Os Templarios - Segio Pereira Couto

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    Os Templrios [Michel Lamy]

    ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOSOs seus costumes, os seus ritos, os seus segredos

    4.aedionoticias Editorial

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    NOTA DO EDITOR PORTUGUS

    No se sabe ao certo se, entre os primeiros nove templrios que forama Jerusalm, um deles seria do Condado Portucalense: Gondomar (ouGondemar?). Mas supe-se que a presena da Ordem dos Pobres Cavaleirosde Cristo (mais tarde denominada por Ordem do Templo) em Portugal datade 1126, e sabe-se que os Templrios estavam solidamente implantadosno pas em 1157, quando foi nomeado Gro-Mestre Gualdim Pais, figuraemblemtica que comandou a reconquista de Santarm e Lisboa, ao ladode Martim Moniz. Em 1128, D. Teresa concedeu-lhes o castelo de Soure,e como recompensa dos seus feitos guerreiros, D. Afonso Henriquesoutorgar-lhes- a cidade de Tomar, bem como as terras compreendidasentre Tomar e Santarm. Foi assim que o castelo de Almourol,contemplando todo o Tejo, entrou na posse da Ordem. tambm certo que a deciso papal de extinguir a Ordem no seria bemacolhida e, em 1311, D. Dinis ordenou o levantamento de um processo,que decorreu em Salamanca, para averiguar a culpabilidade dostemplrios da Pennsula Ibrica. Os templrios portugueses seriamilibados. Logo depois, D. Dinis enviou ao papa Joo XXII doisemissrios para negociarem o renascimento da Ordem do Templo. Surgiu aOrdem de Cristo, de que foi investido Gro-Mestre Gil Martins (em 15de Maro de1319), e cujos cavaleiros usavam um hbito idntico ao dos templrios:apenas uma cruz branca inscrita dentro da cruz vermelha (paraassinalar a pureza da instituio ressurgida) os distinguia. Osdignatrios do Templo conservaram os seus lugares na nova Ordem, quealojou tambm muitos templrios refugiados, de Frana e outras naeseuropeias. em Tomar que encontramos uma maior concentrao de basties daOrdem, contributos inestimveis para o nosso patrimnioarquitectnico. E o caso do castelo de Tomar(tambm chamado dos Templrios), que estaria unido por passagenssubterrneas Igreja de So Joo Baptista (santo venerado pela Ordem,

    que nos seus templos e capelas conta com inmeras representaes debaphomets - cabeas degoladas) e Igreja de Santa Maria do Olival,onde Gualdim Pais foi sepultado. O seu tmulo, ao que se sabe, estvazio - mais um enigma para a constelao dos mistrios do Templo.A arte gtica, segundo Michel Lamy, ter sido introduzida pelosTemplrios, que se associaram a mesteirais cagots, possuidores desegredos de construo e dos trabalhos em pedra (possveisantecessores dos pedreiros-livres ou franco-maes). O estilomanuelino ser, em Portugal, o herdeiro directo do gtico e o seugrande expoente o Convento de Cristo, cripta da Ordem de Cristo,aps se ter instalado por alguns anos em Castro Marim e ter regressado orginal sede do Templo. Na charola do Convento de Cristoencontramos a disposio octogonal, fiel cosmologia da poca e

    representando o hemisfrio celeste. Os Templrios, e os seus herdeirosCavaleiros de Cristo, teriam desenvolvido os conhecimentos deastrologia e astronomia (as duas cincias, como se sabe, eramindissociveis) que lhes serviram para iniciar a aventura dosDescobrimentos. A esfera armilar, na famosa Janela do Captulo, lest para nos lembrar o papel dos Cavaleiros nas Descobertas, assimcomo o ngulo de 34 que encontramos nos vrtices das fachadas dascapelas gticas, que ser o ngulo que a constelao de Co Maior fazcom a Taa (Graal) e com Leo, conforme representado no baixo-relevoda Igreja de So Joo Baptista. Esta estar ainda ligada porsubterrneos a um outro monumento de Tomar, o Convento de Santa Iria,onde se observa um boi esculpido na pedra (Constelao do Boieiro),herana visigtica de que a Ordem do Templo se ter apropriado. No

    plano arquitectnico, h tambm que realar o olho de boi sobre aJanela do Captulo, de que se diz indicar a direco do ovo alqumico,

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    que serviria para a transmutao do metal em ouro e que, juntamentecom a carga trazida das viagens martimas Terra Nova, seria aexplicao do tesouro templrio, misteriosamente desaparecido e talvezdepositado em... Tomar.Podemos no dar crdito a todas estas suposies (ao ponto de nosparecer, lendo as obras dos que investigaram os segredos dosTemplrios, que a Ordem seria uma espcie de smula das mais variadase dspares esotricas de todo o Mundo, sendo quase impossvelencontrar um fio de coerncia). Mas parece inegvel que os Templriose a Ordem de Cristo desempenharam um papel fundamental nosDescobrimentos Portugueses. Diz-se de D. Dinis, o grande defensor dacontinuao da Ordem, que estaria iniciado nos segredostemplrios... E no foi ele o plantador de naus a haver, segundo aMensagem de Fernando Pessoa, ltimo Cavaleiro de Rosa-Cruz, essa Ordemda cruz mstica que muitos julgam herdeira dos Templrios?O grande impulsionador das Descobertas foi D. Joo, mestre de Aviz, esabemos que a Ordem de Avis estava intimamente ligada a Calatrava e,portanto, ao Templo. Assim, tambm, as primeiras caravelas ostentavamo pavilho da Cruz de Cristo, e o Infante D. Henrique, se no eraMestre, era pelo menos governador da Ordem de Cristo. Finalmente, esem esgotar os grandes nomes da histria nacional que estariam ligadosa uma pretensa misso templria, o ltimo rei de Avis foi D.Sebastio, o Desejado, dominado pelo sonho megalmano do Imprio ondenunca o Sol se pe (era, indiscutivelmente, objectivo dos Templriosligar ao Ocidente o Oriente). E foi D. Sebastio que ordenou ao Dr.Pedro lvares que escrevesse a histria da Ordem de Cristo, Compilaodas Escrituras da Ordem de Cristo, ordenada por Alvar dEl Rei D.Sebastio, de 16 de Dezembro de 1560. Nesta obra, em vrios volumes,conta-se que a Igreja de Santa Maria do Olival era a nica paroquialIgreja de toda a terra de Thomar e Ceras e que o vigairo dela erarepresentado pelo Mestre e Convento sem instituio nem autoridadedoutrem, que a Ordem de Cristo se pode chamar a Ordem do VerdadeiroTemplo, e que parece que o dito Infante D. Henrique soube do tempo

    da sua morte e como se preparou para ela, entre outras vriashistrias que valer a pena esmiuar-se se se quiser traar opercurso dos Templrios em Portugal, que parece ser indissocivel daconsolidao e afirmao da nossa nacionalidade.Vemos, pois, que Portugal esteve decisivamente envolvido naimplantao e preservao da Ordem do Templo, o que Michel Lamy deixaentrever na sua obra.Esta nota e a documentao iconogrfica seleccionada para ilustrar aobra, pretendem fornecer algumas pistas para quem deseje prosseguir umestudo sobre a aco dos Templrios em Portugal.

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    ADVERTNCIA

    A histria da Ordem do Templo um terreno escorregadio que provocadesconfianas aos universitrios actuais. Demasiado enigmtico,demasiado ligado ao esoterismo para no desagradar aos apoiantes daescola quantitativista, suscita muito poucas vocaes em comparaocom o que aconteceu outrora. No entanto, deu origem, ao longo dostempos, a inmeras obras de qualidade. Investigadores de todos oshorizontes tentaram compreend-la, contribuindo com a luz que eraprpria da sua formao ou do seu empenhamento poltico.Por que razo acrescentar mais um livro aos milhares j publicados emtodo o mundo e que estudam pormenorizadamente a vida dos cavaleiros doTemplo nas suas Comendas, as operaes militares que realizaram, asucesso dos seus Gro-Mestres, a sua alimentao, as suas armas,etc.?Se se tratasse apenas disso, bastaria efectivamente remetermo-nos paraas muito boas obras de John Charpentier, Albert Ollivier, GeorgesBordonove, Marion Melville, Raymond Oursel, Alain Demurger e muitosoutros. Mas essas obras, por mais srias que sejam, no resolvem todosos enigmas que a Ordem do Templo levanta.Muitos investigadores se dedicaram s zonas de sombra desta histria,com maior ou menor felicidade, maior ou menor loucura, preciso diz-lo. Nem todas as suas hipteses so fiveis mas muitos deles trouxeramo seu quinho de luz a um tema que tinha muitos espaos de trevas. Sonecessrios nomes como os de Louis Charpentier, Daniel Rju, Grard deSde, Gilette Ziegler, Guinguand, Weysen, para desbravar as veredas daHistria Secreta, por mais perigosas e assustadoras para o caminhanteque sejam.Porque, finalmente, digam o que disserem determinados historiadoresencartados, a criao da Ordem do Templo continua envolta emmistrios;e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua misso. Inmeroslocais ocupados pelos Templrios apresentam particularidades

    estranhas. Atriburam-se aos monges-soldados crenas herticas, cultoscuriosos e s suas construes significados e at poderes fantsticos.A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos, desegredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.As diversas hipteses formuladas contm, sem dvida, muito mais partesde sonho do que factos provados, mas, mesmo por detrs das maisloucas, h muitas vezes parcelas de verdade que h que pr a claro,por muito que desagrade aos racionalistas inveterados.No que a isto respeita, convm determo-nos, por breves instantes, numcaso curioso: o de Umberto Eco. Depois do seu xito mundial, O Nome daRosa, este universitrio italiano vendeu vrios milhares de exemplaresde uma outra obra: O Pndulo de Foucault. Nela, amalgama a seu bel-prazer tudo o que se relaciona com o esoterismo e os Templrios,

    acumulando citaes desinseridas do seu contexto, truncando-as deforma a adulterar as teses apresentadas; em resumo, utilizandoprocessos bem conhecidos da desinformao. O objectivo de Umberto Ecoparece ter sido ironizar, troar de todos quantos procuram a verdadefora dos caminhos muito trilhados, o que, no entanto, , em certamedida, tambm o seu caso. Encarniou-se especialmente contra aquelesque se interessam pelos mistrios dos Templrios: uns loucos! Por trsvezes, a frase que pe na boca de uma das suas personagens: Desde otempo em que eles [os Templrios] haviam sido enviados para afogueira, uma multido de caadores de mistrios procurara encontr-los em todo o lado, e sem nunca apresentar a menor prova - Quandoalgum repe em jogo os Templrios, quase sempre um louco - Maistarde ou mais cedo, o louco pe os Templrios em jogo - Tambm h

    loucos sem Templrios, mas os loucos dos Templrios so os maisinsidiosos - Os Templrios continuam a ser indecifrveis devido

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    sua confuso mental. por isso que tantas pessoas os veneram.Pois bem, assim seja. Convido todos quantos se interessam pelosTemplrios a partilharem um pouco de loucura comigo, na investigaodos mistrios da Ordem do Templo. Deixemos Umberto Eco entregue ao seupsicanalista, para que este lhe explique o que o levou a ler centenasde obras a que no atribui qualquer crdito e que procuraridicularizar.Corramos antes o risco de, em conjunto, nos aventurarmos por caminhosno balizados, mesmo que possamos perder-nos neles. Tentemosesclarecer, de passagem, os mistrios das origens da Ordem e ainfluncia de So Bernardo. Interessemo-nos pela colossal potnciaeconmica e10poltica que a Ordem do Templo representou e pelos meios que empregou,pelas fontes da sua riqueza. Investiguemos se foi hertica e quecultos estranhos foram eventualmente praticados no seu seio. E, paratal, dediquemo-nos a examinar os vestgios que os Templrios nosdeixaram, nomeadamente gravados na pedra. Interroguemo-nos sobre aorigem do impulso que deram arquitectura da sua poca e sobre asfontes dos seus conhecimentos nesta matria. Procuremos na sua prisoe no seu processo as chaves mais misteriosas. Estudemos o que podesobreviver desta Ordem e, por fim, visitemos alguns locais ondepodemos respirar o odor estranho da sua presena e procurar os sinaistangveis daquilo a que se convencionou chamar a Histria Secreta dosTemplrios.Mas, antes, refresquemos por um instante os nossos conhecimentos,passando em revista os dois sculos da histria da Ordem, de modo aadquirirmos assim os pontos de referncia necessrios para a anliseda sua evoluo no tempo.11

