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OS RESULTADOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO À BASE INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA - A EXPERIÊNCIA DA RUSTCON Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior RESUMO A Base Industrial de Defesa (BID) é um elemento fundamental para a geração de capacidade de defesa nacional. O mercado de produtos de Defesa nem sempre é regido pelas leis de Livre Mercado, havendo dispositivos de fomento e proteção para proteger este elo da cadeia logística. No caso do Brasil, diversas políticas públicas entraram em vigor nestes primeiros anos do século XXI com o objetivo de estimular a formação, desenvolvimento e consolidação de uma BID, integrada às necessidades das Forças Armadas brasileiras. Dentre os dispositivos legais criados, destaca-se a figura da Empresa Estratégica de Defesa (EED), pessoa jurídica que deve atender a cinco critérios definidos em lei para usufruir de privilégios. Este trabalho se propôs a, por meio de um estudo de caso da empresa Rustcon Ltda, que, atualmente, provê o Exército Brasileiro de um simulador de operações cibernéticas, identificar os resultados das políticas e dispositivos legais implementados pelo Estado brasileiro. Palavras-chave: Logística de Defesa; Políticas Públicas; Cibernética. 1. Introdução O Brasil é, hoje, umas das dez maiores economias do mundo e um país que vem buscando um espaço maior e mais relevante no sistema internacional. Isto implica em capacitar o país com uma estrutura de Defesa alinhada a estes objetivos. Desta forma, é natural que, para a manutenção, aprimoramento ou expansão, desta estrutura, o país busque adquirir produtos de Defesa (PRODE). Neste contexto, o conceito formulado por Markowski, Hall e Wylie (2010, p.12) pode ser empregado: Defence procurement is about acquiring the non-human, physical elements of capability, the inputs needed to form new or to modify/sustain existing elements of military capability. Considerando o que disse Jomini: "a Logística é tudo na Guerra, com exceção do combate", tem-se uma ideia da importância da Logística para a Defesa de um país. E, nesta Logística de Defesa, está inserida a Base Industrial de Defesa (BID), como elemento inicial não só de Aquisição, mas também de Pesquisa & Desenvolvimento.

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OS RESULTADOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO À BASE

INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA - A EXPERIÊNCIA DA RUSTCON

Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior

RESUMO

A Base Industrial de Defesa (BID) é um elemento fundamental para a geração de

capacidade de defesa nacional. O mercado de produtos de Defesa nem sempre é

regido pelas leis de Livre Mercado, havendo dispositivos de fomento e proteção para

proteger este elo da cadeia logística. No caso do Brasil, diversas políticas públicas

entraram em vigor nestes primeiros anos do século XXI com o objetivo de estimular a

formação, desenvolvimento e consolidação de uma BID, integrada às necessidades

das Forças Armadas brasileiras. Dentre os dispositivos legais criados, destaca-se a

figura da Empresa Estratégica de Defesa (EED), pessoa jurídica que deve atender a

cinco critérios definidos em lei para usufruir de privilégios. Este trabalho se propôs a,

por meio de um estudo de caso da empresa Rustcon Ltda, que, atualmente, provê o

Exército Brasileiro de um simulador de operações cibernéticas, identificar os

resultados das políticas e dispositivos legais implementados pelo Estado brasileiro.

Palavras-chave: Logística de Defesa; Políticas Públicas; Cibernética.

1. Introdução

O Brasil é, hoje, umas das dez maiores economias do mundo e um país que vem

buscando um espaço maior e mais relevante no sistema internacional. Isto implica em

capacitar o país com uma estrutura de Defesa alinhada a estes objetivos. Desta forma,

é natural que, para a manutenção, aprimoramento ou expansão, desta estrutura, o país

busque adquirir produtos de Defesa (PRODE). Neste contexto, o conceito formulado

por Markowski, Hall e Wylie (2010, p.12) pode ser empregado:

Defence procurement is about acquiring the non-human, physical

elements of capability, the inputs needed to form new or to

modify/sustain existing elements of military capability.

Considerando o que disse Jomini: "a Logística é tudo na Guerra, com exceção do

combate", tem-se uma ideia da importância da Logística para a Defesa de um país. E,

nesta Logística de Defesa, está inserida a Base Industrial de Defesa (BID), como

elemento inicial não só de Aquisição, mas também de Pesquisa & Desenvolvimento.

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Por BID, entende-se "conjunto de empresas estatais e privadas, bem como

organizações civis e militares, que participem de uma ou mais etapas de pesquisa,

desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de

defesa" (BRASILa, 2005). Estes, por sua vez, são assim definidos na mesma

legislação: "bens e serviços que pelas peculiaridades de obtenção, produção,

distribuição, armazenagem, manutenção ou emprego possam comprometer, direta ou

indiretamente, a consecução de objetivos relacionados à segurança ou à defesa do

País".

A importância da BID pode ser atestada pela afirmação de Markowski, Hall e

Wylie (2010, p.28): "os fornecedores domésticos de bens relacionados à Defesa são

comumente vistos como um membro de apoio da Defesa". Os autores ainda são

taxativos em afirmar que determinados países não possuem poder econômico

suficiente para, num monopsônio, garantir a sobrevivência de seus fornecedores,

demandando, portanto, abertura do mercado. Eles reconhecem, também, que,

frequentemente, os governos pagam um subsídio para bens de Defesa nacionais,

mesmo que haja um preço mais baixo no mercado internacional.

