OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · palavras de Foucault, citado por REVEL (2005),...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Escolarização e sexualidade juvenil: traçando aproximações
Autor: Ieda Gubert
Orientador: Dr. Eduardo Nunes Jacondino
Resumo: O presente texto apresenta reflexões acerca da sexualidade juvenil,
bem como acerca da relação desta para com o ambiente escolar. Tais reflexões
foram consolidadas por meio da aplicação de um questionário, que retratou o
perfil de jovens de uma escola da Cidade de Francisco Beltrão, estado do
Paraná, no ano de 2014, no que tange a sua relação com a sexualidade; bem
como por meio de observações retiradas do trabalho pedagógico efetuado
nesta mesma escola, com este mesmo grupo de jovens, por meio do Programa
de Desenvolvimento Educacional (PDE), ainda no ano de 2014. A abordagem
tomou como base as teorias de Michel Foucault acerca da sexualidade, como
tentativa de exercitarmos o diálogo, análise e reflexões sobre o corpo vivido
dos jovens adolescentes que fizeram parte deste projeto. Dentro de uma
perspectiva que levou em consideração os regimes de verdade sobre a
produção dos sujeitos. Notadamente no que se refere à questão da
sexualidade.
Palavras-chave: Escola, Sexualidade, Michel Foucault, Aprendizagem, PDE.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo socializar o trabalho de ‘intervenção
pedagógica’ realizado no ano de 2014, na Escola Estadual Beatriz Biavatti,
localizada na cidade de Francisco Beltrão, Paraná. Trabalho que se direcionou
a meninos e meninas do 8º ano desta Escola, durante 5 meses, ou seja, de
fevereiro a junho de 2014. No contra turno.
A intervenção na Escola, fruto de projeto desenvolvido em 2013 e ligado
ao Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma 2013-2014, do Estado
do Paraná, teve como foco o tema: ‘Aprendendo a viver a sexualidade para
além do horizonte advindo do senso comum’ e voltou-se para a questão da
sexualidade juvenil e suas vinculações com o ambiente escolar.
Partimos de uma leitura calcada, prioritariamente, no autor Michel
Foucault, por nos identificarmos com esta e por percebermos que sua leitura
acerca da construção dos sujeitos e, mais precisamente, acerca da
sexualidade, contribuiu para que pensássemos acerca desta temática para
além do saber médico (biológico), do saber religioso e do saber culturalmente
disposto em determinado período histórico (com os valores
morais/comportamentais que acompanham a este).
Deste modo, para nós, a sexualidade deve ser entendida e vivenciada
para além do aspecto físico e biológico. Não é um dado natural e deve,
portanto, ser entendida a partir da sociedade na qual está inserida, das
influências culturais e religiosas que sofre.
A partir deste entendimento, buscamos desenvolver um trabalho com
estudantes, que promovesse leituras e vivências acerca da sexualidade,
calcadas num repensar acerca dos ditos e dos feitos, cristalizados socialmente.
Pretendíamos, assim, contribuir para que estes jovens consolidassem outras
leituras acerca da sociedade em que vivem, bem como para que
desenvolvessem o respeito no que se refere ao direito que cada indivíduo tem
de exercer sua sexualidade. Superando, portanto, preconceitos e/ou estigmas
criados socialmente, por falta de informação ou por conta do predomínio de
determinados tipos de informação que, do ponto de vista da sexualidade
humana, apresentam-se como preconcebidas/estigmatizantes.
O artigo apresenta a intervenção desenvolvida na Escola e os principais
elementos/reflexões desencadeados a partir desta intervenção. Além disso,
impõe-se como enfrentamento diante dos problemas identificados no cotidiano
da escola. Mais especificamente refletindo sobre as dificuldades que as
Escolas apresentam no que concerne a lidar com temas como sexualidade; ou
por conta do despreparo dos docentes ou por conta da incapacidade de se
inserir, nas discussões curriculares rotineiramente encaminhadas, esta
temática.
Depreende-se disto que, diante destas dificuldades, muito
provavelmente as escolas não ajudem os jovens a compreender, de maneira
mais aprofundada, questões que envolvem sua sexualidade. Daí a importância
da ‘intervenção pedagógica’ realizada. Cujo artigo que hora se apresenta
buscou retratar.
1.1 A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE NA PERPSECTIVA
FOUCAULTIANA
O Projeto de Intervenção, como afirmamos, teve seu início a partir das
leituras que efetuamos sobre sexualidade. Autores como Michel Foucault,
Guacira Lopes Louro e outros serviram de referência para a consolidação de
uma aproximação de cunho acadêmico, acerca da sexualidade.
Segundo Michel Foucault (1988) até o século XVII a vida sexual não
constituiu objeto de saber. Principalmente porque até este momento histórico
reina a moral que prescreve o silêncio sobre o sexo. O período da era vitoriana,
denominado por Foucault como àquele que vai até o final do século XVII,
representa o momento no qual a sexualidade é segregada ao regime conjugal.
Já entre os séculos XVII e XIX ocorre uma explosão de discursos sobre
este aspecto da vida humana. Interesses diversos tais como a expansão
colonial, a industrialização insipiente e a consequente necessidade de
povoação das colônias e de mão-de-obra barata, bem como a organização das
cidades e a disputa entre os novos Estados emergentes, levam a produção de
diferentes discursos sobre a procriação e a sexualidade.
Proliferam, nesta época, os discursos religiosos, filosóficos e médicos
que têm por alvo a população, as famílias e muito particularmente as mulheres.