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    PRIMEIRA PARTE

    O NASCIMENTO DA ORDEM DO TEMPLO

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    I

    BREVE HISTRIA DA ORDEM DO TEMPLO

    Esta obra no tem a ambio de retomar toda a histria da Ordem doTemplo sob o ngulo dos acontecimentos factuais mas sim de esclareceras suas zonas mais obscuras. No entanto, para compreender o que sepassou, h que ter presente no esprito que esta Ordem viveu doissculos e evoluiu necessariamente. data da sua morte, no podia seridntica ao que era nascena. Mudou porque o seu ideal se viuconfrontado com duras realidades. Teve de se adaptar, uma e outra vez,tomar em mo as questes temporais, perdendo sem dvida, ao longo dosanos e das necessidades, uma parte da sua pureza original, tal como umadulto que por vezes tem dificuldade em encontrar em si a crianamaravilhada, o minsculo ser de olhos puros que, no entanto, foi.A Ordem do Templo foi influenciada pelo seu tempo, mas este modificou-a, orientou-a, contribuindo para a Histria com as suas prpriascorreces.Para nos orientarmos nesta evoluo, pareceu-nos til apresentar, deforma muito breve, neste primeiro captulo, uma histria breve dosTemplrios e, sobretudo, da sua poca.

    Nos caminhos de peregrinao

    Recuemos no tempo at ao final do sculo X. Na nossa poca, temosdificuldade em imaginar o que foram os terrores do ano 1000. Ainterpretao das escrituras convencera toda a cristandade de que oApocalipse se produziria nesse ano fatdico. Revelao, no sentidoetimolgico do termo, mas tambm destruio, dor: regresso de Cristo terra e julgamento dos homens, separao entre eles para mandar algunspara o paraso, para junto dos santos, e os outros para os infernos, afim de a serem submetidos a tormentos eternos.Os cristos viveram com angstia esse ano 1000 e a sua aproximao. E

    nada se passou, pelo menos nada pior do que nos anos precedentes. AIgreja enganara-se na sua interpretao das Escrituras? Deus teriaesquecido os seus filhos na terra? No, claro que no. Era algodiferente. A catstrofe fora evitada. Deus fora tocado pelas precesdos homens. Perdoara. Sim, mas por quanto tempo? E se apenas setratasse de um adiamento? Era preciso rezar, cada vez mais, rezarsempre.No sculo anterior, os cristos tinham-se feito estrada para irem emperegrinao a locais onde estavam enterrados santos. Estes ltimoshaviam, sem dvida, intercedido em favor dos homens e Deus deveriater-se deixado convencer. Um dos mais eficazes deveria ter sidoSantiago que, de Compostela, atraa milhares de homens e mulheres quedeixavam a sua famlia, o seu trabalho, abandonando tudo para irem

    rezar quele local da Galiza onde a terra acaba.Tinha-se passado perto da catstrofe final, as fomes de 990 e 997 eramprova disso. Tinha-se evitado o pior, o mtodo j era conhecido: erapreciso cada vez mais que os homens se fizessem estrada, que osmonges rezassem, que todos fizessem penitncia. No seria convenienteir mais longe, realizar a suprema peregrinao, a nica que mereciaverdadeiramente a viagem de uma vida: ir aos lugares onde o filho deDeus sofrera para resgatar os pecados dos homens, Jerusalm?Michelet escreveu: Os prprios ps conheciam o caminho, e JohnCharpentier faz notar: Feliz aquele que regressava! Mais feliz aqueleque morria perto do tmulo de Cristo e que podia dizer-lhe, segundo aaudaciosa expresso de um contemporneo [Pierre d'Auvergne]: Senhor,morrestes por mim e eu morri por vs.

    Multides cada vez mais numerosas puseram-se a caminho de Jerusalm. Acidade pertencia aos califas de Bagdade e do Cairo que permitiam o

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    livre acesso aos peregrinos. Mas tudo mudou quando os Turcos seapoderaram de Jerusalm, em 1090. De incio, contentaram-se com vexaros cristos e, por vezes, espoli-los, infligindo-lhes humilhaoatrs de humilhao, obrigando-os a executarem gestos contrrios suareligio. De escalada em escalada, a situao agravou-se: houveexecues, torturas. Falou-se de peregrinos mutilados, abandonados nusno deserto. De Constantinopla, o imperador Alexis Comnne lanara osinal de alarme.16Libertar Jerusalm

    O Ocidente emocionou-se. No podia tolerar-se que os peregrinos fossemmortos. No podiam deixar-se os lugares santos nas mos de infiis. Oano 1000 passara, mas...Pedro, o Eremita, que assistira, em Jerusalm, a verdadeiros actos debarbrie, regressara muito decidido a erguer a Europa e pr oscristos no caminho da cruzada. Viram-no percorrer distnciasconsiderveis, montado na sua mula, a que a multido arrancava ascrinas aos punhados, para com elas fazerem relquias. Quando Pedro, oEremita, passara por algum lugar, os espritos encontravam-seinflamados; homens, mulheres, crianas, mostravam a impacincia detudo deixarem para se dirigirem a um nico destino: Jerusalm. E, umavez l, se veria o que se fazia...Do lado dos senhores notava-se um pouco mais de prudncia na atitude.Mais razo, sem dvida, mas tambm mais a perder: as terras que j noseriam protegidas, os bens que poderiam atrair cobias, etc.A 27 de Novembro de 1095, o papa Urbano II pregou num concilioprovincial reunido em Clermont. Proclamou: Cada um deve renunciar asi mesmo e carregar a cruz. O sumo pontfice via a tambm umaocasio de meter na ordem esses leigos que se espojavam na luxria ebrincavam aos arruaceiros. Ir libertar Jerusalm seria o caminho dasalvao.Aos milhares, os peregrinos haviam cosido sobre as suas vestes cruzes

    de tecido vermelho, que viriam a valer-lhes o nome de cruzados.Inicialmente, foram os pobres, os mendigos, os famintos, que quiseramlibertar Jerusalm, metendo-se ao caminho em bandos andrajosos quegritavam Deus assim o quer! E aqueles que no partiam faziam ddivaspara que os outros tivessem com que sobreviver, durante a viagem.Alguns tomavam a deciso obedecendo a um impulso, a um sinal: umamulher seguira um ganso que deveria lev-la Cidade Santa.* Foramtambm referidos pssaros, borboletas e rs que se pensava mostrarem ocaminho.* H que ver a uma similitude com o jogo da glria ou do ganso e ojogo da semana, que conduziam ambos ao Paraso ou Jerusalm celeste(cf Michel Lamy, Histoire secrte du Pays Basque, Albin Michel).Pedro, o Eremita, e o seu lugar-tenente, Gauthier-Sans-Avoir,

    arrastavam atrs de si uma turbamulta heterclita que comeou a suacruzada matando os judeus do vale do Reno e pilhando os bens doscamponeses hngaros. Chegaram a Constantinopla no sbado de Aleluia de1096. Foi o incio do fim. Na sia Menor, depois de Civitot, uma partedesses17

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    cruzados mal armados que no sabiam combater foi massacrada. Ossobreviventes pereceram quase todos de fome ou de peste, em frente aAntioquia.Estes ltimos viram chegar ento - melhor seria dizermos, por fim - oexrcito dos cruzados, o dos homens de armas que tinham acabado porseguir o exemplo dos mendigos. Fortemente armados, determinados, essesguerreiros apoderaram-se de Antioquia. O objectivo final estavaprximo: Jerusalm, terra prometida. Os cantos elevaram-se malavistaram as muralhas da cidade. Deixou de haver mendigos e nobres,restando apenas cristos em xtase, maravilhados com a sua faanha.A 14 de Julho de 1099, a tropa ps-se em movimento e atacou a cidade.Jerusalm foi conquistada, num fogoso mpeto, logo na manh do dia 15.No entanto, os cruzados no eram santos. De passagem, tinham pilhado eviolado, a ponto de os cristos orientais se terem visto forados arefugiar-se junto dos Turcos: inconcebvel. Em Jerusalm, tambm seno comportaram com uma caridade digna de nota. Inmeros muulmanostinham-se refugiado na mesquita Al-Aqsa; os cristos desalojaram-nos efizeram uma hecatombe. Um cronista anotava: L dentro, o sanguechegava-nos aos tornozelos, e Guilherme de Tiro precisava: A cidadeapresentava um espectculo tal de carnificina de inimigos, uma talefuso de sangue, que os prprios vencedores se sentiram chocados pelohorror e a repugnncia.Durante uma semana, sucederam-se os massacres e combates de rua, at oodor do sangue provocar nuseas.

    O reino latino de Jerusalm

    No entanto, os cruzados tinham fincado p na Terra Santa e tencionavamficar por l. Foi fundado o reino latino de Jerusalm. Godofredo deBouillon foi nomeado rei, mas recusou-se a cingir a coroa naquelelugar onde Cristo apenas usara uma coroa de espinhos. Godofredo, o reicavaleiro do cisne, morreria pouco depois, em 1100.Para alm do reino de Jerusalm, que se estendia do Lbano ao Sinai,

    formaram-se progressivamente trs outros Estados: o condado de Edessa,a norte, meio franco meio armnio, fundado por Balduno de Bolonha,irmo de Godofredo de Bouillon; o principado de Antioquia, queocupava, grosso modo, a Sria do Norte, e, finalmente, o condado deAntioquia.18Godofredo foi substitudo por Balduno I. A conquista fora realizadamas agora tratava-se de conservar e administrar os territriosobtidos. Era conveniente conservar as cidades e as praas fortes evelar pela segurana das estradas. O inimigo fora vencido, mas noeliminado. Fundaram-se ordens, a que foram atribudas missesdiversas. Houve, entre outras, a Ordem Hospitaleira de Jerusalm, em1110, a Ordem dos Irmos Hospitalrios Teutnicos, em 1112, e a Ordem

    dos Pobres Cavaleiros de Cristo (futuros Templrios), em 1118, quandoBalduno II era rei de Jerusalm.O nome de Ordem do Templo s aparece em 1128, por ocasio do Conciliode Troyes, que codificou a sua organizao. Em 1130, So Bernardoescrevia o seu De laude novae militiae ad Milites Templi, paraassegurar a divulgao da Ordem. Dentro em pouco, as doaes tinham-setornado importantes, o recrutamento progredia e, quando o primeiroGro-Mestre, Hugues de Payns, morreu, em 1136, sucedendo-lhe Robert deCraon, a Ordem do Templo j era coesa. Trs anos mais tarde, InocncioIII reviu alguns aspectos da regra e concedeu ao Templo privilgiosexorbitantes.Em 1144, Edessa foi retomada pelos muulmanos, o que levou organizao da segunda cruzada, pregada por So Bernardo em 1147,

    enquanto a Ordem do Templo continuava a adaptar-se e desenvolver-se. Aoperao viria a saldar-se num malogro, mas, no terreno, os cruzados