O Brasil se aproxima mais da definição deste último caso. A Política Nacional da

Indústria de Defesa (PNID), aprovada em 2005, é clara ao colocar dentre seus

objetivos a "diminuição progressiva da dependência externa de PED, desenvolvendo-

os e produzindo-os internamente", entretanto orienta que, para sua implementação,

"as ações estratégicas devem ser indutoras, sem retirar da indústria sua capacidade de

empreendimento, sua iniciativa e seus próprios riscos".

Nos anos seguintes à publicação da PNID, outras políticas públicas e legislações

que, diretamente ou indiretamente, se referem à BID foram aprovadas: a Política

Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END), publicadas,

respectivamente, em 2005 e 2008, e revisadas em 2012; a lei nº 12.598/2012 e os

decretos 7.970/2013 e 8.122/2013.

Existe, contudo, um caráter ambíguo na BID uma vez que qualquer produtor de

bens ou de serviços poderia se tornar fornecedor da Defesa nacional (MARKOWSKI,

HALL, WYLIE, p. 28). A legislação brasileira, buscando diminuir esta ambiguidade,

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criou a figura da Empresa Estratégica de Defesa (EED), pessoa jurídica que deve

atender a cinco critérios definidos em lei para usufruir de privilégios contratuais,

regimes especiais tributários e financiamentos para programas. A Associação

Brasileira de Indústria de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) ainda abarca

as chamadas Empresas de Defesa (ED), designação empregada pela entidade para

designar seus membros e que não implica, necessariamente, em ser EED.

A END possui um item específico para tratar da BID. Neste item, estabeleceu-se

que o MD seguiria em contato com a estrutura estatal brasileira a fim de assegurar

linhas de crédito especial, junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES), para produtos de defesa. Ao longo da END, outras ações, integradas

a outras áreas, são especificadas, em sua maioria, reafirmando a importância da BID e

o papel do Estado de fomentar seu desenvolvimento.

Em se tratando de Logística de Defesa, é importante ter em mente a abordagem

proposta por Moshe Kress, que afirma ser possível tratar a guerra como um sistema de

produção no sentido usado pela Economia e pela Engenharia. Isto é, a guerra é um

sistem que produz outputs a partir de inputs. Neste contexto, os inputs são dividos em

meios e recursos. Os meios incluem os homens e os sistemas de armas, de uma

maneira ampla. Os recursos são os materiais consumidos pelo esforço de guerra,

como, por exemplo, munição, combustível, alimentos, assim como serviços tipo

assistência médica, manutenção de veículos, dentre outros. Os meios não operam e

não produzem os outputs desejados sem os recursos (2002, p.4-6).

A BID produz tanto meios quanto recursos.

2. Metodologia

O desenvolvimento do presente artigo ocorreu por exploração bibliográfica feita na

legislação brasileira, em obras escritas e legislação sobre o assunto, assim como

jornais e artigos científicos obtidos após busca no portal de periódicos da CAPES.

Foram pesquisados os seguintes vocábulos: logística, defesa, indústria, política, numa

ordem crescente de restrição taxonômica, onde logística é o termo prioritário, seguido

por defesa, indústria e política, respectivamente.

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Para fins de delimitação do universo de empresas do estudo, foram considerados

integrantes da BID as empresas cadastradas na ABIMDE, seja como ED, seja como

EED.

No caso das políticas públicas, considerar-se-ão aquelas posteriores à publicação

da Política Nacional da Indústria de Defesa, em 2005, que estejam em vigor

atualmente. Assim, foram analisadas, além da PNID, a Estratégia Nacional de Defesa,

a Política de Defesa Nacional, a lei nº 12.598 e seus decretos regulamentadores.

Foi feita, ainda, uma entrevista com o proprietário e diretor sênior da Rustcon

Ltda, Sr Carlos Rust, em que buscar-se-á esclarecer a trajetória da empresa ao longo

do tempo e como as políticas públicas aprovadas pelo Estado brasileiro afetaram seu

modelo de negócio, sua performance, sua saúde financeira, dentre outros aspectos. Da

entrevista, pôde-se acrescentar novas obras à pesquisa bibliográfica se assim for

sugerido pelo entrevistado ou se surgirem lacunas no desenvolvimento a se preencher.

Visando à melhor compreensão do setor em que atua a Rustcon, adotaram-se

definições e conceitos empregados pela Prof Dra Ariela Cordeiro Leske no capítulo 1

do Mapeamento da Base Industrial de Defesa. No caso do trabalho da professora, o

objeto de pesquisa foi a indústria de armamentos e explosivos, entretanto, diversas

assertivas auxiliam a compreender as peculiaridades de diversos nichos da indústria

de Defesa.

