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72 A ascensão nazista ao poder: O N.S.D.A.P. e a sua máquina de propaganda (1919-1933) Edson José Perosa * Resumo: Como pode um grupo político, que até 1929, era marginal no cenário político alemão se tornar, em três anos, o maior partido da Alemanha e subseqüentemente chegar ao poder? Teria sido a propaganda nacional-socialista tão eficaz conquistando o coração e a mente de milhões de alemães? Ou teriam sido as inescrupulosas alianças e intrigas nazistas com o establishment alemão o fator crucial para o êxito nazista em 1933? Esse projeto visa tentar responder a questões como estas, alicerçado na literatura especializada em Nazi-fascimo e em propaganda nazista. Palavras-chaves: Nazismo, Propaganda, Conflitos Políticos, Goebbels, República de Weimar. Abstract: How can a political group, which until 1929, was marginal in the German political scene become, in three years, the largest party in Germany and subsequently come to power? It would have been the national-socialist propaganda so effective in conquering the hearts and minds of millions of Germans? Or would have been the unscrupulous alliances and intrigues between the Nazis and the German establishment, the crucial factor for success of Nazism in 1933? The purpose of this article is to respond these issues, anchored in the literature of Nazi-fascism and Nazi propaganda. Key words: Nazism, Propaganda, Political Conflicts, Goebbels, Weimar Republic. * Graduando em História pela Universidade Estadual de Maringá.

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A ascensão nazista ao poder:

O N.S.D.A.P. e a sua máquina de propaganda (1919-1933)

Edson José Perosa*

Resumo: Como pode um grupo político, que até 1929, era marginal no cenário político alemão se tornar, em três anos, o maior partido da Alemanha e subseqüentemente chegar ao poder? Teria sido a propaganda nacional-socialista tão eficaz conquistando o coração e a mente de milhões de alemães? Ou teriam sido as inescrupulosas alianças e intrigas nazistas com o establishment alemão o fator crucial para o êxito nazista em 1933? Esse projeto visa tentar responder a questões como estas, alicerçado na literatura especializada em Nazi-fascimo e em propaganda nazista.

Palavras-chaves: Nazismo, Propaganda, Conflitos Políticos, Goebbels, República de Weimar.

Abstract: How can a political group, which until 1929, was marginal in the German political scene become, in three years, the largest party in Germany and subsequently come to power? It would have been the national-socialist propaganda so effective in conquering the hearts and minds of millions of Germans? Or would have been the unscrupulous alliances and intrigues between the Nazis and the German establishment, the crucial factor for success of Nazism in 1933? The purpose of this article is to respond these issues, anchored in the literature of Nazi-fascism and Nazi propaganda.

Key words: Nazism, Propaganda, Political Conflicts, Goebbels, Weimar Republic.

* Graduando em História pela Universidade Estadual de Maringá.

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1. Introdução

Este artigo fará uma breve introdução acerca da propaganda desenvolvida pelo N.S.D.A.P. desde sua fundação em 1919, como Deutsche Arbeiterpartei

(D.A.P.), até 1933 quando o partido chegou ao poder, isso servirá para familiarizar o leitor com o contexto da época e de como os nazistas se comportavam. Além disso, a abordagem central será em relação à propaganda nazista nesse período, quais foram os seus métodos, sua eficácia e seus agentes nesse período anterior a 1933. Por fim pretendemos contribuir para o debate relacionado ao alcance e eficácia da propaganda na conquista de adeptos e eleitores para o N.S.D.A.P. Vale ressaltar, que segundo alguns autores a propaganda haveria sido crucial para que o partido chegasse ao poder, como as alianças com os conservadores, fundamentais para os nazistas (PAXTON, 2007), embora outros afirmem o contrário.

Assim, nesse trabalho procuramos dialogar com a referida literatura e apontar, introdutoriamente, quais os debates relacionados ao papel da propaganda no período e aprimorar o nosso entendimento sobre o nazismo, além de elucidar melhor como o fenômeno nazista pode dar certo.

2. O N.S.D.A.P. (1919-1933)

Com o fim da primeira guerra mundial em 1918 e a derrota da Alemanha muitos alemães foram pegos de surpresa, principalmente os soldados no front, pois o armistício de 11 de novembro foi assinado antes que os aliados franceses, ingleses e estadunidenses adentrassem em território alemão. Além disso, para esses soldados alemães a situação não parecia tão desesperadora assim (quando na realidade era), pois até pouco tempo antes a Alemanha parecia a caminho da vitória, já que os russos foram derrotados em 1917 com a assinatura do tratado de Brest-Litovsk, assim a Alemanha pode concentrar todos os seus esforços no front ocidental. Ocorreu que naquele mesmo ano os Estados Unidos entraram na guerra. Isso foi crucial para a derrota alemã, pois além dos soldados franceses e ingleses que já lutavam contra os alemães na França agora se somariam mais soldados estadunidenses, sem contar a superioridade material dos Estados Unidos que se somava contra a Alemanha (COUTO, 2007).