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    resistiam, ainda assim, bastante bem aos assaltos muulmanos. Todavia,Saladino conseguia, pouco a pouco, unificar o mundo do Islo. Em 1174,apoderava-se de Damasco e, em 1183, de Alepo. Em seguida, aps odesastre de Hattin, onde morreram inmeros cristos, Saladinoconseguiu retomar Jerusalm, em 1187, reduzindo assim o reino latino regio de Tiro.Uma terceira cruzada foi organizada em 1190, quando Robert de Sablera Gro-Mestre da Ordem do Templo. Viria a permitir reconquistarChipre e Acra, em 1191. Reunia Filipe Augusto, Frederico Barba Ruiva eRicardo Corao de Leo. Este ltimo bateu Saladino em Jafa e, depois,tendo sido vencido, tentou regressar a Inglaterra disfarado detemplrio. Reconhecido, foi feito prisioneiro, uma histria que bemconhecida de todos quantos, na infncia, vibraram com as aventuras deRobin dos Bosques. Infelizmente, ao contrrio do que reza a lenda,Ricardo Corao de Leo no foi o rei nobre que descrito com bonomiae esteve longe de se comportar sempre de forma cavaleiresca. Morreu em1196, trs anos depois de Saladino e de Robert de Sabl.Em 1199, foi decidida a quarta cruzada que teve muitas dificuldadespara se pr a caminho. Quando os cruzados avistaram Constantinopla, em1204, esqueceram o seu objectivo, conquistaram a cidade, pilharamaquele reino cristo e organizaram os Estados Latinos da Grcia.No dealbar desse sculo XIII, Wolfram von Eschenbach escrevia o seuParzifal, onde os Templrios apareciam como os guardies do Graal.Depois de se ter desviado do seu objectivo, a Palestina, para pilhar oreino bizantino, a cavalaria ocidental - nomeadamente a francesa- deveter dito a si prpria que no era necessrio ir to longe paraenriquecer. Em 1208, foi pregada nova cruzada, mas esta consistia emir sangrar o Sul de Frana, onde os Ctaros opunham a sua heresia a umclero local pouco convincente, porque demasiado corrompido. Os baresdo Norte preferiram ir matar os Albigenses a esbarrarem nas cimitarrasdos muulmanos.Mesmo assim, foi organizada uma quinta cruzada, entre 1217 e 1221.Terminou com a tomada de Damieta, no Egipto, e sem mais xitos. Foi

    esta a poca escolhida pelos Mongis para lanarem uma operao deinvaso, criando uma nova frente, muito difcil de manter. Sem muitadificuldade, apoderaram-se do Iro. Todavia, Frederico II deHohenstaufen, imperador germnico excomungado pelo papa, devolveraJerusalm aos cristos. O que as armas no haviam conseguido, obtiveraFrederico II mediante negociaes diplomticas. Infelizmente, em 1244,a Cidade Santa viria a cair nas mos dos Turcos.

    O fim de um reino e de uma ordem

    Durante todo este tempo, os Templrios estiveram praticamente em todasas frentes, alimentando, graas gesto genial de um patrimnioocidental colossal, o esforo de guerra no Oriente. Mas o povo, os

    nobres, comeavam indubitavelmente a cansar-se. As vitrias e asderrotas sucediam-se, tornavam-se banais. J no existia o entusiasmoinicial. Em contrapartida, o Oriente influenciara o Ocidente. Ocontacto com outra civilizao deixara marcas. Tinham aparecidoprodutos novos nos mercados da Europa; haviam-se desenvolvido tcnicase cincias graas a frutuosas relaes estabelecidas entre sbios eletrados das duas civilizaes.O Ocidente abria-se ao fascnio do Levante.Um homem pensava ainda ter o dever de levar o ferro, em nome deCristo, ao seio dos infiis: So Lus. Em 1248, iniciou a catastrficastima cruzada. Em nome de um ideal, desdenhava das realidades,recusando-se a ouvir aqueles que, como os Templrios, conheciam bem osproblemas locais. Acumulou erros e sofreu uma grave derrota em

    Mansur,20

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    enquanto os Mamelucos turcos consolidavam o seu poder no Egipto. Em1254, So Lus regressou a Frana. Quatro anos mais tarde, os Mongisapoderaram-se de Bagdade, pondo fim ao califado abssida. Em 1260,foram repelidos para a Sria pelos Turcos e, no ano seguinte, osGregos retomavam Constantinopla.Em 1270, So Lus, que nunca percebera nada e nem sempre retirara aslies da sua primeira campanha, participava na oitava cruzada.Encontrou a morte em frente a Tnis, nesse mesmo ano.Em 1282, foi concluda uma trgua de dez anos com o Egipto, enquantoos Cavaleiros Teutnicos haviam decidido levar as suas espadas maispara norte e criar um reino na Prssia. Em 1285, Filipe III,cognominado o Audaz, que sucedera a So Lus no trono de Frana,extinguia-se, deixando o lugar a Filipe IV, o Belo.Seis anos mais tarde, com a derrota de So Joo de Acre, no decurso daqual foi morto o Gro-Mestre da Ordem do Templo, Guillaume de Beaujeu,a Terra Santa foi perdida e evacuada. Os Templrios retiraram paraChipre.Em 1298, Jacques de Molay tornou-se Gro-Mestre da Ordem: o ltimoGro-Mestre. Um ano mais tarde, organizou uma expedio ao Egipto, maso reino latino de Jerusalm acabara de vez.Filipe, o Belo, teve violentos confrontos com o papa Bonifcio VIII,que o excomungou, em 1303. O sumo pontfice morreu nesse mesmo ano. Em1305, o seu sucessor, tambm ele em litgio com Filipe, o Belo, morreuenvenenado e o rei de Frana tornou papa um homem com quem fizeraacordos: Bertrand de Got, que reinou sob o nome de Clemente V.Nesse mesmo ano, foram lanadas acusaes de extrema gravidade contraa Ordem do Templo, que assumiram a forma de denncias feitas perante orei de Frana. Acusaes duvidosas mas que surgiam num bom momento: aOrdem inquietava, agora que o seu poder j no tinha onde se exercerno Oriente.Em 1306, Filipe, o Belo, sempre sem dinheiro, baniu os judeus do reinode Frana, no sem antes os ter espoliado dos seus bens e de termandado torturar alguns deles. Em 1307, mandou prender todos os

    templrios do reino e escolheu para tal fim a data de 13 de Outubro. A17 de Novembro, o papa acedeu a pedir a sua priso em toda a Europa.Foram realizadas acusaes estereotipadas e a instruo do processofez-se com a ajuda da tortura. Mesmo assim, o papa tentou organizar aregularidade dos procedimentos mas no ousou atacar directamente o reide Frana. Pouco a pouco, os Templrios tentaram formalizar a suadefesa mas, a partir de 1310, alguns deles foram condenados econduzidos 21

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    fogueira. Em 1312, quando do segundo conclio de Viena, a Ordem doTemplo foi extinta sem ser condenada. Os bens dos Templrios foram,teoricamente, devolvidos aos Hospitalrios de So Joo de Jerusalm.A 19 de Maro de 1314, o Gro-Mestre, Jacques de Molay, e vriosoutros dignatrios foram queimados vivos. Um ms mais tarde, a 20 deAbril, morreu, por sua vez, o papa Clemente V. No dia 29 de Novembroocorreu a morte de Filipe, o Belo.A Ordem do Templo extinguira-se mas a sua histria no terminara.Deixou vestgios que, tal como as catedrais que ajudara a construir,transpuseram o tempo. Vivera dois sculos, perodo durante o qual aevoluo da civilizao ocidental fora muito importante, muito mais doque deixa entender a concepo esttica que geralmente se tem emrelao Idade Mdia. Dois sculos de evoluo econmica, dedesenvolvimento do comrcio e do artesanato, de progresso nas artes.Dois sculos que marcaram para sempre o mundo.A Ordem do Templo esteve intimamente ligada a essa evoluo e esse no o menor dos mistrios que agora teremos de abordar.22

    II

    O MISTRIO DAS ORIGENS

    Jerusalm, cenrio do nascimento da Ordem

    Antes das cruzadas, o Mediterrneo era um lago muulmano onde osBarbarescos quase faziam reinar a sua lei. De incio, tinham toleradoos peregrinos antes de os destrurem, tanto em terra como no mar. Acruzada deveria pr tudo em boa ordem, mas manter Jerusalm e maisalgumas cidades ou praas fortes no era cobrir todo o territrio e ainsegurana mantinha-se. Quanto capital, parecia pacificada.Godofredo de Bouillon mandara limpar rapidamente a cidade - enomeadamente os lugares santos - dos cadveres que o furor dos

    cruzados acumulara. No Santo Sepulcro, instalara um captulo de vintecnegos regulares, reunidos sob a denominao de Ordem do SantoSepulcro. Envergavam um manto branco ornado com uma cruz vermelha.Mandara tambm reparar as muralhas guarnecidas com torres queprotegiam a Cidade Santa e fora dispensado um cuidado muito especials igrejas: Santa Maria Latina, Santa Madalena, So Joo Baptista e, claro, Santo Sepulcro, com a sua rotunda ou anastasis, que albergava otmulo de Cristo. Tambm fora ampliado um hospital que devia serentregue aos Hospitalrios de So Joo de Jerusalm e reparara-se amesquita de Omar, isto , a cpula do rochedo que exibia a pedra sobrea qual Jacob vira, em sonhos, a escada que conduzia ao cu. Quanto mesquita de Al-Aqsa, viria a tornar-se, em 1104, residncia do rei deJerusalm, Balduno I, antes de ser devolvida aos Templrios, a partir

    de 1110.

    Quem era Hugues de Payns?

    Tudo mistrio nos primrdios da Ordem. Primeiro enigma, que no omais importante: a personalidade do seu fundador. Geralmente, d-se-lhe23

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    o nome de Hugues de Payns. Segundo os registos e as crnicas dessapoca, encontramo-lo tambm sob os nomes de Paganensis, Paenz,Paenciis, Paon, etc. Guilherme de Tiro designa-o como Hues de Paiensdelez Troies, dando assim a sua origem geogrfica. Com efeito, pensa-se geralmente que tenha nascido em Payns, a um quilmetro de Troyes,por volta de 1080, no seio de uma familia nobre aparentada com oscondes de Champagne. Era senhor de Montigny e teria mesmo sido oficialda Casa de Champagne, uma vez que a sua assinatura figura em doisregistos importantes do condado de Troyes. Pela familia de sua me,era primo de So Bernardo, que lhe chamava amigavelmente carissimusmeus Hugo. O irmo de Hugues de Payns teria sido abade de Sainte-Colombe de Sens. Casado, Hugues teria tido um filho que alguns autorestransformam no abade de Sainte-Colombe, em lugar de seu irmo. Essefilho, que encontramos nos textos sob o nome de Thibaut de Pahans,teve um dia alguns dissabores por haver empenhado uma cruz e uma coroade ouro ornada de pedrarias que pertenciam sua abadia. E verdade quefoi por uma boa causa, dado que se tratava de conseguir cobrir asdespesas da sua participao na segunda cruzada. Mas, mesmo assim...Em resumo, sabemos muito pouco sobre o cavaleiro de Champagne chamadoHugues de Payns. De Champagne... nem disso h a certeza. Foramavanadas outras hipteses quanto s origens da sua famlia. Entreoutros, encontraram- se-lhe antepassados italianos ligados a Mondovi ea Npoles. Para alguns, o seu nome verdadeiro teria sido Hugo de Pinose seria necessrio procurar a sua origem em Espanha, em Baga, naprovncia de Barcelona, o que seria atestado por um manuscrito dosculo XVIII, conservado na Biblioteca Nacional de Madrid.Sobretudo, afirma-se tambm que seria de Ardche, sado de uma familiaque inicialmente vivera na Alta Provena e que, depois, se teriafixado em Forez. Segundo Grard de Sde, os seus antepassados teriamsido companheiros de Tancredo, o Normando. Hugues teria nascido a 9 deFevereiro de 1070, no castelo de Mahun, na comuna de Saint-Symphorien-de-Mahun, em Ardche. Alis, em 1897, foi encontrado o registo denascimento mas pode tratar-se de uma homonmia. As suas armas teriam

    sido de ouro com trs cabeas de mouros,24lembrando o apodo de seu pai. Este, natural de Langogne, em Lozre,era conhecido, efectivamente, como o Mouro da Gardille. LaurentDailoliez precisa que: A biblioteca municipal de Carpentras conservaum manuscrito que regista uma doao, de 29 de Janeiro de 1130, deLaugier, bispo de Avinho. Nessa ocasio, Hugues de Payns referidocomo originrio de Viviers, em Ardche.Tudo isso pareceria dar alguma credibilidade s origens de Hugues dePayns em Ardche. Ficaria, portanto, por averiguar que circunstnciaso teriam levado a tornar-se oficial do conde de Champagne. Por isso, eporque existe um Payns perto de Troyes e tambm em razo do parentescocom So Bernardo, optaremos antes por uma origem champanhesa do

    primeiro Gro-Mestre da Ordem do Templo.

