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Heitor Franco Werneck Rio de Janeiro, abril de 2010 Nº 02 Os Seguros Privados de Saúde no Brasil: uma análise taxonômica a partir da OCDE

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Heitor Franco Werneck

Rio de Janeiro, abril de 2010

Nº 02

Os Seguros Privados de Saúde no Brasil: uma análise taxonômica a partir da OCDE

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* Este texto é uma adaptação do trabalho final apresentado no curso de Especialização em Regulação da Saúde Suplementar - Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês / Escola de Administração de Empressas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2007.

** Especialista em Regulação da ANS. Mestre em Políticas Públicas e Saúde, ENSP-Fiocruz.

Os Seguros Privados de Saúde no Brasil: uma análise

taxonômica a partir da OCDE *

Heitor Franco Werneck **

Rio de Janeiro, abril de 2010

TEXTOS PARA DISCUSSÃONº 02

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GOVERNO FEDERAL

MINISTÉRIO DA SAÚDE

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS

Autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da

Saúde, a ANS tem por finalidade institucional promover a de-

fesa do interesse público na assistência suplementar à saúde,

regular as operadoras setoriais – inclusive quanto às suas re-

lações com prestadores e consumidores – e contribuir para o

desenvolvimento das ações de saúde no País.

Diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar

Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos - DIPRO

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ISSN: 2176-6444

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Publicação interna cujo objetivo é divulgar estudos, fomentar a

discussão técnico-científica e contribuir para análise da saúde

suplementar no Brasil e no exterior.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e intei-

ra responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo necessa-

riamente o ponto de vista da Diretoria Colegiada da ANS. Será

permitida a reprodução dos textos e dos dados contidos, desde

que contextualizada e citada a fonte. Reproduções para fins

comerciais são proibidas.

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SUMÁRIO

RESUMO ____________________________________________________________ 5

1. INTRODUÇÃO _______________________________________________________ 7

2. PREMISSA DE TRABALHO ______________________________________________ 9

3. PROPOSTA DA OCDE DE TAXONOMIA PARA OS SEGUROS DE SAÚDE ________________ 9

3.1 Classificação Conforme o Modelo dos Seguros de Saúde _________________ 10

3.2 Classificação Conforme o Papel dos Seguros Privados de Saúde nos Sistemas de Saúde _______________________________________ 12

1. SPS Duplicado ________________________________________________ 13

2. SPS Primário _________________________________________________ 13

3. SPS Complementar _____________________________________________ 13

4. SPS Suplementar ______________________________________________ 14

4. O BRASIL E A TAXONOMIA DA OCDE ______________________________________ 15

5. DISCUSSÃO _______________________________________________________ 18

6. NOTAS FINAIS ______________________________________________________ 19

REFERÊNCIAS ________________________________________________________ 20

ANEXO _____________________________________________________________ 21

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RESUMO

Este Texto para Discussão não representa as opiniões da Diretoria Colegiada da Agência

Nacional de Saúde Suplementar. Não pode, portanto, ser citado e/ou difundido com essa

finalidade. Seu conteúdo é de exclusiva e inteira responsabilidade do(s) autor(es).

O objetivo deste trabalho é descrever o papel dos seguros privados de assistência à saúde dentro do sistema de saúde brasileiro, à luz da proposta de taxonomia desenvolvida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A utilização dessa proposta contribui para um melhor entendimento do desenho institucional do sistema de saúde. Noções como ‘suplementar’, ‘complementar’ e a própria designação do nosso ‘seguro público nacional de saúde’ como Sistema Único de Saúde (SUS) dificultam a interpretação do arranjo institucional do sistema, de seu financiamento misto e do papel desempenhado pelos SPS em relação ao SUS. Para que a taxonomia da OCDE contemple particularidades do caso brasileiro, propomos como novas categorias explicativas, os conceitos de ‘duplicado-reduzido’ e ‘suplementar-hoteleiro’ para representar o papel dos SPS no Brasil.

Palavras-chave: saúde suplementar, seguro-saúde, taxonomia OCDE.

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fazer uma descrição do papel dos seguros privados de assistência à saúde (SPS) no sistema de saúde brasileiro, utilizando-se para isso uma taxonomia proposta pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (OECD, 2004b).

Pretende-se que este exercício sirva como um instrumento de análise do sistema de saúde brasileiro e auxilie na compreensão da dualidade público/privada que compõe o seu financiamento (FAVERET FILHO, 1992; MENICUCCI, 2007; RODRIGUES e SANTOS, 2009). Não é intenção deste trabalho desenvolver crítica ao modelo proposto pela OCDE, nem cotejá-lo a outras classificações existentes na literatura.

Há correntes do pensamento sanitário brasileiro que consideram o ‘seguro público de saúde’ no Brasil – o Sistema Único de Saúde (SUS) – como o próprio sistema de saúde brasileiro e não como parte deste, coexistente a outras formas de financiamento à saúde. Apresentamos a seguir algumas hipóteses que reputamos serem responsáveis por induzir a este confundimento sobre o SUS e, na sua outra face, por dificultar a compreensão do papel institucional da chamada ‘saúde suplementar’, enquanto elemento constituinte do sistema de saúde brasileiro:

1. O sistema público, criado sob a inspiração do National Health System – NHS inglês, pretendeu-se único, relegando à assistência privada uma participação menor, diga-se meramente ‘complementar’ à rede do sistema público1, muito embora, à época da promulgação da Constituição, o cofinanciamento do sistema de saúde pelo setor privado através de SPS era expressivo2. Isto, na letra constitucional, ficou assim expresso:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar [grifo do autor] do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

2. Os representantes do movimento sanitário responsáveis pela criação do SUS foram e ainda são em muitos casos os mesmos que analisam cientificamente as políticas de saúde. Em um primeiro exame, não

1 Na implantação do NHS em 1948, os prestadores privados e filantrópicos foram estatizados, ao contrário do que ocorreu no Brasil, onde a implantação do SUS permitiu a coexistência de entidades destas naturezas. (FAVERET FILHO, 1992, p.15)2 Segundo Faveret Filho (1992), em 1989 o mercado de seguros privados de saúde cobria um contingente de 31,2 milhões de pessoas, ou cerca de 20% da população brasileira à época.

