OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · MEMÓRIA SOCIAL E NARRATIVAS FANTASMAGÓRICAS...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
MEMÓRIA SOCIAL E NARRATIVAS FANTASMAGÓRICAS EM SÃO JOÃO DO IVAÍ A PARTIR DA HISTÓRIA ORAL (2013)
Kátia Gisele dos Santos Ribas1
Richard Gonçalves André2
Resumo: Este artigo tem por objetivo compreender as histórias fantasmagóricas de São João do Ivaí em suas relações com a memória social, utilizando como fonte a história oral local. Nouto-se como as pessoas se apropriam dessas histórias e como as narrativas se perpetuam ao longo de tempo, deixando marcas na identidade social da comunidade. Serão utilizados relatos e entrevistas de “pessoas comuns” sobre narrativas fantasmagóricas que perpassam a comunidade. Os alunos do segundo ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Arthur de Azevedo produziram uma exposição interativa das histórias fantasmagóricas na instituição de ensino. Como resultado percebeu-se que os alunos identificaram que, por meio da história oral, os indivíduos “comuns” são responsáveis pela construção da história, dando continuidade e sentido à memória social. Palavras-chave: História Oral. Fantasmas. Memória Social.
Introdução
Nesse artigo enfatizamos que a pesquisa com fontes orais abre novas
perspectivas de investigação histórica, valorizando as histórias de vida que
permeiam as comunidades, criando condições de repensar a construção do
conhecimento em sala de aula. Elas possibilitam colocar em evidência as narrativas
fantasmagóricas de São João do Ivaí (PR) por meio de relatos de pessoas comuns
que, muitas vezes, ficam esquecidos nas lembranças de um pequeno grupo e não
são considerados “saberes históricos”. Com a presente pesquisa, vi a oportunidade
de levar o aluno a adquirir o hábito de ouvir histórias, permitindo-lhes também
conhecer a importância da história oral, o sentido das narrativas fantasmagóricas e
como as mesmas criam uma memória local.
De acordo com Paul Thompson (1998), a história oral oferece suporte e
contribui para abordar a preservação e a valorização da memória. Ela pode gerar
uma transformação da realidade social e, a partir das mudanças, é possível apontar
1 Kátia Gisele dos Santos Ribas, professora PDE 2013, SEED – PARANÁ. Aréa de concentração: HISTÓRIA. Graduada em História e com especialização em História do Brasil Colonial – (FAMIMAN), Especialização em Educação Especial – (FAFIJAN), Especialização: África e Cultura Afro brasileira (UEM). Graduação em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina. 2 Richard Gonçalves André, [doutor em História pela Universidade Estadual Paulista e professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.] .
as diferenças entre o passado e o presente (THOMPSON, 1992, p. 17). Todavia, os
historiadores, influenciados pelas sociedades alfabetizadas, tendem a desvalorizar
as narrativas orais (PRINS, 1992, p. 166).
A história oral não apenas relata as trivialidades e as particularidades da vida das pessoas simples. Ela evidencia um sentido mais amplo e uma postura que marca a comunicação dentro da sociedade, fazendo com que a narrativa oral mova-se da cultura oral para a alfabetização através do seu sentido. (PRINS, 1992, p. 172).
No que se relaciona à história da crença no fantástico, como ressalta Gilberto
Freyre (1970, p. XXVII), não existe sociedade ou cultura desligada com a
preocupação dos vivos em relação aos mortos. Essa preocupação gera um
imaginário que perpassa a sociedade por meio da oralidade. Assim, as pessoas vão
se reapropriando das histórias e deixando suas marcas por intermédio de
testemunhos que fazem parte da memória. Como enfatiza Ecléa Bosi (1999, p. 447):
A memória da sociedade antiga apóia-se na estabilidade e na confiança em que os seres da nossa convivência não se perderiam e não se afastariam. Constituíam-se valores ligados à práxis coletiva como vizinhança [versus mobilidade] família larga, extensa [versos ilhamento da família restrita]. Apego a certas coisas, a certos objetos biográficos [versus objetos de consumo]. Eis aí alguns arrimos em que sua memória se apoiava (BOSI, 1999, p. 447).
Considerando essas reflexões, o objetivo do estudo foi o de compreender as
histórias fantasmagóricas como memória social em são João do Ivaí (PR) em 2013,
utilizando como fonte a história oral. E enfocando como as pessoas se apropriam
das histórias que permeiam a comunidade e compreendendo a influência das
narrativas orais sobre a formação da memória social.