    A criao da Ordem do Templo e o policiamento das estradas

    Tambm a fundao da Ordem comporta muitas zonas obscuras. Analisemos,em primeiro lugar, a verso oficial tal como nos foi transmitida peloscronistas da poca. Guilherme de Tiro, nascido na Palestina em1130, bispo de Tiro em 1175, no pde assistir ao incio da Ordem e,portanto, falava dele em funo do que lhe fora contado.Jacques de Vitry era mais preciso, embora tenha escrito um sculo maistarde. Devia estar de posse de alguns pormenores oficiais sobre osprimrdios da Ordem, porque estava muito ligado aos Templrios.Poderemos, pois, pensar que o que se segue lhe foi contado

    directamente por dignitrios do Templo:Alguns cavaleiros, amados por Deus e ordenados para o seu servio,

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    renunciaram ao mundo e consagraram-se a Cristo. Mediante votos solenespronunciados perante o patriarca de Jerusalm, dedicaram-se a defenderos peregrinos dos arruaceiros e ladres, a proteger os caminhos e aservir de cavaleiros ao soberano rei. Observaram a pobreza, acastidade e a obedincia, segundo a Regra dos Cnegos Regulares. Osseus chefes eram dois homens venerveis, Hugues de Payns e Geoffroy deSaint-Omer. Inicialmente, s houve nove que tomaram uma deciso tosanta e, durante nove anos, serviram com vestes seculares e cobriram-se com aquilo que os fiis lhes deram como esmola. O rei, os seuscavaleiros e o senhor patriarca encheram-se de compaixo por essesnobres homens que tudo haviam abandonado por Cristo e deram-lhesalgumas propriedades e benefcios para proverem s suas necessidades epelas almas dos doadores. E porque no tinham igreja ou casa que lhespertencesse, o rei instalou-os no seu palcio, perto do Templo doSenhor. O abade e os cnegos regulares do Templo deram-lhes, para asnecessidades do seu servio, um terreno que no ficava distante dopalcio e, por essa razo, foram mais tarde chamados Templrios.No ano da graa de 1128, depois de terem ficado nove anos no palcio,vivendo todos juntos em santa pobreza, de acordo com a sua profisso,receberam uma Regra por interveno do papa Honrio e de Estvo,patriarca de Jerusalm, e foi-lhes atribudo um hbito branco. Issofoi feito no concilio realizado em Troyes, sob a presidncia do senhorbispo de Albano, legado apostlico, e na presena dos arcebispos deReims e de Sens, dos abades de Cister e de muitos outros prelados.Mais tarde, no tempo do papa Eugnio (1145-1153), puseram a cruzvermelha nos seus hbitos , usando o branco como emblema de inocnciae o vermelho pelo martrio. [ ... ]. O seu nmero aumentou torapidamente que em breve havia mais de trezentos cavaleiros nas suasassembleias, todos envergando mantos brancos, sem contar os inmerosservidores. Adquiriram tambm bens imensos deste e do outro lado domar. Possuam [ ... cidades e palcios, de cujos rendimentosentregavam, todos os anos, uma determinada soma para a defesa da TerraSanta, nas mos do seu soberano mestre, cuja residncia principal em

    Jerusalm.Jacques de Vitry dava tambm algumas indicaes sobre a disciplina quereinava no interior da Ordem. Poderamos recorrer tambm a Guilhermede Nangis ou pedir alguma ajuda verso latina da sua Regra, queafirma no prembulo: pelas oraes de mestre Hugues de Payns, sobcuja direco a referida cavalariateve incio pela graa do EspritoSanto.Que deveremos concluir? Que alguns cavaleiros renunciaram ao mundo sobo comando de Hugues de Payns para se colocarem ao servio dosperegrinos e que assim nasceu a Ordem do Templo.Podemos dizer tambm que os Templrios foram apenas nove, durante noveanos, e esse nmero j foi muito glosado. Mas, quem eram esses novepaladinos.

    Para alm de Hugues de Payns, encontramos Geoffroy de Saint-Omer, umflamengo; Andr de Montbard, nascido em 1095 e tio de So Bernardopela sua meia-irm, Aleth. Havia tambm Archambaud de Saint-Aignan ePayen de Montdidier (por vezes designado pelo nome de Nivard deMontdidier), ambos flamengos. E, depois, Geoffroy Bissol, sem dvidaoriginrio do Languedoque e Gondomar, que talvez fosse portugus. Porfim, um tal Roral, ou Rossal, ou Roland, ou ainda Rossel, de quem nadamais sabemos, e um hipottico Hugues Rigaud, que teria sido originriodo Languedoque.Uma vez mais, as informaes fiveis so muito tnues. Por que razose juntaram estes homens? Jacques de Vitry j no-lo disse: paradefenderem os peregrinos dos arruaceiros, protegerem os caminhos eservirem de cavalaria ao seu soberano-rei.

    26Na verdade, os exrcitos de cruzados que haviam permanecido no local

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    no tinham meios para dominarem todo o territrio, tanto mais quemuitos homens haviam regressado ao Ocidente. As cidades estavam bemcontroladas mas a maior parte do pas continuava sob domniomuulmano. Algumas pequenas cidades nem sequer tinham guarniocrist. Os Francos contentavam-se com vagos pactos de no agresso eobrigavam-nas a pagar um tributo. Alguns senhores rabes aproveitavam-se desta situao para efectuarem golpes de mo e assaltarem ascaravanas de peregrinos. Os camponeses muulmanos, para resistirem aoinvasor, no hesitavam em organizar o bloqueio econmico das cidades afim de as reduzirem fome ou capturavam cristos isolados e vendiam-nos como escravos. Nas prprias cidades ocorriam atentados. Em resumo,a segurana era uma palavra v.Havia uma estrada que era especialmente considerada exposta e poucosegura. Ligava Jafa a Jerusalm, e os egpcio's de Ascalon faziamamide incurses contra ela. Os peregrinos s podiam circular por elaagrupados em pequenas hostes, o melhor armados que fosse possvel.Hugues de Payns teria decidido remediar essa situao constituindo umaequipa para que guardassem os caminhos, l por onde os peregrinospassavam, dos ladres e salteadores que grandes males a soam fazer,como dizia Guilherme de Tiro.

    Hugues de Champagne e o nascimento da Ordem

    A Ordem do Templo foi fundada a 25 de Dezembro de 1118. Hugues dePayns e Geoffroy de Saint-Omer tinham prestado juramento de obedinciaentre as mos do patriarca de Jerusalm no preciso dia em que Baldunoera coroado rei.Mas nove cavaleiros no seriam bem poucos para guardar as estradas daTerra Santa? certo que poderemos supor que cada um deles deveria terconsigo alguns homens, sargentos de armas ou escudeiros. Isto eramuito corrente, mesmo que tal no fosse referido.Mesmo assim, os primrdios foram bastante modestos e no devem terpermitido que os primeiros Templrios desempenhassem a misso que,

    aparentemente, se haviam atribudo. Diz-se que guardavam odesfiladeiro de Anthlit, entre Cesareia e Caifa, no preciso localonde, mais tarde, edificaram o famoso Castelo-Peregrino. Tal tarefano deveria ser muito fcil, estando sediados em Jerusalm.Quase desprovidos de meios, no podiam fazer muito. A lgica exigiaque procurassem recrutar pessoas para desempenharem melhor a sua27

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    misso. Era indispensvel. E, no entanto, nada fizeram. Evitaram,inclusive, com muito cuidado, durante os primeiros anos, qualqueraumento da sua pequena hoste. Guilherme de Tiro e Mathieu de Paris soformais: recusaram toda e qualquer companhia, excepto, em 1125 ou1126, a do conde Hugues de Champagne, filho de Thibaut de Blois, umsenhor cujo condado era mais vasto do que o domnio real.Porqu esta recusa? Como possvel que aqueles nove cavaleiros notenham participado em qualquer operao militar, embora o rei notenha parado de combater, de Antioquia a Tiberades, passando porAlepo?Tudo isto no convence e o papel de polcias das estradas parece,nestas condies, uma simples capa que disfara uma outra misso quedeveria permanecer secreta. talvez graas chegada de Hugues de Champagne que vamos perceber umpouco melhor o que se passou.Em 1104, depois de ter reunido alguns grandes senhores, dos quais umse encontrava em relao muito estreita com o futuro templrio Andrde Montbard, Hugues de Champagne partira para a Terra Santa. Tendoregressado rapidamente (em 1108), deveria voltar l em 1114 pararegressar Europa em 1115, a tempo de doar a So Bernardo uma terraonde este construiu a Abadia de Clairvaux.Em todo o caso, a partir de 1108, Hugues de Champagne tinha entabuladocontactos importantes com o abade de Cister: Estvo Harding. Ora, apartir dessa poca, embora os cistercienses no fossem consideradoshabitualmente homens de estudos - ao contrrio dos beneditinos -, eisque comearam a estudar minuciosamente textos sagrados hebraicos.Estvo Harding pediu mesmo ajuda a sbios rabinos da Alta Borgonha.Que razo poderia ter originado um entusiasmo to repentino por textoshebraicos? Que revelao se pensava que esses textos poderiam trazerpara que Estvo Harding tenha posto, assim, os seus monges atrabalhar com o auxilio de sbios judeus?Neste quadro, a estada de Hugues de Champagne na Palestina podeparecer como uma viagem de verificao. Podemos imaginar que

    documentos descobertos em Jerusalm ou nos seus arredores tenham sidotrazidos para Frana. Foram traduzidos e interpretados, e Hugues deChampagne teria ido ento procurar informaes complementares ou entoverificar, no local, a correco das interpretaes e a validao dostextos.Sabemos, por outras fontes, o papel importante que So Bernardo,protegido de Hugues de Champagne, devia desempenhar na poltica do28ocidente e no progresso da Ordem do Templo. Escreveu a Hugues deChampagne, a propsito da sua vontade de ficar na Palestina:Se, pela graa de Deus, te fizeste conde, cavaleiro, e de rico, pobre,felicitamo-nos pelo teu progresso, dado que justo, e glorificamos aDeus em ti, sabendo que isto uma mutao mo direita do Senhor.