A economia alemã iria enfrentar um difícil período depois do fim da guerra que iria durar de 1919 até, mais ou menos, 1924. A inflação e o desemprego castigaram muitos alemães, isso agravava ainda mais a situação (é importante entender esse contexto, pois os nazistas irão sempre recorrer a ele para demonstrar quão terrível era à situação da Alemanha antes de eles

Hitler no comício em Nuremberg de 1928

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chegarem ao poder, além de servir de apelo para muitos alemães quando os nazistas afirmavam que tal desgraça nunca acorreria novamente, pois eles nunca deixariam tal ocorrer; esse é um tema freqüente na propaganda nazista, devemos ficar atentos a isso).

É nesse contexto que o D.A.P. (Deutsche Arbeiterpartei), partido dos trabalhadores alemães, é fundado em Munique no ano de 1919 por Anton Drexler e Gottfried Feder. Era apenas mais um dentro os vários pequenos partidos nacionalistas que pipocaram pela Alemanha naquele período (BERTONHA, 2006). Um cabo desconhecido do exército alemão, chamado Adolf Hitler, se encontrava em Munique nesse mesmo período. Hitler que havia nascido na Áustria em 1889 e viveu boa parte de sua juventude em Linz e Viena onde desenvolveu um profundo e odioso anti-semitismo.

Pouco antes de estourar a primeira guerra mundial se mudou para Munique em 1913 fugindo do serviço militar Austro-Húngaro, país que considerava indigno de se combater por apresentar uma imensa diversidade étnica. Em Munique ele se alistou no exército alemão logo que a guerra foi deflagrada e serviu no front ocidental onde acabou ferido e condecorado com a cruz de ferro primeira classe (FEST, 2005).

Graças a seus dotes de político e agitador Hitler conquistou rapidamente a liderança do partido, em 1920 o nome do partido foi mudado para N.S.D.A.P. (Nationalsozialistische Deutsche

Arbeiterpartei), o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. A partir daí Hitler deixaria o exército para se dedicar totalmente ao partido, e de fato o N.S.D.A.P. começou a ganhar mais expressão política em Munique, nesse ínterim os nazistas começaram a tramar um Putsch. Eles foram muito

inspirados pela bem sucedida ‘‘marcha sobre Roma’’ dos fascistas italianos. A admiração que os nazistas, especialmente Hitler, tinham por Mussolini não deve ser subestimada (BERTONHA, 2006).

Ocorreu que o Putsch acabou fracassando e Hitler acabou preso na prisão de Landsberg em 1924, enquanto estava no cárcere escreveu Mein Kampf

(Minha Luta), com a ajuda de seu assistente Rudolf Hess, apesar de parecer confuso o livro realmente apresenta a ideologia nazista de forma concisa (FEST, 2005). Hitler introspectivamente decidiu que o único meio para conquistar o poder seria através da legalidade, por isso nos anos subseqüentes o partido teria que se adaptar ao sistema eleitoral alemão. Nos anos de 1924 a 1929, apesar de o partido gozar de pouca expressão no quadro político da república de Weimar, devido até a boa situação que a economia alemã atravessava em contraste com os anos anteriores (FEST, 2005).

Esse período foi importante para a estruturação e hierarquização do partido em torno de Hitler, que a partida daí seria o Führer, o líder e condutor inconteste do N.S.D.A.P. e do Volk (essa expressão era usada pelos nazistas para designar o povo alemão racialmente determinado) (FEST, 2005).

A partir de 1929 o N.S.D.A.P. vai conquistar suas primeiras grandes vitórias eleitorais. Um problema se levanta quando analisamos esse período, como é possível milhões de alemães terem escolhido o nazismo nesse momento? A crise econômica sem dúvida explica parte do problema, mas não é o único fator a ser levado em conta, por que os alemães não

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escolheram outros partidos, como o social-democrata?

Os nazistas nunca atingiram a maioria eleitoral antes de assumirem o poder, todavia mesmo assim se tornaram o maior partido da Alemanha, mesmo com um pequeno recuo de seus votos na eleição de novembro de 1932. Alguns autores atribuem a ascensão do nazismo aos erros e a miopia da esquerda (a profunda desunião do partido comunista e do partido social-democrata atesta isso), outros afirmam que foi a complacência dos dirigentes conservadores da república de Weimar. Talvez tenham sido ambos os fatores, mas não respondem satisfatoriamente a questão. Devemos chamar a atenção para popularidade que o nazismo atingiu devido a sua propaganda (jornais, comícios em massa, marchas de multidões uniformizadas e discursos rancorosos) que apelava para o sofrimento e a desilusão dos alemães e sordidamente se utilizavam disso para conquistar a simpatia e votos entre os alemães (PAXTON, 2007; BERTONHA, 2006).