Surgem novas ciências como a demografia e a sociologia (séc. XIX).
Foucault denomina de Biopolítica (biopoderes) as diversas maneiras
com que o poder passa a governar a vida de populações inteiras; e não mais
apenas a vida de indivíduos, isoladamente. Processo que se dá por meio da
gestão da saúde, da higiene, da alimentação, da sexualidade, da natalidade,
etc, na medida em que se transformam em temas políticos.
No século XX, acompanhando os avanços da medicina, da psicologia,
da psicanálise, aparece uma nova disciplina, a sexologia e novos especialistas,
os sexólogos. A sexualidade, como se pode notar, torna-se cada vez mais
objeto de saberes e poderes, de análises minuciosas, pesquisas, estatísticas e
classificações.
Para que se entenda a leitura Foucaultiana sobre a sexualidade humana
é importante compreender que o autor em questão trabalhava com o desvelar
histórico do ocidente a partir daquilo que se pode chamar de “o investimento
político dos corpos”, ou seja, como afirmou o próprio Foucault em Vigiar e
Punir: “Houve, no curso da idade clássica, toda uma descoberta do corpo como
objeto e alvo do poder” (1975, p. 138). O autor mostra em suas obras como se
passou, na história do ocidente, de uma concepção do poder onde se tratava o
corpo como uma superfície de inscrição de suplícios e de penas a uma outra
que buscava, ao contrário, formar, corrigir e reformar o corpo. Fruto de uma
sociedade que pretendia o controle dos corpos, evitando os “desvios” que
pudessem prejudicar o necessário investimento na consolidação das forças
produtivas em ascensão.
Especificamente com relação à sexualidade podemos inferir que, para
Foucault, num primeiro momento, este tema não passa de um subproduto dos
Biopoderes, ou seja, uma forma de controle das populações. Num segundo
momento, no entanto, a questão da sexualidade passa a ser vista pelo autor
como um dispositivo de poder onde os “jogos de verdade” (a busca por
consolidar discursos verdadeiros) passam a atuar de forma muito particular.
O projeto de uma história da sexualidade, abraçado por Foucault, é uma
interrogação sobre as maneiras pelas quais as práticas e os discursos da
religião, da ciência, da moral, da política ou da economia contribuíram para
fazer da sexualidade, ao mesmo tempo, um instrumento de subjetivação (ou
seja, das formas através das quais as relações para consigo, por meio de
técnicas de si, fazem com que os indivíduos históricos entrem em contato
consigo mesmos, constituindo-se como sujeitos de suas próprias existências) e
uma ferramenta do poder.
É preciso que se insista, portanto, que as análises de Foucault
apontam para o fato de que o sujeito é conformado por dispositivos de poder
disciplinares que atuam sobremaneira sobre os corpos. Em Foucault, ainda, o
poder é algo que atua em cadeia, conformando os corpos tanto no sentido
“negativo” da repressão, quanto no sentido “positivo” da
manipulação/estimulação. Se o poder é forte, afirma Foucault, “é porque
produz efeitos positivos em nível do desejo. Como se começa a conhecer. E
também ao nível do saber” (Microfísica do Poder - 1985, p. 148).
Ainda, “como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo
investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de
controle-estimulação: fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado” (idem, p.
147).
Para Foucault, por um lado, a sociedade gestada a partir do XVII, ou
seja, a sociedade burguesa, só permite que as sexualidades ilegítimas se
manifestem em locais especificamente lucrativos como nos prostíbulos e nos
hospitais psiquiátricos. Dessa forma, a modernidade vem sustentando a
justificativa de que em uma época em que a força de trabalho é muito
explorada, as energias não podem ser desperdiçadas em excesso de prazeres.
Questão, em parte, corroborada por Foucault. Mas em grande medida, e por
outro lado, também contestada por este autor.
Nosso autor não concorda com a hipótese repressiva, muito embora ela
venha sendo aceita como uma verdade absoluta. De certa forma, diria
Foucault, a hipótese repressiva não pode ser contestada, já que serve bem à
sociedade atual. Foucault afirmava que, para nossa sociedade, é gratificante
formular em termos de repressão as relações de sexo e poder por uma série de
motivos:
Primeiramente porque se o sexo é reprimido, o simples fato de falar dele
e de sua repressão ganha um ar de transgressão;
Segundo porque se aceitando a hipótese repressiva, pode-se vincular
revolução e prazer, pode-se falar num período em que tudo vai ser bom: o
período da liberação sexual;
Finalmente, insiste-se na hipótese repressiva porque aí tudo que se diz
sobre o sexo ganha valor mercantil. Por exemplo, certas pessoas (psicólogos)
são pagas para ouvirem falar da vida sexual dos outros.
Esse enunciado da hipótese repressiva vem acompanhado de uma
forma de pregação: a afirmação de uma sexualidade reprimida é acompanhada
de um discurso destinado a dizer a verdade sobre o sexo.
A hipótese de Foucault é que há, a partir do século XVIII, uma
proliferação de discursos sobre o corpo, sobre os órgãos sexuais, sobre os
prazeres, sobre as relações de aliança, sobre as relações interindividuais. Nas
palavras de Foucault, citado por REVEL (2005), “Um conjunto heterogêneo,
recoberto pelo dispositivo da sexualidade que acaba produzindo, como
elemento central de seu próprio discurso, a ideia de sexo”.
Diz ele que foi o próprio poder que incitou essa proliferação de
discursos, através de instituições como a Igreja, a escola, a família, o
consultório médico. Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a prática
sexual. Visavam, sim, o controle do indivíduo e da população.
