OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS PERCEPÇÕES LIBERAL E COMUNITARISTA (Maria Thereza Tosta Camillo)

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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS PERCEPÇÕES LIBERAL E

COMUNITARISTA

Maria Thereza Tosta Camillo Pós-Graduanda em Direito Constitucional

Trabalho apresentado como exigência para a disciplina

Filosofia Constitucional.

1. INTRODUÇÃO

Os estudiosos da filosofia política e jurídica têm se debruçado sobre a

questão da justiça no direito, ou seja, a vinculação da norma com a moral, e a

definição de que valores abrigar, considerando o pluralismo da sociedade

contemporânea. Com a obra Teoria da Justiça, John Rawls tornou-se o novo

ponto de partida de reflexão e debate, tendo surgido seguidores e críticos

igualmente ardorosos.

A sua defesa dos ideais liberais é veementemente combatida pelos

chamados comunitaristas. A polêmica consiste basicamente em se definir as

prioridades de uma filosofia constitucional – o bem (valores eleitos pelos estados)

ou o justo (procedimentos imparciais). Uma vez que o liberalismo tem como foco

o indivíduo e o comunitarismo prioriza a coletividade, torna-se tão relevante

quanto interessante o estudo de como essas correntes opostas percebem os direitos

fundamentais e se há possibilidade de harmonização entre as duas visões.

Com essa finalidade, será empreendida pesquisa bibliográfica, com

destaque para uma leitura crítica dos textos-base da disciplina de Filosofia

Constitucional, a fim de oferecer um breve panorama sobre o tema.

2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS PERCEPÇÕES LIBERAL E

COMUNITARISTA

Para estudarmos os direitos fundamentais sob as óticas liberalista e

comunitarista, primeiramente faz-se necessário compreender as características

principais dessas duas doutrinas.

Os programas políticos ditos liberais militam pela causa da liberdade,

ou seja, pela proteção das liberdades individuais. Quer se veja o liberalismo como

doutrina política, econômica ou moral, a afirmação da ideia de liberdade está

sempre presente.

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De raiz revolucionária, o liberalismo surge da necessidade de se

limitar o poder do Estado, resguardando a liberdade do indivíduo. Traz a ideia de

governo pelo consentimento, de legitimidade. Sua teoria dos direitos

fundamentais baseia-se na concepção de Locke dos “direitos naturais”, universais

e inalienáveis, auto-evidentes e dos quais todas as outras prerrogativas derivam:

“o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade”. Mais tarde, as ideias de

Rousseau introduzem no liberalismo a questão da igualdade, construindo um

modelo ideal de democracia, na qual o povo exerceria diretamente o poder1.

No novo milênio, o liberalismo apresenta uma nova face, centrada

basicamente em dois eixos: o respeito pela pessoa humana e o respeito pela lei. O

primeiro deriva da moral judaico-cristã, adequada ao racionalismo iluminista, do

respeito pela dignidade e integridade da pessoa humana. O segundo é o pilar do

moderno Estado de Direito, a defesa contra a arbitrariedade, a adoção da “vontade

geral” em detrimento da própria vontade2.

Por ter em suas raízes a proteção contra a arbitrariedade, o liberalismo

privilegia os direitos fundamentais “negativos”, limitadores da atuação do Estado

– as liberdades, ditos direitos de primeira geração. Além disso, sua índole

universalista baseia a visão dos direitos fundamentais em valores morais fixos,

superiores e reconhecidos universalmente.

Por outro lado, a partir da década de 80 surge o comunitarismo, teoria

política anglo-americana que vai de encontro ao liberalismo, contestando a

insuficiência da teoria e prática liberal3. Tal doutrina busca equacionar a justiça e

a distribuição de recursos sociais, bem como defende que o ponto de partida para

a liberdade são as normas partilhadas da comunidade.

Nascida das críticas ao liberalismo, a doutrina comunitarista tornou-se

sua natural antagonista, sendo difícil definir por si só. Ademais, não há

uniformidade de pensamento entre os autores. Em oposição ao individualismo

1 LIBERALISMO. Dicionário de Filosofia Moral e Política – Instituto de Filosofia da Linguagem.

Disponível em: http://www.ifl.pt/ifl_old/dfmp_files/liberalismo.pdf Acesso em: 07/12/2009.