Desse modo, optou-se por trabalhar com histórias fantasmagóricas, pois elas
carregam as crenças que se perpetuam ao longo do tempo, deixando marcas na
identidade social da comunidade e foram usadas dentro do ambiente escolar, para
incentivar o ensinar e o aprende como sendo um prisma utilizado como ferramenta
pelo professor e aluno na construção do conhecimento, como campo do saber ou
fenômeno que, começa a partir de cada sujeito.
Fundamentação teórica
Para Thompson (1998), a abordagem oral seria essencial para abordar a
memória dos indivíduos, baseando-se no discurso oral e não apenas na habilidade
de escrita, que mantém seu rigor e exigência. A história oral, portanto, é construída
em torno das pessoas, trazendo a comunidade para a história. Ela implicaria,
também, em certa mudança de enfoque epistemológico, abrindo novas áreas que
são importantes para as investigações históricas, até então impossibilitadas pelas
fontes tradicionais, implicando, portanto, uma mudança na própria forma de
conceber a história, alterando seu sentido social.
Para Prins (1992, p. 194), a história oral possui um grande desafio diante de
uma sociedade com cultura pós-alfabetizada e que vive em uma rede
eletronicamente oral e virtual. A sua força estaria em demonstrar as transformações
da realidade social, podendo apontar as diferenças e os limites entre o passado e o
presente.
No tocante à memória, ligada intimamente às narrativas orais, Ecléa Bosi
(1999) ressalta que lembrar significa aflorar o passado. Para ela, cada memória
individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva. Entretanto, como aponta
Michael Pollack (1989, p. 09), socialmente falando, os grupos sociais escolhem o
que será lembrado e o que será esquecido, constituindo fenômeno consciente e
inconsciente, resultado do trabalho de organização individual ou coletivo.
Em relação à crença no sobrenatural, que também constitui forma de
memória, uma vez que as narrativas de fantasmas são reconstruídas oralmente,
Freyre (1970) afirma que, atualmente, seja em nosso país, seja em outros, existe um
comportamento individual e coletivo de pessoas que nunca se sentem sós,
acreditando estarem acompanhadas por espíritos dos mortos, demônios e
fantasmas que compartilham da vida em sociedade. Essas entidades interfeririam
nas atitudes e nos comportamentos dos viventes, seja um anjo que acalma e
conforta ou uma assombração que amedronta (FREYRE, 1970, p. XXVIII). Esses
relatos orais estariam na lembrança dos moradores do Recife, foco da análise
freyriana, que contam as informações cercadas de mistérios e de acontecimentos
que envolvem a memória social da localidade (FREYRE, 1970, p. XXX). Mesmo
produzida em outro contexto, à obra de Freyre oferece proposições importantes para
a reflexão em torno das histórias fantasmagóricas presentes em São João do Ivaí.
O medo das aparições acompanha a sociedade, influenciando-a, desde a
Idade Média, marcada pela crença nos fantasmas com visões de mortos que
retornariam do além para revelarem acontecimentos aos vivos (SCHMITT, 1999, p.
15). Como ressalta Jean-Claude Schmitt (1999), a crença nos fantasmas está
intimamente ligada à cultura do período medieval, devido ao contexto histórico de
própria época e das construções medievais que favoreciam o imaginário. Também a
questão religiosa contribuía para fortalecer as ações e os poderes do sobrenatural,
apesar das exíguas referências bíblicas relacionadas ao retorno dos mortos
(SCHMITT, 1999, p. 16).
Para Ed Carlos Silva (2009), analisando a Vila de Alto Palmital no Paraná, a
tradição religiosa da comunidade desenvolveu representações sobre o espaço que
estão ligadas às crenças e a seus locais de atuação, “os locais onde se manifestam
as criaturas imateriais foram dotados com significados [...]”. (SILVA, 2009, p. 17).
Esse significado que simbolizava e também revela marcos para a formação da
identidade social de uma comunidade.
Como menciona Martins, as representações mortuárias advém dos
sentimentos de “[...] impotência, culpa e raiva vivenciados com muita dor [...]”
(MARTINS, 1983, p. 17). Os sentimentos, geralmente, estão associados às questões
voltadas para a morte fora de hora, morte de jovens ou crianças, que no entender de
uma comunidade “[...] essas mortes parece serem sentidas como antinaturais [...]”