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sendo possível politicamente se distanciar do objeto de análise, a problematização epistêmica perdeu força na área da saúde coletiva. Como resultado, o que se quis na política – um sistema nacional de saúde financiado e administrado unicamente pelo Estado – foi o que se enxergou na ciência.

3. A existência de poucos estudos sobre ‘saúde suplementar’ no Brasil comprometeu o entendimento da sua identidade e do seu real papel dentro do sistema de saúde brasileiro.

4. As dificuldades do Ministério da Saúde (MS) em integrar politicamente os dois subsistemas, público e privado, é um impedimento para a institucionalização da ‘saúde suplementar’ e, consequentemente, impedimento para a compreensão do seu papel dentro do sistema de saúde. O MS é responsável pela política de saúde do país. Sendo ainda o principal gestor do SUS, as políticas de Estado têm, portanto, tripla finalidade: i) apontar os rumos político-administrativos do sistema de saúde do país, ii) administrar o subsistema público e iii) determinar a inter-relação deste com o subsistema privado, correntemente chamado ‘suplementar’ (Brasil, 2006).

5. Expressões do sistema de saúde brasileiro tais como ‘complementar’ e ‘suplementar’ têm uso consagrado em sentido diverso ao aplicado pela OCDE e, por vezes, impreciso3. Assim, em nosso sistema de saúde, ‘complementar’ refere-se ao conjunto de prestadores privados contratados pelo SUS, conforme descrição do Art. 199 da Constituição. Já o termo ‘suplementar’ refere-se, no Brasil, ao universo dos seguros privados de assistência à saúde e, portanto, aos serviços de saúde cobertos por esses seguros (Ministério da Saúde, 2009). Entretanto, como será abordado na 3ª seção, esse termo não parece adequado para designar o real papel que os SPS desempenham prioritariamente no país. Ademais, é frequente o uso inadvertido do termo ‘complementar’ onde, na realidade, pretendia-se dizer ‘suplementar’, e.g. ‘sistema de saúde complementar’.

3 Complementar e suplementar são adjetivos antônimos. ‘Complementar’ refere-se àquilo que falta para um todo; enquanto ‘suplementar’ àquilo que excede o todo. Ao dicionário, temos: “Complementar: (adj 2 gêneros) que serve de complemento; v. tr. completar. Suplementar: (adj 2 gêneros) adicional; que amplia”. (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11ª edição. Ed Gamma.) Frequentemente, entretanto, o setor de saúde suplementar no Brasil é chamado de complementar.

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2 PREMISSA DE TRABALHO

“A saúde é direito de todos e dever do Estado (...)”. Com esta impactante sentença, o setor saúde é introduzido na Constituição Federal de 1988, consagrando de forma emblemática o projeto brasileiro de reforma sanitária. Os vinte anos que se seguiram a essa publicação traçaram a construção de um sistema público de saúde, pertencente a um modelo de seguridade social, sobre o qual o olhar do pensamento sanitário orgulhava-se de tê-lo feito um direito de cidadania.

O uso da proposta de classificação de seguros de saúde desenvolvida pela OCDE sobre o caso brasileiro altera a leitura do sistema de saúde. O direito do cidadão de ter garantido acesso à saúde por sua inscrição na seguridade social torna-se à luz dessa nova perspectiva teórica o dever de contribuir obrigatoriamente através de impostos para um ‘seguro público de saúde’.

Será razoável alterarmos dessa maneira o prisma de análise do sistema de saúde? Isto é, será correto designar o SUS como um ‘seguro público de saúde’?

Responderemos ‘sim’ a essa pergunta e partiremos dessa premissa nas seções seguintes. Na terceira seção, apresentaremos em que se baseia o modelo de classificação de seguros de saúde da OCDE. Na quarta, descreveremos o caso brasileiro à luz dessa classificação. Discutiremos, na quinta seção, os principais achados que sobrevieram pelo uso de um instrumental analítico novo ao sistema de saúde brasileiro. Ao final apresentaremos as conclusões.

3 PROPOSTA DA OCDE DE TAXONOMIA PARA OS SEGUROS DE SAÚDE

A taxonomia da OCDE para seguros de saúde propõe uma classificação conforme o modelo dos seguros de saúde e outra referente ao papel que os seguros privados de saúde desempenham nos sistemas de saúde dos países (OECD, 2004b). Apresentaremos ambas as classificações, pela importância que a primeira tem para a compreensão da segunda. No entanto, o foco do nosso trabalho está no papel ou função dos SPS e, portanto, será sobre esse segundo aspecto da taxonomia OCDE que nos deteremos.