O ano de 1932 foi marcado por duas eleições presidenciais e duas eleições para o parlamento alemão, o Reichstag, além do outras eleições regionais, como na Prússia. Os cofres do partido estavam esvaziando devido às incessantes campanhas eleitorais (na campanha eleitoral para a presidência em abril de 1932 Hitler foi de cidade em cidade de avião, chegando mesmo a fazer cinco discursos em um único dia e em diferentes cidades; isso rendeu até um livro de fotografias, Hitler über Deutschland, podemos traduzir como ‘‘Hitler sobre a Alemanha’’, o nome é bem sugestivo).

Os arrivistas nazistas estavam sedentos por cargos e a recusa de Hitler de não aceitar outro cargo do que o de

chanceler causou divergências dentro no N.S.D.A.P. Mesmo assim uma crise política na república de Weimar forneceu a brecha que os nazistas precisavam. Pressionado pela burguesia alemã que temia as forças da esquerda e uma revolução comunista (aos moldes da revolução russa) na Alemanha o presidente Hindenburg (um general Junker, que foi herói de guerra e comandou a vitória alemã na batalha de Tannenberg em 1914, que salvou a Alemanha de uma invasão russa na primeira guerra mundial) nomeou Hitler chanceler em 30 de janeiro de 1933 (BERTONHA, 2006; FEST, 2005).

Isso nos leva a uma última pergunta, diante das dificuldades que a Alemanha enfrentava naquele período (a crise econômica, o desemprego em massa, a inflação aguda, o ressentimento pela derrota da primeira guerra, o humilhante tratado de versailles, o medo de uma revolução comunista, a incapacidade do governo de solucionar ou ao menos amenizar a crise, entre outros fatores) seria inevitável que os nazistas chegassem ao poder? Será que a Alemanha seguia mesmo um ‘‘caminho especial’’ (sonderweg)? Essa é uma discussão polêmica e controversa.

Para alguns autores o nazismo não era inevitável, na realidade foi evitável até o último momento. Os nazistas não ‘‘conquistaram’’ o poder, eles ‘‘chegaram’’ ao poder por que estabeleceram alianças com políticos conservadores, que abriram o caminho para o nazismo, isso não significa que os nazistas não contaram com o apóio de parte significativa do povo alemão, seus apelos encontraram eco em muitos segmentos da sociedade alemã (PAXTON, 2007).

Outros autores atestam que o nazismo só foi possível por que no fim contou com um ‘‘empurrãozinho’’ de alguns

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políticos que já estavam no poder, pois faltou aos nazistas a força suficiente para conquistarem o poder por via de uma eleição presidencial (FEST, 2005). Isso derruba a tese de que os nazistas tinham apóio incondicional da maioria esmagadora da população alemã. Foi na troca de favores do jogo político que os nazistas forjaram suas alianças com certos grupos políticos que, juntamente com o apóio que vinha das urnas, forneceu a oportunidade para os nazistas agarrarem o poder. Foi somente nesse contexto muito específico que os nazistas conseguiram o que almejavam.

3. A propaganda nazista (1919-1933)

A propaganda nazista teve características muito peculiares, a sua forma era bem diferente da de outros partidos tradicionais e semelhantes a partidos de esquerda, principalmente o comunista (o próprio Hitler escreveu em Mein Kampf que considerava muito eficientes os métodos da propaganda comunista e que os nazistas deviam imitar muitos de seus aspectos; claro que, para Hitler, o que a propaganda comunista apregoava partia de um pressuposto falso, era um absurdo e uma mentira maquinada pelos judeus), nesse capítulo serão discutidos seus métodos, agentes e eficácia.

3.1. Os métodos

Entre aquilo que os nazistas idealizavam como sendo a propaganda eficiente e os métodos que efetivamente aplicaram na prática há uma sutil diferença, todavia vamos encontrar uma profunda semelhança entre as concepções nazistas de propaganda e os métodos práticos. Devemos chamar a atenção para os meios e os resultados concretos que esse tipo de propaganda atingiu.

É notável o esforço nazista para se apresentar como uma vítima impotente

dos ataques de seus inimigos e que forçosamente e bravamente continuava na luta em nome da causa suprema do nacional-socialismo e da nação alemã. A agressividade e as artimanhas da propaganda nazistas são múltiplas e patentes, afinal os nazistas não tinham nenhum pudor em mentir para atingirem seus objetivos (LENHARO, 1986).