    Quanto ao resto, confesso que no suportamos com pacincia sermosprivados da tua alegre presena por no sei qual justia de Deus amenos que, de tempos a tempos, mereamos ver-te, se tal for possvel,o que desejamos mais do que todas as coisas.Esta carta do santo cisterciense mostra-nos at que ponto osprotagonistas desta histria esto ligados entre si e so capazes,portanto, de guardar o segredo em que trabalham. Alis, o prprio SoBernardo interessou-se muito de perto por antigos textos sagradosjudeus. Em todo o caso, parece que Hugues de Champagne considerou asrevelaes suficientemente importantes para legitimarem uma fixao naPalestina. Era casado e, para entrar na Ordem do Templo que acabara dese criar, era necessrio que a sua mulher aceitasse entrar para umconvento. A cara esposa no entendia assim as coisas. Hugues de

    Champagne hesitou durante algum tempo mas, como a sua mulher lhe eranotoriamente infiel, repudiou-a. Aproveitou esse facto para deserdar o

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    filho, em relao ao qual tinha fortes desconfianas de no ser seu, eabdicou de todos os seus direitos em favor de seu sobrinho, Thibaut.Entrou para a Ordem do Templo e nunca mais deixou a Terra Santa, ondefaleceu em 1130.Quem seria capaz de nos fazer crer que repudiou a mulher e abandonoutudo para guardar estradas com pessoas que no queriam a ajuda deningum, e isso sob as ordens de um dos seus prprios oficiais'?** provvel que Hugues de Payns tenha vindo para a Palestina ao mesmotempo que Hugues de Champagne, isto , em 1104. Com efeito, a primeiracruzada realizou-se em 1099 e, nessa poca, Hugues de Payns aindadevia encontrar-se na Champagne, dado que a encontramos a suaassinatura num documento de 21 de Outubro de 1100.Era preciso ser muito ingnuo, mesmo que tomemos em considerao que af capaz de dar origem a muitos abandonos. No se trataria antes deajudar os Templrios na verdadeira tarefa que lhes fora confiada e queHugues de Champagne tinha boas razes para conhecer?Tudo iria acelerar-se. A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo s foracriada oficialmente em 1118, isto , vinte e trs anos depois daprimeira cruzada, mas foi apenas em 1128, a 17 de Janeiro, que recebeuo nome de Ordem do Templo e a sua aprovao definitiva e cannica,Inediante a confirmao da regra. At mesmo essas datas socontestadas por vezes e fala-se, respectivamente, de 1119 e de 13 deJaneiro de 1128.29

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    Podemos pensar que os documentos que tudo indica terem sido trazidosda Palestina por Hugues de Champagne (que sem dvida os descobrirajuntamente com Hugues de Payns) no deixariam de estar relacionadoscom o local que, em seguida, foi afectado ao alojamento dosTemplrios.

    O Templo de Salomo

    O rei de Jerusalm, Balduno, atribuiu-lhes como alojamento unsedifcios situados no local do Templo de Salomo. Chamaram ao localcaserna de So Joo. Fora necessrio mandar sair de l os cnegos doSanto Sepulcro que Godofredo de Bouillon l instalara primitivamente.Por que razo no se procurara antes outra habitao para osTemplrios? Que necessidade imperiosa havia de lhes oferecer para tocaaquele local em particular? De qualquer modo, a razo no tem nada quever com o policiamento das estradas.As caves eram formadas por aquilo a que se chamavam as estrebarias deSalomo. O cruzado alemo Joo de Wurtzburg dizia que eram to grandese to maravilhosas que podiam alojar-se l mais de mil camelos equinze centenas de cavalos. No entanto, foram afectadas na suatotalidade aos nove cavaleiros do Templo que, antes de mais, serecusavam a fazer recrutamento. Desentulharam-nas e utilizaram-nas apartir de 1124, quatro anos antes de receberem a sua regra eestimularem o seu desenvolvimento. Mas utilizaram-nas apenas comoestrebarias ou realizaram nelas buscas discretas? E que procuraram?Um dos manuscritos do mar Morto, encontrado em Qumran e decifrado emManchester em 1955-1956, referia quantidades de ouro e de vasossagrados que constituam vinte e quatro conjuntos enterrados sob oTemplo de Salomo. Mas, nessa poca, esses manuscritos dormiam nofundo de uma gruta e, mesmo que possamos imaginar a existncia de umatradio oral a esse respeito, poderemos pensar que as pesquisas foramorientadas antes para textos sagrados ou objectos rituais e no paravulgares tesouros materiais.

    Que podero ter encontrado no local e, antes de mais, que sabemossobre esse Templo de Salomo de que tanto se fala? Para alm daslendas, muito pouco: nenhum vestgio identificvel por arquelogos;essencialmente, tradies veiculadas ao longo do tempo e algumaspassagens na Bblia (no Livro dos Reis e nas Crnicas).Sem dvida que foi construdo cerca de 960 a. C. - pelo menos na suaforma primitiva. Salomo, que desejaria construir um templo 30glria de Deus, fizera acordos com o rei fencio Hiram que secomprometera a fornecer-lhe madeira (de cedro e de cipreste). Enviar-lhe-ia tambm operrios especializados: canteiros e carpinteirosrecrutados em Guebal, onde os prprios egpcios costumavam contratar asua mo-de-obra qualificada.

    As obras duraram sete anos, abrangendo tambm um palciosuficientemente grande para albergar as setecentas princesas etrezentas concubinas do rei Salomo.O Templo era rectangular. Entrava-se no vestbulo transpondo uma portadupla de bronze e, ento, encontravam-se duas colunas: Jachin e Boaz,tambm de bronze. Seguia-se uma porta dupla, em madeira de cipreste,que permitia o acesso ao hkal, ou local santo, uma sala com lambrisde madeira de cedro e cheia de objectos preciosos e sagrados: o altardos -perfumes, em ouro macio, a tbua dos pes de orao, em madeirade cedro forrada a ouro, dez candelabros e lmpadas de prata, copospara libaes finamente cinzelados, bacias sagradas e braseiros queserviam para a celebrao de sacrificios.Em seguida, entrava-se no debir, uma sala cbica onde se encontrava a

    Arca da Aliana.O conjunto era feito de pedras talhadas, madeira e metais. Em frente

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    ao Templo, o mar de bronze, grande reservatrio que podia contercinquenta mil litros de gua, suportado por doze esttuas de touros,dominava a esplanada. Os elementos de decorao eram cobertos defolhas de ouro. Todo o empedrado tinha placas de ouro. A prata e ocobre tambm se encontravam em profuso. Os metais preciosos estavamverdadeiramente em todo o lado, incluindo o telhado, onde agulhas deouro impediam que os pssaros poisassem.O Templo existiu sob esta forma at 586 a. C. Nessa data,Nabucodonosor cercou Jerusalm e apoderou-se dela. A cidade foiincendiada e o Templo de Salomo destrudo.Cerca de 572 a. C., Ezequiel teve a viso do Templo reconstrudo dassuas runas. No entanto, houve que esperar at 538 a. C. para se verZorobadel iniciar a sua reconstruo. O novo santurio, muito maismodesto do que o precedente, foi arrasado pelo Selucida AntocoEpifnio. Herodes decidiu reconstru-lo. Durante dez anos, miloperrios trabalharam no estaleiro. O resultado foi grandioso, masdurou pouco, dado que o edifcio foi destrudo no tempo de Nero, menosde sete anos depois de ter31

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    sido terminado. Em 70 d. C., uma vez mais, Jerusalm foi tomada e oTemplo pilhado, por Tito. Os objectos sagrados, como o candelabro dossete braos e muitas outras riquezas, foram levados para Roma eapresentados ao povo, quando do triunfo de Tito.Quando os Templrios se instalaram no local onde se erguera, apenasrestava do Templo um pedao do muro das lamentaes e um magnficoempedrado quase intacto. Em sua substituio, erguiam-se duasmesquitas: Al-Aqsa e Omar. Na primeira, a grande sala de orao foidividida em quartos para servir de alojamento aos Templrios.Juntaram-lhe novas construes: refeitrios, adegas, silos.

    Os Templrios e a Arca da Aliana

    Parece que os Templrios fizeram descobertas interessantes no local.Mas, de que se tratava?Se a maior parte dos objectos sagrados desaparecera por ocasio dasdiversas destruies, e nomeadamente quando do saque de Jerusalm porTito, havia um que, volatilizando-se pura e simplesmente, no pareciater sido retirado de l. Ora, fora para alojar esse objecto queSalomo construra o Templo: a Arca da Aliana, que continha as Tbuasda Lei. Uma tradio rabnica referida pelo Rabi Mannaseh ben Israel(1604-1657) explica que Salomo teria mandado fazer um esconderijo sobo prprio Templo, para se colocar l a Arca, em caso de perigo.Essa Arca tinha a forma de uma caixa de madeira de acaju com doiscvados e meio (1,10 m) por um cvado e meio (66 cm), tendo tanto dealtura como de largura. Tanto no interior como no exterior, as paredesestavam cobertas com folhas de ouro. O cofre abria-se para cima, pormeio de uma tampa de ouro macio por cima da qual se viam doisquerubins de ouro martelado, frente a frente, com as asas dobradas eviradas uma para a outra.Havia argolas fixadas, que permitiam a insero de barras - tambmelas cobertas de ouro - para transportar a Arca que, assim, teria umaspecto igual ao de certos mveis litrgicos egpcios. Por fim, uma

    placa de ouro estava colocada sobre a tampa, entre os querubins. Estekapporet32era considerado pelos Hebreus como o trono de Iav. Assim o afirma oxodo, onde Iav diz a Moiss: a que me encontrarei contigo, de cima do propiciatrio, do espaocompreendido entre os dois querubins colocados sobre a Arca doTestemunho, que te comunicarei as ordens destinadas aos filhos deIsrael.Que quer dizer isso? Para os amantes de OVNIS, a Arca poderia ser umaespcie de receptor de rdio intergalctico que permitia recebermensagens vindas do espao ou de outro lugar. Para os outros, restaclassificar isto na misteriosa rubrica dos objectos ditos de culto

    cujo destino no conhecido. Os querubins alados parecem sugerirhomens voadores, anjos intermedirios entre os homens e os deuses.Pelo nosso lado, vamos abster-nos de dar qualquer opinio quanto aesta questo, mas no poderamos afastar a priori nenhuma hipteseenquanto no for fornecida uma explicao totalmente convincente, esem dvida que no ser fcil explicar por que razo a Arca foraconstruda como um condensador elctrico.Em todo o caso, a Arca encontrava-se bem protegida. Paul Possonllembra que era proibido tocar-lhe sem uma autorizao expressa paratal (e, muito possivelmente, equipado com proteces especiais), sobpena de se ser fulminado de imediato. Um dia, quando a transportavam,e porque ia mal segura, a Arca deu a impresso de ir cair ao cho. Umhomem precipitou-se para a segurar. Foi uma infelicidade, porque

    morreu imediatamente fulminado.Pode considerar-se que a Arca se protegia a si prpria, querendo dizer

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    com isso que seria difcil admitir que a clera divina tenha fulminadoalgum apenas porque pretendera impedir que a Arca casse.A Arca foi, pois, colocada no Templo de Salomo, no ano 960 a. C. NoLivro dos Reis, Salomo dirige-se a Deus, atravs dela:O Eterno declarou que habitaria na escurido. Acabei de edificar umacasa que ser a Tua residncia, oh Deus, uma casa onde Tu habitarseternamente.**Paul Posson, Le Testament de No, Robert Laffont. Curioso,tratando-se de um ser da Luz. De notar que Salomo parece fazer umadistino entre o deus a que se dirige e o Eterno.Tal como j dissemos, no parece que a Arca tenha sido roubada quandodas diferentes pilhagens ou pelo menos, quando tal aconteceu, foirecuperada, de acordo com os textos. O seu desaparecimento por rouboteria deixado inmeros vestgios, tanto nos escritos como nastradies33