(MARTINS, 1983, p. 17). Esse sentido também está presente nas narrativas
fantasmagóricas da noiva da Mata da Suíça, que se representa, como uma jovem
noiva que não realizou seu sonho, dando significado ao local a partir de suas
aparições.
Metodologia
Para alcançar o objetivo da pesquisa, foram produzidas fontes orais com base
em entrevistas com pessoas de São João do Ivaí que teriam passado por
experiências fantasmagóricas, relatando, por exemplo, histórias de fantasmas que
pediam por justiça ou rogavam por conseguir completar determinada missão. Os
moradores são joanenses que afirmam terem visto as aparições são três homens
maiores de idade, sendo um aposentado, outro comerciante e um funcionário de
uma empresa. Há também duas mulheres: uma comerciante e uma dona de casa.
De acordo com Thompson, uma entrevista bem sucedida requer um trabalho
de conhecimento detalhado por parte do entrevistador. Para conseguir produzir um
bom trabalho de coleta das informações, preparação do questionário, gravação,
transcrição e análise das informações, é necessário um exercício de habilidade e
flexibilidade em relação ao outro (THOMPSON, 1998, p. 254).
A coleta das informações sobre as histórias fantasmagóricas foi realizada por
meio de entrevistas abertas, com a elaboração de perguntas simples e diretas. Será
utilizada linguagem comum para que o entrevistado possa relatar sua história sem
maiores constrangimentos (THOMPSON, 1998, p. 260). No decorrer da entrevista, a
questão base para a formação do questionário será: “[...] conte-me a respeito de...
[...]” (THOMPSON, 1998, p. 260). Com essas palavras-chave, a intenção é estimular
o entrevistado a relatar os fatos das aparições de acordo com o seu entendimento.
Para agilizar o trabalho de coleta das histórias de fantasmas, com base nas
entrevistas, foi usado o gravador para colher as histórias com riqueza de detalhes,
mas sem esquecer que “[...] ao utilizar um gravador é importante não chamar
atenção para o aparelho [...]” (THOMPSON, 1998, p. 264). O local onde será
realizada a entrevista dependerá da disponibilidade do entrevistado, mas o
primordial é que ele se sinta à vontade para relatar os acontecimentos. Como
ressalta Thompson (1998, p. 265), “[...] o melhor lugar será sua própria casa [...]”.
Com a entrevista realizada e a gravação completa, esse material deve ser
devidamente armazenado com a transcrição da narrativa.
Após a coleta de dados, foi realizada a transcrição na íntegra das narrativas
fantasmagóricas das cinco pessoas entrevistadas. Os depoimentos coletados
representam na narrativa as aparições da “noiva” da Mata da Suíça. Essas
narrações oferecem suporte para “[...] um sistema de transmissão desses
conhecimentos ali instituídos e, naturalmente, passados de geração a geração [...]”
(SILVA, 2009, p.19).
Como apresenta a narração do casal que juntos, passando durante a noite na
rodovia onde fica o trecho onde ocorrem as aparições, vivenciaram a experiência
relatada:
Desde criança minha vózinha, sempre contava uns causos e eu vivia pensando nisso. Mas depois que eu e o meu véio3 vimos, só Deus pra ter piedade de nois! Parece que eu tava adivinhando bem no dia do encontro de casais o ministro do nosso setor, pediu que fossemos pra Ivaiporã representar a nossa paróquia. O veio não queria ir. Mas eu falei: _ Vamos larga de se bobo! É todo mundo da Igreja. Até, minha menina tinha deixado da casa da vizinha, tava despreocupada. Aí meu Deus! Na ida tudo certo, mas na volta, já deu encrenca, o veio foi faze um negócio e fiquei um monte no carro, que demora a menina tinha no outro dia, aula, sabe como é? Dorme tarde, acorda tarde, é aquele alvoroço. Até que pegamo a estrada, e sabe, Deus é pai e não tarda, porque sem Ele eu e o véio tinha morrido do coração. Eu sempre falo, cuidado com a noiva da Mata da Suíça, ninguém me ouvia. Tai, precisou nóis passar por essa! Morre do coração não vou mais, mais quase, fiquei dura de medo quando veio passou bem na curva da Mata e “ela” a noiva tava lá. Bem do jeitinho que o povo falava, não gritei pro veio não bater o carro, mas chorei uns três dias, até hoje faço novena pra Santa Rita de Cássia me livrar desse mal. E não adianta me chamar a noite não passo pela Mata da Suíça de jeito nenhum. (S. D. F. 47 anos)4.
