Os sertões (de O Escritor)

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O ESC RI TOR JORNAL DA UBE   -    D    e    z    e    m    b    r    o    /    2    0    0    2   -    P     á    g  .    8   Quantos exemplares foram realmente im- pressos, da primeira edição de O s Sertõ es ? Durante muito tempo e até recentemente, essa foi uma pergunt a se m resposta. Na cor- respondência t rocada entr e E ucli des da C u- nha, seus amigos e parentes, não aparece nenhuma informação. Pelas cartas enviadas pelo escritor ao pai, de Lorena (SP), onde se encontrava, quando do lançamento do livro, ficamos sabendo do êxito da primeira edição, esgotada em doi s mes es. C omo ve- mos de uma carta dat ada des sa cidade, aos 19-02-1903, em que, entre outras coisas comenta: Hontem, ... recebi uma carta do Laemmert declarando-me que é obrigado a apressar a 2 ª . edição, já em andamento, dos S ertões, para at ender a pedidos que lhe che- gam até de Mato Grosso – e aos quais não pode satisfazer por estar esgotada a 1 ª ... (Francisco Venâncio Filho: Euclides da Cu- nha a seus Amigos, p. 83). Noutr as c art as, a a migos da Aca demia, na mesma época, Euclides refere-se à próxima edição de O s Sertõ es , mas nada fala sobre a ti rage m da pri meira. Se us melhores biógra- fos tambëm nada esclarecem sobre o assun- to. Olímpio de Souza Andrade (História e I nterpretação de Os S ertões), por exe mplo, calculou em 6 mil exemplares o total da ti- ragem da primeira, segunda e terceira edi- ções, esgotadas em um ano e seis meses, isto é, de dezembro de 1902 a abril de 1904. Mas os cálculos de Olímpio para a primeira edição, esti mada por ele em 2 mi l exempla- res, não passam de suposições. O biógrafo de Euclides não dispunha de nenhum docu- mento ou fonte idônea em que se apoiar. Assim como Olímpio, Francisco Venâncio Fi- lho ( Glória de Euclides da Cunha ) e Sílvio Rabelo ( Euclides da Cunha – biografia) são igualmente sil entes. O que teri a levado, de- poi s, W alni ce N ogueir a G alvão a afi rmar: “ O s dados a respeit o de t ir agens e preços das primeiras edições de Os Sertõ es são inexistentes , entrando no quadro geral das calamidades que assolaram o conhecimento possível das condições materiais de publi- cação de li vros em noss o país” ( O s Sert ões. Ed. Crítica, 1998, p. 523). A operosa pesquisadora euclidiana enga- nou-se. Não somente os dados sobre a tira- gem da primeira edição de O s S ert ões  exis- tem, como os sobre o valor correto do con- trato firmado entre o autor e a editora. A primeira edição, bancada, em parte por Euclides, custou-lhe 1:500$000 (um conto e quinhentos mil réis moeda da época). O con- A primeira edição de Os Sertões  O que ainda não se sabe Francisco Marins O livro O s S ert ões , conside rado cláss ico, no di zer da críti ca, teria para a lit eratura brasileira a mesma importância de O s Lusíada s para a nacionalidade portuguesa, o D om Quixote para os es panhói s, a Divina C omédia para os it alianos , o Paraíso Pe rdi do para os ingleses, o Fausto para os alemães, O Facundo Quiroga para os argentinos. Isto sem nos referi rmos às e popéias do mundo anti go – à Ilíada , à Odisséia dos gregos e à Eneida virgi liana. Um dos nos sos c rít icos propõe -lhe o termo crioul o: “ Canudosséia ! O s Sertõ es alcançam a maturidade centenária, o que constitui um fenômeno raro entre nós, como a mais importante mensagem social da inteligência brasileira, com inexce dível contr ibut o à l íngua portuguesa , poi s, se m fugi r aos padrõe s gramaticais e ao vocabulário tradicional, acresceu ao idioma rica onomatologia, toponímia e em 1909. O documento foi doado, posterior- mente, à Academia Bras il eira de Letras, onde o encontrou Aníbal Bragança, autor de um trabalho de pós-graduação junto à USP (Es- cola de Comunicação e Artes, 1997). C omo se s abe , at é à t erce ir a edição ( 1905), o livro de Euclides saiu sob a responsabili- dade da Gráfica Laemmert. A partir de 1911, passou a ser editado pela Francisco Alves. Vejamos o texto do contrato celebrado en- tre Euclides e a primeira editora, na parte que int eres sa aqui: O s abaixo-as sinados contrat aram a impres- são do livro “ O s S ertões” ( C anudos), sob as se guint es condições: 1 ª – O autor, Dr. Euclydes da Cunha, entre- ga aos editores Laemmert & Cia, os manus- crit os do s eu li vro “ O s S ertões” para se r por eles editado. 