras com temas atuais.
Foram utilizadas as dicas e sugestões realizadas nas oficinas 01, 02 e 03. O
planejamento das aulas contemplou a leitura de textos verbais e não-verbais e
análise oral dos textos e discussões. Os alunos organizaram individualmente
um contexto para construírem uma tira ou uma charge e, após um tempo de
leituras e discussões, a turma se encaminhou para o laboratório de informática
e cada aluno elaborou seu material. Após a conclusão das tiras e as charges,
fizeram a impressão, fotografaram e trocaram o material por whatsapp. Para
encerrar o trabalho, foi montado um mural no qual as atividades foram
colocadas em exposição.
De acordo com as participantes das oficinas, os gêneros charges e
tirinhas são atrativos tanto para professores quanto para alunos. Além das
propostas sugeridas, houve muitas outras nas oficinas, que deram subsídios
para um trabalho extenso e muito bem feito.
Também foi realizado o GTR (Grupo de Trabalho em Rede), com início
no mês de setembro e término no mês de dezembro de 2015, com a
participação de 10 (dez) professores.
A participante IMN apontou que utiliza como estratégia a leitura de
livros literários em sala de aula, fazendo leitura, durante algumas semanas, em
voz alta, durante 20 a 30 minutos. Após essa prática, é discutido o trecho lido,
expondo semelhanças com a realidade, momentos históricos, atitudes de
personagens, discriminação, violência etc. Ao perceber que o interesse pela
obra ocorreu, os alunos podem levar os livros para casa, para finalização da
leitura (a biblioteca do Colégio fornece os exemplares).
Com relação à leitura de textos imagéticos, a mesma participante, diz
que costuma pedir que façam inicialmente a leitura silenciosa e,
posteriormente, vê se algum aluno quer ler em voz alta, caso não tenha
voluntário, o que dificilmente acontece, ela mesma a faz. Sabendo que, na
literatura, as manifestações de humor apresentam diferentes níveis, que podem
provocar desde um simples sorriso até a gargalhada intensa, indo desde a
sátira explícita, até a ironia fina e sutil, observa a reação dos alunos na primeira
leitura e questiona as diferentes reações diante do texto apresentado,
instigando assim a interpretação oral, pedindo que eles expliquem se houve
entendimento por parte de todos, explicando então o tema explorado no texto.
No GTR também foram feitas diversas sugestões de leitura que
poderiam contribuir com o estudo realizado. A participante CNF indicou o artigo
“Imagem, história e semiótica”, de Eduardo Neiva, que examina criticamente os
pressupostos das teorias de cunho histórico, considerando a teoria histórica da
imagem, a Iconologia de Erwin Panofsky, situando-a na tradição cognitiva neo-
kantiana que confere à linguagem humana o papel de sistema modelador
básico para as configurações visuais.
A participante VAO indicou o artigo “Trabalho com leitura na educação
básica: uma aplicação da semiótica greimasiana na análise da notícia
jornalística”, de Kelli da Rosa Ribeiro, apontando que, ao ler o texto, pôde
perceber que a leitura faz com que o leitor realize um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto. Neste trabalho, a autora faz com que o
professor repense a sua prática e mude a sua metodologia diante dos trabalhos
de leitura em sala de aula. Para a participante, “Na diversidade é possível
encantar, uma vez que variar diariamente o trabalho de leitura pode despertar
um encantamento nos jovens, que estão muito centrados em leitura banal que
não traz enriquecimento pessoal ou conhecimento alguns”.
Sobre a relação do projeto de implementação e o relato de
implementação, a participante do GTR, CFB, fez a seguinte consideração: “A
ação de implementação apresentou características negativas por não poder
oportunizar o debate mais aprofundado por conta da greve, que comprometeu
o cronograma de atividades, a sequência didática relatada no projeto de
intervenção foi adequado à realidade”.
A participante RMMS considerou que, na implementação, houve
grande dificuldade dos professores pela falta de informação do cotidiano, o que
infelizmente não é um caso à parte. Textos imagéticos requerem interpretação,
releitura e, principalmente, estar bem informado sobre o que está acontecendo
na sociedade, na política e no mundo. De acordo com a participante, não é por
falta de tempo que os professores não se informam, mas sim por falta de
interesse.
A análise das respostas dos cursistas do GTR mostrou que há grande
dificuldade em trabalhar com leitura em sala de aula, sendo que a maioria
apontou que a realização do projeto proposto foi de grande valia para o
desenvolvimento do gosto pela leitura. Entre os pontos negativos apontados
pelo cursistas está a questão do tempo que, na opinião de cerca de 70
(setenta)%, foi muito longo, dificultando a participação e proporcionando
grande número de desistência. Algumas atividades também foram
consideradas muito difíceis, seja por necessitar de muita pesquisa ou por incluir
a leitura das atividades de outros cursistas e a interação com estes.
4. Conclusão
A participação no programa PDE, com a construção do projeto, sua
implementação e a realização do GTR, mostrou o quanto o envolvimento e o
gosto pelo estudo da língua são essenciais para que se obtenha sucesso na
realização de qualquer projeto pedagógico.
Tanto a conceituação obtida por meio da fundamentação teórica
utilizada, quanto os relatos das participantes das oficinas na implementação do
projeto no Colégio Paulo Leminski e dos cursistas do GTR foram fundamentais
para a realização do principal objetivo deste estudo, que é incentivar a leitura
de textos imagéticos em sala de aula, buscando abrir novas possibilidades de
instigar e provocar o aluno a desenvolver e ampliar a leitura de mundo e,
consequentemente, compreendê-lo melhor.
Assim, conclui-se que a leitura de textos imagéticos em sala de aula é
tão importante que, se bem orientada, pode influir na vida do(a) estudante, pois
muitos desses textos trazem mensagens que devem ser trabalhadas de forma
que não sejam passadas como verdades absolutas, uma vez que não existe
uma linguagem para o adulto e outra para a criança ou adolescente, mas sim
um tema, uma circunstância que atrairá o interesse do leitor.
Portanto, diante das evidências, foi possível identificar, no presente
estudo, que a leitura de textos imagéticos é um instrumento para promover um
inter-relacionamento recíproco, dialético, entre o leitor e sua imaginação.
Certamente a realização deste estudo trouxe muitos benefícios,
principalmente com relação aos pontos discutidos na pesquisa teórica que
abordou a opinião de diversos estudiosos e com relação ao retorno dado nos
relatos das professoras participantes das oficinas e dos cursistas do GTR.
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