Outro aspecto também pode ser observado no depoimento de J. F. (59 anos)
que afirmou:
Eu e minha muié5 tava na igreja do Ivaiporã, fazendo um curso de casa e tava chuvendinho até com pouco de neblina. Já passa das nove da noite quando terminou. Na hora que tava saindo um companheiro de trabalho me ofereceu uma bitoneira usada e se eu gostasse dela ele tinha carga pra entregar em São João e já trazia a máquina. Fui na casa do “orelha seca”6 e enrolei um tantinho lá, e acertei a compra da bitoneira. Nisso a muié tava loca, querendo vir embora. A minha minina tinha ficado sozinha na casa e ela não dorme enquanto a gente não chega. Aí! Tomamo rumo de casa e parece que a chuvinha tava engrossando, quando passamo pela Vista Alegre7, a chuva paro. E tocamo normalzinho até chegar naquele lugar. Oia! Só de falar eu discunjuro, não é que só medroso. Mais desde pequeno meu falecido pai, falava nessas coisas de assombração e mula sem cabeça. Ai, Né! Eu não brinco com essas coisas e agora com o que eu e a muié vimo. Aí piorou! Bem na curva da Mata da Suíça, tava lá, todinha de branco parecia uma estátua. Meu Deus me protege e me livre desse mal. Mais a muié chorou tanto, ela é uma boba veia. Só vive rezando agora, parece que nem acredita em Deus. (J. F., 59 anos)8.
3 véio: Modo como esposa se refere ao esposo. 4 S. D. F., nascida em São João do Ivaí, onde reside. Tem como função: Do lar. 5 muié: Modo como seu Jucelino se refere a esposa. 6 orelha seca: expressão usada para designar o ajudante de pedreiro. 7 Vista Alegre: distrito pertencente ao Município de Lunardelli (PR). 8 J. F, entrevistado, nascido no dia 10/09/1955, no município de São João do Ivaí, onde reside. Trabalha como construtor.
Procuramos depoimentos de diferentes pessoas e idades, visto que assim
podemos ter um parâmetro da influencia das histórias fantasmagóricas no decorrer
do tempo.
Bom! Para começar, quero deixar claro que sou um homem que não tenho medo de nada, mas o que aconteceu comigo é? Foi estranho! Muito estranho. Olha professora, desde sempre gosto de moto, com um pouco a aventura, mas essa foi demais pra mim. Todo mundo aqui em São João gosta de ir na Feira da Lua em Lunardelli, ver o movimento, comer um pastel e dar uma namorado. Ninguém é de ferro! Mas naquela sexta-feira as coisas só deram pra traz e fiquei fudido, um colega que foi comigo sumiu com a mulherada e tomei toco. Aí, sabe resolvi ir embora peguei minha motinha e acelerei, nem pensei em nada, tava fudido de raiva e cochando a magrela. Quando senti um peso diferente até parecia que a motinha não estava conseguindo acelerar. Grudei a mão no acelerador dei tudo e a motinha nada de arrancar. O trem travou mesmo. Não sei o que foi! Só sei que senti uma friagem nas costas, mas em maio o tempo é louco, apesar de que eu tava com uma jaqueta jeans. E aquele peso todo não deixava a magrela arrancar, quando olhei tava na bendita mata da suíça. Aí o negócio pegou! Fechei a cara e fui duro até sair daquele lugar. Nossa como foi estranho, assim que passei a mata, o trem cochou numa arrancadona, parecia que a motinha tava livre do peso. Não sei de nada, não vi a noiva, mas se dei carona pra ela, ela ficou na estrada. E olha aqui? Passar na mata a noite sozinho, to fora. (E. F.C, 28 anos) 9.
Outra jovem moradora de nosso município também deixou seu relato sobre a
história da noiva da Mata da Suíça.