Para podermos apresentar a taxonomia OCDE, cumpre inicialmente remeter à definição para seguro de saúde presente no seu Projeto Saúde (OECD, 2004a, p. 26):

“Seguros de saúde são definidos por distribuir risco financeiro associado com a variação dos gastos com cuidados de saúde dos indivíduos através de quotizações no tempo (pré-pagamento) e entre grupos definidos de pessoas (pooling)”

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O quadro abaixo ilustra a condição descrita na citação para a ocorrência de seguro de saúde.

Quadro 1 - Modalidades de Financiamento dos Gastos com Serviços de Saúde

Pré-pagamento

NÃO SIM

PoolingNÃO Desembolso direto Medical savings accounts

SIM Caridade Seguro de saúde

Fonte: OECD (2004a)

Assim, quando o financiamento dos gastos de serviços de saúde é obtido através de pré-pagamentos (quotização no tempo) e pela quotização de grupos definidos (pooling), então temos um seguro de saúde. Na ausência de qualquer uma dessas condições, o financiamento dos gastos com cuidados de saúde ocorre por outras formas, também conceituadas pela teoria e que, portanto, não devem ser confundidas com seguros.

3.1 Classificação segundo modelo dos seguros-saúde

Uma vez estabelecendo-se do ponto de vista teórico a existência de seguros de saúde, a proposta da OCDE sugere classificar seus diferentes modelos através de 4 critérios:

a. Fonte de financiamento pública ou privadab. Nível de obrigatoriedade do esquema: adesão obrigatória ou voluntáriac. Esquemas individuais ou de grupo (coletivos)d. Método de cálculo dos prêmios dos seguros de saúde

a. Fonte de financiamento

Há três principais fontes de financiamento para seguros de saúde, a saber: i) financiamento através de taxas; ii) contribuições para um seguro social e iii) prêmios privados. Os seguros de saúde podem ser classificados como públicos ou privados, tomando-se em referência a sua fonte de financiamento. Dessa forma, temos:

Seguros de saúde públicos – são financiados por taxas e impostos ou contribuições para esquemas de seguro social.

Seguros de saúde privados – são financiados por prêmios privados os quais são geralmente (mas não necessariamente) voluntários. Os governos costumam regular esses tipos de seguros, embora a quotização do financiamento seja usualmente gerida por entidade privada.

b. Nível de obrigatoriedade do esquema: adesão obrigatória ou voluntária

Seguros de saúde obrigatórios: são esquemas nos quais a participação dos

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indivíduos é requerida pelo governo, tanto se houver um sistema único quanto uma escolha entre diferentes esquemas ou operadoras de seguros de saúde. Os esquemas podem ser aplicados a toda a população ou apenas a certos grupos. No primeiro caso, o esquema é, então, referido como ‘Seguro Nacional de Saúde’.

c. Esquemas individuais ou de grupo (coletivos)

De acordo com esse critério de classificação, os indivíduos podem fazer o seguro individualmente ou a cobertura é resultado de um grupo, por exemplo, uma provisão relativa à condição do emprego.

Seguros de saúde coletivos: incluem esquemas que cobrem empregados de uma empresa. Usualmente, as operadoras de seguros de saúde oferecem nos seguros coletivos diferentes estruturas de preços, bem como diferentes pacotes de benefícios também.

Seguros de saúde individuais: são os esquemas que não se aplicam a grupos específicos.

d. Método de cálculo dos prêmios dos seguros de saúde

Os prêmios dos seguros de saúde podem ser calculados baseados em três condições principais, a saber:

i) Prêmios baseados na renda: este é tipicamente o caso dos esquemas de seguro social, onde contribuições são calculadas como parte da renda dos indivíduos, independentemente do risco de utilização dos serviços.

ii) Prêmios calculados por grupos: neste caso, os prêmios são ajustados pelo risco médio do grupo, de modo que todos os participantes pagam o mesmo prêmio. Pode haver ajustes do cálculo onde alguns fatores afetem o prêmio em algum nível, como por exemplo, uma carga no prêmio para entrantes tardios no grupo.

iii) Prêmios calculados diretamente a partir do risco do indivíduo: neste caso, os prêmios estão relacionados ao risco individual e são calculados a partir de princípios atuariais, com base na expectativa de utilização de serviços de saúde.

Ainda que não tenham sido incluídas na sua proposta para uma tipologia básica, o documento da OCDE reconhece que existem outras variáveis que representariam características descritivas importantes para a análise de políticas dos modelos de seguros de saúde, uma vez que os diferentes arranjos decorrentes dessas variáveis têm implicações no desempenho dos sistemas de saúde (OECD, 2004b). Dentre essas variáveis, destacam-se: natureza pública ou privada do gestor do seguro saúde; existência de competição comercial ou não entre esses gestores; relação contratual destes com os prestadores de serviço; benefícios fiscais ligados aos seguros de saúde; mecanismos regulatórios diversos que forneçam subsídios cruzados nos seguros de saúde.

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3.2 Classificação segundo papel dos SPS no sistema de saúde

Ultrapassada a etapa acima, onde apresentamos os diferentes modelos de seguros de saúde apontados pela teoria, podemos descrever a classificação dos seguros de saúde conforme o papel que os seguros privados de saúde desempenham nos sistemas de saúde dos países. Essa etapa da taxonomia proposta pela OCDE é central à nossa discussão, pois será a partir dela que analisaremos a função que SPS efetivamente desempenham no Brasil, para além daquilo que o uso consagrado da expressão ‘saúde suplementar’ traz como estigma para o papel dos SPS no sistema de saúde brasileiro.