5.1. As Políticas Públicas de Fomento à Base Industrial de Defesa

A PNID foi uma das primeiras políticas públicas voltadas para a área de Defesa

publicada no século XXI. Em seu corpo, no artigo 3º, fixa como objetivo geral o

fortalecimento da BID. Os objetivos específicos, por sua vez, estão expressos no

artigo 4º:

II - diminuição progressiva da dependência externa de produtos

estratégicos de defesa, desenvolvendo-os e produzindo-os internamente;

III - redução da carga tributária incidente sobre a BID, com especial

atenção às distorções relativas aos produtos importados;

IV - ampliação da capacidade de aquisição de produtos estratégicos de

defesa da indústria nacional pelas Forças Armadas;

V - melhoria da qualidade tecnológica dos produtos estratégicos de defesa;

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A PNID contém, ainda, em seu artigo 5º, orientações para a sua implementação,

das quais destacam-se: a priorização da preservação da base industrial já existente e a

importância da manutenção da capacidade de empreendimento, iniciativa e riscos da

indústria nas ações estratégicas que fossem planejadas.

Houve, na sequência, a publicação de uma Política de Defesa Nacional ainda em

2005, e da Estratégia Nacional de Defesa, em 2008. Estas duas políticas não estão

mais em vigor, a primeira foi revogada e a segunda revisada, tendo sido republicadas

em 2012. Ambas passaram a ser adjetivadas como Nacional de Defesa.

A Política Nacional de Defesa (2012, p.26), em seu item 5.13, destaca que:

5.13. A persistência de ameaças à paz mundial requer a atualização

permanente e o aparelhamento das nossas Forças Armadas, com ênfase no

apoio à ciência e tecnologia para o desenvolvimento da indústria

nacional de defesa1. Visa-se, com isso, à redução da dependência

tecnológica1 e à superação das restrições unilaterais de acesso a

tecnologias sensíveis.

Esta mesma política ainda estabelece como um dos objetivos nacionais de defesa o

desenvolvimento da indústria nacional, orientada para a obtenção da autonomia em

tecnologias indispensáveis (BRASILa, 2012, p.30). Não se definiu, entretanto, o que

seriam tecnologias indispensáveis. O que se definiu foram os três setores estratégicos:

espacial, cibernético e nuclear; setores estes que, conforme preconiza a PND, devem

ser fortalecidos (BRASILa, 2012, p.32). A END tem por diretriz número 6 este

mesmo fortalecimento dos setores de importância estratégica (BRASILa, 2012, p.49).

A Estratégia Nacional de Defesa (2012, p.44) também menciona estes setores

estratégicos ao abordar a importância de que tanto o projeto de defesa quanto o de

desenvolvimento sejam fortes e, no caso deste último, que sejam quais forem suas

demais orientações, se guie pelos seguintes princípios:

(b) Independência nacional alcançada pela capacitação tecnológica

autônoma, inclusive nos estratégicos setores1 espacial, cibernético1 e

nuclear. Não é independente quem não tem o domínio das tecnologias

sensíveis, tanto para a defesa, como para o desenvolvimento; 1

Como objetivo estratégico do Exército Brasileiro, previsto na END, tem-se, dentre

outros, o de número 6:

1 O grifo é nosso.

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O monitoramento/controle, como componente do imperativo da

flexibilidade, exigirá que, entre os recursos espaciais, haja um vetor sob

integral domínio nacional, ainda que parceiros estrangeiros participaem do

seu projeto e da sua implementação, incluindo:

[...]

(e) as capacitações e os instrumentos cibernéticos1 necessários para

assegurar comunicações entre os monitores espaciais e aéreos e a força

terrestre. (BRASILa, 2012, p.80)

Ao particularizar as prioridades do setor cibernético, a END discrimina oito

prioridades, sem ordem de precedência, das quais, destacam-se duas:

(f) Desenvolver a capacitação, o preparo1 e o emprego dos poderes

cibernéticos1 operacional e estratégico, em prol de operações conjuntas e

da proteção das infraestruturas estratégicas;

(g) Incrementar medidas de apoio tecnológico por meio de laboratórios

específicos voltados para as ações cibernéticas2; (BRASILa, 2012, p.95)

No que diz respeito à Base Industrial de Defesa, especificamente, a END, em sua

diretriz 22, menciona a necessidade de se capacitar a BID para que conquiste

autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa, particularizando, ainda, que:

Regimes jurídico, regulatório e tributário especiais protegerão as empresas

privadas nacionais de produtos de defesa contra o risco do imediatismo

mercantil e assegurarão continuidade continuidade nas compras públicas.

A contrapartida a tal regime especial será, porém, o poder estratégico que o

Estado exercerá sobre tais empresas, a ser assegurado por um conjunto de

instrumentos de direito privado ou de direito público. (BRASILa, 2012,

p.60)

A END organiza-se em torno de três eixos estruturantes. Um deles, o segundo,

prevê que a Base Industrial de Defesa deve ser reorganizada, "para assegurar que o

atendimento às necessidades de tais produtos por parte das Forças Armadas apoie-se

em tecnologias sob domínio nacional, preferencialmente as de emprego dual (militar e

civil)" (BRASILa, 2012, p.66).

A reorganização da BID deve obedecer a quatro diretrizes que buscam orientá-la:

(a) Dar prioridade ao desenvolvimento de capacitações tecnológicas

independentes. [...]

(b) Subordinar as considerações comerciais aos imperativos estratégicos.

[...]

(c) Evitar que a Base Industrial de Defesa polarize-se entre pesquisa

avançada e produção rotineira. [...]

(d) Usar o desenvolvimento de tecnologias de defesa como fo- co para o

desenvolvimento de capacitações operacionais. (BRASILa, 2012, p.99)

2 O grifo é nosso.

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Neste contexto, como medidas de implementação, a END destacam-se como de

interesse para o presente estudo:

otimização dos esforços em Ciência, Tecnologia e Inovação para a

Defesa, por intermédio, dentre outras, das seguintes medidas: [...]