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    orais. Apenas uma lenda sugere que ela teria sido roubada pelo prpriofilho de Salomo. Esse filho, que teria tido da rainha do Sab, t-la-ia roubado para a levar para o reino de sua me. Mas esta lenda pouco credvel e no encontramos nada que a possa apoiar, na Bblia.Louis Charpentier lembra:Quando Nabucodonosor tomou Jerusalm, no h qualquer referncia Arca, no saque. Manda incendiar o Templo, em 587 a. C. E a Arca ardecom ele, diz Wegener.Ora, certo que a Arca foi enterrada. E Salomo no disse que elaficaria na escurido? O que no podia ser o caso do Santo dos Santos.Charpentier v a prova disso num texto que refere:Quando a Arca da Aliana foi enterrada, levou-se para a ghenizah orecipiente que continha o man, porque estivera em contacto com asTbuas da Lei.Para Charpentier, isso no tem a menor dvida: a Arca ficou no local,escondida sob o Templo, e os Templrios descobriram-na. Esta afirmaodever ser aceite com muita circunspeco, mas no deixa de terinteresse. Se admitirmos, por um instante, a sua validade comohiptese de investigao, torna-se lgico pensar que, entre 1104 e1108, Hugues de Champagne e Hugues de Payns, uma espcie deaventureiros da Arca perdida, tenham conseguido descobrir documentosque permitiam localiz-la. O trabalho dos monges de cister e dossbios judeus que os ajudaram teria consistido ento na traduo einterpretao dos textos eventualmente fragmentrios trazidos porHugues de Champagne. Depois, munidos de informaes adequadas, edepois de terem obtido como alojamento o local do Templo de Salomo,os primeiros cavaleiros do Templo teriam podido realizar escavaesque conduziriam descoberta da Arca.Quanto a isto, Charpentier cita em primeiro lugar, como memria, umatradio oral que faria dos Templrios os detentores das Tbuas daLei. Lembra o regresso ao Ocidente dos primeiros templrios, em 1128.Assim, abandonavam a sua misso. claro que se tratava de obter afundao de uma ordem militar dotada de uma regra especial, mas seria

    necessrio, para tal, abandonar tudo no Oriente, durante um longoperodo? No bastaria enviar um embaixador, tanto mais que oscavaleiros no tiveram a menor dificuldade em obter o que desejavamgraas fora34dos apoios de que beneficiavam? Ora, o preliminar da regra que entolhes foi dada por So Bernardo comeava assim:Bem agiu Damedieu connosco e com o Nosso Salvador Jesus Cristo, o qualenviou os seus amigos da Santa Cidade de Jerusalm Marca de Frana eda Borgonha [ ... ].Charpentier comenta e sublinha:A obra realizada com a ajuda de Nous. E os cavaleiros foram mesmomandados Marca de Frana e da Borgonha, isto , Champagne, sob a

    proteco do conde de Champagne, onde podem ser tomadas todas asprecaues contra qualquer ingerncia dos poderes pblicos oueclesisticos: naquele lugar onde, nessa poca, se pode garantirmelhor um segredo, uma vigilncia, um esconderijo.E Charpentier pensa que os Cavaleiros do Templo, ao regressarem aoOcidente, traziam, se assim o podemos dizer, nas suas bagagens, a Arcada Aliana. E precisa:No portal norte de Chartres, o portal chamado dos Iniciados, existemduas colunatas esculpidas em relevo e ostentando, uma, a imagem dotransporte da Arca por uma junta de bois, com a legenda: Archacederis; a outra, a Arca que um homem cobre com um vu, ou agarra comum vu, perto de um monte de cadveres entre os quais se distingue umcavaleiro de cota de malha; a legenda : Hic amititur Archa cederis

    (amititur possivelmente em vez de amittitur).Ter de ver-se a um indcio suficiente para apoiar a tese de

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    Charpentier? Podemos, temos inclusive o dever de sermos extremamentecpticos. No entanto, mesmo a Arca da Aliana que parece estarrepresentada, em cima de um carro de quatro rodas, em Chartres. Comefeito, uma escultura idntica, representando o transporte da Arca,encontra-se nas runas da sinagoga de Cafarnaum. Essa representaomostra que, em Chartres, se atribua um interesse muito especial aotransporte da Arca e poderia significar que os escultores noignoravam que ela fora deslocada. Isso no quer dizer, de modo algum,que tenha sido trazida para o Ocidente pelos Templrios, nem sequerque estes tenham uma relao especial com essa deslocao.Precisamente, poderemos observar que a decorao da catedral deChartres evoca mais de uma vez os cavaleiros do Templo.35

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    O outro segredo de Salomo

    O segredo descoberto no local do Templo pelos Templrios pode no terqualquer relao com a Arca da Aliana, embora continue ligado aSalomo. De qualquer modo, foroso reconhecer que h muitos pontoscomuns entre os Templrios e este rei. Em primeiro lugar, temos delembrar que, logo no incio, Hugues de Payns e os seus amigos tinhamtomado o nome de Pobres Cavaleiros de Cristo e isso at teremocupado o local do Templo de Salomo - pelo menos o que geralmentese diz. Ora, a partir do momento em que obtiveram a sua regra (logo,aps as suas possveis descobertas), l-se no prlogo da versofrancesa: Aqui comea a regra da pobre cavalaria do Templo.Muito em breve encontramos nas doaes que lhes foram feitas osttulos de cavaleiros do Templo de Salomo. A expresso no veio,pois, por hbito e foi decidida muito rapidamente. Notemos, por outrolado, que o minnesnger alemo, Wolfrain von Eschenbach, que seafirmava Templrio, escrevia no seu Parzival que o Graal foratransmitido por Flgtanis, da linhagem de Salomo, e que osTemplrios eram os seus guardies.Voltaremos a este ponto. Pensemos tambm na construo do Templo queSalomo confiara a mestre Hiram. O arquitecto, segundo a lenda, foimorto por companheiros invejosos aos quais recusara a divulgao dedeterminados segredos. A seguir ao desaparecimento de Hiram, Salomoenviara nove mestres sua procura, nove mestres como os noveprimeiros Templrios procura do arquitecto dos segredos.E depois, Salomo, tal como os Templrios, apostou muito no comrcio,sobretudo dos cavalos. Quis ter uma frota comercial para facilitar oseu negcio e os Templrios, por sua vez, possuram uma frotapoderosa.Que pensava disso So Bernardo que fez a propaganda dos Templrios eescreveu sobre o Cntico dos Cnticos, atribudo ao rei Salomo?A prpria personalidade de Salomo interessante de estudar, nestequadro. smbolo de justia: o seu julgamento clebre; smbolo de

    sabedoria, tambm. Rei dos poetas, autor do Cntico dos Cnticos quealguns pensam ser um documento cifrado, uma espcie de testamento deadepto.No podemos falar de Salomo sem lembrarmos a rainha do Sab. Estachegou a Jerusalm acompanhada por uma magnfica caravana de cameloscarregados de presentes fabulosos. Balkis a magnfica vinha pr prova Salomo, cuja reputao chegara at ela e tinha a inteno delhe apresentar enigmas muito difceis de resolver.36O Coro contm, a propsito da visita de Balkis, reflexes bastanteinteressantes. Assim:Salomo herdou de David e disse: Homens! Ensinaram-nos a linguagem dospssaros, e, de todas as coisas, fomos contemplados copiosamente. Na

    verdade, esse por certo um favor evidente!A aluso linguagem dos pssaros deixa entender que Salomo tinhaconhecimento dos segredos ocultos da natureza. Esse tipo dedenominao era bem conhecido dos trovadores e leva-nos de volta escrita do Cntico dos Cnticos de Salomo, estudado de perto por SoBernardo. Mas, regressemos ao Coro:As tropas de Salomo, formadas por Djinns, Mortais e Pssaros foramreunidas sua frente, divididas por grupos.Assim, Salomo tinha ao seu servio homens mas tambm gnios- isto , conhecia os elementares *- e pssaros, isto , seresvoadores.* O Esprito dos elementos, segundo o ocultismo. (N. do E.)Ento, Arca da Aliana, segredos de arquitectura, linguagem dos

    pssaros? Ou outra coisa encontrada na Palestina? Mas o qu? Segredosligados a Jesus? sua vida? A Maria Madalena? Ao Graal, talvez...

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    Sat prisioneiro

    Consideremos mais uma possibilidade, por mais louca que seja. Segundoo Apocalipse de So Joo, depois de ter sido vencido e expulso do cucom os anjos que foram afastados da graa divina, Sat acorrentadono abismo. Ora, a tradio afirma que esse abismo tem sadas e queestas se encontram obturadas. Uma delas encontrava-se, precisamente,selada pelo Templo de Jerusalm. O quartel dos Templrios ficaria,pois, situado num local de comunicao entre diferentes reinos,caracterstica comum da Arca da Aliana. Ponto de contacto tanto como Cu como com os Infernos, um dos locais sagrados sempreambivalentes, dedicados tanto ao bem como ao mal. Um local decomunicao ideal de que os Templrios se teriam tornado guardies.Uma lenda referida pelo Senhor de Vog conta que, na poca de Omar,um homem, ao debruar-se, avistou uma porta no fundo do poo dondetirava gua. Desceu ao poo e transps a porta. Apareceu-lhe um jardimmagnfico. Arrancou uma folha de uma rvore e trouxe-a como37

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    prova da sua descoberta. Mal saiu, apressou-se a ir prevenir Omar.Correram para l, mas a porta desaparecera e ningum voltou aencontr-la. Ao homem restou apenas a folha que nunca murchou. Istopassava-se no local do Templo de Salomo. Uma tradio mais paratransformar o local numa passagem entre diversos nveis e reinos.Relata-se tambm que o Templo de Salomo fora precedido, no local, porum templo pago dedicado a Poseidon. Ora, ignora-se demasiadas vezesque Poseidon s muito tardiamente se tornou deus do mar. Antes, tinhaa posio de Deus supremo e foi apenas com a chegada Grcia dosIndo-Europeus que Zeus assumiu a liderana das divindades. Poseidonfora, no tempo dos povos pelasgos, o Deus criador, demiurgo que tinhaum lugar privilegiado nas guas-mes salgadas. Era o grande agitadordas terras, senhor das foras telricas e, em alguns aspectos,aproximava-se de Sat.Eugne Delacroix, iniciado da Sociedade Anglica, sabia-o bem quandodecorou o tecto da capela dos Santos Anjos, na igreja de Saint-Sulpice, de Paris. Pintou nela So Miguel a deitar ao cho o demnio.Ora, esse demnio das origens, representou-o sob a forma de Poseidon,perfeitamente reconhecvel devido aos seus atributos.Muito bem! Os Templrios encarregados de guardarem os locais por ondeSat poderia evadir-se da priso que lhe fora atribuda na noite dostempos, algo que parecer, sem dvida, grotesco a muitos leitoresmodernos mas que seria conveniente reinserir nas crenas da poca. E,depois, nunca se sabe... Tanto mais que Salomo tambm mandouconstruir santurios para divindades estrangeiras. Mandou dedicar,nomeadamente, templos a Astart, a abominao dos Sidonenses e aMilkom, o horror dos Amonitas. O deus ciumento de Israel deve terficado furioso. Nesse campo, Salomo no se limitaria a ceder spresses das inmeras concubinas estrangeiras? Se agiu desse modo, queno teria feito em recordao da rainha do Sab, cujo reino podemoslocalizar, sem a menor dvida, no lmen? Na sua maioria, os deuses dopas de Baffis cheiravam muito a enxofre.

    Os Templrios e os segredos de Salomo

    Em resumo, podemos considerar como uma quase certeza o facto de Huguesde Payns e Hugues de Champagne terem descoberto documentosimportantes, na Palestina, entre 1104 e 1108.38Esses achados estiveram, sem dvida, na base da constituio dos noveprimeiros Templrios e devemos lig-los deciso de lhes atribuir,como residncia, o local do Templo de Salomo.A, levaram a cabo escavaes. Nessa fase, estava fora de questoaumentarem os seus efectivos, por causa do segredo. As suas pesquisasdevem t-los levado a encontrar algo realmente importante, pelo menosa seus olhos. A partir desse momento, a poltica da Ordem mudou.