Eu estava em Jardim Alegre realizando um trabalho de demonstração de produtos da área de Beleza e por volta das 19h00, sai com objetivo de vir para minha casa em são João do Ivaí. Então peguei o ônibus e durante a viagem fiquei na janela observando a paisagem e pensando nos meus compromissos e é claro nas dívidas. Sabe como é que é? Ônibus, pinga, pinga! Né! Foi me dando uma canseira e cochilei por um certo tempo. Quando despertei já estava escuro e chuvendinho, no mês de maio é quase sempre assim. Estava meio friuzinho e o vidro do ônibus estava embaçado, então passei meu braço e minha blusa limpou a janela e nesse momento pude ver, estávamos saindo de Lunardelli. Eu continuei olhando, quando derrepente se aproximou da Mata da Suíça. Até em falar me dá dor de cabeça, nunca passei tanto medo em minha vida. Quando com o olhar fixo na paisagem, pude perceber um vulto claro saindo em direção a estrada e quanto mais o ônibus corria e pendia na curva, mais o vulto se aproximava, e então consegui ver. Era uma noiva, meu Deus! Eu
9 E. F. C, nasceu em 12/10/1984, mora em São João do Ivaí, trabalha como funcionário em uma empresa de vendas.
que tanto ria dos outros, vi aquela mulher vestida de noiva. Somente quando o ônibus venceu a subida é que o vulto desapareceu. Fiquei gelada, temia toda, minha voz não saia, parecia que meu coração ia sair pela boca. Não via a hora de sair daquele ônibus, então puxei a cortina e troquei o banco para o corredor. (M. C. G., 29 anos)10.
Os relatos também são contados principalmente por caminhoneiros, como
segue o relato abaixo:
Sabe, desdi qui me aposentei, tenho meu caminhão pra fazer uns 11“rasga
lona”, rapidinho,sabe NE, minha coluna me mata! Olha só, to encostado
com auxilio a doença, mas se pará eu morro di vez. E pra ser sincero, sou católico mas não vou a igreja, minha falecida mãe era católica de mais e pedia pra mim ter fé. Agora sei, que sou um cabra de fé e não tombei o meu caminhão por Deus e minha mãezinha que ta no céu olhando pra mim. Porque na hora que eu vi aquela coisa grudada na porta do meu caminhão, Deus me livre! A sorte que eu tava vazio, e eu meti o pé mesmo, sem dó. Quase passei direto na curva da Mata da Suíça, aquele vulto branco, acho que era um vestido de noiva, vinha até no parablisa do caminhão. E que falta de ar me deu! Aquilo me acompanhou longe, lá na frente quando passou a Mata e cheguei na entrada da Fazenda São Francisco, parei o caminhão e não tinha nada, nenhum pano branco enroscado, nada mesmo. Entrei e toquei até em casa. (A.L.S., 60 anos)12.
Os relatos mostram uma semelhança nos acontecimentos “[...] indicam
aspectos marcantes da memória que considera lembranças de sua adolescência e
juventude [...]” (SILVA, 2009, p. 58).
Resultado e discussão
Com a modernidade, o ensino de História ressalta a necessidade de produzir
conhecimento a partir de documentos, entre eles as fontes orais, usada como
metodologia para compreender a influencia das narrativas fantasmagóricas na
formação da memória social.
Em nossa pesquisa se utilizou dos instrumentos da história oral, para obter
relatos de histórias fantasmagóricas, esses foram daquelas pessoas que
conseguiram observar a aparição da noiva na Mata da Suíça, e relatam seu contato
10 M.C.G., tem 29 anos, nascida no dia 08/02/1985 no distrito do Ubaúna, município de São João do Ivaí, trabalha como comerciante autônoma no setor de Estética. 11 rasga lona: expressão usada por caminhoneiro, para demonstrar a realização de pequenos fretes com distancia de até 100 KM. 12 A. L. S., nascido em 03/01/1954. Residente em São João do Ivaí, aposentado como caminhoneiro.
com a visagem, ou “seja o convívio que certos vivos supõem manter tranquilamente
com espíritos de pessoas mortas”. (FREYRE, 1970, p. XXVIII).
De acordo com Ed Carlos da Silva as narrativas fantasmagóricas fazem parte
dos costumes dos moradores e esse mecanismo de transmissão permitiu as novas
gerações a apropriação e manutenção de suas crenças (SILVA, 2009, p. 16). O
trabalho com a história oral foi fundamentado, principalmente no contato direto com
a fonte através do entrevistado, pessoas comuns que relatam sobre narrativas
fantasmagóricas que perpassam ao longo dos tempos, deixando marcas na
identidade social da comunidade. Essa pesquisa buscou abordar nos alunos do 2º
Ano do Ensino Médio, com um novo olhar para o ensino de História, através do
contato com a fonte de estudo da pesquisa sobre as narrativas fantasmagóricas.