Os nazistas dependiam de discursos públicos tanto por necessidade (principalmente nos primeiros anos do partido), quanto por princípio (BYTWERK, 2008). Em um artigo de Helmut Von Wilucki sobre os métodos testados de propaganda moderna (esse artigo se refere especificamente a eleição de julho de 1932 para o Reichstag), os nazistas reconhecem que o método mais eficiente de propaganda é, sem dúvida, os gigantescos comícios onde Hitler discursava. O fato de Hitler canalizar toda a sua energia a serviço da propaganda e a maneira como ele fez isso, teve um efeito significativo em conquistar eleitores. Além disso, Hitler foi um mestre da oratória e seus apelos encontraram eco em meio à frustração de muitos alemães.

Os nazistas também se utilizaram maciçamente de bandeiras e estandartes, que eram vistas constantemente por caminhantes e por expectadores nos comícios e marchas que os nazistas promoviam. As luzes noturnas e música alta asseguravam que as bandeiras e estandartes também podiam ser vistos à noite, tudo isso tinha um forte impacto visual sobre a multidão.

Outro aspecto é que na eleição de julho de 1932 os nazistas se utilizaram pela primeira vez de filmes (e o cinema será imensamente mais utilizado quando os nazistas chegarem ao poder, pois terão a sua disposição os recursos do estado para produzir quantos filmes desejarem), que eram assistidos

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geralmente em paralelo com outro evento (como um discurso, por exemplo) o autor afirma que esses filmes eram recebidos com interesse e entusiasmo pela platéia, particularmente aqueles onde Hitler, Goebbels, Strasser e Göring apareciam.

A divulgação dos comícios deveria ser feita com alto-falantes, pois dessa forma os esforços marxistas para manter as pessoas longes dos comícios nazistas seriam superados já que é quase impossível fazer com que as pessoas não ouçam esse tipo de divulgação. O artigo de Wilucki conclui que as formas tradicionais de propaganda devem, naturalmente, continuar a ser utilizadas para conquistar novos eleitores e manter os que já foram conquistados, os filmes devem ter um papel preponderante daí em diante, também devem ser promovidas peças teatrais e eventos de música germânica para, dessa forma, quebrar o monopólio judaico das artes e devolver a alma genuína do povo alemão.

Os nazistas dedicavam especial atenção no combate contra os comunistas. Ao assistirmos um filme como ‘‘O jovem Hitlerista Quex’’ (Hitlerjugend Quex) de Hans Steinhoff percebemos que os nazistas difundiam uma imagem dos comunistas como alcoólatras, libertinos e de mau-caráter que zombavam e atacavam com violência os nazistas. O irônico é que os nazistas nunca reagem com violência aos comunistas, todavia sabemos que as SA e SS promoviam verdadeiras brigas de rua contra os comunistas que, por vezes, acabavam em violentas mortes (LENHARO, 1986, p. 54). Em um artigo de Fritz Oerter sobre os oradores nazistas na luta contra o marxismo o autor afirma que os nazistas deveriam levar o marxismo (que para os nazistas incluíam tanto os socialistas quando os comunistas) como

uma séria ameaça à nação alemã e deveriam combatê-lo furiosamente e com todas as armas disponíveis.

O artigo ainda destaca que os nazistas foram tão longe quanto possível na sua tentativa de atingir a classe média e que o alvo agora é atingir os trabalhadores alemães (que os nazistas pretendiam livrar do internacionalismo e do materialismo) e Oerter destaca que não será tarefa fácil já que muitos trabalhadores alemães são profundamente simpáticos ao comunismo e até mesmo atuam no K.P.D. (partido comunista) ou no S.P.D. (partido socialista) há muitos anos (BYTWERK, 2008).

Um método muito eficiente dos nazistas foi o apelo que faziam a certas classes e grupos sociais, sempre prometendo algo que fosse a favor dos interesses desse ou daquele grupo ou classe (era inclusive recomendado que os oradores nazistas proclamassem algo que fosse a favor dos interesses do grupo ao qual discursavam). Os diferentes tipos de propaganda direcionados aos diferentes segmentos da sociedade alemã que os nazistas tanto idealizavam é a prova desses métodos de propaganda. Dessa forma os nazistas dispunham de diferentes jornais com diferentes temas para diferentes públicos. Essa característica se enquadra na definição de Otto Kircheimer (PAXTON, 2007, p. 92) de que os partidos fascistas foram os primeiros a ser partidos de integração (que incentivam a participação ativa de seus membros) e partidos de base ampla (que recruta em todas as classes sociais).