    Que tinham encontrado? A Arca da Aliana? Um modo de comunicarem compoderes exteriores: deuses, elementares, gnios, extraterrestres ououtros? Um segredo relativo utilizao sagrada e, por assim dizer,mgica da arquitectura? A chave de um mistrio ligado vida de Cristoou sua mensagem? O Graal? A forma de reconhecer os locais onde acomunicao, tanto com o Cu como com os Infernos, facilitada, com orisco de libertar Sat ou Lcifer?Poderamos pensar que nos encontramos numa novela de H. P. Lovecraft, certo, mas estas perguntas, embora no sejam racionais, surgemimperativamente no contexto da poca.Iremos procurar, ao longo dos prximos captulos e dos indcios quenos iro ser fornecidos pela histria da Ordem, separar o trigo dojoio e restringir os nossos pressupostos, explicar por que razo, a

    partir de ento, a poltica dos Templrios mudou brusca eradicalmente.

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    III

    SO BERNARDO E OS MONGES-GUERREIROS

    Obter uma regra

    Em 1127, quando Hugues de Payns regressou ao Ocidente em missoespecial, encontrava-se acompanhado por mais cinco Templrios. Ora,ainda eram apenas nove, ou talvez dez. Logo, tinham ficado apenas trsou quatro no Oriente para assegurarem a falada proteco dosperegrinos. Mesmo que tivessem junto deles alguns sargentos de armas,a hoste deveria ser bem magra no caso de um recontro com o inimigo.Decididamente, essa misso era muito mal desempenhada. Isso provainsofismavelmente que apenas se tratava de um disfarce. Alis, houveque esperar at 1129 para se ver os Templrios enfrentar pela primeiravez os infiis em combate.Isso no impediu os modestos guardies do desfiladeiro de Athlit de severem chamados ilustres pelas suas faanhas guerreiras inspiradasdirectamente por Deus, e isso ainda antes de se terem batidoverdadeiramente. A propaganda no , por certo, uma inveno modernamas este exemplo especialmente interessante. Mostra que apublicidade que lhes foi feita no se baseava numa realidade e seintegrava, deliberadamente, naquilo que podemos considerar uma segundafase da Ordem: o seu desenvolvimento e a sua transformao numa ordemmilitar. Do pequeno nmero discretamente ocupado com a descoberta desegredos importantes, passava-se procura do poder, o que indica queas pesquisas tinham, sem dvida, dado os seus frutos e estavamterminadas. Convinha, desde logo, pr em execuo a poltica que elastivessem sugerido e podemos perguntar-nos se, a partir desse momento,no existiu uma vontade de criar uma espcie de poder sinrquico quese sobreporia aos reinos.41

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    Hugues de Payns parou em Roma, antes de seguir para a Champagne. Ali,encontrou-se com o papa Honrio II (1124-1130) que se interessavamuito por aquela Ordem nascente. Em Janeiro de 1128, Hugues de Paynsencontrava-se em Troyes para participar no concilio onde foi propostoadoptar uma regra especial para a Ordem do Templo. O texto, nas suaslinhas gerais, fora elaborado em Jerusalm. Tratava-se tambm de dar aconhecer a Ordem, de comear a recrutar, recolher ddivas, estimular afundao do poder futuro do Templo. Hugues de Payns tinha no bolso acarta de recomendao do rei de Jerusalm, Balduno II; que sem dvidafinanciara a viagem. Dirigia-se a So Bernardo e pedia-lhe que desse omaior apoio aos projectos de Hugues de Payns e dos seus companheiros.Pelo seu lado, o patriarca de Jerusalm pedia ao papa a concesso deuma regra especial a esses monges.A carta de Balduno II a So Bernardo referia:Os irmos Templrios, que Deus inspirou para a defesa desta provnciae protegeu de uma forma notvel, desejam obter a confirmaoapostlica bem como uma regra de conduta. Devido a isso, envimosAndr e Gondemarc, ilustres devido s suas proezas guerreiras e pelanobreza do seu sangue, para que solicitem ao Soberano Pontfice aaprovao da sua ordem e se esforcem por obter dele subsdios e ajudascontra os inimigos da f, coligados para nos suplantarem e derrubaremo nosso reino. Sabendo bem quanto peso poder ter a vossa intercesso,tanto junto de Deus como do seu vigrio e dos outros prncipesortodoxos da Europa, confiamos vossa prudncia esta dupla missocujo xito nos ser muito agradvel. Fundamentai as constituies dosTemplrios de tal forma que eles se no afastem dos rudos e dostumultos da guerra e continuem a ser os auxiliares teis dos prncipescristos... Fazei de maneira que possamos, se Deus o permitir, ver embreve uma concluso feliz desta questo.Dirigi por ns oraes a Deus. Que Ele vos tenha na Sua Santa Guarda.

    So Bernardo

    So Bernardo deveria, efectivamente, desempenhar um papel importanteno progresso da Ordem. Convm deterrno-nos um pouco nesta personagemsobre a qual Marie-Madeleine David escreve:Bernardo o homem mais representativo do renascimento do sculo XII.Nascido no final do sculo XI, em 1090, e falecido em 1153, insere-seem plena poca de fecundidade intelectual e de transformaeseconmicas e sociais.Nascido no castelo de Fontaine, a noroeste de Dijon, era o terceirofilho da Dwna Aleth. Antes do seu nascimento, a sua me tivera sonhos42curiosos. Via o seu futuro filho sob a forma de um cozinho queladrava furiosamente. Inquieta, abrira-se com um religioso que aacalmara afirmando-lhe que, mais tarde, o seu filho apenas ladraria

    para defender a Igreja.O pai de Bernardo, Tescelin, era senhor do castelo de Fontaine e osseus compatriotas tinham-no apodado de o baio, porque era loiro-arruivado. Tinha a fama de ser um homem de honra, corajoso e fiel aoseu suserano, o duque da Borgonha.Aleth, que era filha do duque de Montbard, velara por que o seu filhorecebesse uma boa educao. Confiara-o, pois, aos cnegos de Saint-Vorles, em Chtillon-sur-Seine. Eles haviam-lhe ensinado o trivium(gramtica, retrica, dialctica) e o quadrivium (aritmtica, msica,geometria, astronomia) e tinham-no obrigado a ler Ccero, Virglio,Ovdio, Horcio. Tambm o tinham ajudado a vencer uma timidez quasedoentia.Foi na igreja de Saint-Vorles que caiu em xtase perante Maria, vendo

    aquela imagem da Me de Deus, feita de uma madeira que a idadeescureceu mais do que o sol? Fora essa virgem negra de madeira que,

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    miraculosamente, teria apertado o seu seio, de modo que teriam cadotrs gotas de leite nos lbios de Bernardo.Os seus contemporneos descreviam o jovem Bernardo como belo, esbelto,com uma cabeleira revolta, um olhar que se impunha. Mas essa belezano era para as mulheres, porque pretendia preservar a sua castidade.Um dia, pensando que olhara uma mulher com demasiada complacncia,fora mergulhar num lago gelado para apagar o desejo que sentia crescerdentro de si. Do mesmo modo, tratara com desprezo uma outra mulher queviera meter-se, nua, na sua cama. Pelo menos, o que conta a sualenda dourada.De qualquer modo, escolheu o claustro que comparava escola de Deus.Robert Thomas lembra-nos como So Bernardo via os monges:Tal como os anjos, vivem puros e castos; tal como os profetas, elevamos seus pensamentos acima das coisas da terra; tal como os apstolos,deixam tudo e vo ouvir a palavra do Mestre, record-la nos seuscoraes, esforar-se por a guardar, por a pr em prtica. Cadamosteiro ser uma escola onde Jesus ensina.So Bernardo escolheu Cister onde entrou, no tempo do abade EstvoHarding, com cerca de trinta companheiros que mais ou menos arrastaraconsigo.Definia-se como algum que procurava Deus e pensava que, neste caso,quem procura, encontra. Era exigente com os outros mas, antes demais, consigo mesmo. Recusava-se a respeitar apenas o voto deobedincia que lhe no parecia um compromisso suficiente. Eranecessrio ir alm43

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    disso. No podia compreender que um monge se ficasse pelo mnimoobrigatrio. Escrevia:A obedincia perfeita ignora o que apenas uma lei, no estencerrada em limites; a vontade vida estende-se at aos limites dacaridade, entrega-se por si mesma a tudo o que lhe proposto e, com ofervor de uma alma ardente e generosa, vai sempre em frente, sem terem conta limites ou medidas. Para ele a medida de amar a Deus amarsem medida.Bernardo no se contentava com meditar, adorar. Estudava tambm. Liaas escrituras, comentava-as, dissecava-as, at, procurando ir at fonte em vez de se limitar aos comentadores precedentes. O que estavaem jogo em tudo isto: conhecer-se a si mesmo e conhecer Deus. Masconhecer-se consiste tambm em descobrir quo insignificante se . Noentanto, a sua atitude na vida desmentiu, amide, essa aparentehumildade.

    So Bernardo, o admirado e o temido

    Bernardo em breve se tornou notado e foi a ele que se confiou afundao da abadia de Clairvaux, em 1115, num local que tinha o belonome de Vale de Absinto. Afirmou-se l e continuou a pregar ahumildade, e nem por isso deixou de ser cada vez mais seguro de si, atal ponto que necessrio ser um hagigrafo para negar o orgulho deSo Bernardo. Afirmava:Os assuntos de Deus so meus e nada do que lhe diz respeito estranhopara mim.O que mais extraordinrio que, em seu redor, todos achavam issonormal de tal modo a sua personalidade era, ao mesmo tempo, forte esedutora. Estava dotado de uma energia e de uma vontade sem falhas,daquelas que fazem vergar as pessoas em seu redor. Para alm daautoridade e da violncia verbal, sabia manejar tambm a delicadeza ea persuaso. Bernardo foi um ser dplice, dividido entre a meditao ea aco. To depressa arrastava os irmos, repreendia os grandes,

    influenciava a poltica de todo o Ocidente, como se retirava para umachoupana e se entregava a mortificaes at esgotar o seu corpo e otornar doente, semelhante a um arco que, depois de ter sidodistendido, retesado de novo, recupera toda a sua fora: como umatorrente retida por uma barragem que, liberta, retoma a impetuosidadedo seu curso, regressa s suas prticas, como se tivesse pretendidocastigar-se por esse repouso, e reparar as perdas da asceseinterrompida.44Robert Thomas escreve:Uma sade arruinada, um corpo extenuado, uma alma que, at ao fim,ser senhora daquele corpo e lhe far a vida dura, assim Bernardo.Dedicou-se Ordem de Cluny para a qual defendeu uma reforma

    monstica. Acusava os monges clunicenses de terem costumes dissolutos.Compreenderemos facilmente, com base nisso, que So Bernardo nodefendesse para os Templrios uma regra especialmente suave e que seesforasse por os tornar aguerridos atravs da prpria dureza da vidaque deveriam levar.Bernardo foi tambm quem lutou contra Abelardo, at o ter derrubado,aniquilado social e psicologicamente. Abelardo era um mestre com umainteligncia notvel que ensinava uma juventude estudantil que oadulava. Dialctico brilhante, gostava das lides oratrias mais porelas mesmas do que pelo seu contedo. Tinha uma tendncia ntida parao racionalismo e no admitia que, para um problema religioso, a nicaresposta avanada fosse: um mistrio. Crer e no discutir erainconcebvel para ele. Bernardo considerava perigoso o seu ensino,

    tanto mais pernicioso quanto as suas teses eram, amide, sedutoras.Ops-se-lhe violentamente e redigiu um tratado dos erros de Abelardo

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    que dirigiu ao papa Inocncio III. No parou enquanto o no conseguiucondenar. A esse respeito, Dom Jean Leclerq escreveu:Esse excesso de injrias, de acusaes baseadas em denncias sumrias,traa, em So Bernardo, uma paixo mal dominada.Este episdio no , certamente, o mais glorioso da vida de SoBernardo.