(c) fomento à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos de interesse da

defesa; (BRASILa, 2012, p.116)

Dentro destes produtos, especifica-se, para o setor cibernético, que os Ministérios

da Defesa e da Ciência e Tecnologia promoverão esforços integrados visando ao

fomendo da BID, com ênfase para o desenvolvimento de soluções nacionais

inovadoras, incluído, aí, o simulador de defesa cibernética.

No mesmo ano em que foi publicada a END, a lei nº 12.598 foi promulgada,

determinando normas especiais para as compras, contratações e desenvolvimento de

produtos e sistemas de defesa e dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica da

defesa. Logo no início da lei, como é costumeiro, são elaborados diversos conceitos,

dentre os quais, quatro se destacam:

I - Produto de Defesa - PRODE - todo bem, serviço, obra ou informação,

inclusive armamentos, munições, meios de transporte e de comunicações,

fardamentos e materiais de uso individual e coletivo utilizados nas

atividades finalísticas de defesa, com exceção daqueles de uso

administrativo;

II - Produto Estratégico de Defesa - PED - todo Prode que, pelo conteúdo

tecnológico, pela dificuldade de obtenção ou pela imprescindibilidade, seja

de interesse estratégico para a defesa nacional, tais como:

a) recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais;

b) serviços técnicos especializados na área de projetos, pesquisas e

desenvolvimento científico e tecnológico;

c) equipamentos e serviços técnicos especializados para as áreas de

informação e de inteligência;

III - Sistema de Defesa - SD - conjunto inter-relacionado ou interativo de

Prode que atenda a uma finalidade específica; (BRASILb, 2012)

Desta forma, o que o legislador pretende é definir de forma precisa o setor da

economia que precisa de mecanismos de proteção e fomento, precisando, assim, ao

máximo o risco e as características inerentes da atividade industrial.

O quarto conceito, de empresa estratégica de defesa, EED, é definido pelas

condições que uma determinada pessoa jurídica deve preencher para que possa se

credenciar junto ao Ministério da Defesa:

a) ter como finalidade, em seu objeto social, a realização ou condução de

atividades de pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização,

prestação dos serviços referidos no art. 10, produção, reparo, conservação,

revisão, conversão, modernização ou manutenção de PED no País,

incluídas a venda e a revenda somente quando integradas às atividades

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industriais supracitadas;

b) ter no País a sede, a sua administração e o estabelecimento industrial,

equiparado a industrial ou prestador de serviço;

c) dispor, no País, de comprovado conhecimento científico ou tecnológico

próprio ou complementado por acordos de parceria com Instituição

Científica e Tecnológica para realização de atividades conjuntas de

pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto

ou processo, relacionado à atividade desenvolvida, observado o disposto

no inciso X do caput;

d) assegurar, em seus atos constitutivos ou nos atos de seu controlador

direto ou indireto, que o conjunto de sócios ou acionistas e grupos de

sócios ou acionistas estrangeiros não possam exercer em cada assembleia

geral número de votos superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que

puderem ser exercidos pelos acionistas brasileiros presentes; e

e) assegurar a continuidade produtiva no País; (BRASILb, 2012)

Existem, hoje, no Brasil, 79 (setenta e nove) empresas enquadradas nestes quesitos

e cadastradas como estratégicas de defesa junto ao Ministério da Defesa, de acordo

com a Associação Brasileira das Indústrias de Material de Defesa e Segurança

(BRASIL, 2018). É interessante salientar que, além da empresa, é cadastrado o PED

que ela comercializa o que limita a abrangência da lei e de seus benefícios. Elas

podem, ainda, usufruir de alguns privilégios legais em processos licitatórios,

realizados pelo poder público:

I - destinado exclusivamente à participação de EED quando envolver

fornecimento ou desenvolvimento de PED;

II - destinado exclusivamente à compra ou à contratação de Prode ou SD

produzido ou desenvolvido no País ou que utilize insumos nacionais ou

com inovação desenvolvida no País, e, caso o SD envolva PED, aplica-se o

disposto no inciso I deste parágrafo; e

III - que assegure à empresa nacional produtora de Prode ou à ICT, no

percentual e nos termos fixados no edital e no contrato, a transferência do

conhecimento tecnológico empregado ou a participação na cadeia

produtiva. (BRASILb, 2012)

Com estes dispositivos, o Estado brasileiro busca proteger a BID, favorecendo um

segmento específico das empresas que a compõem, no caso as EED. Esta medida

contribui para a segurança do fluxo logístico de defesa do Brasil

Estas empresas "terão acesso a regimes especiais tributários e financiamentos para

programas, projetos e ações relativos, respectivamente, aos bens e serviços de defesa

nacional" (BRASILb, 2012).

No caso do regime especial tributário, foi instituído o chamado Regime Especial

Tributário para a Indústria de Defesa (RETID), que prevê a isenção no recolhimento

de contribuições, taxas e impostos, das quais destacam-se a Contribuição para o

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Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público

(PIS/Pasep), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o

Imposto sobre Produto Industrializados (IPI).

No caso do regime especial de financiamento, entretanto, não foi possível

determinar de forma clara se ele chegou a ser disponibilizado especificamente para a

indústria de defesa.