Os SPS podem ser classificados de acordo com o papel ou função que eles desempenham em relação à oferta de serviços públicos de saúde. Essa classificação permite analisar as características do mercado privado de seguros de saúde, avaliar a interação entre seguros de saúde públicos e seguros privados e o impacto dessa interação no desempenho dos sistemas de saúde. Duas variáveis são fundamentais para essa análise: a) elegibilidade para algum seguro público de saúde e b) abrangência da cobertura dos serviços de saúde por SPS.

a) Elegibilidade para seguro público de saúde: alguns grupos populacionais podem não ser elegíveis para o seguro público de saúde. Indivíduos nesses casos têm como alternativa buscar seguros privados de saúde. Indivíduos elegíveis para os seguros públicos de saúde podem ainda optar por duplicar sua cobertura através de SPS ou buscar serviços não cobertos pelo seguro público nos SPS. Finalmente, os SPS podem complementar custos não reembolsáveis advindos da utilização do seguro público.

b) Cobertura dos serviços de saúde por SPS: seguros privados de saúde podem oferecer cobertura para serviços cobertos ou não por seguros públicos. A observância da extensão da cobertura dos seguros públicos é fundamental para essa variável. Por sua vez, a cobertura dos SPS é determinada tanto por mecanismos regulatórios quanto por estratégias de mercado definidas pelos gestores de SPS (OECD, 2004a, p28).

Analisando a interação dos seguros de saúde públicos e privados dos países conforme essas duas variáveis, podemos identificar basicamente quatro categorias principais de papéis dos SPS nos sistemas de saúde, a saber:

1. Duplicado2. Primário

2.1. Substituto2.2. Principal

3. Complementar4. Suplementar

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Vejamos, a seguir, as definições de cada uma dessas funções dos SPS:

1. SPS Duplicado

Quando os SPS oferecem cobertura para serviços de saúde já incluídos no seguro público, então seu papel é duplicado dentro do sistema de saúde do país. A viabilidade de comercialização desses seguros se dá porque, embora ofereçam os mesmos serviços de saúde já ofertados no setor público, eles também oferecem acesso a diferentes prestadores, bem como, eventualmente, acesso privilegiado e mais rápido a serviços, driblando filas do sistema público. Podem ainda oferecer acesso a cuidados profissionais de saúde independentemente de referência de outro profissional na entrada do sistema; maior liberdade na escolha dos profissionais de saúde, hospitais ou outros prestadores de saúde. Num arranjo duplicado do sistema de saúde, ainda que os indivíduos contratem SPS, eles não ficam dispensados de contribuírem para o seguro público, seja qual for sua modalidade de financiamento público, isto é, impostos ou contribuições sociais diretas.

2. SPS Primário

Quando os SPS representam o único acesso disponível a seguros de saúde porque os indivíduos não têm seguro público, então o seu papel dentro do sistema de saúde é dito primário. Isso pode ocorrer porque não há seguro público ou porque os indivíduos não são elegíveis ao seguro público existente ou ainda porque, mesmo tendo direito ao seguro público, o indivíduo abre mão da sua cobertura, nesse caso, ficando isento de contribuir para o seu financiamento.

2.1. Substituto

Aqui, os SPS substituem a cobertura por serviços de saúde a qual estaria disponível no sistema público. Em contrapartida, os segurados dos SPS eximem-se da contribuição para o sistema público.

2.2. Principal

São aqueles SPS que representam para o segurado a única opção de seguro de saúde, já que o indivíduo contratante do SPS não é elegível a nenhum esquema de seguro público. Este caso também inclui os seguros coletivos compulsórios, desde que sejam de natureza privada.

3. SPS Complementar

Quando os SPS destinam-se a pagar integralmente ou em parte os custos residuais compartilhados não reembolsáveis (copagamentos) do acesso aos serviços no esquema público ou privado primário, seja esse último substituto ou principal, então o seu papel no sistema de saúde é dito complementar.

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4. SPS Suplementar

Neste caso, os SPS proveem cobertura para serviços de saúde não cobertos pelo esquema público. Em alguns países, isso pode incluir serviços tais como cobertura odontológica; benefícios farmacêuticos; reabilitação; medicina alternativa; serviços eletivos, entre outros, inclusive amenidades ligadas à hotelaria dos serviços hospitalar ou ambulatorial.

No quadro abaixo, apresentamos de forma esquemática os quatro papéis básicos que os SPS podem desempenhar dentro dos sistemas de saúde dos países.

Quadro 2 - SPS no sistemas de saúde

Elegibilidade para Seguro Público de Saúde

Indivíduos têm cobertura públicaIndivíduos não têm cobertura pública

Cobertura dos serviços de

saúde por SPS

SPS cobrem serviços de saúde

cobertos pelo sistema públicoDuplicado

Primário:

Substituto

PrincipalSPS cobrem custos

compartilhados (copagamentos)

aplicáveis ao sistema público

Complementar

SPS oferecem serviços não

incluídos no sistema públicoSuplementar

Fonte: OECD (2004b)

A racionalidade básica dessa classificação da OCDE para seguros de saúde está na distinção entre seguros públicos e privados. Uma vez caracterizada a existência de um esquema de seguro de saúde, satisfazendo-se as pré-condições de quotização por grupos definidos (pooling) e pré-pagamento, determina-se a fonte de financiamento do seguro e assim distinguem-se aqueles que são públicos dos privados, conforme os critérios vistos anteriormente. Entretanto, para além dessa primeira categoria, há outras variações entre os esquemas de seguros de saúde que vão além da mera distinção da natureza pública ou privada de sua fonte de financiamento. De tal sorte que classificar os seguros privados de saúde conforme a maneira como interagem com a cobertura pública dos sistemas de saúde e o papel que assumem dentro desses sistemas torna-se um instrumento importante de análise de política de saúde e auxilia na compreensão dos diferentes arranjos que os sistemas de saúde dos países podem tomar. É esperado que se encontre correlação entre o desenho dos sistemas e seus desempenhos, principalmente em termos de eficiência e cobertura.