    O culto da Dama Celeste

    Bernardo teve tambm um amor louco por Maria, embora tenha escritomuito menos sobre esse tema do que acerca de outros. As poucas pginasque deixou sobre a Virgem ressumam literalmente fervor e amor.Inventou uma orao a Maria, na qual ela aparece como a Rainha daSalve Regina, que intercede em prol dos homens, junto de Cristo, aVirgem coroada que aceitou a provao desejada por Deus, triunfousobre ela, capaz de mostrar o caminho aos homens.45

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    A devoo de Bernardo Virgem parece profunda, o que no tohabitual na sua poca. Da, poderemos imaginar que no tenha sidoalheio venerao que os Templrios sempre tiveram por Nossa Senhora.Todavia, tenhamos cautela porque talvez se tenha tendncia paraatribuir uma importncia desmesurada a So Bernardo, a partir domomento em que se trata dos Templrios. Baseando-nos nos depoimentosprestados por estes ltimos no seu processo - dois sculos mais tarde- poderamos pensar que fora o prprio Bernardo quem redigira a suaregra. Na verdade, mesmo que seja quase certo que meteu a sua mo natarefa, deve ter trabalhado a partir de um texto prvio redigido pelopatriarca de Jerusalm, Estvo de La Fert. O que certo quetornou mais fcil a sua aprovao e, nesse sentido pelo menos, osTemplrios deveram-lhe a sua regra. Assim, Bernardo enviou uma carta aThibaut de Champagne, dizendo-lhe:Dignai mostrar-vos cheio de solicitude e de submisso pelo legado, emreconhecimento por ter escolhido a vossa cidade de Troyes para arealizao de um grande conclio, e dignai-vos dar o vosso apoio e avossa assistncia s medidas e resolues que este julgar convenientesno interesse do bem.O pedido no est isento de uma certa firmeza. No entanto, por detrsde um So Bernardo aparentemente na primeira linha, esconde-se talvezuma outra personagem cuja importncia, nos bastidores do Templo, nosparece considervel.

    Estvo Harding e a tradio hebraica

    Podemos interrogar-nos quanto ao facto de saber quem foi, quanto aofundo, a personagem mais importante para a constituio da Ordem doTemplo: So Bernardo ou Estvo Harding, abade de Cister, quecongeminara tudo, desde o incio, com Hugues de Champagne?Ingls de origem, Estvo Harding fora, inicialmente, monge nomosteiro de Sherbone. Depois, prosseguira estudos na Esccia e, emseguida, em Paris e em Roma. Marion Melville lembra o que dele dizia

    Guillaume de Malmes:Sabia casar o conhecimento das letras com a devoo; era corts nassuas palavras, risonho no rosto: o seu esprito rejubilava sempre noSenhor.46Depois de uma passagem por Molesmes, fundara Cister. Alguns anos maistarde, tornara-se o seu terceiro abade.Estvo Harding acumulara quase todos os conhecimentos intelectuaisque podiam adquirir-se nessa poca. Reformou a liturgia e fez da suaabadia um centro cultural nico. Empreendeu um trabalho gigantesco: aredaco da Bblia de Cister, com um esprito de correco crticanotvel. Para o ajudarem, recorrera a sbios judeus. De acordo com assuas observaes, mandou efectuar duzentas e noventa correces e

    cinco versculos completos de Samuel foram completamente reescritos.Findo isso, Estvo Harding proibiu que se tocasse numa s palavradaquela Bblia. Daniel Rju refere que uma personagem curiosa viviaento em Troyes: o rabino Salomon Rachi (1040-1105). Foi considerado omaior exegeta dos textos hebraicos e o principal comentador eintrprete do Talmude. Analisava sempre os textos a trs nveis:literal, moral e alegrico. difcil saber se Estvo Harding conheceu pessoalmente Rachi, dadoque este morreu em Praga, em 1105. Em todo o caso, bastante provvelque os seus genros tenham vindo trabalhar para Cister, ao lado dosmonges, para facilitar a traduo de documentos sagrados especialmentedifceis de interpretar.por este meio indirecto, os Templrios beneficiaram de um apoio

    extremamente importante para a pesquisa que pareciam estar a levar acabo no Ocidente.

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    So Bernardo partilhou, sem dvida, o interesse de Estvo Hardingpelos textos hebraicos, embora as provas sejam escassas. Em todo ocaso, ergueu-se muitas vezes contra as perseguies que os judeustiveram de sofrer um pouco por toda a Europa. Fustigou os autores dospogroms e manifestou bastante mais indulgncia religiosa pelos judeusdo que pelos ctaros.

    O concilio de Troyes: para uma regra feita medida

    Claro que Estvo Harding participou no concilio de Troyes, mas teriasido por qualquer coisa relacionada com a redaco da regra? Isso mais difcil de dizer. Alguns quiseram ver nesse texto uma espcie decpia das regras de vida observadas pelos Essnios, no tempo deCristo. Mas que se47

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    sabia, no sculo XII, sobre esses Essnios que nos foram sobretudorevelados graas descoberta dos manuscritos do mar Morto, em Qumran?Seriam veiculadas tradies a eles respeitantes nos meios judaizantes?Teriam os prprios Templrios descoberto, por acaso, documentosessnios? Por certo temos de relegar isto para o campo das simplesconjecturas.Em todo o caso, o concilio de Troyes reuniu-se no dia da festa doSenhor Santo Hilrio, no ano da Encarnao de Jesus Cristo de 1128, aonono ano do incio da supramencionada cavalaria. A assembleiaconsular foi presidida pelo legado do papa: Mathieu d'Albano.Assistiram a ela os bispos de Sens, Reims, Chartres, Soissons, Paris,Troyes, Orlans, Auxerre, Meaux, Chlons-sur-Marne, Laon, Beauvais.Encontravam-se tambm presentes vrios abades, entre os quais EstvoHarding, claro, e leigos como Thibaud de Champagne e o conde deNevers. Entre todas estas personagens, algumas eram amigas de SoBernardo.Logo no prlogo da regra, apercebemo-nos de que a publicidade da Ordemestava pronta para favorecer o seu progresso e que o conjunto seinseria num plano deliberado, a longo prazo. Pode ler-se:Falamos, em primeiro lugar, a todos quantos desprezam ir atrs dassuas prprias vontades e desejam, com pura coragem, servir comocavalaria ao soberano-rei, e com um desvelo aplicado desejam vestir evestem perpetuamente a muito nobre armadura da obedincia. E,portanto, admoestamo-vos - a vs que haveis seguido, at agora,secular cavalaria na qual Jesus Cristo no tomou parte, mas queseguistes apenas por favor humano - a seguir aqueles que Deus escolheuda massa da perdio e ordenou, pela sua agradvel piedade, para adefesa da Santa Igreja, e a que vos apresseis a juntar-vos a elesperpetuamente [ ...].Hugues de Payns exps, perante a douta assembleia, as necessidades daOrdem, tal como as concebia. Depois, o texto foi estudado e discutido,artigo aps artigo. A regra latina que da resultou compreendiasetenta e dois artigos. Tudo, ou quase tudo, estava previsto nela: os

    deveres religiosos dos irmos, os regulamentos que fixavam os actosquotidianos (refeies, distribuio de esmolas, vestes, armamento,etc.), as obrigaes dos irmos uns em relao aos outros, as relaeshierrquicas...A preocupao com o pormenor foi levada muito longe, dado que sedecidia nela como seriam feitos os sapatos, como se cortariam osbigodes, o nmero de oraes a recitar nesta ou naquela ocasio, etc.Tratava-se de adaptar uma regra monstica aos imperativos com que osguerreiros deparavam. Aos Templrios, por exemplo, no podiam serimpostos jejuns to severos como nas outras ordens, seno como teriam48foras para se bater? Pela mesma razo, um monge fatigado eradispensado de satisfazer todas as suas obrigaes de orao:

    precisavam de descansar para reconstiturem as suas foras deguerreiros. Mesmo assim, a obedincia ao Mestre devia ser absoluta,militar.A regra foi rapidamente complementada por vrias bulas pontificais,bem como pelos Retrais que desenvolveram, nomeadamente, tudo o quese relacionava com a disciplina e as sanes eventuais e queenumeraram o conjunto dos deveres aos quais cada um estava submetido.A regra foi traduzida para francs, em 1140, e recebeu, nessa altura,algumas modificaes. Nomeadamente, o novo texto recomendava que seatrassem os excomungados para a Ordem, para sua redeno. Com efeito,o artigo diz:L onde souberdes que se renem cavaleiroS EXCOMUNGADOS, l que vosordenemos que vades, e se houver entre eles quem queira ir juntar-se

    cavalaria de Alm-Mar, no devereis esperar o lucro temporal tantoquanto a salvao eterna da sua alma, quando o texto da regra latina

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    afirmava: L onde souberdes que se renem cavaleiroS NO EXCOMUNGADOS... , isto , precisamente o inverso...Erro de copista? o que pensa a maior parte dos comentadores, mas impossvel porque outras passagens da regra latina que proibiam oconvvio com homens excomungados foram modificadas. Tratava-se, pois,de uma alterao voluntria - e importante - a que teremos ocasio devoltar.Alis, outras alteraes tinham sido introduzidas sem sequer esperarpela redaco da regra em francs. Quando Hugues de Payns regressou aoOcidente, o patriarca de Jerusalm revira doze artigos e acrescentaravinte e quatro, entre os quais o facto de reservar o manto branco daOrdem apenas aos cavaleiros.Na realidade, a verso latina e a verso francesa parecem correspondera duas lgicas diferentes, em vrios pontos. O concilio de Troyesdissera que deixava ao papa e ao patriarca de Jerusalm o cuidado deaperfeioarem a regra de acordo com as necessidades da Ordem noOriente. Foi, alis, essencialmente a partir de 1163, aps apublicao da bula Omne Datum Optimum, que todos esses regulamentosforam fixados definitivamente. Esse texto reforava ainda mais ospoderes da Ordem e do seu Gro-Mestre. Autorizava os Templrios aconservarem para si mesmos o saque tomado dos Sarracenos, colocava aOrdem sob a tutela exclusiva do papa, permitindo-lhe assim escapar aqualquer outra forma de poder da Igreja, incluindo o do patriarca deJerusalm. Quando49

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    sabemos, por exemplo, que a nomeao dos bispos dependia em grandemedida do rei e do poder poltico em geral, compreendemos aimportncia de uma tal medida, dado que protegia os Templrios dequalquer ingerncia a esse nvel e dava-lhes, at certo ponto, umestatuto internacional. A bula confirmava, ademais, que os bens daOrdem estavam isentos de dzimo; em contrapartida, com a anuncia dobispo local, os Templrios tinham o direito de lanar o dzimo emproveito prprio. Por outro lado, o texto proibia que os Templriosfossem submetidos a juramento e estipulava que apenas os irmos daOrdem podiam participar na eleio do Gro-Mestre. A bula fixava econdensava os estatutos da Ordem e proibia a quem quer que fosse,eclesistico ou no, de alterar alguma coisa neles. Permitia, por fim,que o Templo tivesse os seus prprios capeles, junto dos quais osirmos podiam confessar-se sem terem de recorrer a uma pessoa exterior Ordem, e construssem capelas e oratrios privados. Ademais, eram osnicos que podiam utilizar as igrejas e capelas das parquiasexcomungadas.Assim, a Ordem do Templo encontrava-se perfeitamente autnoma, sem queningum, a no ser o papa - mas teria ele esse poder? -, pudesseimiscuir-se nos seus assuntos. Esta independncia era uma realidade,tanto no campo econmico como no da organizao militar ou no campoespiritual e ritual. Tudo se passou como se se tivesse deixado aosTemplrios