O trabalho teve início com a utilização do elemento didático que foi a
exposição do projeto, mostrando a importância da valorização da história de
fantasmas como elemento importante que constitui a história da crença de
determinada sociedade, incluindo-se na chamada memória social.
A proposta foi desenvolver uma metodologia com os alunos para que eles se
apropriem e incorporem conhecimento de histórias fantasmagóricas e conseguissem
realizar a construção de narrativa histórica e tendo como base as narrativas
fantasmagóricas coletadas por meio da história oral, levando uma maior participação
dos alunos durante as aulas, para que tenham consciência do papel de todos os
indivíduos na construção da história e da multiplicidade de dimensões que compõe,
transcendendo os fatos políticos, econômicos e militares, abarcando, também o
imaginário.
Nesse sentido, ao propor novas práticas deparamo-nos com a resistência de
alguns alunos, mesmo contando com o apoio e incentivo da Direção e da Equipe
Pedagógica do Colégio, apenas um pequeno grupo da turma selecionada (2º Ano)
demonstrou descaso, referindo que não fazia parte dos conteúdos propostos pelas
Diretrizes Curriculares e que precisavam vence a listagem de conteúdos de História,
proposto no “Projeto PAX UEM”, como também do ENEM e de outras instituições.
Contudo, aos poucos e de maneira articuladora conseguimos demonstrar que o
novo caminho a seguir era este: de novos métodos, de novas formas e práticas para
a adequação no processo ensino/aprendizagem. Foi necessário persistir no trabalho
com as narrativas fantasmagóricas de maneira gradativa. O aluno precisou
redescobrir e opinar para só aí entender como se torna fácil e agradável aprender a
partir de novas abordagens.
Foi aplicado para os para os alunos um questionário diagnóstico, onde foi
identificado que todos possuíam conhecimento prévio sobre o tema levantado e que
a questão fantasmagórica, causava uma postura instigante nos alunos, sendo que
havia opiniões controversas sobre quanto à veracidade, embora este não seja o foco
da pesquisa. Para melhor exemplificar ao aluno, realizei uma pesquisa voltada para
os eixos: história oral, fantasmas e memória social, onde foram disponibilizados
textos e fornecido a oportunidade de acesso às tecnologias (navegação na internet
nos computadores da escola, ou em casa) como forma de pesquisa. De posse
desse material pesquisado, destacamos que a história oral oportunizou base para a
realização do projeto que utilizou da entrevista como fonte para instigar nos alunos a
valorização da história oral e principalmente, porque dessa maneira sentirem-se
parte da construção histórica. Quando tiveram contato com o passo a passo da
entrevista, a interação ocorreu plenamente, muitos alunos demonstraram uma
competência até então latente e exemplificaram seu entendimento pelas fontes
históricas. Já outros que se apresentaram desmotivados para o ensino de História,
revelaram um lado receptivo de aceitação pelas atividades de explanação orais das
entrevistas e se mostraram abertas as novas atividades.
Quando foi apresentada a história da noiva da Mata da Suíça e que muitos
dos alunos já haviam tido o primeiro contato com a história através de seu convívio
familiar, os alunos compreenderam a influência das narrativas orais na sua vida e
até mesmo da comunidade, destacando que é preciso reconhecer os valores
históricos nas pequenas histórias ou mesmo nos causos. Mas, quando foi relatada a
existência de depoimentos deixados por moradores conhecidos da comunidade e
seus relatos serão parte integrante da nossa história, os alunos perceberam que
esses relatos contribuíram para a formação da história de nossa localidade, fazendo
suas próprias entrevistas, a pesquisa ganhou um novo ânimo, deixando o papel e
ganhando prática dentro do ambiente escolar.
No segundo momento demonstramos aos educandos que, através das
entrevistas e das transcrições que foram utilizadas como fonte, é possível reconstruir
a história dessas crenças. Para isso os alunos entrevistaram os colegas da escola
sobre as narrativas fantasmagóricas, os alunos perceberam que eles fazem parte da
história e que também podem produzir fontes, sentindo que são sujeitos que
constroem as narrativas históricas, colhendo fontes de outros alunos que também
são sujeitos da história. Logo após os alunos entrevistarem os colegas em sala de
aula eles iniciaram entrevistas fora do ambiente escolar. Já tendo o conhecimento
básico de como realizar uma entrevista, os alunos tiveram a opção de escolher entre
parentes, amigos ou mesmo outras pessoas que tenham conhecimento sobre as
narrativas fantasmagóricas. Na seleção de pessoas para serem entrevistadas, os
alunos buscaram ter clareza do objetivo e da maneira de como abordar o
entrevistado. Com essa perspectiva os alunos coletaram as informações sobre as
narrativas fantasmagóricas, desenvolvendo o conhecimento sobre a fonte oral,
percebendo-se como parte integrante da história ao entrevistar as pessoas comuns.