Assim esses métodos de propaganda foram, até certo ponto pelo menos, muito eficazes para convencer parte significativa do povo alemão. A objetividade e a simplicidade foram as principais características da propaganda

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nazista, além dos apelos ao orgulho ferido do povo alemão. Tudo interessava no jogo da propaganda, sejam mentiras ou calúnias, o importante era conquistar as massas (LENHARO, 1986). Diante disso podemos perceber que os métodos poderiam variar muito em diferentes contextos de lugares e datas, não havia um método rigoroso o bastante para os nazistas considerarem impossível modificá-lo, pois o fundamental era que se atingisse o objetivo de conquistar as massas, todavia as concepções e idealizações da propaganda eram difundidas e, na maioria dos casos, seguidas à risca.

3.2. Os agentes

Quando falamos em agentes da propaganda devemos imaginar todos aqueles que diretamente fizeram à propaganda, como editores de jornais, escritores e principalmente oradores. Os oradores tinham o papel central como propagadores da mundividência nazista e por isso mesmo deveriam representar o nacional-socialista ideal. Isso significa que ele, obviamente, deveria ser ‘‘racialmente puro’’ e um profundo conhecedor da ideologia nazista e do programa do N.S.D.A.P., além de possuir um incansável espírito de luta e ser moralmente correto. Por isso mesmo a admissão de novos oradores para o partido era rigorosa e o novo orador deveria possuir todas as características necessárias.

O maior orador do partido foi sem dúvidas o próprio Hitler, desde seus primeiros discursos (quando o partido nazista praticamente não tinha nenhuma expressão política) nas cervejarias de Munique nos anos 1920, já ficava claro para Hitler que ele tinha um grande potencial para a oratória e isso foi imprescindível para que ele rapidamente alavancasse ao topo do partido e se

tornasse seu principal membro (FEST, 2005). Hitler tinha um verdadeiro dom, que conseguiu desenvolver ao longo dos anos, para agitar as multidões e captar as frustrações que assolavam o povo alemão transformando-as em palavras.

O seu discurso de 27 de fevereiro de 1925 (‘‘Restabelecendo o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães’’), feito pouco tempo após ter sido libertado da prisão de landsberg é interessante, pois pode servir de modelo para a maioria de seus discursos posteriores (BYTWERK, 2008).

Hitler iniciou o discurso revendo a história alemã recente, lamentando a derrota na primeira guerra mundial (que ele considerava uma ‘‘punhalada pelas costas’’). Hitler afirmava que os partidos conservadores atuais não têm contato com as massas e servem apenas aos seus interesses e aos interesses do capital financeiro internacional (que os nazistas acreditavam ser controlados pelos judeus) e que os partidos de esquerda (comunistas e socialistas) que pretendem acabar com o sofrimento dos trabalhadores alemães, na verdade querem dividir a nação enfraquecendo-a para que os judeus possam ‘‘se alimentar’’ dela (percebemos com muita clareza que Hitler acreditava em uma conspiração judaica para dominar o mundo e que os governos democráticos e os comunistas serviam aos interesses judaicos; Hitler sem dúvida leu ‘‘Os Protocolos dos Sábios de Sião’’ e verdadeiramente acreditava no que é profetizado neles).

Hitler também destacou suas concepções de propaganda, já descritas anteriormente. No final do discurso ele restabeleceu seu controle sobre o partido (que fora abalado com sua prisão após o fracasso do Putsch em 1923), clamando autoridade absoluta sob o partido e qualquer um que não

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aceitasse esses termos poderia ir embora. Hitler também ‘‘perdoaria’’ aqueles que cometeram erros em sua ausência na liderança do partido e exige que não haja críticas sobre ele e sobre o partido por um ano (BYTWERK, 2008).

Para Ian Kershaw (BYTWERK, 2008, p. 15) esse discurso foi ‘‘teatral’’, pois os líderes nazistas que estavam lutando pela supremacia dentro do partido enquanto Hitler estava preso e depois desse discurso apertaram suas mãos e, em meio a cenas comoventes, juraram eterna lealdade ao Führer; foi como vassalos medievais jurando lealdade ao seu suserano. Depois desse discurso Hitler era novamente o líder absoluto e inconteste do partido. Dessa forma percebemos como Hitler, não só como líder, mas também como orador desempenhava o papel principal dentro do partido.