2 Ibidem.

3 COMUNITARISMO. Dicionário de Filosofia Moral e Política – Instituto de Filosofia da Linguagem.

Disponível em: http://www.ifl.pt/ifl_old/dfmp_files/comunitarismo.pdf Acesso em: 07/01/2010.

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liberal, defende uma concepção coletivista de cidadania, consistente na partilha de

valores culturais de uma comunidade política de iguais4.

O comunitarismo propõe como valor central os múltiplos vínculos

comunitários, e como soluções as práticas e tradições da comunidade, frutos da

construção social. A comunidade forma a base para justificação moral e a pertença

da comunidade é a base para as obrigações não escolhidas. A sociedade, segundo

o comunitarismo, deve garantir os meios mínimos que permitam aos indivíduos

realizar seus projetos de vida5. Dessa forma, o Estado tem papel paternalista,

encorajando os modos de vida que realizam os valores da comunidade. Apesar do

pluralismo, será a consciência coletiva, a comunidade política, o princípio

legitimador do justo, limitando a diferenciação por sua compreensão de bem

social6.

Do ponto de vista moral, os comunitaristas entendem que a finalidade

das instituições é a de manter um contexto favorável ao desenvolvimento de

virtudes pré-determinadas pelo Estado com base nos valores eleitos pela

comunidade (visão perfeccionista). Já os liberalistas enxergam nas mesmas

instituições o papel de garantir ampla autonomia aos indivíduos ao gerir suas

vidas7 (visão antiperfeccionista).

Quanto à validade e fundamentação dos princípios, os comunitaristas

afirmam que princípios jurídicos aceitáveis são aqueles cuja validade repousa em

valores substanciais compartilhados pelos membros de uma comunidade. Tal

abordagem é chamada contextualista, pois os princípios que regulam a ordem

jurídica respeitam os contextos da comunidade. Os liberalistas, por outro lado,

4 COSTALONGA JUNIOR, Ademir João. Função Social da Propriedade: Liberalismo, Teoria

Comunitarista e a Constituição de 1988. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006

[Dissertação de mestrado; área de concentração: Relações Privadas e constituição, 126p]

5 VALEIRÃO, Kelin. Sobre a antinomia: liberalismo versus comunitarismo. Biblioteca CECIERJ.

Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/cienciassociais/0021.html Acesso em:

11/12/2009.

6 ALTABLE, María Pilar González. Liberalismo vs. Comunitarismo (John Rawls: uma concepción

política del bien). In: Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho. n. 17-18. Madrid: Universidad de

Alicante, 1995. p. 117-36.

7 O EMBATE LIBERALISMO X COMUNITARISMO E SUAS REPERCUSSÕES (Aula 5). Artigo

Científico. Disponível, pela diretoria de educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina

Filosofia Constitucional, do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional. Acesso em 11.12.2009.

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adotam uma abordagem procedimentalista, na qual a validade dos princípios se

funda em regras formais - princípios extraídos a partir de certos procedimentos

que, uma vez respeitados e adotados, servem como suporte racional para que os

indivíduos sejam capazes de refletir sobre a procedência e, também, sobre o

estabelecimento destes princípios como base de uma convivência comum8.

Na constituição brasileira de 1988, o título dos direitos fundamentais

traz a marca do pluralismo, com os direitos sociais e difusos ao lado dos clássicos

direitos individuais9. No entanto, o rol de direitos fundamentais da constituição

converge para e tem como locus hermenêutico o princípio da dignidade da pessoa

humana, valor basilar do Estado. Tal princípio é um dado prévio ao Direito, que o

promove e protege10

. Sendo considerada um valor universal, a dignidade humana

não deriva do direito positivo ou do consenso social, no que confirma em parte as

teses liberalistas.

No entanto, a crítica comunitarista foi assimilada e a mentalidade

coletivista se faz sentir pela inclusão dos direitos sociais no rol de direitos

fundamentais, bem como no estabelecimento de metas para o Estado brasileiro

(normas programáticas) para a promoção de um ambiente facilitador do

desenvolvimento de qualidade de vida e opções para os indivíduos. Como

exemplo, podem-se destacar as políticas sociais do governo nas últimas décadas -

desde o Programa Comunidade Solidária, criado em 1995 pelo governo FHC, até

a política social do atual governo11

.

8 ibidem

9 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos

Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2009, p. 65.

10 DI LORENZO, Wambert Gomes. Teoria do Estado de Solidariedade: da diginidade da pessoa humana

aos seus princípios corolários. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010, p.54.