Assim é que, aplicando-se a classificação da OCDE ao caso brasileiro, busca-se trazer mais luz sobre as imprecisões conceituais que recaem sobre ele. A não observância do real papel que os SPS desempenham no sistema de saúde

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brasileiro impede que se estabeleçam metas coerentes para os mesmos em termos de políticas de saúde. Idealmente, os SPS devem ser regulados com base no papel que verdadeiramente desempenham no sistema e com a perspectiva da função que se espera deles.

4 O BRASIL E A TAXONOMIA DA OCDE

A aplicação da classificação proposta pela OCDE ao caso brasileiro nos leva a olhar o SUS como um seguro público, dado que seu financiamento se dá através de impostos cobrados pelo Estado, compulsório a toda a população, pois não cabe aos cidadãos optarem por sua não cobertura ou eximirem-se do seu financiamento, e com oferta integral de serviços de saúde, não havendo em nenhuma circunstância alguma modalidade de copagamento. O SUS trata-se, portanto, de um ‘seguro nacional de saúde’, conforme vimos nos itens a e b da classificação segundo modelo dos seguros de saúde.

Num país cujo sistema de saúde contempla um Seguro Nacional de Saúde, o modelo OCDE descreve as seguintes possibilidades de funções que os SPS poderiam assumir dentro desse sistema. Vejamos: i) ‘Complementar’: os SPS teriam um papel complementar ao sistema público se houvesse algum tipo de custo residual não-reembolsável pelo sistema público que recaísse sobre seus usuários. Esse não é o caso brasileiro, posto que não há contrapartida do usuário SUS a ser cobrada em vista da utilização dos serviços públicos de saúde4. ii) ‘Duplicado’: se os SPS ofertassem aos seus beneficiários uma cobertura por serviços (no que diz respeito à abrangência) análoga aos serviços cobertos no sistema público, cabendo, porém, diferenças com prestadores ou no acesso privilegiado e mais rápido a serviços de saúde ou no acesso a serviços de saúde independentemente de referência de um profissional na entrada do sistema, driblando filas do sistema público, então os SPS teriam papel ‘duplicado’ ao sistema público5. O caso brasileiro enquadra-se bem nessa categoria.

Por fim, diante de um ‘seguro nacional de saúde’, ainda caberia aos SPS uma função iii) ‘suplementar’: se os SPS provessem cobertura a serviços de saúde não ofertados pelo esquema público, incluindo aí amenidades do serviço hospitalar e ambulatorial. Os SPS também desempenham papel suplementar no Brasil ao garantirem condições diferenciadas nas acomodações hospitalares e ambulatoriais. Entretanto, não há no Brasil comercialização de SPS com função estritamente suplementar, isto é, as apólices sempre têm um componente de cobertura duplicada.

4 Este é o caso do sistema francês.5 Caso australiano.

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Como a oferta de serviços de saúde no SUS pressupõe a integralidade da assistência (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990), a diferenciação dos seguros privados ao seguro público nacional brasileiro se dá na rede de prestadores, na possibilidade de escolha dos profissionais de saúde ou outros prestadores de saúde nos SPS e em hotelaria e amenidades da acomodação e do atendimento. Isto é, os SPS têm um papel ‘duplicado’ por excelência e ‘suplementar’ em algumas circunstâncias, quando condições diferenciadas de hotelaria estão presentes.

A Lei nº 9.656/98, que estabelece o marco regulatório para os SPS no Brasil, define em seu Artigo 10° que a cobertura assistencial dos chamados planos-referência será de todas as doenças relacionadas no CID e que as operadoras de planos de saúde deverão ofertar obrigatoriamente essa segmentação de plano (Anexo I).

Nem todos os SPS comercializados no Brasil seguem a estrutura do chamado plano-referência. As segmentações permitidas ao mercado brasileiro de planos de saúde são: ambulatorial; hospitalar sem obstetrícia; hospitalar com obstetrícia; odontológico; referência e combinações dessas. O quadro abaixo ilustra a natureza da cobertura dessas segmentações:

Quadro 3 - Natureza dos procedimentos cobertos, por segmentação assistencial dos SPS

Segmento

Cobertura

Consultas Exames

Tratamentos e outros

procedimentos

ambulatoriais

Internações Partos Tratamento

Odontológico

Ambulatorial a a a

Hospitalar sem obstetrícia a

Hospitalar com obstetrícia a a

Odontológico a

Referência a a a a a

Fonte: ANS. Brochura “Cobertura Assistencial”. Série Planos de Saúde Conheça Seus Direitos. 2005.

Assim, somente os SPS com cobertura ambulatorial, hospitalar com obstetrícia e odontológica, (isto é, um “plano-referência” acrescido de cobertura odontológica) duplicariam integralmente a cobertura ofertada no seguro brasileiro público, o SUS. Todas as demais segmentações de SPS comercializadas no país têm cobertura mais restritiva que a cobertura do SUS.