Sempre quando tratamos de propaganda nazista, não podemos deixar de lado o seu maior arquiteto, Joseph Goebbels. Grande agente da criação de propaganda anti-semita e pró-nazista Paul Joseph Goebbels nasceu em Mönchengladbach no estado da Renânia do Norte-Westfália, próximo da fronteira com a Holanda em 1897. Seu pai era contador, nascido em uma família católica, seu pai sempre quis que se tornasse padre, todavia Goebbels seguiu estudos em literatura e filosofia. Era um dos poucos no alto escalão nazista com nível superior de ensino. Goebbels era dono de um fervoroso nacionalismo, só não combateu na primeira guerra mundial por ter pé chato, assim acabou dispensado do serviço militar (COUTO, 2007).

Goebbels foi comunista por um tempo depois do fim da guerra, apesar do diploma universitário ficou muito tempo desempregado, ele desprezava o

capitalismo e rejeitava a modernidade. Tornou-se um anti-semita fanático, chegando mesmo a rejeitar uma moça com quem namorava depois que soube que a mãe dela era judia. Filiou-se ao N.S.D.A.P. em 1922, depois do fracasso do Putsch se posicionou contra Hitler, mas depois de 1924 passou para o seu lado, se tornando um de seus seguidores mais fanáticos. Foi incumbido por Hitler como gauleiter (líder regional) em Berlim (área predominantemente comunista), lá fundou o jornal Der Angriff (‘‘O ataque’’) em 1927, nesse jornal atacava principalmente os judeus e os comunistas (com quem estava em encarniçada luta para conquistar o apóio dos trabalhadores berlinenses). Já quando os nazistas assumiram o poder foi nomeado por Hitler como ministro da propaganda (COUTO, 2007; FEST, 2005; BYTWERK, 2008).

Em um discurso seu de nove de julho se 1932 intitulado ‘‘A Tempestade Está Chegando’’ (uma alusão ao fato de os nazistas estarem às portas do poder). Goebbels afirmava que os nazistas logo assumiriam e poder e fariam as mudanças que eles consideravam necessárias. Esse discurso foi proclamado em um enorme comício em Berlim, três semanas antes da primeira eleição para o Reichstag de 1932 (nessa eleição os nazistas conquistaram 230 cadeiras no Reichstag, fazendo com que eles se tornassem o maior partido da Alemanha), Goebbels evidentemente considerava esse um de seus melhores discursos anteriores a 1933. Esse discurso é um excelente exemplo da oratória de campanhas eleitorais nazistas, apesar de não ser um grande sucesso.

Goebbels não diz exatamente o que os nazistas irão fazer quando eles assumirem o poder, mas atacava veementemente o governo democrático

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da época (ao qual ele se refere como ‘‘o sistema’’) e promete que os nazistas farão melhor ao mudarem radicalmente a forma de governo em relação à república de Weimar. Goebbels argumentava de que alguém poderia lutar 10 anos em favor de uma reforma no sistema educacional e chegar a lugar nenhum, mas se alguém lutar para conquistar o poder político, poderia mudar o sistema educacional (assim como todos os outros) imediatamente. Por essa razão Goebbels considerava que a prioridade era conquistar o poder a todo custo. O que fazer depois seria decidido somente quando eles detivessem o poder.

Goebbels atacava os comunistas dizendo que os nazistas não pensavam em termos de classe, ele afirmava que as divisões de classes dividem o povo alemão e enfraquecem a nação e clamava para que a raça seja o fator congregador do povo. Goebbels concluiu dizendo que os nazistas darão de volta ao povo alemão a sua dignidade e um sentido para a vida, ele afirmava que os partidos burgueses e esquerdistas da época deveriam ‘‘desaparecer’’. Os nazistas não permitirão que o povo alemão se afogue em sua desgraça. Goebbels considerou esse discurso um grande sucesso (BYTWERK, 2008).

Um dos mais fervorosos anti-semitas do partido nazista foi, sem dúvida, Julius Streicher, ele foi um dos primeiros seguidores de Hitler. Entre 1923 e 1945 Streicher publicou um jornal chamado Der Stürmer, esse jornal era feito basicamente de propaganda anti-semita. Streicher também foi gauleiter da região de Nuremberg (BYTWERK, 2008). Podemos perceber em muitas caricaturas do Der Stürmer um anti-semitismo conspícuo.

Em uma caricatura de dezembro de 1928 intitulada de ‘‘O Natal Alemão’’, um anjo do natal alemão tem suas mãos atadas pelos traiçoeiros banqueiros judeus, enquanto isso uma loja de departamentos de judeus lucra imensamente com as vendas de natal. Interessante notar que o anjo tem suas mãos atadas com fitas nomeadas de plano Dawes e Lugano e o judeu retratado vende cremes de beleza e revistas pornográficas. Isso demonstra como os nazistas viam os judeus como moralmente incorretos e como sanguessugas do povo alemão, que tem lucros altíssimos ao venderem produtos imorais e de baixa qualidade, levando assim muitos honestos comerciantes alemães à falência. Os nazistas clamavam para que os alemães não comprassem de judeus, especialmente no natal.