Com isso os alunos montaram um banco de dados, contendo informações sobre as
histórias fantasmagóricas, tendo a noção da construção da história oral, por meio da
realização da entrevista com a gravação e a transcrição literal, na íntegra e sem
correções. Para conseguir definir a seleção das histórias de acordo com seus
possíveis padrões, tais como: aparições, lendas, contos, visagens e causos.
Além das entrevistas foram realizadas outras atividades que enriqueceram a
pesquisa, como a visita à Mata da Suíça, identificado como sendo um local marcado
por várias narrativas fantasmagóricas, que permeiam a comunidade, pois o nosso
objetivo foi demonstrar aos alunos que um local tão conhecido por eles e seus
familiares, possuem influência na formação da memória social da comunidade. E o
intuito foi que os alunos consigam perceber a diferença da história contada dentro da
sala de aula e da mesma narração contada no local a partir dos quais foram
construídas as histórias de fantasmas.
Depois da realização das atividades de entrevistas, transcrições montagem
do banco de dados e da visita a Mata da Suíça, os alunos montaram seus textos
expressando sua compreensão da influência das narrativas orais sobre fantasmas e
a formação da memória social, relatando os padrões narrativos, e as conexões
dessas histórias com a identidade e a memória social são joanense.
Para finalizar os alunos realizaram uma exposição em sala de aula com o
material coletado ao longo da pesquisa. Durante a exposição os alunos narraram as
histórias fantasmagóricas conhecidas durante as entrevistas em sala de aula. Os
alunos preparam o ambiente para receber as demais turmas do Colégio de maneira
a intercalar com as fotos e os álbuns produzidos pelos alunos do 1º ano do Ensino
Médio. Dessa forma as narrações foram alternadas dependendo do fluxo dos alunos
visitantes. Com essa atividade tanto os alunos do 1º e 2º ano do Ensino Médio,
conseguiram com competência narrar e chamar a atenção para o fato de que as
pessoas são os agentes históricos e formadores da memória e identidade social por
meio da oralidade.
O artigo demonstrou a compreensão das histórias fantasmagóricas em
relação à memória social, utilizando-se da fonte histórica para auxiliar um eixo
marcante que é a história oral, que contribuiu para um ensino de qualidade e
significativo.
Considerações finais
Onde o ensino de História ressalta a necessidade de produzir conhecimento a
partir de documentos, entre eles as fontes orais. O aprender tornou-se um prisma no
qual professor e aluno constroem conhecimentos, de forma que a construção da
história como campo de saber o fenômeno, começa com cada sujeito.
Nesse sentido, o conhecimento produzido a partir da fonte história foi
realizado pelos alunos, mas foi preciso ter cautela, pois a ânsia por novas formas de
ensinar e apreender, alguns alunos apresentaram resistência em abordar o
conhecimento histórico utilizando a fonte oral. O professor, por sua vez, necessitou
cada vez mais buscar conhecimentos novos e novas metodologias sem abandonar o
acumulado em anos de trabalho voltados para o conteúdo do ensino de História. Foi
preciso continuar buscando novos caminhos para atingir as verdadeiras metas
propostas na pesquisa que se utilizavam da identificação das histórias
fantasmagóricas para compreender a influência das narrativas orais na formação da
memória social.
Assim, a pesquisa com fontes orais abre novas perspectivas de investigação
histórica e demonstra-se como sendo uma metodologia motivadora para o ensino de
História, valorizando as histórias de vida que permeiam as comunidades, criando
condições de repensar a construção do conhecimento em sala de aula.
Referências BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. FREYRE, Gilberto. Assombrações do Recife Velho. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1970. MARTINS, José de Souza (org.). A Morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1983. POLLACK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. PRINS, Gwyn. História oral. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. p. 163-198. SILVA, Ed Carlos Da. Entre o maravilhoso e o fantástico: a vila de Alto Palmital – PR e suas crenças. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá. 2009. SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e mortos na sociedade medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.