A explosão discursiva, enfim, sobre o sexo, de que trata Foucault, veio
acompanhada de uma depuração do vocabulário sobre sexo autorizado, assim
como de uma definição de onde e de quando podia se falar dele. Regiões de
silêncio ou, pelo menos, de discrição, foram estabelecidas entre pais e filhos,
educadores e alunos, patrões e serviçais.
A Igreja Católica, com a Contra Reforma, deu início ao processo de
incitação dos discursos sobre a sexualidade ao estimular o aumento das
confissões ao padre e também a si mesmo. As "insinuações da carne" têm de
ser ditas em detalhes, incluindo os pensamentos sobre a sexualidade.
O bom cristão deve procurar fazer de todo o seu desejo um discurso.
Ainda que tenha havido uma interdição de certas palavras, esta é apenas um
dispositivo secundário em relação a essa grande sujeição, é apenas uma
maneira de tornar o discurso sobre sexo moralmente aceitável e tecnicamente
útil.
Já no século XVIII, mas principalmente no século XIX, houve uma
dispersão dos focos de discurso sobre a sexualidade, que antes eram restritos
à Igreja. Houve uma explosão de discursos, agora, sobre o sexo, que tomaram
forma nas diversas disciplinas, além de se diversificarem também na forma. A
medicina, a psiquiatria, a justiça penal, a demografia, a crítica política também
passam a se preocupar com o sexo.
Analisa-se, contabiliza-se, classifica-se, especifica-se a prática sexual,
através de pesquisas quantitativas ou causais. Esses discursos, ainda com um
cunho moralista, procuram ir além da moral. Buscam um status científico,
objetivo, para a sua relação com a sexualidade e com o próprio sexo. O sexo
não se julga apenas, mas administra-se.
Um dos exemplos práticos dos motivos para se regular o sexo foi o
surgimento da população como problema econômico e político, sendo
necessário analisar a taxa de natalidade, a idade do casamento, a precocidade
e a frequência das relações sexuais, a maneira de torná-las fecundas ou
estéreis e assim por diante.
Pela primeira vez a fortuna e o futuro da sociedade eram ligados à
maneira como cada pessoa usava o seu corpo, leia-se o seu sexo. O aumento
dos discursos sobre sexo pode, então, ter visado produzir uma sexualidade
economicamente útil.
Da mesma forma em que o sexo passou a ser um problema para a
demografia, também passou a despertar as atenções de pedagogos e
psiquiatras. Na pedagogia, há a elaboração de um discurso acerca do sexo das
crianças, enquanto, na psiquiatria, estabelece-se o conjunto das perversões
sexuais.
Prazer e poder se reforçam, para Foucault, conforme apresenta na
História da Sexualidade I. Pode-se afirmar com o autor, então, que um novo
prazer surgiu: o de contar e o de ouvir. É a obrigação da confissão, que se
difundiu tão amplamente, que já está tão profundamente incorporada a nós,
que não a percebemos mais como efeito de um poder que nos coage.
A confissão se diversificou e tomou novas formas: interrogatórios,
consultas, narrativas autobiográficas. O dever de dizer tudo e o poder de
interrogar sobre tudo se consubstanciam naquilo que Foucault vai denominar
de veridicção, ou seja, nos jogos de verdade que são, cada vez mais, utilizados
pelas instituições contemporâneas.
1.2 - JUVENTUDE, ESCOLA, SEXUALIDADE.
Com relação à juventude, observa-se que esta categoria social tem sido
definida como uma fase etária na qual se processam transformações
importantes na vida dos jovens, demarcada especialmente pela transição entre
a infância e a vida adulta. É considerado um momento de descobertas, na qual
os jovens são motivados a novas experiências afetivas e sociais,
principalmente as ligadas ao corpo.
Entretanto, conforme demonstrado por Ariés (1981), o significado do que
é ser jovem tem variado no decorrer da história, assumindo configurações que
variam de sociedade para sociedade, sendo que em determinados períodos da
história, é quase impossível identificar uma fase da vida que corresponda ao
que atualmente entende-se por juventude. Trata-se, pois de uma condição
construída histórica e socialmente.
Também Pais (1993), partindo do princípio de que a juventude é uma
categoria sócio-histórica, após analisar as correntes que denominou de
geracionais e classistas e apontar seus limites na compreensão da juventude,
destaca a necessidade de se perceber a juventude em suas semelhanças e em
suas diferenças. Assim propõe que a juventude deve ser olhada por dois eixos
semânticos: “como aparente unidade (quando referida a uma fase de vida) e
como diversidade (quando estão em jogo diferentes atributos que fazem
distinguir os jovens uns dos outros)” (Pais, 1993, p. 33).
Abramo (1997), por sua vez, ao analisar como a juventude tem sido
tematizada no Brasil, chamou a atenção para a ênfase dada à juventude como
“problemas social”, descaracterizando-a como sujeito que elabora
representações sobre a realidade a partir de suas próprias experiências,
percepções, formas de sociabilidade e atuação.
Frequentemente a juventude volta a ter visibilidade social, a partir de
ações individuais ou coletivas. No entanto, a maior parte dessas ações
continua sendo relacionado a traços de individualismo, fragmentação e também
violência, desregramento, desvio.
No nosso entendimento, ao estudarmos a juventude devemos ser
capazes de perceber a mesma como sujeito capaz de problematizar a sua
própria condição social, de vivenciar experiências próprias, capaz de propor e
se construir na relação com outros indivíduos e grupos sociais.