Em outra caricatura de novembro de 1931 intitulada de ‘‘O Verme’’, uma maçã contada ao meio representando a economia alemã e dela sai um verme que apresenta a inscrição ‘‘Escândalos Judeus” e no plano de fundo aparecem nomes de judeus envolvidos em grandes escândalos financeiros e lê-se a inscrição ‘‘Onde algo está podre, a causa é o judeu’’. Os nazistas sempre tentaram comparar os judeus a vermes, ratos, baratas e sanguessugas, uma forma de tentar demonstrar sua natureza sórdida. Por último uma caricatura intitulada ‘‘A Cultura Judaica’’ pretende denunciar a natureza imoral do judeu, lê-se a inscrição ‘‘ O natural e o não natural’’, onde do lado esquerdo aparece um casal alemão apreciando um dia no campo, já no lado direito um judeu com sua companheira gentílica assistem a um filme pornográfico.

Hitler, Goebbels e Streicher foram apenas três dos principais agentes da propaganda nazista, havia muitos

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outros, já que a propaganda dentro do N.S.D.A.P. era sistematicamente organizada e ia desde os figurões do partido até seu mais baixo escalão com agentes de propaganda locais. Os nazistas produziram muito material destinado para esses propagandistas locais, nesses guias se ensinava tudo o que eles precisavam saber para ‘‘conquistar o povo’’. Em suma quando falamos de agentes da propaganda nazistas devemos pensar não em um grupo seleto e pequeno dos grandes líderes do partido, mas sim em todos os níveis do N.S.D.A.P. onde propagar as idéias do movimento era crucial para que o nazismo fosse bem sucedido em sua busca pelo poder.

3.3. A eficácia

Diante de todos esses esforços de propaganda que os nazistas levaram a cabo, uma questão se levanta: será que eles foram realmente eficazes em atingir o objetivo de conquistar as massas? Até que ponto os eleitores que os nazistas conquistaram foram concretamente importantes para que eles atingissem o poder?

É inegável que o fato de os nazistas conquistarem um vasto percentual do eleitorado foi o fator que os levou a se tornar o maior partido da Alemanha e isso se deve, certamente, a propaganda do partido. Também é inegável que foi esse fato (de os nazistas se tornarem o maior partido da Alemanha) que proporcionou a situação para que os nazistas negociassem com as forças governistas e conservadoras da Alemanha no início dos anos 30 (PAXTON, 2007). Mas isso tudo não está necessariamente ligado com a propaganda em si, talvez os nazistas tivessem que depender muito mais de suas alianças com os elementos que já estavam no poder, do que de seus próprios esforços de propaganda para

‘‘conquistar’’ nas urnas o tão desejado poder (FEST, 2005).

Devemos ter em mente que a propaganda nazista evoluiu em suas técnicas ao longo dos anos que precederam a nomeação de Hitler como chanceler, assim como se modificou devido às necessidades de cada contexto e região. A propaganda nazista anterior a 1929 (ano do início da grande depressão nos EUA e que afetou a maior parte do mundo ao longo dos anos 1930) tem eficácia limitada sobre o eleitorado, isso não se deve necessariamente ao possível fato de a propaganda daquele período ser relativamente ineficaz em conquistar eleitores para o partido nazista. Acontece que durante a grande depressão o partido nazista se tornou uma opção política para muitos alemães, assim o contexto de crise econômica sem dúvida foi fator determinante para que os nazistas chegassem ao poder e para que sua propaganda possa ser considerada mais eficaz em conquistar eleitores. Dessa forma a questão de a propaganda nazista ser ou não eficaz é, também, uma questão do contexto em que a Alemanha se encontrava (BYTWERK, 2008).

É evidente para muitos estudiosos que a propaganda nazista (que se utilizou de métodos muito semelhantes à propaganda dos comunistas) foi eficiente em atrair adeptos e eleitores para o partido nazista, pois os seus métodos (a simplicidade, a objetividade, a insistência nas mesmas idéias) se mostraram muito eficientes num período em que os outros partidos burgueses e tradicionais utilizavam métodos que se mostravam antiquados e até mesmo negligenciavam as massas. No período do primeiro quartel do século XX o número de indivíduos com o direito a voto aumentou

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significativamente, pois cada vez mais homens pobres e marginais na sociedade e as mulheres lutavam pelo seu direito de votar. O sufrágio universal se tornou uma realidade em muitos países.