5.2 A Empresa Rustcon e sua Interação com as Políticas Públicas

O estudo de caso de que trata este trabalho tomou por base a empresa Rustcon.

Fundada em 2013, a Rustcon busca prover seus clientes com soluções tecnológicas de

alto valor agregado em sistemas de informática. Está cadastrada como EED junto ao

Ministério da Defesa desde 28 de maio de 2014, tendo como PED o Simulador de

Operações Cibernéticas (SIMOC) (BRASIL, 2018).

O SIMOC é um produto de altíssima complexidade que ocupa um nicho de

mercado muito específico, o dos Cyber Ranges. De maneira sintética, pode-se definir

seu propósito como semelhante ao de um estande de tiro (daí o emprego da expressão

em Inglês que tem este significado). Em um ambiente virtual, replica-se uma

determinada estrutura lógica de software, hardware e redes lógicas, principalmente,

permitindo o ensino, adestramento e validação de especialistas em segurança de redes

e cibernértica. Ele permite ainda que se simule e analise o impacto de se executar

determinado arquivo/aplicativo em uma determinada infraestrutura lógica,

possibilitando com isso que se evite a interrupção de seu serviço (RUSTCON, 2018).

Atualmente, é adotado pelo Comando de Defesa Cibernética, do Ministério da Defesa

do Brasil.

A aprovação da lei nº 12.598, de março de 2012, impactou no planejamento da

empresa em médio e curto prazo, que buscou captar recursos, com a finalidade de

ampliar sua capacidade de produção, de desenvolver ou de aprimorar produtos. Estes

investimentos foram realizados por conta de sinalizações, ou indícios, percebidos pela

empresa junto a compradores. Entretanto, para a captação destes recursos, não houve

acesso a financiamento específico como indicado no Art. 6º, da citada lei.

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Desde a sua fundação até o início do ano de 2018, a Rustcon participou de oito

procedimentos licitatórios relacionados com projetos de Defesa. Foram eles:

- SISFRON SAD (Savis/Embraer), o sistema de apoio à decisão no escopo do

projeto SISFRON;

- SISFRON SGL (Savis Embraer), o sistema de gerenciamento logístico no escopo

do projeto SISFRON;

- SIMOC (CCOMGEX), o simulador de operações cibernética;

- SISCOTI, o sistema integrado de coordenação de operações terrestres

interagências;

- SISGAAZ, o sistema de gerenciamento da Amazônia Azul;

- SISNACC, o sistema nacional de comunicações críticas;

- COBRA, o projeto de modernização do equipamento individual do combatente

brasileiro;

- Fábrica de Software CCOMGEX;

- Fábrica de Software CDS;

Mesmo participando de mais de um processo licitatório por ano, desde sua

fundação, o que pode indicar um bom volume de compras por parte do governo, em

nenhum destes processos foi empregado o dispositivo previsto no no inciso I, do §1º,

do Art 3º, da lei nº 12.598, a saber, "destinado exclusivamente à participação de EED

quando envolver fornecimento ou desenvolvimento de PED". Por outro lado, foi

utilizado o que condiciona a seleção do vencedor a um percentual mínimo de

agregação nacional pelo menos uma vez.

O tempo para cadastramento como empresa estratégica de defesa foi de 3 a 6

meses. Este tempo é semelhante, ou mesmo superior, ao que se gasta com a abertura

da empresa no Brasil, segundo dados de 2014, do Banco Mundial, em torno de 100

dias (DESIDÉRIO, 2016). Pode-se afirmar que diminuição da burocracia envolvida

no processo é uma oportunidade de melhoria a se estudar.

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Conforme as definições empregadas pela Profª Drª Ariela Leske, o Sr Carlos Rust

julgou que as seguintes se aplicam também ao segmento em que sua empresa opera.

a. Como seus principais consumidores são os governos de Estados, tende a ser

suscetível aos cortes orçamentários.

b. A produção de soluções em Cibernética requer também a existência de adequada

infraestrutura, oferta de mão de obra qualificada, cadeia produtiva tecnologicamente

apta, além de boa inserção externa do apoio e proteção do Estado.

c. A utilização de tecnologias duais tem sido cada vez mais adotada.

d. A inovação é demandada principalmente pelas Forças Armadas e a busca por

inovação passa a ser uma preocupação do governo, mais especificamente por

demanda das Forças Armadas às empresas.

e. Esta questão de inovação afeta também as relações de comércio internacional,

sendo a transferência de tecnologia um dos fatores de grande impacto nas

negociações.

As afirmações "a" e "c" guardam estreita relação, uma vez que, como forma de

minimizar os efeitos dos cortes orçamentários (ou seja, da diminuição de demanda, de

seu principal comprador) a principal alternativa é a diversificação da carteira de

clientes. Isto somente poderia ser possível buscando os mercados de defesa de outros

países, alternativa difícil por conta das peculiaridades da indústria de defesa, ou

buscando adequar seu produto para que atenda às demandas de mercados distintos ao

de defesa, investindo na dualidade dele.

A letra "b" é uma questão estrutural, característica do ambiente de negócios do

país, e independente das ações a cargo das empresas. Ela confirma a importância do

Estado para a BID, fornecendo apoio e proteção.