É importante ressaltar que ao nos referirmos aos adolescentes/jovens,
necessariamente temos de nos reportar ao tema do controle da sexualidade
humana.
Segundo Foucault, com o advento da modernidade/capitalismo, as
instituições estatais passam a se preocupar menos com o controle do sexo
normal, dentro do matrimônio e com função pro criativa, e mais em disciplinar
as sexualidades periféricas (denominadas ‘perversões’). Pelo fato de estas se
efetivarem fora do casamento e sem finalidade reprodutiva.
Aqui nos interessa recorrer à análise das instituições disciplinadoras
que, constituídas sob o discurso moderno, empenharam-se no papel de
controlar o comportamento sexual de acordo com o modelo social vigente, ao
mesmo tempo em que contribuíam para enunciar e propagar as confidências
que os indivíduos sociais faziam aos representantes do poder (médicos,
padres, professores) das instituições disciplinadoras, quando exerciam uma
sexualidade fora da norma.
Foucault (1988) denominou ‘sexualidades periféricas’ àquelas
relacionadas às:
Crianças demasiado espertas, meninas precoces, colegiais
ambíguos, serviçais e educadores duvidosos, maridos cruéis ou
maníacos, colecionadores solitários, transeuntes com estranhos
impulsos: eles povoam os conselhos de disciplina, as casas de
correção, as colônias penitenciárias, os tribunais e asilos; levam aos
médicos suas infâmias e aos juízes suas doenças (FOUCAULT,
1988, p.41).
No século XVIII, loucos, delinquentes e perversos carregaram o peso e o
estigma da “loucura moral”, da “neurose genital”, da “aberração do sentido
genésico”, da “degenerescência” ou do “desequilíbrio psíquico”. Já no século
XIX, ao tratar de repressão, surgem ambiguidades: por um lado, os códigos
tornaram-se menos severos quanto aos delitos sexuais e a justiça cedeu lugar
à medicina; por outro lado, houve uma potencialização da severidade em todas
as instâncias de controle e em todos os mecanismos de vigilância instalados
pela pedagogia e pela terapêutica.
Falar do sexo das crianças, fazer com que falem dele os educadores,
os médicos, os administradores e os pais. Ou então, falar de sexo
com as crianças, fazer falarem elas mesmas, encerrá-las numa teia
de discurso que ora se dirigem a elas, ora falam delas, impondo-lhes
conhecimentos canônicos ou formando, a partir delas, um saber que
lhes escapa – tudo isso permite vincular a intensificação dos poderes
à multiplicação do discurso (FOUCAULT, 1988, p. 32).
O autor enfatiza que o tema sexo vem sendo abordado pela escola já há
alguns séculos, advertindo que, ao contrário do que se pensa, esta instituição
não se eximiu de tratar do tema. Nos colégios do século XVIII não há omissão
sobre o tema, pois sempre se falou de sexo. Os colégios apresentam-se como
um microespaço de poder e controle dos corpos e do sexo dos alunos, sendo
este um dos liames que pretendemos investigar.
Para Foucault (1988), é preciso que se desenvolva um olhar mais
acurado sobre as relações que se estabeleceram entre instituições formativas,
disciplinadoras e o controle do sexo infantil (acrescentaríamos, sobre o sexo
juvenil).
Consideremos os colégios do século XVIII. Visto globalmente, pode-
se ter a impressão de que aí, praticamente não se fala em sexo.
Entretanto, basta atentar para os dispositivos arquitetônicos, para os
regulamentos de disciplina e para toda a organização interior: lá se
trata continuamente do sexo. Os construtores pensaram nisso, e
explicitamente. Os organizadores levaram-no em conta de modo
permanente. Todos os detentores de uma parcela de autoridade se
colocam num estado de alerta perpétuo: reafirmado sem trégua pelas
disposições, pelas precauções tomadas, e pelo jogo das punições e
responsabilidades. O espaço da sala, a forma das mesas, o arranjo
dos pátios de recreio, a distribuição dos dormitórios (com ou sem
separações, com ou sem cortina), os regulamentos elaborados para a
vigilância do recolhimento e do sono, tudo fala da maneira mais
prolixa da sexualidade das crianças. O que se poderia chamar de
discurso interno da instituição – o que ela profere para si mesma e
circula entre os que a fazem funcionar – articula-se, em grande parte,
sobre a constatação de que essa sexualidade existe: precoce, ativa,
permanente. Mas ainda há mais: o sexo do colegial passa a ser, no
decorrer do século XVIII – e mais particularmente do que o dos
adolescentes em geral – um problema público (FOUCAULT, 1988,
p.30).
No século XVIII há um investimento dos médicos sobre a criança, sobre
o seu sexo, em virtude de ela representar o germe do cidadão da Revolução
Francesa. Uma nova sociedade europeia emergia adotando a criança como
“objeto” de atenção de médicos eugenistas, acompanhadas dos pedagogos
que, em nome da saúde pública, transitavam entre a família e a escola.
Foucault (1988) analisa que as escolas e hospitais psiquiátricos, através
de sua hierarquia, organização e fiscalização, exerceram, ao lado da família,
outra forma de distribuição de jogo de poderes e prazeres. Também esses
espaços indicam regiões de muita saturação sexual, tais como as que ocorrem
em espaços privilegiados como a sala de aula, o dormitório, a visita ou a
consulta nos quais são implantadas formas de sexualidade não conjugal, não
heterossexual e não monogâmica. Por isso, o autor afirma que: “a sociedade
‘burguesa’ do século XIX, e sem dúvida a nossa, ainda, é uma sociedade de
perversão explosiva e fragmentada” (FOUCAULT, 1988, p. 46). Na verdade, a
perversão nada mais é do que uma resposta diante da interferência de um tipo
de poder sobre os corpos e prazeres.