Esse fenômeno chamado de ‘‘nacionalização das massas’’ (termo cunhado por George L. Mosse) criou novas pressões sobre os ‘‘notáveis’’, que até então ocupavam os cargos políticos (que anos anteriores poderiam contar com o prestígio social e a deferência para garantir sua constante reeleição) e que agora tinham que lidar com verdadeiras multidões de eleitores (PAXTON, 2007, p. 136). Por outro lado os nazistas (assim como o partido comunista), em contraste com os partidos conservadores e tradicionais souberam lidar muito bem com essa situação e conquistaram grande parte do eleitorado a ponto de o N.S.D.A.P. se tornar o maior partido da Alemanha em 1932.

Analisando essa situação se torna irrefutável a afirmação de que a propaganda nazista foi realmente eficaz. Todavia mesmo com toda essa força eleitoral os nazistas foram incapazes de ganhar uma eleição presidencial e de conquistar a maioria do eleitorado alemão. A maior porcentagem de votos que os nazistas conquistaram em uma eleição para o Reichstag antes de assumirem o poder foi 37,3%. Isso nos leva a outra questão. Os nazistas para assumirem efetivamente o poder tiveram que contar com o apoio de políticos conservadores e tradicionais. Mesmo as portas do poder não tiveram força política suficiente para adentrá-las com suas próprias pernas, foi preciso um ‘‘empurrãozinho’’ dos políticos que já estavam no poder. Esses políticos conservadores pensavam que poderiam controlar Hitler, como um fantoche.

Isso se provou uma grande ilusão e um desastre para muitos desses políticos (FEST, 2005; PAXTON, 2007).

Dessa maneira é perceptível que a propaganda nazista foi realmente eficaz em conquistar eleitores, todavia não foi o único fator para que o N.S.D.A.P. chegasse ao poder, foi preciso estabelecer alianças com os políticos que detinham o poder. Mesmo assim dentro das limitações de cada situação a propaganda se mostrou eficiente em cumprir os propósitos que os nazistas desejavam.

4. Conclusão

É fácil concluir, hoje, que o nacional-socialismo não foi uma revolução, pois não alterou as relações básicas do processo produtivo que continuou administrado por grupos sociais específicos que controlavam os instrumentos de trabalho. A organização econômica da Alemanha nazista estava construída em torno dos grandes conglomerados industriais (MARCUSE, 1998).

Os nazistas souberam captar os anseios e frustrações do povo alemão, eles souberam satisfazer os desejos das massas, desejos estes que se refletia em muitos filmes do período de 1919-1933 (principalmente os filmes expressionistas) que deixavam transparecer essa situação. O que os filmes refletiam não era um credo específico, mas dispositivos psicológicos, ‘‘essas profundas camadas da mentalidade coletiva que se situam mais ou menos abaixo da dimensão da consciência’’ (KRACAUER, 1988, p. 18). Os nazistas astutamente souberam captar esses dispositivos e, através da propaganda, apelavam para as frustrações, desesperanças e medos de muitos alemães. Para entender o sucesso da propaganda nazista e do partido

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nazista é preciso compreender o estado psicológico em que se encontravam os alemães daquele período e como os nazistas souberam manipulá-los.

Não há como afirmar que a propaganda não foi importante para os nazistas. Provas cabais atestam que a propaganda, desde as origens do partido nazistas até o fim catastrófico em 1945, foi de crucial importância para que os nazistas levassem a cabo seus planos de fortalecimento da nação alemã, de conquista mundial e até mesmo de extermínio de milhões de seres humanos.

A propaganda nazista é um sucesso no sentido objetivo, pois fez com que a maioria esmagadora dos alemães permanecesse fieis a Hitler e ao nazismo até o último momento. A propaganda nazista fez uma verdadeira ‘‘lavagem cerebral’’ em muitos alemães os deixando mudos para contestarem a tirania de Hitler e cegos para verem os crimes atrozes perpetrados pelos nazistas. Os alemães que saudaram Hitler, Goebbels e outros oradores nazistas, nos lembram de que o poder da retórica e da propaganda pode promover tanto o bem quando o mal (BYTWERK, 2008).

Referências

BERTONHA, João Fábio. Fascismo, Nazismo, Integralismo. São Paulo: Ática, 2006.

BYTWERK, Randall. Landmark Speeches of National Socialism. Texas A&M University Press, 2008.

COUTO, Sérgio Pereira. Dossiê Hitler. São Paulo: Universo dos Livros, 2007.

FEST, Joachim. Hitler vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

KRAKAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

LENHARO, Alcir. Nazismo: O Triunfo da Vontade. São Paulo: Ática, 1986.

MARCUSE, Herbert. Tecnologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.

PAXTON, Robert Owen. A Anatomia do Fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007.