As demais assertivas, de letras "d" e "e", são diretamente relacionadas à questão da

inovação, que, especificamente para a cibernética, é o grande diferencial competitivo.

Inclusive, cabe ressaltar que a lei nº 12.598 possui um item específico para a

inovação, conceituada no corpo da lei como "introdução de novidade ou

aperfeiçoamento no ambiente produtivo de Prode;". Explícito no inciso II, do §1º, do

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artigo 3º, que trata de segregação de procedimentos licitatórios para determindados

universos, está o seguinte texto:

II - destinado exclusivamente à compra ou à contratação de Prode ou SD

produzido ou desenvolvido no País ou que utilize insumos nacionais ou

com inovação desenvolvida no País3, e, caso o SD envolva PED, aplica-

se o disposto no inciso I deste parágrafo; (BRASILb, 2012).

Entretanto, cabe recordar que, em nenhum dos procedimentos licitatórios que a

Rustcon tomou parte, houve qualquer tipo de favorecimento às EED por conta disso.

Conforme as respostas dadas na entrevista, em todos eles, o instrumento legal

empregado foi a lei nº 8.666, que regula as licitações de uma maneira geral no Brasil.

Outra questão a se considerar quando se fala do SIMOC é o gap tecnológico

existente. Diferente de outros materiais de defesa, que são aprimoramentos sucessivos

de tecnologias já existentes mas restritas, um cyber range é um produto recente em

que a corrida de pesquisa e desenvolvimento ainda não percorreu grandes distâncias e

que, portanto, o Brasil pode manter um grau considerável de competitividade mesmo

no mercado internacional.

Por fim, como principal ponto a se tratar neste item, está a avaliação do Sr Carlos

Rust de que ter se credenciado como EED, principal instrumento de fomento à

indústria de defesa das políticas públicas adotadas até o presente momento, não se

constituiu em um diferencial competitivo para a Rustcon. Sua conclusão se ampara na

síntese dos pontos tratados, desde a ausência de procedimentos licitatórios destinados

exclusivamente às EED, até ao não provimento de linhas de crédito destinadas a este

segmento da indústria. Desta forma, pela ótica do principal cliente das políticas

públicas de fomento à indústria de defesa, o empresário, estas são ineficazes, muito

mais por não serem utilizados do que por erros de concepção, carecendo de

aprimoramentos.

Infelizmente, os erros nesta área acabam gerando deficiências difíceis de se

contornar, como os citados no corpo da entrevista. A inexistência, ou o término, de

vagas para profissionais altamente capacitados por conta do baixo retorno das

empresas que os empregam colabora para a diminuição da capacidade intelectual

nacional, num fenômeno popularmente conhecido como "fuga de cérebros".

3 O grifo é nosso.

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Do ponto de vista acadêmico, determinar o grau de ineficácia, suas razões e propor

aperfeiçoamentos demanda um trabalho mais extenso que não cabe na proposta deste

artigo mas que, inegavelmente, tem grande relevância.

6 Considerações Finais

Considerando que, da análise proposta no trabalho, chegou-se à conclusão de que

as políticas públicas são ineficazes, pode-se afirmar que a Logística de Defesa do

Brasil ainda carece de aprimoramentos relevantes. No caso estudado, os

aprimoramentos são direcionados à primeira fase, procurement, ou aquisição, e tem

por principal finalidade aumentar a segurança do fluxo logístico.

A independência, mesmo que parcial, da aquisição de materiais de defesa ligados a

capacidades críticas é essencial para a estrutura de defesa de um país que pretende ter

o papel que o Brasil almeja.

A criticidade das capacidades relacionadas à Cibernética é reconhecida tanto na

PND quanto na END. Este foi nominado um dos setores estratégicos, atribuída sua

coordenação ao Exército Brasileiro. Sendo um setor cuja estruturação ainda está em

curso, é de se esperar que adaptações e correções de rumo se façam necessárias mas

também é inegável que uma das ações mais importantes é a formação de recursos

humanos habilitados e a geração de conhecimentos, tácitos e explícitos, e expertises.

Nesta linha de raciocínio, o SIMOC é um produto fundamental voltado para um

setor estrategico da Defesa. Por isso, é motivo de preocupação que a empresa ainda

não tenha usufruído da proteção e do apoio estatal que, via de regra, a indústria de

defesa, no mundo todo, recebe em seu próprio país.

A dependência logística num setor da envergadura e complexidade do Cibernético

precisa ser estudada e suas deficiências corrigidas afinal, como dizia Jomini,

"Logística é tudo na Guerra, menos o combate.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Defesa. Política Nacional da Indústria de Defesa. 2005.

Disponível em: https://www.defesa.gov.br/arquivos/estado_e_defesa/ END-

PND_Optimized.pdf. Acesso em 31 de maio de 2018.

BRASILa, Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa Estratégia Nacional

de Defesa. 2012. Disponível em:

https://www.defesa.gov.br/arquivos/estado_e_defesa/END-PND_Optimized.pdf.

Acesso em 31 de maio de 2018.

BRASILb, Casa Civil. Lei nº 12.598, de 21 de março de 2012. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/12598.html. Acesso

em 31 de maio de 2018.

BRASIL, Associação Brasileira das Indústrias de Material de Defesa e Segurança.

Empresa Estratégica de Defesa. Tabela de dados disponível em:

http://www.abimde.org.br/informative/eed. Acesso em 31 de maio de 2018.