Para além disso, o parágrafo 4º, do art. 10º da Lei nº 9.656/98 determina que a amplitude da cobertura dos SPS estará sempre condicionada à regulamentação constante da ANS, de modo que a revisão da norma impõe uma periodicidade à incorporação tecnológica, particularmente sensível para procedimentos de alta complexidade, bastante sujeitos às inovações. Isto é, há alguns exemplos de serviços de alta complexidade, sejam para fins de diagnóstico ou terapêutico, que não compõem o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (RN nº 211/10) que determina os procedimentos que devem ser cobertos pelos SPS, e.g. transplantes de coração ou de fígado. Com isso, mesmo os SPS com a máxima segmentação

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assistencial prevista em Lei oferecem cobertura mais restritiva que aquela disponível no SUS, particularmente no tocante aos serviços de alta complexidade.

Outro problema para a adequação da taxonomia ao caso brasileiro refere-se ao universo dos chamados ‘planos antigos’. Os SPS comercializados anteriormente à Lei nº 9.656/98 estabelecem discricionariamente a abrangência de suas coberturas, não se enquadrando necessariamente em nenhum dos segmentos descritos no Quadro 3, nem, tampouco, obedecendo à amplitude de procedimentos descritos no Rol de Procedimentos.

A tabela abaixo dá a exata dimensão dessas restrições de cobertura dentro do universo de SPS comercializados no país. Se considerarmos apenas os “seguros novos” e com segmentação máxima, eles representam apenas 1,5% do total de SPS comercializados no Brasil. Esse grupo dá cobertura a apenas 0,42% do total da população brasileira, que, segundo dados do IBGE em janeiro de 2008, contabilizava 185.980.655.

Tabela 1 - Vínculos por segmentação e época do contrato, Total, 2008

Segmentação Antigos Novos %Novos Total

Referência - 6.233.378 12,2% 6.233.378

Hosp. c/ Obstetrícia + Ambulatorial + Odonto 1.632.552 782.984 1,5% 2.415.536

Hosp. c/ Obstetrícia + Ambulatorial 5.357.173 17.820.692 34,8% 23.177.865

Hosp. c/ Obstetrícia + Odonto 18.187 1.611 0,0% 19.798

Hosp. c/ Obstetrícia 325.676 270.560 0,5% 596.236

Hosp. c/s Obstetrícia + Ambulatorial - 582.696 1,1% 582.696

Hosp. c/s Obstetrícia + Odonto - 4.547 0,0% 4.547

Hosp. c/s Obstetrícia - 3.023 0,0% 3.023

Hosp. s/ Obstetrícia + Ambulatorial + Odonto 14.905 251.434 0,5% 266.339

Hosp. s/ Obstetrícia + Ambulatorial 530.395 2.232.232 4,4% 2.762.627

Hosp. s/ Obstetrícia + Odonto 680 1.199 0,0% 1.879

Hosp. s/ Obstetrícia 47.227 79.149 0,2% 126.376

Ambulatorial + Odonto 368.669 188.981 0,4% 557.650

Ambulatorial 482.842 1.190.842 2,3% 1.673.684

Odontológico 1.288.027 8.843.489 17,3% 10.131.516

Informado incorretamente 1.914 691 0,0% 2.605

Não Informado 2.643.812 - 0,0% 2.643.812

Total 12.712.059 38.487.508 75,2% 51.199.567

Fonte: ANS tabnet, referência:Set/2008.

Esses casos são, a princípio, problemáticos, porque não são descritos pelo modelo. É claro, porém, que os SPS com coberturas assistenciais restritas e inferiores à cobertura ofertada no sistema público duplicam também a oferta para aqueles serviços que minimamente oferecem cobertura. Seu papel, portanto, é duplicado, mas restrito.

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Textos para Discussão nº 02 abr 201018

5 DISCUSSÃO

Assim é que, talvez, a melhor maneira de classificar o papel que os SPS têm no Brasil, com base na taxonomia proposta pela OCDE é adaptando-a e criando outras categorias. Como demonstrado pelos dados acima, apenas uma ínfima parcela dos SPS duplicam quase integralmente o conjunto de serviços ofertados pelo sistema público. Na grande maioria dos casos, porém, a cobertura dos SPS duplica uma parcela bem restrita dos serviços legalmente cobertos pelo sistema público. Esse arranjo poderia ser mais bem descrito, portanto, como um papel duplicado, porém reduzido. Paralelamente, os serviços ofertados pelos SPS envolvem amenidades do serviço hospitalar e ambulatorial que não constituem serviços de saúde propriamente ditos. Considerando-se que os serviços oferecidos pelo SPS suplementarmente ao SUS estão exclusivamente ligados a essas amenidades nas internações e consultas, então ele poderia ser mais bem designado como suplementar, ainda que hoteleiro.

Com efeito, temos estabelecido que o papel dos SPS no Brasil é ‘duplicado-reduzido’ e ‘suplementar-hoteleiro’.

Finalmente, resta endereçar a questão das expressões consagradas no sistema de saúde brasileiro e que se confrontam com a taxonomia do modelo. No jargão das políticas de saúde no Brasil, utiliza-se o termo ‘complementar’ para referir-se ao conjunto dos prestadores privados contratados ou conveniados com o SUS. Como vimos, no modelo, ‘complementar’ refere-se a um papel específico que os SPS podem desempenhar dentro de sistemas de saúde e, vale destacar, não se enquadra ao caso brasileiro. Dessa forma, a utilização desse termo requer o estabelecimento prévio do contexto e marco teórico aos quais o autor se refere para poder apontar com clareza a conceitos díspares.