Leituras interessantes ao pensarmos acerca da sexualidade
juvenil/adolescente e a formação discursiva e institucional que ‘moldam’ a
sexualidade considerada ‘normal’ e não patológica.
2. O PROJETO DE INTERVENÇÃO ESCOLAR
A intervenção na Escola propiciou-nos desenvolver com os/as alunos
(as) análises/diálogos sobre corpo, sexo e sexualidade. O estudo da
sexualidade humana deu-se com o objetivo específico de se historicizar a
trajetória humana, do ponto de vista da sua sexualidade. Observamos, de
início, questões como o fato de o corpo e suas energias terem sido
manipulados, a partir da modernidade, como forma de tornar-se produtivo
economicamente (enquanto força de trabalho) e dócil politicamente (por meio
das restrições moralistas/comportamentais a ele colocadas).
Deste modo, o uso da sexualidade humana acabou restringido ao campo
reprodutivo e relacionado quase que exclusivamente ao sexo (campo biológico,
ou seja, visto como correlato do órgão reprodutor feminino e masculino e
voltado para a reprodução humana).
A estratégia de intervenção passou pela leitura de que não estávamos lá
para ensinar algo (verdades prontas e acabadas aos alunos), mas sim o de
escutarmos e aprendermos com os alunos (permitir que os mesmos falassem
acerca de si mesmos, apresentando suas dúvidas, curiosidades, medos,
expectativas acerca do sexo e da sexualidade). Estávamos lá para fazermos,
junto com eles, uma leitura acerca de seu corpo e apresentarem suas
representações, suas dores, amores, seus prazeres. Sem olhares advindos de
‘especialistas’, com suas regras comportamentais ou de quem teria ‘caminhos,
verdades, a apontar’, sobre o sujeito, o jovem, a verdadeira forma de viver a
sexualidade, etc.
2.1 A ENTREVISTA COM OS JOVENS DA ESCOLA
A proposta de intervenção na Escola teve seu início, então, após as
leituras efetuadas acerca da sexualidade humana e após a conversa preliminar
efetuada com os jovens e seus pais, por meio da aplicação de um questionário
aos alunos/as do 8º ano (com os quais iríamos realizar a intervenção
pedagógica). De modo a melhor conhecermos os mesmos, bem como para
melhor compreendermos as dúvidas e conhecimentos que apresentavam, até
aquele momento, acerca da sexualidade.
Conforme podemos constatar no gráfico abaixo, a turma contava com 28
alunos, de 11 a 15 anos. (gráfico 01)
Do ponto de vista do sexo biológico, havia 15 meninas e 13 meninos.
Conforme aponta o gráfico abaixo. (gráfico 02)
No que concerne, mais especificamente, a questão da sexualidade, os
estudantes responderam o seguinte, conforme gráfico abaixo, (gráfico 03):
Idade
1
11
10
42 11 anos
12 anos
13 anos
14 anos
15 anos
Sexo
13
15
masculino
feminino
Percebemos, a partir de uma pergunta direta sobre a sexualidade (feita
sem que se fizesse, anteriormente, observações acerca desta temática), que
havia compreensões diferenciadas acerca da mesma. Embora prevalecesse a
interpretação quanto ao fato de a sexualidade se reportar ao corpo, de modo
mais abrangente (e não, exclusivamente, ao sexo).
Com relação à questão que se reportou ao fato de a Escola ser o local
ideal para se discutir sobre a sexualidade humana, conforme gráfico abaixo
aponta, os alunos, em sua maioria, responderam que sim, (gráfico 04).
Analisando as respostas referentes ao gráfico abaixo, percebe-se que
poucos alunos(as), adolescentes, conversam sobre sexualidade. Ainda
constata-se que é um tabu falar sobre esse assunto (gráfico 05).
O que é sexualidade para você?
191
5
1 2
conhecimento do
corpo
conhecimento
unicamente
sobre o corpo
conhecimento
sobre o sexo
conhecimento
unicamente
sobre sexo
outros
A escola é um local ideal para ensinar e discutir sobre
sexualidade humana
25
3
sim
não
O próximo gráfico apresenta com quem os adolescentes
conversam sobre sexualidade. Dez (10) apontaram que com os pais,
nove (09) com amigos, um (01) com profissional de saúde e as outras
opções de respostas obtiveram resultado 0 ( zero). Oito alunos, portanto,
não dialogavam sobre questões relativas a sexualidade. (gráfico 06).
O gráfico 07 apresentado abaixo analisa o entendimento dos alunos
acerca da sexualidade. Observou-se que a maioria deles, ou seja, 11 alunos
apontaram que suas experiências (relativas à sexualidade) abarcavam o
abraçar e trocar carinhos. Já para 04 alunos (as) somente beijar na boca
poderia ser considerada experiência relacionada a sexualidade. Para outros
(as) 03 três alunos (as), beijar na boca e efetuar carícias corporais
representavam experiências acerca da sua sexualidade. Para outros (as) 06
alunos (as) namorar sério (com compromisso) representava uma etapa
considerável, em termos de sua sexualidade. Apenas 01 um aluno afirmou que
namorar sem compromisso representava uma ação voltada à sexualidade.