DESIDÉRIO, Mariana. Quanto tempo demora para abrir uma empresa no Brasil?.

Exame. São Paulo, 12 de fevereiro de 2016. Disponível em:

https://exame.abril.com.br/pme/quanto-tempo-demora-para-abrir-uma-empresa-no-

brasil/. Acesso em 01 de junho de 2018.

KRESS, Moshe. Operational Logistics: The Art and Science of Sustaining Military

Operations. New York, Springer Science+Business Media. 2002.

LESKE, Ariela Cordeiro. Armas e Munições Leves e Pesadas e Explosivos. In:

BRASIL, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Mapeamento da Base

Industrial de Defesa. Brasília: IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada),

2016.

MARKOWSKI, Stefan; HALL, Peter; WYLIE, Robert. Defence Procurement and

Industry: a small country perspective. New York: [s.n.], 2010.

Entrevista concedida por RUST, Carlos. Entrevista I. [abril de 2018]. Entrevistador:

Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior. Rio de Janeiro, 2018. A entrevista na íntegra

encontra-se transcrita no anexo A deste artigo.

RUSTCON. SIMOC: Cyber Range Platform. Disponível em:

http://www.rustcon.com.br/cyber. Acesso em 31 de maio de 2018.

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Anexo A

Artigo: OS RESULTADOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO À BASE

INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA - A EXPERIÊNCIA DA RUSTCON

Autor: Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior

Entrevistado: Sr Carlos Rust - proprietário da Rustcon Ltda

Entrevista

1. Sobre o modelo de negócio da Rustcon, assinale o grau de concordância que o

senhor tem em relação à(s) afirmativas abaixo, escrevendo o código correpondente.

1 - concordo totalmente

2 - concordo parcialmente

3 - nem concordo nem discordo

4 - discordo parcialmente

5 - discordo totalmente

( 1) Como seus principais consumidores são os governos de Estados, tende a ser

suscetível aos cortes orçamentários.

( 1) A produção de soluções em Cibernética requer também a existência de adequada

infraestrutura, oferta de mão de obra qualificada, cadeia produtiva tecnologicamente

apta, além de boa inserção externa do apoio e proteção do Estado.

( 1) A utilização de tecnologias duais tem sido cada vez mais adotada.

( 1) A inovação é demandada principalmente pelas Forças Armadas e a busca por

inovação passa a ser uma preocupação do governo, mais especificamente por

demanda das Forças Armadas às empresas.

( 1) Esta questão de inovação afeta também as relações de comércio internacional,

sendo a transferência de tecnologia um dos fatores de grande impacto nas

negociações.

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2. A aprovação da lei nº 12.598, de 21 de março de 2012, impactou no planejamento

de médio e longo prazo da empresa?

( x) Sim

( ) Não

2a. Neste contexto, é correto dizer que a Rustcon buscou captar recursos com a

finalidade de ampliar sua capacidade de produção, de desenvolver ou de aprimorar

produtos?

( x) Sim

( ) Não

2b. Nesta captação de recursos, houve acesso a financiamento específico como

indicado no Art. 6º, da lei nº 12.598?

( ) Sim

( x) Não

2c. Estes investimentos foram feitos baseados em sinalizações ou indícios de

intenções de compra por parte de compradores?

( x) Sim

( ) Não

2d. O senhor considera que o investimento teve um retorno satisfatório?

( ) Sim

( x) Não

2e. Nestes últimos cinco anos, o senhor considera que a Rustcon sofreu prejuízos

relevantes em capital, inclusive intelectual? Se quiser, comente.

( x) Sim

( ) Não

___Tivemos alguns poucos projetos com contrato e receita: Desenvolvimento do

SIMOC em 2013 (3 M Reais), SISFRON (Sistema de Gestão Logistica – 8 Milhoes) e

SISFRON (Simulador, via Fab Sw CCOMGEX – 5 Milhoes), em valores

aproximados. Convém lembrar que esses projetos são de inovação tecnologia, com

risco tecnológico. São projetos de margem muito baixa com expectativa de retorno

em futuras contratações. O mundo inteiro funciona assim. No Brasil, nossa empresa

investiu em inovação (SIMOC), teve sucesso no resultado tecnológico do produto,

esperava o retorno nas próximas fases de evolução produto (PED, EED, 12.598, tudo

certinho).

O Exercito demorou mais de um ano para fazer uma contratação de evolução do

produto (nesse meio tempo suportamos varias atividades do Exercito) e ao final o

Exercito resolveu fazer uma nova licitação banal (igual licitação para comprar serviço

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de limpeza de banheiro), desrespeitado o planejamento estratégico nacional,

desrespeitando as leis de propriedade intelectual e contra qualquer lógica, para tentar

contratar uma empresa estrangeira para fazer essa evolução.

Por coincidência, essa empresa Mexicana que pertence ao bilionário Carlos Slim, do

Grupo Americas Movel já conhecia o SIMOC, já tinha manifestado interesse em

comprar o produto em 2016 e vem tentando desenvolver seu próprio Cyber Range.

Fácil de imaginar seu interesse em prover esse serviço a qualquer custo.

Em resumo, esse tipo de atitude não tem acontecido apenas com a Rustcon. A

Empresa Geocontrol que desenvolveu o Computador de Bordo do Guarani, foi

forçada a vender sua tecnologia para a Israelese Elbit, por falta de contrato de

continuidade com o Exercito. Existem diversas outras situações semelhantes.