11 MACEDO, Myrtes de Aguiar. O Comunitarismo na Nova Configuração das políticas Sociais no

Brasil. In: Em Debate 01 (2005) PUC-Rio Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br .

Acesso em 25/01/2010.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O maior desafio que se apresenta na pós-modernidade é encontrar um

caminho em que os valores humanos e coletivos se realizem, sem exacerbação do

individualismo, uma vez que o homem não pode existir por si mesmo, e longe de

um coletivismo intolerante das diferenças, que desrespeita a dignidade humana.

No Brasil, embora as visões liberalista e comunitarista sejam

aparentemente excludentes entre si, verifica-se que ambas deram sua contribuição

quando da seleção dos direitos humanos a serem constitucionalizados. Tais

doutrinas conferem o cabedal ético (noções de bem, justo, consenso, etc) a

permear os princípios e normas constitucionais.

Diversas conquistas democráticas, tanto no campo das liberdades

públicas quanto dos direitos sociais foram alçadas ao status de direitos

fundamentais. Entretanto, ambas as visões – liberal ou comunitarista – mostram-

se insuficientes para solucionar o problema de se conciliar a liberdade individual e

a igualdade real. Nem o indivíduo pode se pretender sozinho, desconsiderando as

práticas e tradições da comunidade, nem esta pode impor os valores da maioria.

A resposta ao desafio parece estar – sem escrúpulo de lançar mão de

um clichê – no meio termo, no equilíbrio – um Estado não opressor, respeitador

da liberdade e do espaço individual, e ao mesmo tempo forte e organizado para

promover o desenvolvimento integral de seus cidadãos.

4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALTABLE, María Pilar González. Liberalismo vs. Comunitarismo (John Rawls:

uma concepción política del bien). In: Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho.

n. 17-18. Madrid: Universidad de Alicante, 1995. p. 117-36.

COSTALONGA JUNIOR, Ademir João. Função Social da Propriedade:

Liberalismo, Teoria Comunitarista e a Constituição de 1988. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006 [Dissertação de mestrado;

área de concentração: Relações Privadas e constituição, 126p]

DI LORENZO, Wambert Gomes. Teoria do Estado de Solidariedade: da

diginidade da pessoa humana aos seus princípios corolários. Rio de Janeiro,

Elsevier, 2010.

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GONÇALVES, Gisela. Comunitarismo ou Liberalismo? Universidade da Beira

Interior, 1998. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/goncalves-gisela-

COMUNITARISMO-LIBERALISMO.html Acesso em: 11/12/2009.

MACEDO, Myrtes de Aguiar. O Comunitarismo na Nova Configuração das

políticas Sociais no Brasil. In: Em Debate 01 (2005) PUC-Rio. Disponível em:

http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br . Acesso em 25/01/2010.

OLIVEIRA, Nythamar de. O Problema da Fundamentação Filosófica dos

Direitos Humanos: Por um Cosmopolitismo Semântico – Transcedental. ethic@,

Florianópolis, v.5, n. 1, p. 21-31, Jun 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria

Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ed. Porto

Alegre: Do Advogado, 2009.

SILVEIRA, Denis Coitinho. Teoria da Justiça de John Rawls: Entre o

Liberalismo e o Comunitarismo. Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190,

2007.

VALEIRÃO, Kelin. Sobre a antinomia: liberalismo versus comunitarismo.

Biblioteca CECIERJ. Disponível em:

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/cienciassociais/0021.html

Acesso em: 11/12/2009.

Dicionários e Obras de Referência:

COMUNITARISMO. Dicionário de Filosofia Moral e Política – Instituto de

Filosofia da Linguagem. Disponível em:

http://www.ifl.pt/ifl_old/dfmp_files/comunitarismo.pdf Acesso em: 07/01/2010.

LIBERALISMO. Dicionário de Filosofia Moral e Política – Instituto de

Filosofia da Linguagem. Disponível em:

http://www.ifl.pt/ifl_old/dfmp_files/liberalismo.pdf Acesso em: 07/12/2009.

Material Disponibilizado pelo Campus Virtual:

O EMBATE LIBERALISMO X COMUNITARISMO E SUAS

REPERCUSSÕES (Aula 5). Artigo Científico. Disponível, pela diretoria de

educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina Filosofia

Constitucional, do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional. Acesso em

11.12.2009.