Para outros 03 alunos (as) esta questão pareceu confusa. Por meio das
respostas podemos perceber que os estudantes têm visões muito diferenciadas
a respeito da sexualidade. Para alguns, sexualidade é sinônimo de sexo. Para
Você conversa com alguém sobre sexualidade
17
11
sim
não
outros, é sinônimo de namoro. Para outros, ainda, é sinônimo de carícias.
Obviamente que as respostas apontam para uma falta de entendimento acerca
da sexualidade como algo que transcende os contatos corporais/sexuais. Que
se trata de afetividade no trato consigo mesmo e com os outros.
O próximo gráfico n. 08 buscou ratificar o entendimento dos alunos
acerca da sexualidade. Para 23 deles, o carinho, o toque, o sorriso, tem
relação com a sexualidade. Para 5 deles, não há relação entre estes e a
sexualidade.
Em relação ao próximo gráfico, de nº 09, que buscou retratar as
formas/mecanismos através dos quais os alunos buscavam se informar acerca
de questões afetas a sexualidade, os alunos assinalaram os seguintes itens:
11
4
3 1
6 3
Suas experiências na sexualidade são?
abraçar e troca de carinhos sem maiores comprometimentos beijar na boca
beijar na boca com carícias corporais
23
5
O carinho, toque, sorriso, tem relação com a sexualidade?
sim
não
O próximo gráfico mostra que os adolescentes/jovens, alunos,
recebiam/recebem claramente influências do campo social, cultural, familiar,
religioso e de outros, no que se refere a sua sexualidade. Para apenas 04
deles o sujeito já nasce com suas características sexuais definidas.
As questões acima trabalhadas esclareceram-nos acerca de alguns
pontos importantes (pontos que serviram de parâmetro para a preparação e o
desenvolvimento das ações – intervenção pedagógica – realizadas
posteriormente com os alunos, na escola, acerca da sexualidade). Dentre estes
pontos, provavelmente o mais importante foi termos constatado que não
nascemos com uma demarcação universal, no que se refere a nossa
sexualidade. Mas sim, que desenvolvemos determinados tipos de leitura
acerca da mesma; que aprendemos sobre esta questão (sexualidade) por meio
da evolução sociocultural, por meio das influências advindas da mídia, dos
amigos, da família, do campo religioso, da ciência (da escola).
4 5
5 4
8
2
Você pensa que a pessoa nasce com o comportamento sexual definido ou ela se influencia
por? meios de comunicação
colegas e amigos
família
nasce com comportamento sexual definido experiências de vida
Existem, portanto, inúmeras formas de entendimento (saberes) sobre a
sexualidade. Diferentes maneiras de entendê-la e, consequentemente, de
vivenciá-la.
Esta turma de indivíduos retratada na pesquisa apresentou diferenças
cronológicas e de experiência de vida. Na sua maioria, meninos e meninas,
apresentaram-se calmos, inteligentes e receptivos em relação ao trabalho que
realizamos com eles. Não houve relato, advindo dos alunos, no que se refere à
violência sexual ou situações/experiências traumáticas envolvendo a
sexualidade dos mesmos. Algo que ajudou-nos a desenvolver um trabalho que
não oi acompanhado de maiores resistências e/ou dificuldades.
Cabe ressaltar que paralelo a este trabalho (aplicação de questionário
aos alunos); apresentamos aos pais destes, por meio de uma reunião
agendada e consentida pela Escola, os objetivos do projeto. De forma a
tranquilizá-los acerca dos passos que daríamos com o trabalho voltado a
sexualidade.
2.2 UNIDADES TEMÁTICAS
Começamos o trabalho na escola, com os alunos, do ponto de vista da
aplicação do planejamento efetuado (por meio de Unidades Temáticas), a partir
do estudo do corpo, sua complexidade estrutural, biológica, funcional.
Analisamos, por meio de cartaz exposto e por meio de maquetes que
retratavam o corpo, como somos (em termos da estrutura corporal motora,
biológica e funcional).
Neste primeiro momento, embora tenhamos discutido a questão da
função reprodutiva, biológica, não apareceram curiosidades mais abrangentes
acerca deste tema. A curiosidade maior, naquele momento, estava relacionada
à estética corporal e as formas de os adolescentes lidarem com o seu próprio
corpo (a partir de questões como a do cuidado da saúde, do bem estar). E este
foi o enfoque trabalhado.
Num segundo momento, desenvolvemos um trabalho por meio do qual
instigamos os alunos a melhor conhecerem seus corpos, seus limites, suas
manifestações; por meio de atividades elaboradas, planejadas, que constam na
produção didática anteriormente desenvolvida e também ligada ao trabalho
realizado via Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE).
No decorrer das unidades trabalhadas, questões como a da construção
social do corpo e da sexualidade foram se tornando mais claras. Por exemplo,
o fato de que existem estereótipos criados pela sociedade, em relação ao
modo tido como ‘correto’ de se vestir, gesticular; bem como uma divisão
maniqueísta entre os sexos (biologicamente definidos por meio dos órgãos
reprodutores), que entende o masculino e o feminino, com as respectivas
posturas a serem adotadas por cada um, a partir desta divisão biologicamente
definida.
Discutiram-se questões como a das mudanças
corporais/comportamentais adstritas a cultura social; e questões ligadas ao
campo biológico (que independem, em grande medida, do campo social). Que
as representações sobre a identidade de cada um, em grande media, são
elaboradas, a princípio, com base na dimensão biológica (sexual/reprodutora);
mas são, enfim, consolidadas (discursivamente) por meio de preceitos
advindos do mundo social/cultural, tais como da religião (que vê o corpo como
o lugar do pecado e a alma como a parte superior do homem), como a
propaganda (que vê o corpo como lugar do consumo), como das ciências tais
como a Educação Física (que vê o corpo como performance) e a psicologia
(que vê o corpo como separado da mente, ocupando-se desta).