O que mais me doi é a destruição de empresas Inovadoras e a consequente destruição

de Empregos de Alta Qualidade para nossos técnicos e engenheiros que acabam sendo

forçados a trabalhar em atividades secundarias ou a sair do Brasil em busca de

oportunidades descentes.

Por outro lado investimos em custo de propostas cujos projetos foram cancelados, a

saber: SISCOTI, SISGAAZ, COBRA, SISNACC, entre outros.

Sabemos que o custo para fazer uma proposta de um Sistema “one of a kind” é da

ordem de 5% do valor do Projeto. Obviamente essa conta não fecha quando o governo

exige propostas das empresas e depois cancela os processos. Essa conta fica com as

empresas e mais uma vez destrói empregos e renda.

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3. A Rustcon já participou de quantos procedimentos licitatórios desde sua fundação

em 2013? Se for possível, discrimine estes procedimentos pelo número de seu edital.

SISFRON SAD (Savis/Embraer), SISFRON SGL (Savis Embraer), SIMOC

(CCOMGEX), SISCOTI, SISGAAZ, SISNACC, COBRA, Fabrica de Software

CCOMGEX, Fabrica de Software CDS

<<vou pesquisar os números>>

______________________________________________________________

3a. Quantos destes procedimentos licitatórios seguem o previsto no inciso I, do §1º,

do Art 3º, da lei nº 12.598, a saber, "destinado exclusivamente à participação de EED

quando envolver fornecimento ou desenvolvimento de PED"?

R: NENHUM

3b. Quantos destes procedimentos licitatórios seguem o previsto no inciso II, do §1º,

do Art 3º, da mesma lei, a saber, "destinado exclusivamente à compra ou à

contratação de Prode ou SD produzido ou desenvolvido no País ou que utilize

insumos nacionais ou com inovação desenvolvida no País [...]"?

R:____________________________________________________________

3c. Em algum destes procedimentos, foi determinado percentual mínimo de agregação

nacional, nos termos do §6º, do Art 3º, da mesma lei?

( x ) Sim

( ) Não

3d. A Rustcon já foi convidada a participar de algum consórcio ou liderou algum

consórcio em algum procedimento licitatório?

( x ) Sim

( ) Não

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4. Qual o tempo demandado no cadastramento da Rustcon como Empresa Estratégica

de Defesa?

R: Fomos uma das primeiras empresas cadastradas como EED. Esse processo

demorou entre 3 e 6 meses.

4a. Em sua avaliação, ser considerada uma Empresa Estratégica de Defesa é um

diferencial competitivo relevante para a Rustcon? Por quê?

( ) Sim

( x) Não

R: Deveria ser, mas nunca foi.

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5. Neste espaço, acrescente aquilo que julgar necessário para a compreensão do

impacto das políticas de fomento à indústria de Defesa na Rustcon.

O Plano Estratégico de Defesa e a lei 12.598 fazem sentido e deveriam ser utilizados.

O Brasil poderia aproveitar esses instrumentos para desenvolver tecnologia de ponta,

gerar empregos de alta qualidade e renda. Sabemos que cada Dólar pago para uma

empresa estrangeira é uma quantidade de Real que sai do Brasil. Cada Real pago para

uma Empresa Brasileira é um Real que continua aqui e que circula na sociedade.

Voltando para o exemplo do SIMOC que tenho mais conhecimento para comentar.

Essa tecnologia foi desenvolvida aqui, por técnicos Brasileiros. É um sucesso

reconhecido internacionalmente.

Tem um valor inquestionável pois permite a força criar e manter a capacidade de

operação de ataque e defesa na dimensão cibernética.

Provavelmente essa já é uma das principais dimensões de combate no mundo atual.

Mais eficiente e rápido que quase todos os outros vetores de combate.

Porque o Governo, não investe seriamente nisso a luz do que estão fazendo países

como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, China, Israel?

Minha empresa vive sendo assediada por empresas estrangeira. Contudo, para manter

o selo de EED, não posso vender mais de 40%, o que limita ou quase inviabiliza a

participação do capital estrangeiro.

Por outro lado o Governo não gera demanda de projetos, pior ainda, viabiliza a

entrada de oportunistas e aventureiros, desrespeitando todo o pensamento estratégico

de longo prazo. Em vez de utilizar leis modernas criadas para desenvolver a BID

(Base Industrial de Defesa), o administrador publico medíocre, prefere utilizar leis

antigas (8.666) por considerar processos mais fáceis e menos trabalhosos.

Com relação ao SISFRON. Sabemos que a causa raiz da insegurança nos centros

urbanos esta na falta de controle de nossas fronteiras. Ninguem tem duvida dessa

afirmação.

Estamos desde 2012 implantando um piloto do SISFRON para uma micro parte de

nossa fronteira (600Km de 18.000Km de fronteira) que ainda nao esta em plena

operação. Não conseguimos sequer especificar e contratar as próximas fases.

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Nossa costa (fronteira molhada) é completamente desguarnecida. O SISGAAZ esta

parado. Poderia estar em andamento, criando emprego e renda para empresas

Brasileiras desenvolverem softwares, algoritmos, conceitos operacionais, sensores,

vetores, etc.