Quanto ao termo ‘suplementar’, a questão torna-se um pouco mais complicada. Isso porque sua utilização no Brasil refere-se genericamente ao universo dos SPS, mas sem que isso implique na assunção do papel dos SPS dentro do sistema. Ou seja, teriam os sanitaristas da reforma sanitária e, na sequência, os legisladores imaginado um papel suplementar para SPS, isto é, oferecendo serviços não cobertos no SUS? O que dizer, portanto, da própria designação do SUS como ‘único’? Ao estabelecer no Artigo 199 da Constituição Federal que “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”, tal liberdade deveria estender-se também ao nível do financiamento, através de SPS? Ou ela deveria restringir-se à participação ‘complementar’ de prestadores privados a um sistema verdadeiramente único, exclusivamente financiado pelo Estado e sem a participação de SPS?

O fato é que hoje, o sistema de saúde brasileiro é composto por um seguro público nacional de saúde, chamado SUS, diante do qual se relacionam SPS cujo papel dentro do sistema é ao mesmo tempo duplicado-reduzido e suplementar-hoteleiro.

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Compreender esse arranjo institucional do sistema de saúde brasileiro é a única maneira de se pensar políticas para o setor de forma realmente integrada e que extraiam deste sistema o máximo de seu desempenho e cobertura. SPS re-presentam ao mesmo tempo riscos e oportunidades para se atingir as metas de desempenho do sistema de saúde (COLOMBO e TAPAY, 2004, p.51). Para alguns países, não haver nenhum mercado de SPS pode ser a melhor decisão para o desempenho do sistema de saúde. Para outros, entretanto, obter um melhor uso dos SPS, isto é, definir o papel e a significância que os SPS devem ter dentro do sistema de saúde pode representar a melhor estratégia em termos de política de saúde. As decisões dos países diante desses dilemas irão variar de acordo com suas prioridades políticas e seus contextos históricos.

6 NOTAS FINAIS

Existem dúvidas na interpretação do desenho institucional do sistema de saúde brasileiro. Vimos que essas dúvidas podem ter como possíveis explicações o arranjo institucional que serviu de paradigma (NHS) para a modelagem do atual sistema de saúde brasileiro; a hermenêutica jurídica do sistema; a baixa produção científica sobre a chamada ‘saúde suplementar’, agravada por suposto viés dos autores desses estudos, dificuldades do MS em propor políticas de integração dos dois subsistemas, público e privado, e o uso consagrado de expressões no jargão sanitário brasileiro que não refletem conceitos trabalhados pela teoria ora em discussão.

Vimos que, de acordo com a taxonomia da OCDE, o SUS é um ‘seguro nacional de saúde’ e que os SPS desempenham um papel ‘duplicado’ e ‘suplementar’ ao seguro público. Entretanto, para melhor categorizar o papel desempenhado pelos SPS, precisamos fazer um ajuste à classificação, propondo as expressões duplicado-reduzido, para designar com mais precisão que a duplicação da cobertura é parcial e suplementar-hoteleiro para expressar a idéia que os serviços oferecidos pelos SPS suplementarmente ao SUS referem-se a amenidades do atendimento hospitalar e ambulatorial e não a serviços de saúde propriamente ditos.

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REFERÊNCIAS

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Resolução Normativa nº 167, de 10 de janeiro de 2008. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, fixa as diretrizes de Atenção à Saúde e dá outras providências. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_integra.asp?id=1084>. Acesso em 22 dez. 2008.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 dez. 2008.

____. Decreto nº 5.974, de 29 de novembro de 2006. Aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas do Ministério da Saúde, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5974.htm>. Acesso em 22 dez. 2008.

____. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em 22 dez. 2008.

____. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9656.htm>. Acesso em 22 dez. 2008.

BRASIL. Ministério da Saúde; CONSELHO NACIONAL DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. 3. ed. Brasília, 2009.

COLOMBO, F.; TAPAY, N. Private health insurance in OECD countries: the benefits and costs for individuals and health systems. Paris, 2004. (OECD Health Working Papers, n. 15).

FAVERET FILHO, Paulo. Políticas de saúde em perspectiva comparada: Brasil, Estados Unidos e Inglaterra. 1992. 50 f. Dissertação (Mestrado em Economia)–Instituto de Economia Industrial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992.

MENICUCCI, T.M.G. Público e Privado na Política de Assistência à Saúde no Brasil: atores, processos e trajetórias. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007.

RODRIGUES, P.H.A.; SANTOS, I.S. Saúde e Cidadania: uma visão histórica e comparada do SUS. São Pulo: Editora Atheneu, 2009

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Private health insurance in OECD countries. Paris, 2004a. (The OECD Health Project).

____. Proposal for taxonomy of health insurance. Paris, 2004b. (The OECD Health Project).

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Textos para Discussão nº 02 abr 2010 21

ANEXO Lei nº 9.656/98

Art. 10°. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental;

II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

III - inseminação artificial;

IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;

V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar;

VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico;

VIII – REVOGADO

IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;

(...)

§ 2º As pessoas jurídicas que comercializam produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano-referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores.

§ 3º Excluem-se da obrigatoriedade a que se refere o § 2º deste artigo as pessoas jurídicas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão e as pessoas jurídicas que operem exclusivamente planos odontológicos.