Esta discussão se tornou mais clara quando organizamos algumas
representações acerca do feminino e do masculino, a partir da própria fala dos
meninos e das meninas. Por exemplo, o fato de as meninas, apesar das
mudanças comportamentais que nas ultimas décadas proliferaram, ainda
apontarem como ideal o casamento; bem como o fato de os meninos darem
grande importância para a capacidade de gerenciarem o lar e controlarem as
emoções (usarem da racionalidade no trato com as coisas do mundo, o que
traz à tona a velha dicotomia entre o homem, ser racional; e a mulher, ser
sentimental).
Abaixo apresentamos um quadro que resume a produção dos grupos, a
partir das discussões desencadeadas:
Meninos Meninas
Tem que fazer a barba
todos os dias.
Tem que estar sem pelos no
corpo.
Fica com todas sem se
importar com ninguém. Prefere ficar com um só.
Não gosta de se prender
a um relacionamento.
Está em busca de uma relação
duradoura, em especial o casamento.
Prefere atividades
violentas. Prefere atividades calmas.
Em outra atividade ampliaram-se as discussões acerca do uso de
jargões e demais palavras que normalmente são usadas para definir o sexo de
meninos e meninas. Abrimos as discussões e fomos colocando no quadro
negro as palavras trazidas pelos alunos. Entre tantas palavras usadas,
selecionamos algumas:
Algumas palavras que caracterizam o órgão sexual feminino
Puta
Ppk
Perereca
Algumas palavras que caracterizam o órgão sexual masculino
Fio terra
Pintinho
Pau
Estas palavras foram surgindo no decorrer da aula, gerando ampla
discussão e intervenções, de modo a analisarmos o que cada termo
representava/representa do ponto de vista sexual e identitário.
Sobre este assunto, Louro afirmou:
Seguindo regras definidas por gramáticas e dicionários,
sem questionar o uso que fizemos de expressões consagradas,
supomos que ela é apenas um veículo de comunicação. No
entanto, a linguagem não apenas expressa relações, poderes,
lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e
pretende fixar diferenças (LOURO, 2011).
Noutro momento trabalhamos mais efetivamente a relação entre sexo,
sexualidade e gênero. Buscamos proporcionar aos jovens momentos de
reflexão mais profunda, acerca destas palavras, para além daquele utilizado
usualmente pela sociedade; seja pelo campo moral, religioso, biológico.
Após abrirmos o debate com os alunos (as), pautamos nossa fala de
modo a distinguirmos os respectivos conceitos/palavras. O primeiro
elemento que levantamos se referiu justamente a distinção entre sexo e
sexualidade, pois não se referem à mesma coisa (embora sejam
confundidas pelo ‘senso comum’).
Deste modo, o que caracteriza o sexo (ou seja, o que se refere aos
órgãos genitais masculinos e femininos e a função reprodutora que envolve
a estes) é diferente do que caracteriza a sexualidade (que se refere a
afetividade humana e que transcende o sexo, ligado, por sua vez, a genitália
feminina e masculina e a mera reprodução da espécie).
O sexo é biológico, caracterizado por funções hereditárias que tem
como função a reprodução. Nas ilustrações de livros didáticos e dicionários
encontramos exemplos que definem o aparelho genital externo e interno.
Já a sexualidade é o que envolve a gentileza, os afetos, sem estar
necessariamente vinculada ao sexo (ou ao campo erótico).
A sexualidade humana é uma necessidade básica de ser, estar e
sentir, que envolve, além do nosso corpo; nossa história de vida, nossos
costumes, nossa cultura e nossas relações afetivas. Sendo construída desde
o nascimento até nossa morte.
Sexo se refere aos órgãos genitais masculinos e femininos e a função
reprodutora que envolve a estes. Sexualidade abrange elementos que vão
para além da conformação fisiológica/genital. Envolve sentimentos e
afetividade. A sexualidade é uma forma de expressão dos sentimentos, por
meio da qual externalizamos nossas sensações, afetos e identificações.
De modo a trabalharmos estas questões/distinções, efetuamos uma
dinâmica por meio da qual os alunos manifestaram ações afetivas e as
interpretaram. A partir de situações vividas, envolvendo afetos (beijo no rosto,
aperto de mãos, abraços), provocamos os/as alunos para que interpretassem
estas ações. A partir disto, foi feita uma comparação/diferenciação entre as
leituras por eles e elas feitas, acerca das situações vivenciadas, e as leituras
advindas da sociedade (notadamente por meio da mídia), sobre estas mesmas
situações.
Esta atividade consistiu na elaboração conceitual, a ser feita pelos
participantes, acerca dos gestos e atitudes que possam definir o que o
individuo pensa e como este age (e que, normalmente, são analisados a partir
do seu sexo). Muitas vezes, o significado social difere do significado que os/as
adolescentes podem elaborar. Após essa construção do saber, compartilhamos
algumas ideias.
SIGNIFICAÇAO DOS GESTOS/AFETOS - SEXUALIDADE JUVENIL
GESTOS
SIGNIFICADO
SOCIAL
SIGNIFICADO
JUVENIL
Aperto de mão
Forma de
cumprimento
Distanciamento,
cumprimento, forma de
inclusão.