2 ª – Os edit ores L aemme rt & C ia. obrigam- se a fazer uma edição nítida em papel igual ao livro “ S onhos , e em númer o de mil e duze ntos ( 1.200) ex emp lares ) . 3 ª – O autor contribui com a quantia de um conto e quinhentos mil réis  ( R $1:5 00$000) para as des pes as de impres - são, sendo metade no ato da assinatura d’este contrato e o resto até 30 dias de abril de 1902, prazo em que deverá ficar pronta a obra.” ... R io de Jane iro, etc. O contrato tem a data de 17 de dezembro de 1901, e está assinado por Euclides e a edit ora. Como se veri fi ca da c láusula tercei- ra, Os Sertões deveria estar pronto para ser lançado até abril de 1902 – o que não a con- teceu. Em carta de 10 de abril desse ano, ao seu amigo Francisco Es cobar ( ent ão em S ão José do Rio Pardo, SP . Eucli des estava em Lorena), o escritor comunica: “... meu livro vai muito regularmente. Ainda hoje respon- di a carta do Laemm ert, sobre o pape l a em- pregar. Tenho revisto algumas provas. Não estará pronto no fim deste, conforme con- trato” (Francisco Venâncio Filho, obra cit., p. 71-72). Em maio do mesmo ano, ainda em cart a a E scobar, avisa E ucli des: “ Preten- do levar-te as primeiras páginas, já definiti- vamente impressas, do meu livro...”; e em 10 de agosto, comunica ao mesmo amigo: “Venho do Rio, onde fui – celeremente, de um notur no a outro, – para c onversa r com o La emmert e sa ber o dia em que, afinal , f ica- rá pronto o meu encaiporado livro...”. (F.V.F., idem, p. 73-74). Em 3 de outubro do mes- mo ano, Euclides volta a tratar do assunto com E scoba r, contando que t inh a ido ao Rio de Janeiro, a fim de conversar com os edi- tores, “sobre o livro que estará pronto no fim deste ( ano  ) ”. C omo, de f ato, sucede u. Mas, em que mês? Em que dia? Diferente do que sucedeu em relação ao número de exemplares e preço da edição, até o momento ainda não apareceu um do- cumento, uma testemunha, uma prova ca- paz de nos garantir a data exata do lança- mento de Os Sert ões. Fiada numa tradição e com base apenas na data de pub li cação do artigo de José Veríssimo, que saudou o apa- recimento do novo livro em crítica estam- pada no Correio da Manhã (Rio de Jane iro, 3 de deze mbro de 190 2) , a C asa de C ult ura Euclides da Cunha festeja o aniversário da Livro atinge maturidade centenária nos dá as pistas, para concluirmos que O s Sertões não foi lançado em dezembro, nem em novembro, mas antes. Realmente, em car- ta a Escobar, datada de 19 de outubr o de 1902, diz o escritor: Tenho passado mal. Chamaste-me a atenção para vários descui- dos do s me us “Sertões” , f ui l ê-lo com mais cuidado... e f iquei apavora do! Já não t enho coragem de o abrir mais. Em cada página meu olhar fisga um erro, um acento impor- tuno, uma vírg ula vaga bunda, um (; ) imper- tinente... Um horror! Quem sabe se isto não irá destruir todo o valor daquele pobre e es- tremec ido livro?...” ( F. V. F., obra cit., p. 78). Ora, se naquela altura o livro já estava impresso, não permitindo mais correções, como explicar que o autor e a editora ficas- sem inativos, esperando ainda dois meses para o lançame nto do “ pobre e es tremecido livro?”. Não faz sentido. O lógico é concluir como o faz Aníbal Bragança ( Revisões e pro-  vas – Notas para a históri a edit orial de “ O s S ertões” , S. Paulo, 1997), que já a 19 de outubro O s Sertõ es estava lançado, à venda nas livrarias e circulando. Para Olímpio de Souza Andrade, não havia dúvida: Os Ser-  tões deve ter sido l ançado entre os mese s de agosto e outubro, “e não em dezembro, como se tem afirmado” e vem sendo come- morado ( Históri a e In terpret ação de “ Os Ser- tões , p.262). # “Em cada página meu olhar fisga um erro, um acento importuno, uma vírgula vagabunda, um (;) impertinente... Um horror! Quem sabe se isto não irá destruir todo o valor daquele pobre e estremecido livro?...” Adelino Brandão Antônio Conselheiro, óleo de Grover Chapman CENTENÁRIOS

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8/8/2019 Os sertões (de O Escritor)

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