§ 4º A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS. [grifo do autor]

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© Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS 2010

Textos para Discussão ANS

Coordenação-Geral: Carlos Octávio Ocké-Reis – PRESI e Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi – DIGESCoordenação de Comunicação Social: Rachel Crescenti – GCOMS/DICOL Secretária-Executiva: Edilce Mattoso – DIGESBibliotecária: Iara Vidal Pereira de Souza – CODOB/DIGESProjeto Gráfico: Eric Estevão e Bruno Peon – GCOMS/DICOLDiagramação: Silvia Batalha – GCOMS/DICOLRevisão: Ana Flores – GCOMS/DICOL

Contato

Agência Nacional de Saúde SuplementarAvenida Augusto Severo, 84, 9º andar – GlóriaRio de Janeiro/RJCEP 20021-040Fone: (21) 2105-0092Fax: (21) 2105-0113 (A/C Textos para Discussão ANS)[email protected]

Tiragem: 200 exemplares

I

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INSTRUÇÃO AOS COLABORADORES

Normas para publicação1. Todos os textos serão avaliados em processo de double blind referee (sistema duplo cego).

2. O texto deve conter no máximo 30 laudas (1 lauda tem 1.400 caracteres com espaço) e o título deve vir acompanhado de resumo com no máximo 300 caracteres com espaço.

3. O texto deve ser formatado com a fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1,5cm, no programa Word for Windows 97 ou versão mais nova, com as seguintes margens: Superior: 2,5cm, Inferior: 2,5cm, Direita: 2,0cm, Esquerda: 2,5 cm.

4. Pede-se número reduzido de gráficos, que devem ser enviados em condições de edição e no programa Excel. Tabelas devem ser enviadas em Excel ou junto ao próprio texto em condições de edição. Sugere-se uso moderado do rodapé.

5. Os itens do texto devem ser numerados em algarismos arábicos, obedecendo a seguinte hierarquia:

• Item principal – letras maiúsculas em negrito, tamanho 12, numerado (1, 2, 3...).

• Subitem – somente a inicial em maiúscula e em negrito, tamanho 12, numerado (1.1, 1.2, 1.3...).

• Subitem subseqüente – somente a inicial em maiúscula e em negrito, tamanho 10, numerado (1.1.1, 1.1.2, 1.1.3...).

• Subitem deste – somente a inicial em maiúscula e em itálico e negrito, tamanho 10, sem numeração.

6. As referências bibliográficas devem se basear na norma ABNT/NBR 6023/2002, digitadas em espaço simples entre as linhas, separadas com espaço duplo e alinhadas pela margem esquerda.

7. As citações devem se basear na norma ABNT/NBR 10520/2002, observando-se o seguinte:

7.1 Sistema de chamada

Sugerimos que seja observado o sistema alfabético (autor-data):

• Um autor: indicação do SOBRENOME do autor em letras maiúsculas e minúsculas quando incluído na sentença, ou em maiúsculas quando dentro de parênteses, seguido da data e da página ou intervalo de páginas, quando se tratar de citação direta:

“Hafez (1973, p. 104) aconselha ...” ou “Em pesquisa anterior (HAFEZ, 1973, p. 104) aconselha ...”;

• Mais de um autor: Até três autores, todos devem ser referenciados. Exemplo:

“Martins, Jorge e Marinho (1972)” ou “(MARTINS; JORGE; MARINHO, 1972)”;

• Mais de três autores: devem ser mencionados os três primeiros autores, seguidos da expressão “et al.” acrescida da data.

7.2 Transcrição textual de parte da obra

• Até 3 linhas: deve ser contida entre aspas duplas. As aspas simples são utilizadas caso haja uma referência no interior da citação. Exemplo:

De acordo com Faria (2003, p. 32), “a essa determinação, Pêcheux denomina de ‘formação ideológica’[...]”.

• Mais de 3 linhas: deve ser destacada com um recuo de 4 cm da margem esquerda, com letra menor que a do texto e sem aspas.

8. O texto deve apresentar 3 descritores livres.

9. Deve ser obsevada com rigor a cláusula de sigilo e zelo pela privacidade das informações confidenciais a qual estão comprometidos os servidores da ANS através do Termo de Responsabilidade e Sigilo.

Envio do texto Os textos devem ser enviados com nome, e-mail, créditos acadêmicos e/ou profissionais para [email protected]. Em até sessenta dias, a coordenação responderá ao(s) autor(es). Caso aceito pelos pareceristas, o(s) autor(es) deverão atender eventuais críticas, comentários e sugestões. A revisão será feita pelas equipes da GCOMS/DICOL e da Biblioteca/DIGES em comum acordo com o(s) autor(es). Casos omissos serão tratados pela coordenação.

II

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO ANS

Os Textos para Discussão podem ser acessados pela Internet, no formato PDF, na biblioteca eletrônica da ANS, no seguinte endereço: http://www.ans.gov.br/portal/site/Biblioteca/biblioteca.asp.

2010

N° 01 - Houve mudanças no perfil das operadoras de planos de saúde após a criação da ANS? Um estudo exploratório, Viviane dos Santos Pereira. Rio de Janeiro, janeiro de 2010, 42 p.

N° 02 - Os seguros privados de saúde no Brasil: uma análise taxonômica a partir da classificação da OCDE, Heitor Franco Werneck. Rio de Janeiro, abril de 2010, 26 p.

III

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Heitor Franco Werneck

Rio de Janeiro, abril de 2010

Nº 02

Os Seguros Privados de Saúde no Brasil: uma análise taxonômica a partir da OCDE