Formalidade/Regra
Abraço rápido
Empático,
simpático
Necessidade,
esperança, temores
Beijo breve no
rosto, mãos dadas
Afetuoso
Partilha, ideias,
opiniões
Alguém que partilha
as mesmas ideias
Encostar a mão Amigável Necessidade de afeto
no corpo do outro, ficar
colado no corpo do
outro, lateralmente
Amizade
Abraço apertado
e extenso
Ternura
Carinho, afeição,
receptividade
Beijo na boca
Apaixonada (o)
Romântico,
desejoso, partilha de
emoções
Troca/maturidade
Carícias e
estimulação de todas as
áreas erógenas do corpo
Sexual
Erótico, partilha
intima inteira de mente e
corpo/Sexo
Sexo
Percebe-se, a partir do quadro acima, que em grande medida a forma
com que a juventude interpreta seus gestos/afetos aproxima-se da forma
socialmente/culturalmente elaborada. O que difere é a facilidade com que os
jovens expressam estes afetos (sem os constrangimentos e discriminações
típicas do mundo adulto).
Todavia, há diferenças a serem observadas. Em relação ao beijo, por
exemplo, que há pouco tempo atrás representava intimidade e era feito com
um certo resguardo e até certo constrangimento; hoje é praticado pelos jovens
como um experimento necessário ao amadurecimento (maturidade), e é feito,
muitas vezes (mesmo na primeira vez), diante de uma plateia.
Segundo o relato dos estudantes, quem é boca virgem (BV) não é muito
bem visto pelos mais experientes. Além disso, para os jovens de hoje, sem o
beijo é difícil se saber se ‘ a gente gosta de alguém’. Interessante notar que há
pouco tempo atrás, afirmava-se gostar de alguém, primeiro, para depois beijá-
lo (a). Hoje se beija primeiro, para internalizar uma representação acerca do
outro e dos meus próprios pensamentos.
No momento de estudarmos e construirmos o saber sobre a sexualidade
exercida nos corpos em transformação propiciamos aos educandos/as a
compreensão da fase que estão passando, adolescência e puberdade, fase
esta marcada por grandes conflitos; muitos deles advindos dos padrões de
conduta consolidados pela sociedade e por padrões de beleza consolidados,
notadamente, pela mídia (impressa e falada).
O que, em grande medida, causa desconforto nos adolescentes/jovens
que não se enquadram nestes estereótipos. Criamos possibilidades de leituras
críticas e que redundassem, por parte dos adolescentes, em mudanças
comportamentais.
Deste modo, mostramos que os conflitos pelos quais passavam os
adolescentes/alunos daquela escola eram também, em grande medida,
vivenciados por outros tantos adolescentes. Buscamos proporcionar momentos
de reflexão, por parte dos alunos, acerca das diversas formas de intervenção
social/familiar, que moldam, em grande medida, a formação moral destes
alunos.
Refletimos com eles acerca da diferença entre puberdade e
adolescência, mostrando que a primeira (mais ligada ao campo biológico) pode
ser considerado um fenômeno universal; enquanto que a segunda varia
conforme o espaço sociocultural no qual determinados grupos estão inseridos.
Entendemos que temas sobre sexo/sexualidade tais como papéis
estereotipados para homens e mulheres, gravidez, diferenças sexuais, imagem
corporal, popularidade e identidade são alguns dos que mais
envolvem/preocupam os/as adolescentes, deixando-os/as angustiados nesta
fase de suas vidas.
Conforme afirma Louro,
Participantes de uma dinâmica cultural própria, juvenil, e da
dinâmica social e cultural mais ampla, alvo da atenção e dos
apelos da mídia, das igrejas, das doutrinas jurídicas ou
militares, etc., as crianças e jovens escapam, certamente, aos
controles de qualquer discurso – escolar ou não – que se
pretende único e homogeneizador. (LOURO, 2011)
De todo modo, por meio destas e de outras atividades (tais como a que
desenvolvemos por meio do uso de músicas), consolidamos com os alunos
momentos de análise que mostraram que o corpo não é apenas um conjunto
orgânico de diferenças dadas, mas um espaço onde ocorrem diferenciações.
Que mostraram que o corpo humano é uma das dimensões da história e como
tal deve ser entendido como: a) um espaço social (nunca unitário, mas sempre
resultado do conjunto das relações sociais); b) um processo da evolução
histórica, um processo de diferenciação (e não diferença pré-determinada que
demarca, a priori, cada um).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho desenvolvido na Escola Estadual Beatriz Biavatti, localizada
na cidade de Francisco Beltrão, Paraná. Trabalho que se direcionou a meninos
e meninas do 8º ano desta Escola, durante 5 meses, de fevereiro a junho de
2014, no contra turno, foi acompanhado de imensa satisfação, profissional e
pessoal!
Foi muito bom poder contribuir com a Escola e com os alunos, por meio
de um projeto elaborado em conformidade com o orientador e com nossas
próprias expectativas acerca da sexualidade. Tema que desenvolvemos a partir
da relação entre Educação Física e Sexualidade. Para nós, temas passíveis
de entrecruzarem-se e servirem de ponte para o aperfeiçoamento institucional
(escolar).
REFERÊNCIAS CONSULTADAS/UTILIZADAS
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Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n.5-6, p.25-36, 1997.
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman.
2ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
CHAUÍ, Marilena. A Linguagem: A importância da linguagem. In: Convite à
Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
FOUCALT, Michel. História da Sexualidade. O uso dos prazeres. Rio de
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LOURO, Guacira Lopes, Jane Felipe Neckel y Silvana Vilodre Goellner
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Miccolis,Leila e Daniel Herbert. Jacarés e lobisomens, dois ensaios sobre a
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